segunda-feira, 12 de dezembro de 2016


JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL

1.PRELIMINARES

Os pressupostos de admissibilidade consistem em obstáculos (condições) que devem ser superados para permitir o julgamento do mérito das razões recursais. Quando admissível o recurso, mercê do cumprimento desses requisitos, se diz que ele é conhecido; inadmissível, ele é não conhecido.

Somente após superado esse juízo de admissibilidade, e sendo conhecidas as razões recursais, passa-se à análise do mérito pelo juízo “ad quem”, cuja decisão dará provimento ou não provimento ao recurso.

O NCPC traz uma inovação quanto ao juízo de admissibilidade da apelação.Conforme dispõe o artigo 1.010, § 3o, todo juízo de admissibilidade da apelação passará a ser feito no segundo grau, ou seja, não haverá mais juízo de admissibilidade no órgão a quo“NCPC - art. 1.010. [...] § 3o Após as formalidades previstas nos §§ 1o e 2o, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade. ”

2.CLASSIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS

Os pressupostos são divididos em extrínsecos (relativos ao exercício do direito de recorrer) e intrínsecos (inerentes à própria existência do direito de recorrer. Assim, os

2.1 PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS – São os inerentes ao aspecto interno do pronunciamento judicial recorrido, são 3, a saber:

a) Cabimento

b) Legitimidade para recorrer

c) Interesse recursal

2.2 PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS – São os relacionados a fatores externos à decisão recorrida, são:

a) Preparo

b) Tempestividade do recurso

c) Regularidade formal

d) Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer

2.2 PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS - esta categoria de pressupostos está mais relacionada ao aspecto interno da própria decisão recorrida e, por isso, são verificáveis por meio do conteúdo e da forma do pronunciamento impugnado.

a) CABIMENTO (recorribilidade e adequação)

Para que o recurso satisfaça esse pressuposto do cabimento, é necessária a existência de 2 fatores, quais sejam:

a) recorribilidade, ou seja, que exista a previsão legal do recurso, que o recurso esteja previsto na lei; e

b) adequação, isto é, que o recurso seja adequado à espécie, já que a lei prevê um recurso determinado para atacar cada pronunciamento judicial.

A recorribilidade decorre do princípio da taxatividade, segundo o qual é necessário que haja a expressa definição legal de cada recurso. Em outras palavras, o rol dos recursos é taxativo, ou seja, é numerus clausus, de sorte que recurso é somente aquele previsto em lei, não se podendo criar um recuso por interpretação analógica ou extensiva, nem por norma estadual ou regimental.


Portanto, temos agora um rol taxativo com 9 espécies de recursos cabíveis no processo civil brasileiro.Em relação à adequação, significa que cada pronunciamento judicial deve ser atacado por um remédio específico.

Nesse ponto, destacamos os seguintes princípios:

- princípio da unirrecorribilidade ou unicidade, segundo o qual para cada decisão impugnada há apenas um único recurso cabível, cabendo à parte escolher o recurso adequado;

- princípio da instrumentalidade das formas e princípio da fungibilidade recursal, segundo os quais se o ato alcançar sua finalidade, não deve ser decretada sua nulidade, admitindo-se a conversão e o recebimento de um recurso por outro, no caso de equívoco justificado da parte e desde que não tenha havido erro grosseiro ou má-fé do recorrente, além da preclusão do prazo



b) LEGITIMIDADE PARA RECORRER

A legitimidade recursal pode ser facilmente compreendida com a seguinte indagação: “Quem pode recorrer”?

No NCPC, encontramos essa resposta no artigo 996, ambos in verbis:

Art. 996. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica.

Parágrafo único. Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual.”

Nesse ponto os LEGITIMADOS RECURSAIS são:

a) parte vencida, que não se refere apenas ao autor ou réu, mas também ao assistente, ao denunciado, ao chamado, entre outros, como, por exemplo, o juiz na exceção de suspeição.

b) terceiro prejudicado, que, conforme o parágrafo único do artigo 996, deverá “demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual”

c) Ministério público, seja tanto atuando como parte ou quanto fiscal da ordem jurídica.

Ao contrário do cabimento, cujo rol é taxativo, o rol dos legitimados recursais é meramente exemplificativo, ou seja, pode haver outros legitimados, como, por exemplo, o chamado amicus curiaealém de outros que, porventura, venham a participar do processo de forma indireta.

c) INTERESSE RECURSAL

São necessários dois pressupostos para configurar o interesse recursal, a saber:

a) necessidade, eis que o recurso deverá ser o único meio para a obtenção do resultado pretendido pelo recorrente.

b) utilidadetendo em vista que o recurso deve subtrair ou ao menos atenuar o gravame, trazendo, assim, um resultado prático mais vantajoso para o recorrente.

2.3 PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Os pressupostos extrínsecos são fatores alheios à decisão impugnada, ou seja, não guardam relação com o conteúdo do pronunciamento recorrido (são atinentes a fatores externos) e, por essa razão – em regra – se referem aos aspectos posteriores ao pronunciamento impugnado.

a) PREPARO – ART. 1.007 DO NCPC

O preparo consiste no pagamento de todas as despesas necessárias, previstas em lei, para a interposição do recurso.

O não pagamento do preparo implica em deserção e é causa de inadmissibilidade do recurso. A deserção consiste na sanção aplicada para o não adimplemento das despesas relativas à tramitação dos recursos.

No NCPC o preparo está disciplinado no artigo 1.007, in verbis:

“Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.

§ 1o São dispensados de preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios, e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.

§ 2o A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias.

§ 3o É dispensado o recolhimento do porte de remessa e de retorno no processo em autos eletrônicos.

§ 4o O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção.

§ 5o É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4o.

§ 6o Provando o recorrente justo impedimento, o relator relevará a pena de deserção, por decisão irrecorrível, fixando-lhe prazo de 5 (cinco) dias para efetuar o preparo.

§ 7o O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.”

Conforme disposto no caput, o preparo continua sendo imediato e deve ser comprovado pelo recorrente no ato de interposição do recurso, sob pena de deserção, exatamente como dispõe o caput do art. 511 do CPC/73.

ação continua sendo 5 dias, conforme disposto no artigo 1.003, § 5o: in verbis: “Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias.”

Já o artigo 219 NCPC, traz uma importante modificação quanto à contagem do prazo, determinando que, em relação aos prazos processuais, serão computados apenas os dias úteis, ao contrário do CPC antigo que estabelecia a contagem em dias corridos.

“Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.”

b) TEMPESTIVIDADE

Outra questão importante em relação à tempestividade é o novo tratamento dado ao recurso prematuro, aquele interposto antes da publicação da decisão recorrida.

Havia na doutrina e na jurisprudência brasileira grande controvérsia em relação a esse tema, sendo que esse debate vinha se intensificando a partir do uso cada vez maior no dia a dia forense de novas tecnologias que passaram a permitir às partes o conhecimento do conteúdo das decisões judiciais antes mesmo da intimação formal (BALEEIRO NETO, 2015).

“Assim, não são raros os casos em que o conhecimento da decisão e a elaboração e protocolo do correspondente recurso se dão antes mesmo da intimação, gerando discussões quanto à tempestividade, tendo em vista nem ter se iniciado o prazo para interposição. (BALEEIRO NETO, 2015).

No entanto, os Tribunais Superiores, levando em consideração um formalismo exagerado e irracional, utilizando da chamada jurisprudência defensiva, firmaram entendimento no sentido de não conhecerem dos recursos prematuros, inclusive com elaboração de súmula pelo STJ nesse sentido.

O NCPC dispõe no artigo 218, § 4o que qualquer ato processual (e não apenas recursos) praticado antes do início do respectivo prazo será considerado tempestivo. Outrossim, no art. 1.024, § 5º, NCPC traz uma regra específica quanto aos recursos interpostos antes da interrupção do prazo decorrente da oposição de embargos declaratórios:

“Art. 1.024. [...]

§ 5o Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.”

Segundo Diógenes baleeiro Neto (2015), essas alterações, embora ainda não estejam em vigor, devem resultar em modificações no entendimento jurisprudencial vigente, bem como na revogação dos enunciados sumulados contrários ao novo regime, antes mesmo de encerrado o prazo da vacatio legis previsto para o novo Código.

b) REGULARIDADE FORMAL

Por este requisito, o recurso só será admitido se o procedimento utilizado para sua interposição se pautar nos critérios descritos em lei, ou seja, a lei impõe determinados requisitos com relação à forma de interposição de cada recurso que devem ser observados, sob pena de inadmissibilidade.

No NCPC esse requisito está previsto no artigo 997: “Cada parte interporá o recurso independentemente, no prazo e com observância das exigências les.”

c) INEXISTÊNCIA DE FATO IMPEDITIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DE RECORRER

Trata-se de pressupostos negativos do recurso, que impedem seu processamento.

Os fatos extintivos consistem na renúncia (NCPC art. 999) e na aquiescência (NCPC art. 1.000), enquanto o fato extintivo consiste na desistência do recurso (NCPC art. 998)

A renúncia consiste na manifestação da parte vencida no sentido de não interpor o recurso e pode ser expressa, quando a parte declara que abre mão do direito de recorrer, ou tácita, quando deixa o prazo do recurso se exaurir. Trata-se de ato jurídico unilateral e não depende da autorização da parte contrária nem tampouco de homologação judicial.

A aquiescência (aceitação do ato decisório), que assim como a renúncia pode ser expressa ou tácita, se verifica quando a parte se conformar com o julgamento desfavorável, ou seja, ocorre quando a parte pratica ato incompatível com a vontade de recorrer.

Por fim, a desistência do recurso é ato jurídico pelo qual a parte desiste do recurso já interposto. Assim como a renúncia, não depende de anuência da outra parte nem de homologação judicial. No entanto, há uma diferença cronológica com a renúncia, pois na desistência o recurso já fora apresentado e a parte desiste do mesmo, enquanto na renúncia ainda não houve a interposição do recurso.


Adaptações do texto de Taís Cristina Carrero Zequini Martini

terça-feira, 6 de dezembro de 2016


PRINCÍPIOS RECURSAIS


No direito, os princípios desempenham a posição ímpar: estabelecer o norte do sistema normativo na criação das leis, bem como à interpretação e aplicação destas. Assim, imprescindível que estudemos os princípios recursais para entender as normas que dispõe sobre os diversos recursos existentes sua finalidade e seu alcance.



PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

É um princípio implícito decorrente do devido processo legal, esculpido no art. 5º, LV da Constituição Federal. Consiste na possibilidade de se provocar um reexame, através de novo julgamento proferido por órgão hierarquicamente superior, da matéria decidida pelo juízo a quo. Essa reapreciação se justifica na medida em que se reconhece a falibilidade humana e, portanto, a possibilidade de equívoco do julgador originário. Revela-se, ainda, temerário atribuir a um único juiz a capacidade de decidir de forma permanente, possibilitando que sejam perpetuadas as decisões proferidas com abuso, parcialidade ou arbitrariedade.



PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE

 A existência dos recursos está vinculada a sua expressa previsão e regulamentação em lei federal, em rol exaustivo. De fato, a criação, modificação ou extinção de espécies recursais são de competência privativa da união.



PRINCÍPIO DA CORRESPONDÊNCIA

A cada decisão corresponde uma espécie determinada de recurso, legalmente prevista. Assim, para a interposição do recurso há que se verificar a exata correlação entre o pronunciamento judicial e a norma federal processual. À título de exemplificação, temos que contra as decisões interlocutórias, caberá agravo; contra as decisões obscuras, caberão embargos de declaração; contra as sentenças de mérito há que se interpor apelação.



PRINCÍPIO DA SINGULARIDADE OU UNICIDADE RECURSAL

 Em face de cada decisão judicial se admitirá a interposição de apenas uma única espécie de recurso. Atente-se que a singularidade diz respeito à cada decisão judicial, havendo mais de uma caberá uma espécie de recurso para cada uma das decisões. Atente-se, ademais, que existe a possibilidade de interposição de mais de um recurso que alveje a mesma decisão, mas nunca simultaneamente.



PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE

Trata-se de um contrapeso ao princípio da correspondência, na medida em que admite o recebimento de um recurso inadequado (não correspondente), no lugar daquele que, segundo a previsão legal, deveria ter sido interposto. Note, entretanto, que a fungibilidade dos recursos está condicionada à existência efetiva de dúvida objetiva sobre o recurso cabível, ou seja, uma real divergência doutrinária ou jurisprudencial.



PRINCÍPIO DISPOSITIVO OU DA VOLUNTARIEDADE

Prescreve que o recurso deve ser um ato de vontade da parte e, por isso mesmo, poderá desistir deste a qualquer momento. Outro aspecto importante é a determinação da matéria recorrida que poderá ser a decisão em sua totalidade ou parcialidade (art. 505 CPC).



PRINCÍPIO INQUISITÓRIO

O princípio sustenta a possibilidade de o tribunal apreciar matéria que não tenha sido suscitada pela parte em suas razões recursais, quando estiver diante de uma nulidade absoluta ou questões de ordem pública, verificáveis ex officio, como as condições da ação e os pressupostos processuais.



PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS

O princípio visa proteger o recorrente impedindo que ele tenha sua condição agravada por seu próprio recurso. Em havendo sucumbência recíproca e recorrendo ambas as partes, a situação de qualquer das partes poderá ser agravada pelo recurso interposto pela parte contrária, mas em nenhuma hipótese pelo seu próprio recurso..



PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN MELIUS

Visa impedir que se melhore a situação do recorrente em razão da análise de matéria que extrapole os limites da pretensão por ele formulada.



PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE

Pressupõe que o conhecimento do recurso está vinculado à apresentação das razões do recurso, bem como à fixação dos limites de análise da matéria, ou seja, a motivação que levou o recorrente a se insurgir contra a decisão recorrida. Todo recurso deve ser discursivo, argumentativo, dialético.



PRINCÍPIO DA CONSUMAÇÃO

O recurso depois de impetrado consome o prazo previsto em lei para sua interposição, gerando preclusão consumativa com a consequente impossibilidade de posterior acréscimo ou alteração do recurso apresentado, bem como nova oposição à mesma decisão.



PRINCÍPIOS RECURSAIS II
1 PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE RECURSAL

Da mesma forma que o ajuizamento de uma ação depende de ato voluntário do autor, também para interpor um recurso, a parte que tiver interesse e legitimidade para recorrer não está obrigada a interpô-lo e mesmo quando interposto, continua atuando ao permitir que o recorrente somente traga à apreciação dos julgadores a matéria que lhe interessa ser reaprecidada.



Vencido o réu numa ação de indenização dos danos materiais e morais, poderá este escolher se deseja apelar da sentença ou não. Mesmo que escolha apelar, poderá colocar às mãos dos eminentes desembargadores apenas a matéria pertinente aos danos materiais ou apenas aquela pertinente aos danos morais.



2 PRINCÍPIO DA SUBSTITUTIVIDADE, ANULAÇÃO OU INTEGRAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA



Percebe-se, pela epígrafe deste tópico, que estamos tratando, a um só tempo, de três princípios. Serão tratados em um tópico único pois verificam-se em situação comum, a saber: o recurso resultará em: a) substituição da decisão anterior, b) anulação da decisão recorrida, ou c) integração da decisão recursal à decisão recorrida. Analisemos brevemente cada um deles.

a) a substituição da decisão anterior, isto é, da decisão recorrida: ocorre quando a decisão prolatada no recurso substitui completamente a decisão anterior. Exemplo: a sentença que condenou o réu ao pagamento de danos materiais, danos morais, honorários advocatícios e custas processuais. O réu apela de todos os capítulos da sentença e consegue obter total provimento da apelação. Esta decisão da apelação substituirá a sentença, passando a valer a redação dada pelo acórdão da Câmara que julgou a apelação. Ressalte-se que teríamos a substituição mesmo que somente um dos capítulos tivesse sido objeto de apelação ou se apenas um dos itens do dispositivo tivesse recebido provimento na apelação.



b) anulação da decisão recorrida: partindo do exemplo da sentença que extinguiu o processo por inépcia da petição inicial. O autor, em sede de apelação, comprova a inexistência da inépcia sendo que o argumento é aceito pelos eminentes Desembargadores que julgaram o recurso. Ao dar provimento à apelação, portanto, anulam a sentença, determinando que os autos retornem ao Juízo a quo para que seja processada a ação. Assim, o processo que antes tinha uma sentença, pelo princípio da anulação da decisão recorrida, deixa de tê-lo.



c) efeito integrativo: consideremos uma decisão interlocutória que nega a antecipação dos efeitos da tutela (indefere pedido liminar) onde se requereu o bloqueio de valores existentes em conta-corrente e ainda, a busca e apreensão de veículo. Ao prolatar a decisão o juízo incorre em omissão deixando de mencionar qual dos pedidos foram deferidos ou se ambos o foram. Assim, importante que seja explicitado em quais termos ocorreu a antecipação dos efeitos da tutela para seu correto cumprimento. O requerido interpõe embargos de declaração para que o prolator da liminar promova o saneamento da decisão suprindo a omissão. A decisão resultante dos embargos de declaração, portanto, integrarão a que defere a liminar. Eis o efeito integrativo: uma decisão integra-se à anterior, que lhe condiz.

Transcrevemos um exemplo de decisão em ADI, no tópico de Embargos de Declaração (veja abaixo), demonstrando a aplicação deste princípio em sede de embargos de declaração, requerendo que a Suprema Corte estabeleça o período que deve abranger a declaração de inconstitucionalidade, modulando os efeitos da decisão em ADI. Ressaltou-se que esta decisão integraria o próprio dispositivo.



3 PRINCÍPIO DA DEVOLUTIVIDADE DA MATÉRIA



Consiste o princípio da devolutividade no retorno da questão sob recurso ao stado-Juiz. Podemos avaliar melhor tal princípio quando analisamos o que ocorre quando alguém busca a tutela jurisdicional do Estado, propondo a ação em primeira instância: como não mais é possível a autotutela, uma pretensão resistida, para ser dirimida, deverá ser remetida ao Poder Judiciário. O Estado, desta forma, recebe a questão para exarar a decisão. Assim, enquanto tramita a ação, dizemos que a lide está às mãos do Estado. Exarada a decisão, podemos dizer que o Estado devolve às partes a questão com a solução da lide. Mas, estando as partes inconformadas com a decisão, ou parte dela, podem interpor o cabível recurso. Com este ato, isto é, interposição do recurso, a lide retorna ao estado – em parte ou no todo – constituindo o efeito devolutivo do recurso.

Exemplificando, podemos partir de uma ação de cobrança: o credor afirmou que tentou em vão receber do devedor; este, por sua vez, alega que nada deve ao credor. O credor ajuíza uma ação de cobrança desejando receber o valor principal, juros e correção monetária. O MM. Juiz decide a lide e prolata a sentença após ouvir as partes e apreciar todas as provas. Sua sentença encerra a fase em que o Estado estaria cuidando da questão e decide em Sentença – a título de exemplo – pela inexistência do crédito e ainda condena o mesmo em honorários advocatícios e custas processuais. O credor, que foi autor da ação de cobrança, resolve apelar da sentença, já que não se conforma com o teor desta. Ao assim agir, devolve ao Estado, por meio do Poder Judiciário, a discussão sobre a existência da dívida e todos os seus acréscimos.

O princípio da devolutividade estabelece os contornos, ou limites, do que deverá ser apreciado. Assim, se a sentença teve cinco capítulos e apenas o autor apela, insurgindo-se de dois capítulos, somente estes é que podem ser apreciados pelo Tribunal que decide o recurso.



4 PRINCÍPIO DA SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO A QUO



As decisões jurisdicionais, em regra, não produzem efeitos enquanto não julgado o recurso a ela interposto. Assim podemos definir o princípio em análise. Citamos como exemplo o art. 520 do CPC ao estabelecer que a apelação será recebida, em regra, nos princípios devolutivo (já o explicamos acima) e suspensivo.



5 PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE (LEGALIDADE)



Da mesma forma que um ato não pode ser considerado crime enquanto não existir lei tipificando a conduta, nenhum recurso será considerado legitimamente existente senão criado por lei. Também um tributo não pode ser criado sem lei que o estabeleça.

De fato, todos os recursos existentes encontram-se devidamente albergados por lei específica, especificamente positivados no Código de Processo Civil.



6 PRINCÍPIO DA SINGULARIDADE OU UNICIDADE (UNIRRECORRIBILIDADE)



Por meio de tal princípio, para cada situação decisória, somente um recurso pode ser manejado. Partindo de uma sentença que apresenta uma contradição (ver adiante, no tópico de embargos de declaração), pode-se interpor a apelação mas necessário, antes, sanar tal contradição. Não é possível interpor os embargos e, ao mesmo tempo, a apelação. Repetimos, para frisar: somente um recurso poderá ser manejado em cada situação: ou os embargos de declaração ou a apelação.



7 PRINCÍPIO DA INCINDIBILIDADE DA DECISÃO RECORRIDA



A incindibilidade consiste em manter íntegra a decisão que possui três elementos dorsais: o relatório, os fundamentos e o decisum ou parte dispositiva. Estes devem guardar harmonia, estando absolutamente sintonizados intrinsicamente. Assim, ao se interpor um recurso não é possível buscar uma interpretação do decisum que não guarde sincronismo com os respectivos fundamentos. Se uma sentença tiver cinco capítulos, todos eles devem estar identificados no relatório, expostos os fundamentos da análise e, finalmente, decididos no decisum.

Apelando-se apenas de um dos capítulos da sentença, como, por exemplo, dos danos morais, não é possível desconsiderar-se seus fundamentos.

8 PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE



Em cumprimento ao princípio da dialeticidade, deve-se apontar as razões pelas quais levou a parte recorrente a interpor o recurso sob julgamento, atendendo ao que dispõe, por exemplo, os artigos 514 para o recurso de apelação e o 524 relativo ao agravo de instrumento.



9 PRINCÍPIO DISPOSITIVO (PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS)

Este princípio decorre de dois outros princípios, mas não é necessariamente decorrente dele:

a) princípio da inércia: o recurso é uma prerrogativa da parte, não podendo ser impelido pelo Estado ou quem quer que seja, a recorrer, mesmo que a inércia lhe traga prejuízos, da mesma forma como ocorreu quando decidiu (no caso do autor) a ajuizar a ação. Se o autor, por exemplo, tiver julgados improcedentes seus pedidos, escolherá, livremente, se apelará ou não.



b) princípio da congruência (delimitação da matéria sob exame): os elementos trazidos ao Estado-Juiz para julgar devem servir como delimitadores do que poderá ser objeto da lide; também no recurso, o mesmo se verifica: se houve uma condenação a diversos capítulos e somente um deles foi objeto de apelação, não poderão os julgadores, ultrapassar tais limites e analisarem toda a demanda, novamente.

Trazidos estas bases, podemos agora analisar o que constitui o princípio dispositivo: não poderá haver, para a parte que recorre, uma condenação mais severa ou maior do que a recorrida. Se o réu foi condenado a indenizar, por danos morais, o valor de R$ 20.000,00 ao autor, quando apela, não poderá ver sua condenação ser elevada para R$ 30.000,00 (caso apenas ele, réu, tenha apelado). A base para tal é para não que o apelante não tenha receio de ver piorada sua situação.

O cuidado que devemos tomar é com relação a recursos oferecidos por ambas as partes, e que devolvam ao Tribunal toda a matéria, cada parte no que foi vencido ou condenado. Assim, não haverá limites a nenhuma das partes.



10 PRINCÍPIO INQUISITIVO



Desdobra-se o presente princípio, em duas partes:

a) admissibilidade de cognição ex-offício de questões relevantes para o julgamento do recurso: ao interpor o recurso, a parte poderá trazer a atenção todas as questões que são importantes para dirimir a questão objeto deste, mesmo que não diretamente vinculados ao objeto do recurso.



b) dever de produzir todas as provas relevantes para decidir a matéria devolvida em sede recursal: igualmente como ocorreu na dilação probatória de primeiro grau, as partes devem apresentar à Corte todas as provas necessárias para formar seu convencimento no recurso que lhes foi trazido. Obviamente que o recorrente terá interesse em fazê-lo, mas deve igualmente o recorrido, apresentar as provas, quando lhe concedida a oportunidade para manifestar-se, no primeiro momento, sob pena de preclusão.



11 DA CORRESPONDÊNCIA



Estabelece o princípio da correspondência que a cada situação decisória caberá um recurso específico. Em outros termos, a cada decisão, haverá um correspondente ou adequado recurso.



Desta forma, para exemplificar, se estivermos diante do deferimento de uma medida liminarmente requerida, o recurso que corresponde à situação é o Agravo que poderá ser Retido ou de Instrumento, dependendo se estiver ou não demonstrada a urgência e ameaça de grave e irreparável dano. Não apresentar nossa irresignação a esta situação decisória por meio de apelação, por exemplo.



Outro exemplo: se a decisão acima apontada como exemplo, contiver o vício formal da contradição, o instrumento correspondente denomina-se: embargos de declaração.



Como demonstramos, para cada espécie de decisão ou incidente sobre ela, corresponde-lhe um recurso, constituindo tal fato jurídico na concretização do princípio da correspondência.



12 PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE



Existindo divergência de interpretação doutrinária ou jurisprudencial acerca do cabimento de um ou outro recurso a uma mesma situação decisória, poderá o emérito julgador do recurso converter uma espécie em outra, visando o máximo aproveitamento dos atos processuais e da celeridade. Em outros termos, se a parte ajuizar uma ação principal e uma medida cautelar mas o magistrado entender tratar-se a cautelar de pedido de antecipação de tutela, poderá o magistrado converter, em nome do princípio da fungibilidade dos recursos, a medida cautelar em petição de antecipação dos efeitos de tutela.



13 PRINCÍPIO DA CONSUMAÇÃO



Um ato processual consuma-se quando praticado. Com esta assertiva é possível sintetizar o significado e alcance do princípio da consumação. Realmente, quando refletimos sobre a preclusão e suas modalidades: temporal, lógica e consumativa, alcançamos o efeito do princípio em análise.

Analisando uma situação-exemplo nos auxiliará ainda mais: imaginemos que prolatada uma sentença o réu dela deseja insurgir-se, eis que condenado a indenizar os danos morais e lucros cessantes. Como tomou conhecimento do conteúdo da decisão no forum, resolve, para ganhar tempo, elaborar e ajuizar a apelação. Concluída, promove o recolhimento do preparo respectivo e protocola o recurso.

Chegando em seu escritório, difundindo o feito aos quatro ventos, pela forma ágil que desincumbiu-se do encargo, seu colega alerta que na sentença há uma omissão, acerca da data em que devem incidir os juros e a atualização monetária e qual índice deve ser aplicado para esta o que ensejaria a interposição dos Embargos de Declaração. Pior: nem a sentença muito menos a apelação trataram do índice de juros. Poderia ser interposta outra apelação, em relação tais itens? Não, pelo princípio da consumação, pois o ato recursal já foi exaurido.

Vale investigar: qual o valor que protege o princípio da consumação? Ora, uma relação jurisdicional estabiliza-se objetiva e subjetivamente após o despacho saneador na ação; da mesma forma, a relação jurisdicional recursal deve ter um momento de estabilização para que a prestação desta tutela possa prosseguir e chegar ao fim; inadmissível seria permitir que um ato seja praticado por mais vezes, o que postergaria indefinidamente a decisão do recurso em trâmite.



14 PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE



A decisão recursal agrega-se de tal forma à decisão recorrida que a ela se anexa de forma intransponível; analisando-se um recurso, a eventual decisão recursal deve ser posta no conjunto. Equivale dize que os embargos de declaração obrigatoriamente devem ser considerados para analisar a respectiva sentença ou decisão interlocutória.



15 PRINCÍPIO DA INEFICÁCIA DAS DECISÕES RECORRÍVEIS



Estabelece o art. 520 do CPC que a apelação será recebida no efeito devolutivo e suspensivo. A regra geral pode ser extraída da interpretação do art. 497, também do CPC, a saber: as decisões cujos recursos ainda não foram julgados, não podem ensejar seu imediato cumprimento sendo a interposição do recurso especial ao STJ e do recurso extraordinário ao STF; também a interposição do agravo de instrumento não impede o andamento do respectivo processo. Podemos concluir, portanto, que o art. 497 apresenta as exceções ao princípio da ineficácia dos efeitos das decisões sob recurso.



16 PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE DO ÓRGÃO JULGADOR



A revisão da decisão jurisdicional deve, em regra, ser apreciada por um colegiado de magistrados, não sendo, necessariamente, por uma instância superior. O exemplo hodiernamente mais citado é o Recurso Inominado, no âmbito dos Juizados Especiais, em que a sentença é encaminhada a três juízes de direito para apreciar, em mesma instância, formados em Turma Recursal.

Neste sentido, para instigar ainda mais o debate acadêmico sobre a natureza jurídica dos embargos de declaração, aqui expostos, é que asseveramos que estes são apreciados e julgados pelo próprio magistrado que exarou a decisão recorrida e não por um colegiado necessariamente; ou seja, esta é mais uma característica que afasta este instrumento processual do rol dos recursos (veja o tópico específico deste recurso, abaixo).

domingo, 27 de novembro de 2016

AS GERAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO                                                                Dymaima Kyzzy Nunes

Resumo: Este trabalho visa, de uma maneira concisa e breve, analisar no que consistem as gerações de direito, cada uma delas, em particular, e a sua relação com o Estado Democrático de Direito, de maneira a demonstrar que a efetivação desses direitos somente se pode dar em países nos quais a democracia e o Estado de Direito vigem, não só de direito, mas principalmente de fato, apresentando, assim, a relação entre e concretização de direitos humanos fundamentais e a democracia característica dos Estados de Direito.

Palavras-chave: gerações de direitos humanos, direitos fundamentais, internacionalização, Estado democrático de direito, igualdade, justiça.

1. GERAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS:

A positivação dos direitos que hoje são alcunhados de fundamentais e que correspondem, de mais a mais, às gerações de direitos humanos deu-se, nas variadas Cartas Fundamentais, em correspondência ao transcurso da história da humanidade e efetivamente se perfectibilizou no ordenamento jurídico pátrio, com a proporção que hoje se concebe, com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, como uma conseqüência histórica da transmudação dos direitos naturais universais em direitos positivos particulares, e, depois, em direitos positivos universais (PIOVESAN, 2004, p. 124).

Por isso mesmo, inexiste equívoco quando se confere a essa Norma Fundamental a atribuição de refletir um momento histórico significativo, o atual, porque o máxime do alargamento no campo dos direitos e garantias fundamentais até hoje conquistado, colocando-se, ainda, “entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria” (PIOVESAN, 2004, p. 25).

São, assim, considerados humanos, os direitos conferidos a todo e qualquer sujeito, no intuito de se resguardar sua dignidade, direitos esses que “a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir” (HERKENHOFF, 1994, p. 31), todos decorrentes de alterações no pensamento filosófico, jurídico e político da humanidade, e que, positivados, convencionou-se designar por “direitos fundamentais”.

Como precedente histórico de processo de internacionalização dos direitos humanos, assinala-se a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho, convenções pelas quais foi possível, pela primeira vez, “redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de direito internacional” (PIOVESAN, 2004, p. 125).

Em ambas as convenções, criadas antes da Primeira Guerra Mundial, visou-se estabelecer limites à atuação estatal e garantir a observância dos direitos fundamentais, assinalando a necessidade de se relativizar a soberania dos Estados.

“Vale dizer, o advento da Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do Direito Humanitário registra o fim de uma época em que o Direito Internacional era salvo raras exceções, confinado a regular relações entre Estados, no âmbito estritamente governamental. Através destes institutos, não mais se visava proteger arranjos e concessões recíprocas entre os Estados. Visava-se sim ao alcance das obrigações internacionais a serem garantidas ou implementadas coletivamente que, por sua natureza, transcendiam os interesses exclusivos dos Estados contratantes. Estas obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados” (PIOVESAN, 2004, p. 128-129).

Na sequência, após a Segunda Grande Guerra, palco de massacres e conhecido genocídio das mais distintas etnias, efeito do fortalecimento do totalitarismo estatal dos anos 30, a humanidade percebeu a premência de se resguardar, mediante eficazes medidas, a dignidade da pessoa humana.

Conforme assinala Thomas Buerguenthal:

“O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse” (IN. PIOVESAN, 2004, p. 131).

E efetivamente, remonta a história, somente com o pós-guerra, depois de todas as atrocidades ocorridas sob o argumento da hibridização da raça ariana, projeto político e industrial sabidamente abraçado por Adolf Hitler, com a real ruptura do paradigma dos direitos humanos, mediante uma negação dos valores mais comezinhos ao homem concedidos, emergiu, significativamente, no pensamento ocidental, a necessidade de se reconstruir tais direitos.

O Tribunal de Nuremberg, no qual foram julgados os crimes cometidos ao longo do Nazismo, ou por líderes nazistas, ou por oficiais militares, teve sua composição e procedimentos básicos fixados pelo acordo de Londres e tinha, claramente como objetivo, reprimir futuras práticas de atos contrários aos direitos humanos e demonstrar, para a comunidade internacional a força normativa dos direitos humanos, de amplitude universal, significa dizer, a comunidade internacional testemunhou a importante marca de que os direitos humanos, a partir de então, deixavam de ser questão de direito doméstico, para tornarem-se matéria de cunho extra-estatal.

Desse momento histórico, portanto, resultaram a Declaração Universal, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 1948 e a Convenção Internacional sobre a prevenção e punição do crime de genocídio, ambas marcos inaugurais de “uma nova fase histórica, que se encontra em pleno desenvolvimento” (COMPARATO, 2004, p. 56).

Fábio Konder Comparato analisa e relata essa nova fase, asseverando:

“Ela é assinalada pelo aprofundamento e a definitiva internacionalização dos direitos humanos. Meio século após o término da 2ª Guerra Mundial, 21 convenções internacionais, exclusivamente dedicadas à matéria, haviam sido celebradas no âmbito da Organização das Nações Unidas ou das organizações regionais. Entre 1945 e 1998, outras 114 convenções foram aprovadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho. Não apenas direitos individuais, de natureza civil e política, ou os direitos de conteúdo econômico e social foram assentados no plano internacional. Afirmou-se também a existência de novas espécies de direitos humanos: direitos dos povos e direitos da humanidade” (COMPARATO, 2004, p. 56).

Dessa maneira foi que a Declaração definiu, como nunca antes, os padrões éticos e morais a serem perseguidos pelos Estados, conferindo uma gama extensa de direitos e faculdades sem as quais um ser humano já não mais poderia desenvolver sua personalidade intelectual, física e moral e acarretando uma repercussão tal que “os povos passaram a ter consciência de que o conjunto da comunidade humana se interessava pelo seu destino” (PIOVESAN, 2004, p. 146).

Ademais, além de internacionalizar os direitos ali contidos, a Declaração também teve a função de conjugar, harmonizar ou conciliar as gerações de direitos civis e políticos (primeira geração de direitos) aos direitos econômicos, sociais e culturais (segunda geração), equalizando, desta forma, o discurso liberal e o discurso social defensores da cidadania, atando o valor da liberdade ao da igualdade, dicotomia que até então não se cria pudesse ser ultrapassada.

Em breves linhas, os fatos históricos dão conta de que até a subscrição desta Declaração, tal antagonismo entre o direito à liberdade e o direito à igualdade era reputado intransponível, porquanto, se de um lado, consagravam-se a ótica contratualista, fundante do Estado Liberal, erigido filosoficamente pelos ideais de Locke, Montesquieu e Rousseau e pelo qual ao Estado era vedada a atividade excessiva, restritiva da liberdade dos cidadãos, por outro, imperiosa era a proteção de direitos sociais, a consagrar a igualdade entre os indivíduos, no qual o Estado passava a ser visto como “agente de processos transformadores”, no sentido de prestador de direitos sociais (PIOVESAN, 2004, p. 147), valores tais cujos vetores claramente apontavam para sentidos ontologicamente opostos, razão de ser da flagrante dicotomia anunciada.

“Considerando este contexto, a Declaração de 1948 introduz extraordinária inovação, ao conter uma linguagem de direitos até então inédita. Combinando o discurso liberal da cidadania com o discurso social, a Declaração passa a elencar tanto direitos civis e políticos (arts. 3º a 21), como direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28) (PIOVESAN, 2004, p. 148).

Feito sucinto escorço histórico da emergência dos direito humanos no âmbito internacional, mister separar, uma a uma, as gerações de direitos, consoante proposição contida neste trabalho.

Impende salientar, no entanto, tal sistematização dos direitos humanos em gerações de direitos, não acompanha qualquer hierarquização desses valores, mas tão só corresponde ao seu reconhecimento em dado momento histórico e em determinados ordenamentos jurídicos.

1.1 Direitos humanos de primeira geração:

Os direitos humanos de primeira geração são resultantes, principalmente, da Declaração Francesa dos direitos do Homem e do Cidadão e da Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, que surgiram após o confronto entre governados e governantes, é dizer, da insatisfação daqueles com a realidade política, econômica e social de sua época, e que resultou nessas afirmações dos direitos de indivíduos em face do poder soberano do Estado absolutista (LAFER, 1988, p.126).

Tais documentos, segundo Comparato (2006, p. 51):

“[...] representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as organizações religiosas. Mas em contrapartida, a perda da proteção familiar estamental ou religiosa tornou o indivíduo muito mais vulnerável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei. Esses direitos, visando a proteção das liberdades individuais ao impor limites ao Estado, recebem a denominação, por alguns autores de direitos humanos de primeira geração ou primeira dimensão.”

E Cesar Lafer (1988, p. 126) afirma:

“Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789 são neste sentido, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara demarcação entre Estado e não Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração individualista. São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social. Por isso, são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício – é individualmente que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito passivo do direito – pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os demais indivíduos, já que esses direitos têm como limite o reconhecimento do direito de outro [...]”.

Filosoficamente, pode-se creditar o surgimento e o resguardo dessa geração direitos à moral individualista e secular, que colocava o indivíduo como centro do poder e rechaçava, de outra parte, a promiscuidade entre poder político e religioso, assinalando a secularização do poder do Estado (BOBBIO, 1992, p. 60). São, destarte, os direitos individuais, que resguardam as liberdades individuais e impõem limitações ao poder do Estado, decorrentes da evolução do direito natural e sofrendo importante influência dos ideais iluministas, como se pode extrair do pensamento filosófico de Rousseau, Locke e Montesquieu, principalmente.

Em verdade, há quem assinale que as dimensões de direitos humanos foram separadas conforme o lema da Revolução Francesa de 1789, liberte, igualité, fraternité, ao qual a liberdade corresponderia à primeira, a igualdade a segunda e a fraternidade à terceira geração de direitos, sobrevindo, somente anos depois, as quarta e quinta gerações de direitos humanos, expressão originariamente criada por Karel Vasak na aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estraburgo e posteriormente emprestada por Norberto Bobbio (LIMA, 2003).

Essa dúvida, no entanto, desmerece maiores delongas, já que não perfaz a matéria que se pretende analisar neste trabalho, razão porque breves as linhas que encerram tal explanação.

1.2 Direitos humanos de segunda geração:

Mais tarde, porém, com a consagração dos direitos de liberdade, ocorreu a passagem destas, as chamadas liberdades negativas, para os direitos políticos e sociais, que exigiam uma intervenção direta do Estado, para ver-se concretizados, com a passagem da consideração do indivíduo singular, primeiro sujeito a quem se atribuiu direitos naturais, para grupos de sujeitos, sejam famílias, minorias étnicas ou até mesmo religiosas. Os direitos sociais ou prestacionais, como o direito à saúde, configuram, assim, um dos elementos que marcaram a transição do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, direitos que impõem, determinam ou exigem do Estado enquanto ente propiciador da liberdade humana, não mais aquela atividade negativa, de restrição de sua atuação, mas uma ação positiva, através de uma efetiva garantia e eficácia do direito fundamental prestacional(HUMENHUK, 2004).

De segunda geração, são, pois, os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, dentre outros, cujo sujeito passivo é o Estado, que tem o dever de realizar prestações positivas aos seus titulares, os cidadãos, em oposição à posição passiva que se reclamava quando da reivindicação dos direitos de primeira geração (LAFER, 1988, p. 127). Foram positivados somente nas Constituições francesas liberais de 1791 e 1973, sendo ampliados e reafirmados pela Constituição francesa de 1948, carta política esta que correspondeu com a consciência da população, verdadeira interessada na efetivação de tais direitos, dos problemas resultantes da revolução industrial e a condição dos operários (LAFER, 1988, p. 127-128; COMPARATO, 2001, p. 51).

1.3 Direitos humanos de terceira geração:

À par das dificuldades e das conquistas decorrentes da diuturna luta social pelo reconhecimento e pela eficácia dos direitos civis e políticos, de primeira geração, e dos direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de segunda geração, outros valores, até então não tratados como prioridade na sociedade ocidental, foram colocados na pauta de discussão em período posterior ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Referidos valores, para serem efetivados, exigiam soluções inovadoras que só o reconhecimento de direitos de estirpe diversa dos já positivados poderia satisfazer. Estes novos direitos passaram, assim, a serem alcunhados de direitos de terceira geração.

Tais direitos, também conhecidos como direitos da solidariedade ou fraternidade, caracterizam-se, assim, pela sua titularidade coletiva ou difusa, tendo coincidido o período de seu reconhecimento ou positivação com o processo de internacionalização dos direitos humanos (TAVARES, 2006, p. 421-422; ALMEIDA, 1996, p. 45).

Sobre esta geração de direitos, destaca Ingo Wolfgang Sarlet, que (1998, p.50-51):

“[...] trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. […] Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. Cuida-se na verdade do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.”

Tais direitos, sabe-se, caracterizam-se pelo distintivo de demandarem a participação intensa dos cidadãos, sem a qual não tem eficácia, requerendo a existência de uma consciência coletiva na atuação individual de cada membro da sociedade, em aliança com Estado.

1.4 Direitos humanos de quarta geração:

Há doutrinadores, ainda, que reconhecem a existência de uma quarta geração ou dimensão de direitos humanos, que se identificariam com o direito contra a manipulação genética, direito de morrer com dignidade e direito à mudança de sexo, todos pensados para o solucionamento de conflitos jurídicos inéditos, novos, frutos da sociedade contemporânea. Há, ainda, doutrinadores, como o constitucionalista Paulo Bonavides, que entendem que a quarta geração de direitos identificar-se-ia com a universalização de direitos fundamentais já existentes, como os direitos à democracia direta, à informação e ao pluralismo, a exemplo (SARLET, 1998, p. 52).

1.5 Direitos humanos de quinta geração:

Finalmente, os direitos humanos da quinta geração, como os de quarta, também não são pacificamente reconhecidos pela doutrina, como o são os das três primeiras. No entanto, os direitos que por essa geração são reconhecidos, quais sejam, a honra, a imagem, enfim, os “direitos virtuais” que ressaltam o princípio da dignidade da pessoa humana, decorrem de uma era deveras nova e contemporânea, advinda com o exacerbado desenvolvimento da Internet nos anos 90.

Tais valores, portanto, são defendidos e protegidos por essa geração de direitos, com a particularidade de protegê-los frente ao uso massivo dos meios de comunicação eletrônica, merecendo, assim, proteção não só as pessoas naturais, mas também as pessoas jurídicas (art. 50, Código Civil de 2002).

2. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:

Visando uma melhor elucidação do termo, necessária uma breve fragmentação do instituto, para se examinar, assim, o que seja, o Estado de Direito e o Estado Democrático.

No entanto, mister ressaltar, tal definição fragmentada, por si só, não é o bastante para conceituar o que seja o Estado Democrático de Direito, que exige um novo e terceiro conceito, incorporando um “componente revolucionário de transformação do status quo” (DA SILVA, 2002, P. 119).

Igualmente, não se vislumbra nesse trabalho a possibilidade de que um Estado que não seja de Direito possa vir a ser Democrático. E ainda, entende-se que a democracia não é um valor que se garante através da normatização de direitos e deveres perante o Estado, exigindo também, ainda mais, a concretização dos direitos humanos, como mais adiante se verá.

2.1. O Estado de Direito:

Originariamente, o Estado de Direito era uma definição de Estados liberais, cujas características mais marcantes se perfazem na submissão de todos à lei e cuja elaboração era de competência do Legislativo, formado por representantes do povo, na separação de poderes, que dividisse de maneira independente e harmônica o Legislativo, Executivo e Judiciário, garantindo, assim, a imparcialidade e justeza na elaboração e aplicação das normas e na garantia dos direitos humanos e fundamentais.

Tais exigências, que remontam à origem dessa forma de Estado, ainda consistem a base principal do Estado Democrático de Direito, configurando, assim, uma grande conquista da civilização liberal (DA SILVA, 2002, p. 113).

Advém, portanto, do princípio da legalidade a concepção do Estado de Direito, porque a democracia, nesses Estados, pauta-se principalmente em normas positivas, vigentes para todos, sem restrições. É, de fato, na essência dessa forma de Estado a subordinação da atuação estatal à Constituição e à legalidade democrática.

“A lei é efetivamente o ato de maior realce na vida política. Ato de decisão política por excelência, é por meio dela, enquanto emanada da atuação da vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na realização de seus interesses” (DA SILVA, 2002, p. 121).

Mas, não é qualquer lei que torna democrático o Estado de Direito, e sim normas que visem a concretização da igualdade e da justiça, “não pela sua generalização, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais” (DA SILVA, 2002, p. 121).

Portanto, não é equívoco dizer-se que no Estado de Direito, a lei é um valor basilar a ser considerado e respeitado, mas que, por ser democrático, o Estado deverá efetivar as normas e preceitos normativos que respaldem valores tais que concretizem a igualdade e a justiça, principalmente (DA SILVA, 2002, p. 121).

2.2 O Estado Democrático:

O Estado Democrático é, assim, aquele no qual há a soberania popular, é dizer, aquele que exige a participação efetiva e positiva do povo na res publica, mas que não se encerra na simples formação de instituições representativas ou na democracia representativa, mas que impõe, isto sim, a participação da população nas decisões importantes do Estado.

É, em outras palavras, o Estado que, em contraponto ao Estado Liberal, todos têm direito igualitário à participação, atuação esta que a própria Carta Fundamental deve exigir e reclamar dos cidadãos.

Por isso invoca-se, não raras vezes, o Estado Social de Direito, para ultrapassar aquele conceito clássico e liberal de Estado Democrático, como sendo tão somente aquele no qual se respeita a legalidade das normas, para estabelecer-se, entre a democracia e a igualdade, um nó górdio que não se desata ou que, uma vez cortado, implica na inviabilidade de ambos os conceitos, Estado esse no qual a concepção mais recente do Estado Democrático de Direito reflete exatamente um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção (DA SILVA, 2002, p. 118).

Segundo lição de Alain Touraine, sociólogo francês estudioso da área, o conceito de democracia não se restringiria tão só à existência de poderes separados e independentes, ou mesmo pela preexistência de normas legais a prescrever, permitir e sancionar as condutas. Para o autor, a democracia é um conceito muito mais amplo, que se define pela natureza dos elos entre a sociedade civil, sociedade política e Estado (TOIRANE, 1996, p. 50). Assim, continua o autor, caso haja vasta influência de cima para baixo, não haverá democracia, que necessita, sim, que sejam os cidadãos os atores sociais que orientam seus representantes.

Entende-se, pois, que a democracia, para que subsista e se realize plenamente, impõe a efetivação dos direitos fundamentais, pré-requisitos que são para uma sociedade justa e igualitária.

“A democracia existe realmente quando a distância que separa o Estado da vida privada é reconhecida e garantida por instituições políticas e pela lei. Ela não se reduz a procedimentos porque representa um conjunto de mediações entre a unidade do Estado e a multiplicidade dos atores sociais. É preciso que sejam garantidos os direitos fundamentais dos indivíduos; é preciso também que estes se sintam cidadãos e participem da construção da vida coletiva. Portanto, é preciso que estes dois mundos – o Estado e a sociedade civil – que devem permanecer separados, fiquem também ligados um ao outro pela representatividade dos dirigentes políticos. Essas três dimensões da democracia – respeito pelos direitos fundamentais, cidadania e representatividade dos dirigentes – completam-se; aliás, é a sua interdependência que constitui a democracia” (TOURAINE, 1996, p. 43).

Não se adentrará, ante a falta de espaço neste trabalho, nas diferentes formas de democracia possíveis, consoante seja o Estado liberal, Constitucionalista ou Conflitual (como na França, por exemplo).

Mas, qualquer que seja o Estado de Direito de que se trate, todos somente terão o distintivo da democracia, não somente pela existência de poderes independentes, mas, isto sim, pelo grau de concretização que o Estado atribui aos direitos fundamentais, corolários que são dos direitos humanos universais: a democracia envolve, assim, mais do que a representatividade dos dirigentes ocupantes dos cargos políticos, o “aumento do controle do maior número de pessoas sobre sua própria existência” e o aumento da capacidade de “reduzir a injustiça e a violência” (TOURAINE, 1996, p. 51-88).

2.3 O Estado Democrático de Direito:

Como já mencionado anteriormente, o Estado Social de Direito nem sempre foi capaz de assegurar a democracia, não obstante a busca pela justiça social e a obediência aos ditames da lei.

É, pois, o Estado Democrático de Direito, um Estado pelo qual se busca a materialização, principalmente, do princípio da legalidade, aqui entendido não como um valor de cunho programático, que se satisfaz com a positivação em norma fundamental, mas sim um enunciado normativo que impõe uma conduta, tanto do Estado, quanto da sociedade civil, na medida em que está voltado para a efetivação de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I, CRFB/88), garantindo o desenvolvimento nacional (art. 3º, inc. II, CRFB/88), erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CRFB/88) e instituindo o bem geral, sem preconceitos de raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CRFB/88), somente constituindo-se em Estado Democrático quando efetiva o preceito insculpido no parágrafo único do art. 1º da Carta Federal, pelo qual todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição

Em epítome, o Estado Democrático de Direito é o que se propõe a realizar o bem-estar social, sob o fundamento de uma lei justa e que assegura a participação mais ampla possível do povo, no processo político decisório.

2.4. A relação entre as gerações de direitos humanos e o Estado Democrático de Direito:

Ao analisar o trajeto percorrido para a internacionalização das gerações de direitos humanos, desde seu surgimento até à atualidade, afere-se que é o mesmo caminho que se perseguiu até o alcance do Estado Democrático de Direito, porquanto os fundamentos e do desenvolvimento histórico das gerações de direitos e do Estado Democrático de Direito são exatamente os mesmos, e inclusive sua ascensão e reconhecimento ocorreu no mesmo contexto histórico, constituindo, ambos, duas faces da mesma moeda.

O Estado Democrático de Direito teve como consequência direta o aumento de bens e direitos susceptíveis da tutela jurídica (princípio da legalidade) que, por sua vez, torna a atividade jurídica do aplicador do direito mais complexa, sempre em busca da maior efetivação possível dos direitos humanos positivados na Carta Fundamental.

Cabe ao aplicador do Direito minudenciar o caso concreto, sempre em observância aos princípios garantidores de direitos fundamentais, executando sempre sua árdua tarefa sem ferir a ordem instituída: O Estado Democrático de Direito.

3. CONCLUSÃO:

Após esse trabalho, conclusão outra não haveria como se alcançar senão a de que a relação entre a efetividade dos direitos humanos é o ponto nevrálgico para a realização do Estado Democrático de Direito, é dizer, sem a concretização dos direitos humanos, positivados com fundamentalidade na Carta Constitucional de cada Estado, a Democracia e o Direito, que compõem essa forma de Estado, não passam de expressões vazias, e a Carta Fundamental não é senão mera folha de papel.



Bibliografia:

ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 12ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CARIGÉ, Augusto Nascimento. O Estado democrático de direito e as gerações de direitos. Encontrado em http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BA8AE3B6F-C5E3-4EC0-97A6-435226FA5C27%7D_Artigocorrigido.doc Acesso em 8 de novembro de 2009.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2ª tiragem. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

HERKENHOFF, João Batista. Curso de direitos humanos. Vol. 1. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994.

HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 227, 20 fev. 2004. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2009.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 173, 26 dez. 2003. Disponível em: . Acesso em: 08 nov. 2009.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 6ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2004.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:

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TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2006.

TOURAINE, Alain. O que é democracia? 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996.



Dymaima Kyzzy Nunes(Graduada em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC em 2007, também aprovada no mesmo ano para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, hoje atuante como assistente da Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado de Santa Catarina)