DIREITOS DAS MULHERES: AVANÇOS E PERSPECTIVAS DO FEMINISMO
Resumo do Prof.Esp. em Direito,Economia e
Administração Alcenisio Técio Leite de Sá
Os direitos da mulher são devidos às mulheres em face do contexto de
desigualdade de poder e violência de gênero verificado na sociedade, em
consonância com o princípio da dignidade humana e demais direitos
humanos. Visa, desse modo, o fim da cultura da opressão e a diminuição dos
números alarmantes de violência e desigualdade.
“Homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição”, assim dispõe
o primeiro inciso do art. 5º da Constituição Federal de 1988, um dos mais importantes
do ordenamento jurídico brasileiro,
porque institui os principais direitos e garantias fundamentais. Contudo, a previsão veio apenas em 1988, posterior, portanto, a toda
uma gama de legislações – ainda que os artigos considerados incompatíveis com
esta previsão tenham sido revogados, o que não apaga uma história jurídica de
discriminações. E mesmo mais de 30 anos depois da nova constituinte, ainda é
necessário discutir os chamados direitos da mulher ou direitos das mulheres,
como talvez seja mais acertado falar.
1. O QUE SÃO OS DIREITOS DA MULHER?
Os direitos da mulher ou
direitos humanos da mulher são uma ramificação dos direitos humanos e
baseiam-se no princípio da integridade e dignidade do ser. Embora os direitos humanos sejam
ditos universalistas, ou seja, aplicáveis a todos indiscriminadamente, as
condições históricas, econômicas e sociais impedem que a previsão realizada em
um plano teórico se concretize. Portanto, apesar da regulação jurídica,
depara-se com uma sociedade em que ainda vige a discriminação contra mulheres,
negros, homossexuais, entre tantas outras categorias marcadas pela
diferenciação em relação a uma normatividade (inspirada pela figura do homem
branco, heterossexual, eurocêntrico).
2. AVANÇOS LEGISLATIVOS NOS DIREITOS DAS MULHERES
Apesar das discussões
teóricas que foram e ainda levantadas e dos inúmeros avanços necessários,
ainda, no que concerne não apenas a uma criação de direitos da mulher, mas à
sua efetivação, também houve conquistas no âmbito legislativo. É claro que a
lei por si não se faz eficaz. Afinal, a eficiência da lei depende da força com
que ela adentra a sociedade. E uma sociedade que, culturalmente, não está
preparada para uma legislação, coloca em risco a eficácia da letra legal.
O Direito anda em conjunto
com o meio social. Desse modo, não pode ser visto unicamente como salvação a
todos os problemas sinalizados. No entanto, como ferramenta humana (de controle
social, de regulamentação, etc.), pode ser tanto uma barreira quanto um
quebra-barreiras.
Nesse sentido, pode ser
tanto utilizado para conservar ou manter tradições vigentes, quanto para
inovar. E se a ideia é que se rompa com uma cultura de anulação dos direitos
das mulheres, então é preferível que o direito ande à frente de seu tempo em
uma prevenção e estímulo à sociedade – muito embora, ressalte-se, por vezes o
discurso progressista seja também uma fachada para a manutenção das engrenagens
sistêmicas.
Analisemos, portanto,
algumas legislações importantes dentro dos direitos da mulher desde a
Constituição Federal de 1988.
2.1. CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ
A Convenção de Belém do
Pará, adotada na cidade em 1994, ratifica as disposições da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. É
uma importante marco na legislação brasileira dos direitos da mulher, porque
conceitua o que seria a violência contra as mulheres, embora somente tenha sido
promulgada em 19996 pelo Decreto 1973/1996. E serve, assim, de base para
legislações posteriores como a emblemática Lei Maria da Penha.
O documento de adoção da
Convenção de Belém do Pará pela Assembleia Geral inicia-se com um texto de
destaque das ciência das condições da mulher americana. Assim, dispõe que “o
reconhecimento e o respeito irrestrito de todos os direitos da mulher são
condições indispensáveis para seu desenvolvimento individual e para a criação
de uma sociedade mais justa, solidária e pacífica”. Do mesmo modo, reconhece a
necessidade de um instrumento normativo para a erradicação da violência de
gênero.
Violência contra a mulher,
então, é entendida como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no
âmbito público como no privado”, conforme o art. 1º. Dessa maneira, abrange não
apenas a violência física, visível e mais denunciada, mas também uma
preocupante violência psicológica a que estão submetidas inúmeras mulheres.
2.2. LEI MARIA DA PENHA A PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Como dispõe o preâmbulo da
Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, a
legislação:
Cria mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do
art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação
dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução
Penal; e dá outras providências.
Portanto, diferentemente
do que se acredita, a Lei Maria da Penha não tem apenas um caráter punitivo,
ainda que sejam previstas punições. Antes disso, a legislação visa coibir a
violência doméstica.
CONFORME O
ART. 2º DA LEI 11.340/2006:
Toda mulher, independentemente
de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional,
idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência,
preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e
social.
E do mesmo modo que a
Convenção de Belém do Pará, a Lei Maria da Penha interpreta que a violência
contra a mulher vai além das agressões físicas ou dos assassinatos – últimas
instâncias de uma cultura de violência. O ato violador dos direitos
fundamentais inicia-se, portanto, já no abuso psicológico perpetrado no âmbito
social.
2.3. LEI DO FEMINÍCIDIO – LEI 13.104/2015
Quase 9 anos depois da Lei
Maria da Penha, então, entrou em vigor a Lei 13.104/2015, conhecida como Lei
do Feticídio. A mais recente das legislações aqui citadas, alterou, enfim,
o Código Penal para incluir a modalidade de feminicídio dentro da categoria de
homicídio qualificado.
Dessa maneira, passam a
ser incisos do parágrafo 2º do art. 121, CP:
FEMINICÍDIO
VI – contra a mulher por
razões da condição de sexo feminino:
VII – contra autoridade ou
agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes
do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da
função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente
consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:
PENA –
RECLUSÃO, DE DOZE A TRINTA ANOS.
Igualmente, a lei inclui
um novo parágrafo ao artigo, segundo o qual:
§ 2o-A
Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – Violência doméstica e
familiar;
II – menosprezo ou
discriminação à condição de mulher.
2.4. OAB E A COMISSÃO DA MULHER ADVOGADA
Ainda que não se trate de
uma legislação propriamente dita, é importante reconhecer os avanços da OAB. Em
2015 foi criado, desse modo, pelo provimento 164, o Plano Nacional da Advogada,
que visava fortalecer os direitos da mulher. E 2016 foi considerado o ano da mulher advogada no Brasil, porque iniciou a implementação de práticas que apoiam a mulher no
exercício da advocacia.
CONSTAVAM,
ENFIM, ENTRE AS DIRETRIZES DO PLANO:
- elaboração de
propostas em apoio a mulher no exercício da advocacia;
- implementação de
condições diferenciadas nos serviços prestados pela Caixa de Assistência
dos Advogados, em atendimento às necessidades específicas da mulher advogada;
- promoção de diálogo
com as instituições, visando humanizar as estruturas judiciárias voltadas
às advogadas.
3. LEGISLAÇÕES INTERNACIONAIS E BRASILEIRAS DE DIREITOS DAS MULHERES
Um documento da ONU
reuniu, então, os principais acordos, leis e convenções nacionais e
internacionais no que concerne aos direitos da mulher e à igualdade de gênero.
É, dessa maneira, a lista:
3.1. MARCOS INTERNACIONAIS NOS DIREITOS DA MULHER
- Convenção
Interamericana Sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher (1948);
- Convenção sobre os
Direitos Políticos da Mulher (1953);
- Convenção da OIT no.
100 (1951);
- Convenção da OIT no.
103 (1952);
- Convenção da OIT no.
111 (1958);
- Convenção da OIT no.
156 (1981);
- I Conferência Mundial
sobre a Mulher (Cidade do México, 1975);
- Convenção Para
Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW (1979);
- II Conferência
Mundial sobre a Mulher (Copenhague, 1980);
- III Conferência
Mundial Sobre a Mulher (Nairóbi, 1985);
- Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a
Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994);
- IV Conferência
Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995);
- Princípios de Yogyakarta:
Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos
humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero (Yogyakarta,
2007);
- Convenção e
Recomendação da OIT sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os
Trabalhadores Domésticos – n. 189 (Genebra, 2011).
3.2. MARCOS NACIONAIS NOS DIREITOS DA MULHER
- Lei 9.504/1997:
Estabelece normas para as eleições;
- Lei 10.778/2003: Lei
da Notificação Compulsória dos casos de violência contra a mulher que
forem atendidos em serviço de saúde pública ou privada;
- Lei 11.340/2006: Lei
Maria da Penha, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher;
- Lei 12.015/2009:
Dispõe sobre os crimes contra a dignidade sexual;
- Lei 12.034/2009:
Altera lei 9.504/1997, e inclui como objetivo promover e difundir a
participação política feminina (entre outros);
- Decreto no.
7.393/2010: Dispõe sobre o funcionamento do Ligue 180 – Central de
Atendimento à Mulher;
- Decreto no.
7.958/2013: Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de
violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de
atendimento do Sistema Único de Saúde;
- Lei no. 12.845/2013:
Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação
de violência sexual;
- Decreto no. 8.727/2016:
Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de
gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração
pública federal direta, autárquica e fundacional;
- Emenda Constitucional
no. 72/2013: Estabelece a igualdade de direitos trabalhistas entre os/as
trabalhadores/as domésticos/as e os/as demais trabalhadores/as urbanos e
rurais;
- Lei no. 13.104/2015:
Altera o art. 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como
circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei de
Crimes Hediondos, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos;
- Lei Complementar no.
150/2015: Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico.
4. PERSPECTIVAS DO FEMINISMO: DIREITOS DA MULHER OU
DIREITOS DAS MULHERES?
Por fim, um importante
questionamento. Muito se fala dos direitos da mulher – ou dos direitos humanos
da mulher, mas a própria definição de mulher envolve uma série de discussões e
complexidades. O que é, então, ser mulher? E de que modo isto reflete, assim,
nos avanços legislativos? Por exemplo, estão as mulheres trans abrangidas por
essas legislações, ou ainda figura, mesmo em frente a tribunais, um preconceito
de gênero?
Portanto, uma corrente
defende que não se fale de direito da mulher, mas de direitos das mulheres,
porque abrange a complexidade e diversidade de gênero muitas vezes resumida em
uma única palavra. E isto é necessário, principalmente considerando outras
correntes que vislumbram a mulher apenas em seu aspecto biológico – a fêmea da
espécie humana – em detrimento a tantas condições de influência na construção
do gênero.
Como Simone de
Beauvoir questiona, enfim: o que é ser mulher? Ser mulher é uma construção social, histórica, cultural, que envolve
também aspectos biológicos e fisiológicos, vide o controle dos corpos femininos
pelo aspecto da capacidade de gestar de algumas, mas não se resume a isto,
considerando, também, as mulheres trans. E como simplificar, desse modo,
tamanha complexidade e diversidade?
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