1. DIREITO DAS SUCESSÕES Prof.Esp. Alcenisio Técio Leite de Sá
O Direito Civil é o direito do dinheiro. Tanto que
mesmo no contrato de doação existe um interesse econômico, será?
Dinheiro
tem uma importância grande na nossa vida, especialmente na velhice quando
estamos mais vulneráveis. Dinheiro também garante conforto material e permite
ajudar mais os necessitados, por isso é importante estudar e trabalhar para
formar um patrimônio ao longo da vida.
É
justamente desta arrecadação do patrimônio que cuida o Direito Civil. No
Direito das Obrigações estudamos que as pessoas se relacionam com outras
pessoas e celebram contratos em busca de trocas úteis (art. 421). No Direito
Real estudamos que as pessoas se relacionam com as coisas, ocupando-as para
adquirir propriedade. A propriedade (ou domínio) é o principal Direito Real. O
contrato maior fonte de obrigação. Pois bem, ao longo das décadas celebrando
contratos e adquirindo propriedade as pessoas formam um patrimônio, essa é
nossa rotina, concordam?
E para onde
vai esse patrimônio quando as pessoas morrem? Para seus sucessores. É da
transmissão desse patrimônio que cuida o Direito das Sucessões, assunto deste
semestre.
Vocês
conhecem o princípio jurídico “mors omnia solvit” (a morte acaba com tudo)?
Pois bem, esse princípio se aplica ao Direito Eleitoral, Penal e de Família, de
modo que os direitos políticos, a punibilidade, o casamento e o poder familiar
se extinguem com a morte. Já no Direito das Sucessões é com a morte que tudo
começa, pois, a vida terminou, mas o patrimônio do extinto subsiste e será
transferido a seus herdeiros.
CONCEITO: Direito das Sucessões é o ramo do
Direito Civil cujas normas regulam a transferência do patrimônio do morto ao
herdeiro, em virtude de lei ou de testamento. A palavra sucessão significa
substituir uma pessoa por outra, que vai assumir suas obrigações e adquirir
seus direitos.
O direito
de herança é garantido constitucionalmente no art. 5º, XXX, bem como o direito
de propriedade no art. 5º, XXII. Estes dois direitos estão intimamente ligados,
pois se a propriedade de bens nos fosse negada, não teríamos o que deixar de
herança a nossos sucessores. E se só houvesse propriedade sem herança, as
pessoas deixaram de trabalhar quando estivessem confortáveis. Para que
trabalhar tanto para quando morrer deixar meus bens ao Estado, aos políticos?
Jamais!
Mas por
saber que poderemos deixar uma herança a nossos entes queridos, as pessoas
seguem trabalhando apesar de já materialmente satisfeitas, estimulando a
capacidade produtiva do ser humano, em benefício da riqueza da família e da
sociedade como um todo. A propriedade se perpetua através da herança.
A sucessão
em direito pode ser inter vivos ou mortis causa. Da
sucessão entre vivos cuida o Direito das Obrigações (ex: João compra uma casa a
Maria e sucede a Maria na propriedade daquele bem; vide também cessão de
crédito em Obrigações). A sucessão patrimonial em decorrência da morte será
estudada neste semestre. Mas só a sucessão da pessoa física, pois a sucessão da
pessoa jurídica interessa ao Direito Empresarial. Lembro que a sucessão é no
patrimônio, ou seja, no ativo e no passivo, de modo que o herdeiro, dentro das
forças da herança, deve pagar as dívidas do hereditando (943, 1.792). O
herdeiro não representa o morto, não é seu procurador ou advogado, mas apenas o
sucede nas relações patrimoniais.
Esse
patrimônio (ativo e passivo) chama-se de espólio: trata-se do conjunto de
direitos e deveres do falecido; o espólio é uma massa patrimonial administrada
pelo inventariante (1.991) sob condomínio dos herdeiros (pú do 1.791).
Como dito
no conceito supra, a transmissão do patrimônio ao herdeiro se dá 1) em virtude
de lei ou 2) de testamento (art 1.786); não existe herança decorrente de
contrato (art. 426) salvo na hipótese da antecipação da herança do art. 2.018,
comum na sucessão de empresa familiar, quando o pai idoso orienta e transfere
em vida seus negócios aos filhos.
2. ESPÉCIES DE SUCESSÃO:
a)Testamentária: se houver testamento, a
sucessão testamentária predomina sobre a sucessão legítima (1.788), dentro dos
limites da lei (1.789 e 1.845). A liberdade de testar não é assim absoluta,
pois metade é dos filhos, pais e cônjuge, só a outra metade é que pode ser
deixada para quem o testador desejar (1.857 e § 1º). Quem não possui herdeiros
necessários pode testar em favor de qualquer pessoa. Não importam quantos sejam
os herdeiros necessários, um ou dez, a eles cabe metade da herança. Lembro que
se o testador for casado pelo regime da comunhão de bens, metade de seus bens
pertence ao cônjuge, mas não por herança e sim por direito próprio, face ao
condomínio entre marido e mulher. Ou seja, a metade dos bens de alguém casado
pelo regime da comunhão na verdade corresponde a 25% de seu patrimônio.
A sucessão
testamentária pode ainda ser a título universal ou a título singular; nesta
teremos a figura do legatário que recebe legado e não herança. A herança é o
total ou uma fração indeterminada do patrimônio do extinto (ex: 1/3, 20% da
herança, etc). Já o legado é de coisa certa (ex: a casa da praia, o anel de
brilhantes, etc). Quem sucede a título universal é herdeiro e responde também
por eventuais dívidas do morto, dentro dos limites da herança (1.997); herdeiro
adquire o ativo e responde pelo passivo. Quem sucede a título singular é
legatário e não responde por eventuais dívidas, porém só recebe seu legado após
verificada a solvência da herança (§ 1º do art 1.923); já o herdeiro pode logo
assumir a posse dos bens do extinto (o art 1.784 não se refere a legatários, só
a herdeiros).
b) sucessão legítima: prevalece a
disposição da lei se alguém morre sem testamento, ou se o testamento for
invalidado (1.829). O legislador presume que o falecido gostaria de proteger
seu cônjuge e filhos, por isso eles são os primeiros da lista. Na nossa
sociedade a sucessão legítima prevalece sobre a testamentária por três motivos:
1 ) a gente nunca acha que vai morrer; 2) fazer um testamento pode ser caro,
complicado e inconveniente, veremos isso em breve; 3) se a gente morre sem
testamento, a lei já beneficia nossos filhos, que são nossos entes mais
queridos, então não há com o que se preocupar! Que acham? Você tem testamento
ou conhece quem tenha?
A sucessão
pode ser das duas espécies se o testamento não abranger todos os bens do
hereditando (1.788). A sucessão legítima sempre é a título universal, não
havendo legado se não há testamento. Já a sucessão testamentária pode ser a
título universal ou a singular.
Observação:
como dito acima, nossa sociedade não tem o hábito de testar, mas pelo novo CC
de 2002 o cônjuge e os filhos estão em igualdade (1.829 e 1.845), e isso pode
aumentar o número de testamentos. Uma coisa é você deixar seus bens para os
seus filhos, como na lei velha. Outra coisa é deixar para seu cônjuge em
condições de igualdade com os filhos, especialmente nos casamentos desgastados
pelos anos. Só o tempo irá dizer se agora as pessoas mal casadas vão ter a
preocupação de testar, não para excluir, mas para pelo menos diminuir o quinhão
do cônjuge em benefício dos filhos. Reflitam!
Lembrando
o conceito de Direito das Sucessões: são as normas que tratam da transmissão do
patrimônio do morto a seus sucessores, em virtude da lei ou do testamento;
transmite-se o patrimônio, ou seja, eventuais dívidas também, mas o herdeiro só
paga as dívidas até o limite dos bens recebidos (1.792).
2. PRINCÍPIOS DO DIREITO SUCESSÓRIO
1) respeito a vontade do
hereditando (1.899);
esse princípio é reflexo do art. 112 do CC que destaca a importância da vontade
nos negócios jurídicos (vide princípios contratuais). O juiz e o testamenteiro
devem se valer de testemunhas ao interpretar o testamento para aplicar o melhor
desejo do extinto.
2) atribuição da herança a
parentes ou familiares do falecido: este princípio completa o anterior, de modo que
se deve obedecer à vontade do extinto, mas respeitando-se o quinhão dos
familiares, afinal a família é a base da sociedade e tem relevante papel em
defesa das tradições, da moral e da propriedade privada no país (1.789, 1.845,
§ 1º do art. 1.857).
3)
igualdade entre os quinhões da herança ou princípio da divisão necessária: o
Direito Romano admitia a varonia e a primogenitura, de modo que os filhos
homens e mais velhos herdavam mais do que os filhos mais jovens e as mulheres;
atualmente existe igualdade entre os filhos (art 2.003 do CC e § 6º do art 227
da CF). Porém, se alguém deseja beneficiar um filho mais do que o outro pode
fazê-lo via testamento e administrar as consequências do ciúme entre irmãos
(1.849 e 2.006)
Fundamento
do DS: o que justifica o direito de herança? É a continuidade da vida através
do patrimônio do morto que passa para seus familiares, estimulando o trabalho
de todos. Mesmo as pessoas ricas continuam trabalhando porque sabem que vão
garantir o futuro de seus filhos e netos.
A
doutrina socialista do séc. XX criticava a herança por não beneficiar os mais
capazes e sim os mais sortudos, ou seja, os filhos dos ricos, fossem eles
competentes ou não, que teriam dinheiro sem ter se esforçado para tanto. Seria
injusto alguém enriquecer sem trabalhar, por isso os filhos dos ricos seriam
acomodados, e não se preocupariam em estudar, apenas em esbanjar a vida. A
conclusão do socialismo é a de que a herança seria um estímulo à preguiça, pelo
que ela foi proibida na antiga União Soviética e os bens seguiram para o
Estado, ou seja, para os políticos…
Mas a
história provou o equívoco desse regime, pois o Estado é burocrata, corrupto e
mau gestor, sendo incapaz de gerar riqueza para distribuí-la; a transferência
dos bens para administração dos políticos só aumentou a corrupção e a
ineficiência; além disso houve uma atrofia na economia, deixando as pessoas de
trabalhar por saber que o fruto do seu suor não ficaria para seus filhos; era
melhor desperdiçar o dinheiro ganho em vida, do que deixá-lo para os
governantes.
Realmente,
a manutenção da propriedade e da herança na vida privada é um estímulo ao
trabalho, à produção de riqueza e ao desenvolvimento socioeconômico. Se o filho
por acaso não merecer o patrimônio do pai, os políticos também não o merecem.
Neste séc XXI os países mais justos, socialmente mais desenvolvidos, com melhor
qualidade de vida, são aqueles que historicamente respeitaram os contratos, a
propriedade e a herança.
Mas
lembro que os pais não são obrigados a deixar bens para os filhos, ou seja, os
pais idosos devem viajar, viver, gastar como quiserem, afinal não se pode
dispor de herança de pessoa viva, já que os filhos sempre podem morrer antes
dos pais (426 – pacta corvina).
Porém,
com o falecimento do ascendente o filho já pode negociar seu quinhão/fração da
herança, doando ou vendendo a terceiros, mesmo antes da partilha (1.793; exige
escritura pública pois a herança é tida como coisa imóvel, 80, II). Isto porque
pelo princípio da saisine o herdeiro já é dono do patrimônio no momento da
morte do hereditando (1.784). A partilha vem para individualizar os bens dos
sucessores (2.023), mas a propriedade se transfere pela saisine sob condomínio
forçado a todos os herdeiros.
ABERTURA DA SUCESSÃO
É com a
morte de alguém que a sucessão se abre e as regras do direito sucessório serão
aplicadas para a transmissão do patrimônio aos herdeiros.
Pressupostos para se abrir a
sucessão: 1) a
morte de alguém (1.785) e 2) a vocação hereditária feita pelo falecido se
deixou testamento, ou feita pela lei na ausência de declaração de ultima
vontade (1.788, 1.798).
Essa
morte precisa ser comprovada pela medicina com a expedição da certidão de
óbito. Excepcionalmente admite-se sucessão nas hipóteses de ausência, com as
formalidades do art 22, ou de morte presumida do art 7º.
A
transmissão patrimonial é automática, ou seja, no instante após a morte os
herdeiros já são proprietários dos bens do extinto (1.784). Este dispositivo é
tão importante que é logo o primeiro artigo do código no livro das sucessões.
Os franceses chamam essa regra de princípio da “saisine”, então mesmo que o
herdeiro nem saiba ainda da morte do hereditando, ele já será, por uma ficção
jurídica, juntamente com os demais herdeiros, condômino do patrimônio do
falecido.
O
princípio da saisine é importante para que os bens do espólio não fiquem
acéfalos e sejam considerados coisa abandonada ou coisa sem dono (vide
distinção em Direitos Reais), sujeita a ocupação por terceiros.
É verdade
que para pagamento dos impostos, de eventuais dívidas, de partilha dos bens, e
para publicidade da transmissão dos bens, será necessária a abertura de
inventário (ou arrolamento, veremos essa questão processual no final do curso),
mas a propriedade em si, sob condomínio, se transfere “desde logo” aos
herdeiros, sem formalidades e sem necessidade de praticarem qualquer ato
(1.791).
Face à
saisine, se o herdeiro morre instantes após o hereditando, ele chegou a herdar,
de modo que os herdeiros do herdeiro pagarão dupla tributação, pois houve duas
transmissões patrimoniais. Quando num acidente morrem pessoas da mesma família,
a Medicina Legal tenta comprovar quem morreu primeiro, mas não sendo possível
aplica-se a regra da comoriência do art. 8º.
A posse
dos bens da herança deve ficar com o inventariante (1.991), mas até o
inventário ser ajuizado, a posse deve ficar com o cônjuge ou companheiro
(1.797).
De
qualquer modo, eventual turbação ou esbulho aos bens do espólio pode ser
combatida por qualquer herdeiro na condição de possuidor indireto (pú do
1.791).
3. ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA
Pelo nosso conhecido princípio da saisine a transmissão do
patrimônio do hereditando aos sucessores é automática (1.784), mas ninguém está
obrigado a aceitar a herança. Então por uma questão de ética, orgulho,
problemas pessoais com o extinto, ou para não ter que cumprir um encargo, o
herdeiro pode renunciar à herança.
Antigamente quando o herdeiro respondia
pelas dívidas do falecido além dos limites da herança, a renúncia era mais
comum. Atualmente, com a limitação do art. 1.792 a renúncia se tornou rara, mas
pode ocorrer.
ACEITAÇÃO: é o ato pelo qual o sucessor manifesta sua vontade de receber a
herança ou o legado.
ESPÉCIES:
1. a) expressa: feita por qualquer documento escrito;
2. b) tácita: esta espécie é a mais comum e o
sucessor assume comportamentos típicos de herdeiro (1.805), por exemplo:
ajuizar ação de inventário, contratar advogado para tratar dos documentos do
morto, alienar seus direitos hereditários, pagar o imposto de transmissão, etc.
Não significa aceitar a herança comparecer à missa de sétimo dia ou alimentar o
cachorro do extinto (§ 1º do 1.805);
3. c) presumida: nesta última espécie um terceiro
interessado força o herdeiro a se manifestar se vai aceitar ou não (1.807), ex:
um credor do herdeiro, ao tomar conhecimento da morte do pai dele, exige que o
herdeiro se manifeste para que o credor, se for o caso, aceite a herança no
lugar do herdeiro e possa satisfazer seu crédito (1.813); o silêncio do
herdeiro implica em aceitação da herança. Por isso se você tem um crédito a
receber e devedor não tem bens, fique atento caso ele receba alguma herança.
Natureza jurídica da aceitação: é
negócio jurídico unilateral (depende da vontade do herdeiro) e puro (a
aceitação é simples), ou seja, por uma questão de segurança jurídica não pode o
herdeiro impor condições, afinal a herança é um todo universal, 1.808 e 91; ex:
é vedado só aceitar a herança se não tiver que pagar os impostos sobre os bens.
Em sendo a sucessão testamentária e uma mesma pessoa ser herdeira e legatária,
pode aceitar a herança e renunciar ao legado, e vice-versa (§ 1º do 1.808).
Ressalto que a aquisição dos bens não se dá com a aceitação, mas pela saisine,
e uma vez aceita a herança, não cabe retratação (1.804).
Cessão dos direitos hereditários: aberta a sucessão,
mesmo antes de concluir o inventário, o herdeiro já pode ceder seu quinhão aos
demais herdeiros sem importar em aceitação, mas tal transmissão deve ser
gratuita (§ 2º do 1.805), pois se o herdeiro aliena seu quinhão a terceiros na
verdade estará aceitando e depois transmitindo, sujeitando tal transação à
dupla tributação imposta pela Fazenda Estadual (1.793). Essa aceitação + cessão chama-se de renúncia “in
favorem”, ou renúncia translativa pois o herdeiro está especificamente
beneficiando alguém. A renúncia simples é aquela do § 2º do 1.805.
A cessão dos direitos hereditários pode
ser gratuita ou onerosa, de todo ou de parte do quinhão da herança. O que se
transfere não é a qualidade de herdeiro, mas os direitos patrimoniais desse
herdeiro. Não se pode ceder bem determinado, pois quem herda um quinhão não
sabe exatamente o que integra essa fração do patrimônio do morto (§ 2º do
1.793). Só após a partilha é que se pode alienar coisa individualizada.
Todavia, antes de ceder o quinhão onerosamente a terceiros, deve o herdeiro oferecer
aos demais herdeiros (1.795) até para facilitar a extinção do condomínio (pú do
1.791, ex: João morre e deixa dois filhos, se um filho vender seu quinhão ao
irmão não haverá sequer necessidade de partilha, simplifica tudo).
Aceitação pelos sucessores: pode ocorrer do herdeiro morrer antes
de aceitar a herança, então o herdeiro do herdeiro vai ter esse direito
(1.809). Nada impede que o neto aceite a herança do pai mas renuncie à do avô
(pú do 1.809).
Renúncia da herança: a aceitação é mais simples, de modo que a
renúncia exige mais formalidades, tratando-se de ato solene pelo qual o
herdeiro abdica à herança. A renúncia exige forma escrita, e não é qualquer
escrito como na aceitação, mas documento público no Cartório de Notas ou na
Justiça (1.806). A renúncia é rara, pois quando o sucessor não deseja a herança
ele simplesmente cede seu quinhão aos demais herdeiros (§ 2º do 1.805). A
renúncia também não pode estar sujeita a condições (1.808). O herdeiro casado
não tem legitimidade para renunciar sem outorga do cônjuge (80, II e 1.647, I).
O incapaz também não pode renunciar (104, I). O herdeiro insolvente que
renuncia à herança para prejudicar seus credores comete fraude, mas se o
herdeiro tem bens para pagar seus credores pode renunciar sem problemas (1.813).
Não se pode renunciar a herança de pessoa viva, afinal nunca se sabe quem vai
morrer primeiro. Como a aceitação, a renúncia é também irretratável.
EFEITOS DA RENÚNCIA:
1) Efeito
retroativo: a renúncia retroage ao dia da morte do hereditando, de modo que
o renunciante é considerado como se nunca tivesse sido chamado à sucessão.
2) os filhos do renunciante não herdam
em seu lugar: os filhos do renunciante não poderão aceitar a herança do avô no
lugar do pai, passando os bens para seus tios e primos (1.811). Diferente da
renúncia é se o pai tivesse morrido após o avô, então os netos, por
representação, seriam chamados a suceder. Para os netos herdarem do avô, é
melhor o pai morrer do que renunciar, pois o renunciante é tido pela lei como
inexistente. A representação é um instituto de Direito Canônico que visa
proteger a família, sendo razoável que os netos herdem do avô no lugar do pai
pré-morto. Veremos mais detalhes de direito de representação em breve.
3) o renunciante pode representar o
hereditando na sucessão de terceiros (ex: João renuncia a herança de seu pai,
mas pode representar o pai na herança do avô, 1856).
Na sucessão legitima a parte do
renunciante vai para seus irmãos, e não para seus filhos; se o renunciante não
tiver irmãos, transfere-se a herança para seus filhos mas não por direito de
representação e sim por direito próprio (1.810).
Na sucessão testamentária a parte do
renunciante vai para o substituto se houver (1.947), isso é raro, então o comum
é o quinhão do renunciante testamentário ir para os herdeiros conforme a
sucessão legítima (1.829).
4. HERANÇA JACENTE E VACANTE
Chama-se de jacente a herança quando
não se conhecem os herdeiros que possam dela cuidar, assim o juiz, para evitar
a ruína desses bens, nomeia um curador para arrecadar e administrar os bens do
falecido (1.819). Concluído o inventário sem o surgimento de herdeiros, a
herança se torna vacante e os bens passam para o município (1.823 e 1.844).
A jacência é uma fase provisória que
culmina ou com a entrega dos bens aos herdeiros que vierem a surgir, ou com a
declaração da vacância e a transferência ao Poder Público.
Inicialmente os bens são transferidos
ao município sob propriedade resolúvel (vide Direitos Reais), mas após cinco
essa propriedade se torna plena, e nenhum herdeiro poderá mais exigi-los
(1.822). Esses cinco anos começam a correr da declaração de vacância da herança
(1.820). Concluído o inventário, qualquer discussão futura será feita contra a
Fazenda Municipal (1.158 do CPC).
INDIGNIDADE E DESERDAÇÃO
Estes institutos são diferentes, mas
merecem ser estudados em conjunto pois têm o mesmo efeito.
A regra geral é a de que todos podem
suceder (1.798, animais não podem herdar!), inclusive uma empresa pode suceder
uma pessoa física (1.799, II). A exceção a essa regra são os casos de
indignidade e deserdação.
Em suma, para suceder basta estar vivo,
ter legitimidade e não ser indigno/deserdado. Os casos de falta de legitimidade
são aqueles do art 1.801 e 1.802. Os casos de indignidade e deserdação veremos
agora.
Indignidade: é a privação do direito de suceder alguém por tê-lo ofendido ou a seus
familiares (1.814). O indigno não tem afeto e nem solidariedade pelo extinto,
pelo que sofre esta pena civil.
Esse artigo é exaustivo, não é
exemplificativo, de modo que não há outros casos de indignidade fora esses.
Observem que o homicídio do 1814, I, é só o doloso, o culposo não. O menor pode
ser indigno, embora menor seja inimputável, por isso indigno é quem comete o
fato, mesmo que não seja criminalmente culpado, até porque a responsabilidade
civil é independente da penal (935, comentários em Fontes das Obrigações). No
inciso III vemos um caso de indignidade após a morte do hereditando (ex: filho
esconde o testamento que beneficiava um primo para herdar tudo sozinho).
Características e efeitos da indignidade (obs: de regra estes
efeitos são ex tunc, ou seja, “desde então”,
retroagindo ao momento da abertura da sucessão):
1 – não é automática, precisando de
sentença transitada em julgado (1.815 e pú).
2 – O indigno fica obrigado a devolver
os frutos da herança que porventura tenha auferido (pú do 1.817), pois pelo
princípio da saisine o herdeiro se tornou dono imediatamente após a morte do
hereditando; com a sentença de indignidade, que pode levar alguns anos para ser
proferida, o indigno terá que devolver os frutos (ex: as crias dos animais da
fazenda herdada).
3 – Os efeitos da indignidade são
pessoais, só atinge o herdeiro, até porque, tratando-se de uma pena, não pode
ultrapassar a pessoa do infrator; assim os filhos do indigno receberão a
herança face ao direito de representação (1.816); porém o indigno não poderá
fruir destes bens (pú do 1.816 e 1.689). Lembro que para os filhos do excluído
é melhor a indignidade do que a renúncia (1.811).
4 – este quarto
efeito não é “ex tunc”, mas “ex nunc (a partir de agora)”, não retroagindo: são
válidas as alienações onerosas feitas pelo indigno antes da sentença a terceiro
de boa-fé (1.817). Assim, no conflito entre a propriedade dos demais herdeiros
e a boa-fé do terceiro adquirente, o legislador optou por esta, por uma questão
de segurança jurídica. De qualquer modo os demais herdeiros exigirão do indigno
o equivalente, mediante ação pessoal de perdas e danos.
Não cabe aos demais herdeiros ação real sobre a coisa vendida,
não havendo direito de sequela sobre a coisa alienada ao terceiro de
boa-fé. Mas se a alienação foi gratuita (= doação) cabe direito de
sequela, afinal o terceiro não vai perder nada, vai apenas deixar de ganhar.
Que acham?
Reabilitação do indigno: trata-se do
perdão do indigno, podendo ser feita expressamente pelo hereditando (1.818). A
reabilitação pode ser tácita nos termos do pú.
Deserdação: o efeito é o mesmo da indignidade, punir quem ofendeu o extinto, pois
o deserdado fica também excluído da sucessão. Vejamos as diferenças:
1 – A indignidade vem
prevista em lei como a vontade presumida do
extinto, atingindo qualquer herdeiro, já a deserdação é declarada em
testamento, é a vontade real do falecido, e só
atinge herdeiros necessários (1.961, 1.845).
2 – Só vamos encontrar deserdação na
sucessão testamentária (1.964), já a indignidade pode ocorrer tanto na sucessão
testamentária como na legítima.
3 – os casos de deserdação, além do
conhecido 1.814, estão no 1962 e 1.963
Herdeiro aparente: é aquele que parece mas não é. É aquele que
está na condição de herdeiro mas que, por um fato novo, deixa de sê-lo.
Conceito: herdeiro aparente é o que, não sendo titular de direito sucessório, é
tido como legítimo dono da herança por causa de erro invencível. Ex: alguém
morre sem mulher e filhos, então seus bens vão para um irmão; porém depois
aparece um filho desconhecido do extinto que prova sua condição mediante exame
de DNA; terá o irmão do extinto que entregar os bens recebidos para este seu
sobrinho. E se o herdeiro aparente (o irmão) vendeu os bens recebidos? A
solução é a mesma do item 4 acima, conforme pú do 1.827.
5.SUCESSÃO LEGÍTIMA
Conforme dito na aula
1, são duas as espécies de sucessão: a legítima e a testamentária.
Nosso legislador disciplinou em maior número de artigos a sucessão
testamentária, porém a sucessão legítima é a mais frequente na sociedade, vamos
conhecê-la primeiro:
Conceito: a sucessão
é legítima quando, na falta de testamento, defere-se o patrimônio do morto a
seus herdeiros necessários e facultativos,
convocados conforme relação preferencial da lei. Se houver testamento mas não
abranger todos os bens, a sucessão legítima também será aplicada (1.788).
Esta relação
preferencial da lei tem o nome de vocação hereditária e
beneficia os parentes próximos, por presumir o legislador que os familiares são
as pessoas mais queridas do extinto (1.829). Na ordem natural das afeiçoes
familiares o amor primeiro desce (filhos), em seguida sobe (pais) e depois se
espalha (irmão, tios, sobrinhos e primos).
Os primeiros a herdar
são os filhos e o cônjuge/companheiro; se não houver filhos e
cônjuge/companheiro chamam-se os pais do extinto; estes são os herdeiros necessários (1.845); finalmente
convocam-se os herdeiros facultativos, que são os
parentes colaterais irmãos, tios, sobrinhos e primos até o quarto grau (revisem
Parentesco, 1.594, 1.839).
A companheira herdava em situação
inferior à do cônjuge conforme art 1790 do CC, mas que em 2017 foi declarado
inconstitucional pelo Supremo, assim quem vive com alguém em união estável ou
casamento, o tratamento sucessório será o mesmo.
Se o hereditando não tiver
cônjuge/companheiro ou sequer um parente de quarto grau, seus bens vão para o
Município (1.844)
CLASSES DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA:
1. a) descendentes:
filhos, netos, bisnetos, etc., não tem limite, os mais próximos excluindo os
mais remotos;
2. b) ascendentes: pais,
avós, bisavós, sem limite, os mais próximos excluindo os mais remotos;
3. c) cônjuge e
companheiro: elevado pelo atual CC à condição de herdeiro necessário, sendo
chamado a suceder junto com os filhos (1829, I, falaremos mais da sucessão do
cônjuge na próxima aula).
4. d) colaterais: só até
o quarto grau, e os mais próximos (irmãos) excluem os mais remotos (primos,
1.840).
5. e) o Município: o
poder público não é herdeiro, ele é chamado diante da ausência de parentes, a
fim de que os bens do falecido não se deteriorem (1.844).
Regras da sucessão legítima para a
vocação hereditária:
1. a) só se convoca uma
classe nova quando não há herdeiros na classe precedente, então, por exemplo,
não se convocam os ascendentes se há descendentes (1.836 e 1.838).
2. b) na mesma classe os
mais próximos excluem os mais remotos (1.833, então não se chama o neto se
existe filho, não se chama o avô se existe pai, § 1º do 1.836), salvo o direito de representaçãoque veremos abaixo.
Modos da sucessão legítima:
1. a) Direito Próprio:
sucede-se por direito próprio quando se é herdeiro da classe chamada, então o
filho herda do pai por direito próprio.
2. b) Direito de Representação:
sucede-se por direito de representação quando se toma o lugar de herdeiro
pré-morto (1.851) ou indigno da classe chamada (1.816); ex: o filho morre antes
do pai, então o neto herda direto do avô, representando o pai pré-morto. O dir.
de representação tem origem no Direito Canônico e se justifica para proteger a
família, trazendo à herança o filho do herdeiro pré-morto ou indigno,
equilibrando o patrimônio entre os descendentes (1.855). Não é justo que um
neto não herde do avô apenas porque seu pai morreu primeiro (1.854). Lembro que
o filho do herdeiro renunciante não pode representar o pai (1.811). A
representação é exclusiva da sucessão legítima (o art. 1.851 usa a expressão “a
lei”), pois na sucessão testamentária se o herdeiro morre, o legado ou herança
não vai para seus filhos, mas sim volta ao espólio para beneficiar os herdeiros
legítimos. Só há representação na linha descendente em qualquer grau (1.852) ou
na linha colateral até o terceiro grau (1.853, ex: João morre sem mulher, descendentes
e ascendentes, então sua herança vai para seus irmãos; se um dos irmãos já
tiver morrido, seus filhos, sobrinhos de João, herdarão por direito de
representação, 1.840)
3. c) Direito de
Transmissão: esse modo interessa à Fazenda Estadual para fins tributários,
assim sucede-se por direito de transmissão quando se substitui o herdeiro
pertencente à classe chamada, depois da abertura da sucessão e ainda antes da
conclusão do inventário (1.796); ex: João morre e durante o inventário seu
filho morre também, então os netos virão suceder o pai e o avô João, pagando
dois impostos de transmissão (= bi-tributação), pois pelo princípio da saisine
o patrimônio de João chegou a pertencer a seu filho antes de ir para os netos.
Formas de partilha:
1. a) por cabeça: dá-se em
partes iguais entre herdeiros da mesma classe, ex: João morre e seus três
filhos vão herdar por direito próprio e por cabeça 33% do patrimônio de João,
por serem seus parentes mais próximos.
2. b) por estirpe:
herda-se por estirpe para os que sucedem em graus diversos por direito de
representação, ex: João morre e tem um filho pré-morto que deixou dois netos,
então seus dois filhos vivos vão herdar por direito próprio e por cabeça 33% do
patrimônio de João, enquanto cada um de seus netos vai herdar por direito de
representação e por estirpe 16,5% desse patrimônio (1.835). Aqueles que
descendem por estirpe estão representando alguém.
3. c) por linhas: a
partilha por linhas só ocorre quando são chamados os ascendentes, ex: João
morre sem descendentes e cônjuge, seus pais igualmente já morreram, mas a avó
paterna está viva, e o avô e a avó materna também. Então caberá metade à avó
paterna e metade aos outros dois avôs maternos (§§ 1º e 2º do 1.836).
6 – SUCESSÃO DO CÔNJUGE
Na sucessão legítima, por opção do legislador
de 2002, o cônjuge se tornou herdeiro necessário, sendo elevado à mesma
condição dos filhos e dos pais do hereditando (1.845). Antigamente o cônjuge
era mero herdeiro facultativo. Esta foi uma grande inovação do atual CC e
atinge os testamentos feitos antes de 2002, que terão que ser adaptados (1.787,
1.846).
Então se o hereditando é casado, seu
cônjuge irá herdar junto com os filhos, a depender do regime matrimonial de
bens (1.829, I); irá herdar com os ascendentes se não há filhos (1.829, II); ou
irá herdar sozinho se o extinto não deixou descendentes nem ascendentes (1838).
Ressalto que o casal precisava estar
vivendo junto na época do falecimento, senão o cônjuge sobrevivente pode nada
herdar (1.830).
Esta opção do legislador em proteger
mais o cônjuge tem por fundamento evitar situações ocorridas no passado, quando
o cônjuge viúvo, já idoso, perdia o marido/esposa e ainda podia perder sua
condição financeira, pois o patrimônio do extinto seguia apenas para os filhos.
Porém, antes de prosseguirmos,
é preciso
diferenciar meação de herança: quando
alguém enviúva, a depender do regime de bens, uma parte do patrimônio do morto
é do sobrevivente por direito próprio e não por herança; ex: no regime da
comunhão parcial, que é o mais comum na sociedade (1.640), metade dos bens é do
viúvo não por herança, mas por integrar o condomínio do casal (1.658, 1.660,
I). Então, exclui-se a meação do sobrevivente e o resto é herança para os
herdeiros necessários, inclusive o cônjuge!
Assim o cônjuge sobrevivente, a
depender do regime de bens, vai receber igual a seus filhos, ou se tiver mais
de três filhos pelo menos 25% da herança; se os filhos forem só do falecido, o
cônjuge herda igual a eles, mesmo que sejam mais de três filhos (1.832).
VEJAMOS REGIME A REGIME:
1. a) separação
obrigatória de bens (1.641): o viúvo não tem meação (1.687) e nem herança
(1.829, I); só lhe cabe direito real de habitação (1.831, vide aula 7 de Reais
na Coisa Alheia).
2. b) separação
convencional: o sobrevivente não tem meação (1.687) mas tem herança (1.829, I;
obs: se seu cônjuge for rico, nunca se divorcie, espere enviuvar!)
3. c) comunhão parcial
de bens: o viúvo tem meação (1.658), mas caso se divorcie não tem direito aos
bens do cônjuge (1.659, I); todavia, com a viuvez, o sobrevivente alcança estes
bens por serem bens particulares do cônjuge (1.829, I, in fine). Se o falecido
não deixou bens particulares o cônjuge nada herda, fica apenas com sua meação.
Se o falecido só deixou bens particulares, e nada integra o patrimônio comum do
casal, só haverá herança e não meação.
4. d) participação final
nos aquestos: trata-se de um regime de separação de bens onde cada consorte tem
a livre e independente administração do seu patrimônio pessoal. O art 1829 não
alude a este regime, pelo que a melhor jurisprudência determina que a sucessão
será igual ao do regime da comunhão parcial.
5. e) comunhão
universal: o viúvo tem meação de tudo (1.667), então não precisa herdar nada
(1.829, I).
Em suma: só existe ao cônjuge
sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança
quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos
regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido
possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a
tais bens, devendo os bens comuns (meação) serem partilhados exclusivamente
entre os descendentes.
Cônjuge concorrendo com ascendentes do
hereditando: concorrendo com o sogro e a sogra o viúvo terá direito a um terço
da herança, independente do regime matrimonial de bens (1.829, II, 1.837, obs:
cônjuge concorrendo com os avôs do marido herda metade).
SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
Lembro que companheiro é aquele que
vive em união estável, sem impedimento para se casar, então não confundam com o
concubinato (1.727). O CC tratava dessa questão no art. 1.790, dispositivo
superado pelo STF que o declarou inconstitucional. Assim, o companheiro herdará
nas condições do cônjuge casado no regime da comunhão parcial (art. 1725 CC).
Sucessão dos colaterais: os colaterais
não são herdeiros necessários, e vão herdar quando não há descendentes,
ascendentes e nem cônjuge. Se houver testamento, os colaterais podem ser
totalmente excluídos (1.850).
Os mais próximos excluem os mais
remotos, e o parente colateral mais próximo é o irmão em 2º grau (revisem
parentesco em Direito de Família). Se o irmão for germano, ou seja, filho do
mesmo pai e da mesma mãe do extinto, herdará o dobro do que eventual irmão
unilateral (1.841).
Não havendo irmãos, herdam os parentes
em terceiro grau, prevalecendo os sobrinhos sobre os tios, por serem aqueles em
geral mais jovens, é a doutrina do “sangue novo”, presumindo-se que os
sobrinhos vão viver mais tempo do que os tios do hereditando (1.843).
Finalmente, não havendo parentes em 2º ou
3º grau, são chamados os tios- avós, sobrinhos-netos e primos, parentes em 4º
grau do extinto, herdando todos igualmente.
SUCESSÃO DO MUNICÍPIO: Não havendo parente algum, a herança
vai para o Município (1.844). Todavia o poder público não é herdeiro, ele é
chamado diante da ausência de parentes, a fim de que os bens do falecido não se
deteriorem; o princípio da saisine não se aplica ao Município, pois é preciso
aguardar a sentença de vacância (1.820).
7. SUCESSÃO
TESTAMENTÁRIA
Conceito de Direito das Sucessões: é o ramo do Direito Civil cujas
normas regulam a transferência do patrimônio do morto ao herdeiro, em virtude
de lei ou de testamento. Já estudamos a transmissão decorrente da lei, vamos
agora conhecer a 2ª espécie, que é a sucessão testamentária:
Lembro que, embora a sucessão legitima
predomine na sociedade, nosso legislador regulamentou em maior número de
artigos a sucessão testamentária.
A sucessão testamentária é conduzida
pelo testamento, sendo um princípio de direito sucessório o respeito à vontade
do extinto (vide ítem 2). O testamento pode contemplar herdeiros, que sucedem a
título universal, e legatários, que sucedem a título singular.
Conceito de testamento: negócio jurídico solene pelo qual alguém, nos termos da lei, dispõe de seus bens, no todo ou em parte, para depois de sua
morte (1.857).
Digo negócio jurídico pois se trata de
uma declaração de vontade que produz efeito jurídico; digo solene pois
testamento não pode ser verbal como maioria dos contratos (art 107, CC), mas
sim escrito, conforme espécies e formalidades previstas em lei.
Outra diferença do testamento para o contrato é que este é inter vivos,
testamento é mortis causa.
A liberdade de testar é grande, mas a
lei impõe um limite em respeito à família e aos herdeiros necessários (§ 1º do
1.857 e 1.846).
Essa proteção se justifica pela
importância da família na sociedade e os valores que ela defende ao longo dos
séculos: costumes, tradição, moral e propriedade privada.
Via de regra as disposições
testamentárias são patrimoniais, versam sobre os bens do extinto, mas o
testamento pode conter cláusulas extrapatrimoniais, como por exemplo o
reconhecimento de um filho (§ 2º do 1.857, 1.609, III), a nomeação de um tutor
para um filho menor (1.634, IV) ou determinações sobre seu funeral.
CARACTERÍSTICAS:
– o testamento é revogável, pois o
seu autor pode se arrepender, demorar a morrer, e querer mudar alguma
disposição, então a liberdade de revogar é a mesma de testar (1.858). Inclusive
não se admite renúncia ao direito de revogar o testamento, até porque o
testamento só produz efeito após a morte do seu autor.
– é imprescritível: um adolescente de
16 anos já pode testar (pú do 1.860), então mesmo que ele só venha a morrer aos
noventa anos, se não for revogado seu testamento continua válido embora
redigido há 74 anos! E por que a capacidade de testar foi reduzida dos 18 para
os 16 anos? Porque o testamento só produz efeitos após a morte, então se o
testamento prejudicar o adolescente, ele já morreu mesmo.
– testamento é ato pessoal: só o hereditando pode testar, de modo individual e
exclusivo, não se admitindo testamento por procuração (1.858). Um
advogado/contador pode ajudar a redigir, mas o testador tem que estar presente.
Também não se admite testamento feito por duas pessoas, inclusive para
facilitar a mudança ou a revogação do ato (1.863).
– testamento
é ato unilateral quanto às partes porque se forma apenas pela vontade do
testador, independentemente da aceitação do herdeiro. Diz-se também unilateral
quanto aos efeitos, semelhante a uma doação, pois não existe contraprestação,
não existe vantagem para o testador, até porque ele já morreu quando o
testamento passa a produzir efeitos. Todavia, semelhante às doações, admite-se
encargo nos testamentos (vide aula respectiva em Contratos), mas o encargo não
deve ser grande a ponto de criar uma obrigação excessiva para o herdeiro ou
legatário, podendo o juiz reduzir o encargo exagerado.
Capacidade para testar: como todo
negócio jurídico, o testamento deve atender ao art. 104 do CC.
Então quem pode
testar? Qualquer pessoa física desde que lúcida e maior de 16 anos (1.860 e
pú). Pessoa jurídica não pode testar porque não está sujeita a morte, e sua
extinção ou falência interessa ao Direito Empresarial. Se o testador perder a
razão após redigir o ato, o testamento é válido (1.861). Testamento feito por
incapaz é nulo, e a nulidade é para sempre (166, I e 169; depois revisem em
Civil I anulabilidade que é menos grave do que a nulidade). Porém alguns autores acham que a
nulidade pode prescrever, ou seja, mesmo o ato nulo pode produzir efeitos, por
isso existe um prazo de cinco anos do art. 1.859, c/c o art. 735 § 2º, do CPC.
Reflitam!
Quem pode adquirir
por testamento? Quem pode ser instituído herdeiro e designado legatário? De
regra todas as pessoas, físicas ou jurídicas (1.799, II e III). Animais não
podem ser herdeiros ou legatários, mas podem ser encargos (ex: deixo minha
herança para João com o ônus de cuidar do meu cachorro; leiam Quincas Borba de
Machado de Assis). Pessoas não concebidas até a morte do testador não podem
também adquirir por testamento (1.798), salvo as hipóteses de fideicomisso que veremos em breve (1.799, I e
1.925). Também não podem ser nomeadas herdeiras e legatárias aquelas pessoas
sem legitimidade do art. 1.801. A legitimidade é um
freio da capacidade, então tais pessoas do 1.801 não são incapazes, apenas lhes
faltam autorização para herdar por razões morais e éticas. O deserdado é também
excluído da sucessão.
8. FORMAS DE TESTAMENTO
São várias as formas e espécies de
testamento previstas em lei, cada uma com suas vantagens e desvantagens, pelo
que a orientação do advogado ou do tabelião é essencial para, caso a caso,
verificar qual a melhor opção para seu cliente.
Os testamentos têm formalidades exigidas
pelo legislador por uma questão de segurança a fim de garantir a autenticidade
do ato, a espontaneidade da manifestação e a sanidade do declarante,
preservando a vontade do extinto.
Não se podem misturar as espécies, ou
seja, é preciso escolher uma delas e atender às exigências da lei, vejamos:
1 – Testamento ordinário: este pode ser usado pelas pessoas capazes em
qualquer condição, e se divide em público, cerrado e particular (1.862);
2 – Testamento especial: somente permitido a determinadas pessoas em
situações peculiares, e se divide em marítimo, militar e aeronáutico (1.886);
3 – Codicilo;
Começando por este último, o codicilo é
um testamentozinho, é uma carta, é um pequeno registro deixado pelo extinto,
com poucas formalidades e tratando de bens de pequeno valor (1.881) da nomeação
de testamenteiro (é a pessoa que vai cumprir o testamento, 1976 e 1.883), do
reconhecimento de um filho, da deserdação de outro filho, do perdão do indigno
(1.818, sublinhem “ato autêntico”), ou finalmente da encomenda de missas
(1.998). As expressões “pouca monta” e “pouco valor” referidas no art 1.881 são
relativas e dependem, é claro, do tamanho da herança, a ser examinado pelo
juiz, em geral cerca de 10% do patrimônio do extinto. Um testamento pode
revogar um codicilo, mas o contrário não.
TESTAMENTO ORDINÁRIO
1 – Público: feito por qualquer tabelião do cartório de notas do país e
anotado em livro próprio (1.864). Esta espécie é mais segura contra destruição,
extravio ou modificação pois consta do livro público do cartório. Outra
vantagem é porque tal espécie é redigida pelo tabelião, ou seja, profissional
habilitado, com fé pública e experiência, que dificilmente vai errar e causar
nulidade ao testamento. Por ter que ser lido em voz alta, esta espécie é
recomendada para os analfabetos, surdos e cegos (1.867). Desvantagens: é pago,
tem um custo já que o cartório cobra para redigir o testamento; é aberto, ou
seja, todos podem ficar sabendo seu conteúdo, provocando ciúmes e frustrações
de quem não foi contemplado, estando o testador ainda vivo.
2 – Cerrado: conhecido como secreto ou
místico. Ao contrário do público, não é ditado pelo testador para o tabelião
digitar, mas sim entregue já escrito ao tabelião para aprová-lo. Essa aprovação é aquela do art. 1.869, ou
seja, é um termo onde o tabelião confirma se tratar aquele documento da vontade
autêntica do hereditando. Sua maior vantagem é o sigilo, afinal só o testador
conhece seu teor. Sua desvantagem é a possibilidade de extravio, pois o
documento é entregue ao testador que não mais estará vivo para dizer onde ele
se encontra quando o testamento precisar ser aberto (1.874). Analfabetos e
cegos não pode usar esta espécie, mas os surdos e mudos sim, desde que saibam
ler (1.872).
3 – Particular: é a mais rápida, simples e fácil espécie de testamento,
dispensando até o tabelião. É aberto (1.876). O testador precisa ter algum
conhecimento jurídico para não cometer ilegalidades que venham a anular o ato.
Não se esqueçam de datar o testamento. Outra desvantagem é que ele pode ser
extraviado ou falsificado, já que não tem a intervenção do cartorário. Mais uma
desvantagem: as testemunhas precisam sobreviver ao testador para confirmar a
autenticidade do documento perante o juiz (1.878).
3.1 – Testamento particular excepcional: admitido em situações
emergenciais de risco iminente de perder a vida, não havendo testemunhas
disponíveis, como num desastre, naufrágio, sequestro, preso numa caverna,
dentro de um avião caindo, etc. (1.879). Tem que ser manuscrito. A doutrina o
critica pois é fácil de ser fraudado. Cabe ao juiz aceitá-lo ou não.
TESTAMENTO ESPECIAL
Os testamentos especiais são mais
simples e fáceis de fazer do que os testamentos ordinários, com menos
solenidades. Porém eles não são de livre escolha do cidadão, só podendo o testador
optar por eles se estiver numa situação especial. Outra característica é a de
que os testamentos especiais prescrevem, ou seja, têm prazo de eficácia e
precisam ser confirmados. Já o testamento ordinário pode ser celebrado por
alguém com 16 anos, e mesmo que só venha a morrer aos 90 anos, o documento
ainda estará válido após 74 anos. Vejamos as espécies de testamento especial:
1 –
Marítimo: para aqueles que estão com medo de morrer em alto-mar. Curioso é
que temos a vida toda para testar, vamos nos preocupar com isso logo quando
entramos num navio? Inclusive porque as viagens marítimas não são mais tão
longas, e mesmo a bordo temos telefone e internet (1.892). Bom, caso necessário
o comandante vai corresponder ao tabelião do cartório de notas (1.888). Esse
testamento precisa ser confirmado quando terminar a viagem, sob pena de
caducidade (1.891).
2 – Aeronáutico: essa espécie não se justifica, pois em voos normais
não há necessidade, podendo o testador aguardar algumas horas até o desembarque
(1.889); e se o avião estiver em perigo, aplica-se o testamento particular
excepcional acima. Talvez o legislador esteja pensando nas viagens espaciais,
quando ficaremos anos viajando entre as estrelas… Ou então para alguém que
passe mal dentro do avião e ache que vai morrer antes do pouso… Bom, reflitam!
3 – Militar: feito por militares, médicos, engenheiros, padres,
repórteres, reféns e prisioneiros em época de guerra, em combate ou em cidades
cercadas (1.893). Tal ato caduca caso não confirmado três meses após o testador
deixar a zona de guerra, ou cessarem os combates (1.895).
3.1 – O testamento militar admite a
espécie nuncupativa, ou seja “in extremis” quando o militar ferido, agonizante,
confia sua vontade oralmente a duas testemunhas… Depois as testemunhas terão
que escrever o que ouviram do moribundo e entregar o documento ao comandante do
batalhão. Tal espécie é muito fácil de ser fraudada, pelo menos é raríssima
(1.896).
9. DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS
Vamos começar a tratar do conteúdo
interno do testamento. Estas disposições são as cláusulas do testamento onde o
falecido dá destino a seus bens, instituindo herdeiros e legatários. Nosso
legislador do Código Civil tenta ajudar o juiz e os herdeiros a interpretar,
explicar e aplicar as cláusulas do testamento.
REGRAS GERAIS:
– O que não estiver no testamento não
tem validade, assim não adianta o nome do herdeiro constar de uma escritura
pública, de uma procuração, de uma declaração perante um juiz, etc., se não
estiver no testamento.
– A designação de legatário sempre é
expressa, mas o herdeiro pode ser tácito (1.906, 1.966, 1.788)
– O testamento pode ter cláusulas
extrapatrimoniais como já dito na aula 7 (ex: art. 14 e pú).
– Respeito à vontade do falecido (arts. 112 e 1.899); nos arts. 1.902
e 1.903 o legislador presume em regras detalhistas qual seria a vontade do
extinto.
– na dúvida os sucessores herdam por
igual (1.904).
Espécies de disposições:
– Simples:
é a cláusula pura, sem imposição de qualquer condição ou restrição, possuindo
eficácia imediata face ao princípio da saisine (ex: deixo 10% de meus bens para
meu amigo João, 1.897). A legítima do herdeiro necessário deve sempre ser
simples.
– Condicional:
depende de evento futuro e incerto (ex: deixo minha biblioteca para minha
sobrinha se ela se formar em Direito; trata-se do direito eventual a um legado
condicionado a acontecimento futuro e incerto; se a sobrinha morrer antes de se
formar não terá herdado nada).
– A termo ou prazo:
uma disposição a termo, com prazo, só vale para legatários (1.924), pois para
herdeiros é nula (1.898; ex: não se pode nomear alguém seu herdeiro por dez
anos, pois uma vez herdeiro, sempre herdeiro, mas um legado pode ser por prazo
certo); enquanto a condição ou o termo não chegam, os bens ficam com os
herdeiros legítimos; o único caso de prazo para o herdeiro é no fideicomisso, que veremos em breve; lembro que se um
herdeiro for nomeado a prazo, fora dos casos de fideicomisso, esse prazo não
será considerado e a herança será tida como simples.
– Modal: é a cláusula que tem encargo
ou ônus, ou seja, possui uma pequena contraprestação a ser cumprida pelo
sucessor (ex: livro Quincas Borba); o encargo é imposto nas liberalidades como
nas doações e testamentos. O descumprimento do encargo pode levar o herdeiro
legítimo a pedir a anulação da herança a fim de beneficiá-lo. Condições e
encargos ilícitos e imorais são nulos. Veja mais encargo no contrato de doação
(1.938). A legítima do herdeiro necessário não se sujeita a condição ou
encargo.
– Motivada:
o testador indica as razões pelas quais está beneficiando aquela pessoa (1.897,
in fine). Tal motivação é dispensada pela lei, o testador indica se quiser,
porém eventual motivação equivocada pode anular a cláusula testamentária (art.
140).
CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE (CI):
O jurista Orlando Gomes chama com razão
essa cláusula de “anacrônica, violenta, polêmica e antipática”. Trata-se de uma
cláusula restritiva que implica também em impenhorabilidade e
incomunicabilidade, ou seja, se o testador deixar seus bens com essa cláusula,
tais bens não poderão ser vendidos ou doados pelo herdeiro (inalienáveis), não
poderão ser tomados pelo credor do herdeiro (impenhoráveis), e nem se
transmitirão ao cônjuge do herdeiro (incomunicabilidade, 1.911).
Conceito: é um meio de gravar o próprio bem em relação a terceiro beneficiário,
que não poderá dispor dele, gratuita ou onerosamente, recebendo-o apenas para
usá-lo e fruí-lo.
A CI não pode ser imposta aos bens do
testador, pois não podemos gravar os nossos próprios bens, mas apenas os bens
que transferimos a terceiros por doação ou herança. A CI não é obrigatória, mas
uma vez presente no testamento a propriedade sobre os bens herdados ou legados
fica limitada. A CI dura no máximo uma geração, então não atinge os filhos do
herdeiro. O herdeiro ou legatário poderá usar, alugar e emprestar estes bens,
mas não poderá vendê-los, ou seja, tais bens ficarão fora do comércio.
Sub-rogação: excepcionalmente o juiz
pode autorizar a venda, mas o produto da alienação continuará gravado (§ 2º do
1.848 e pú do 1.911). Assim trocada a coisa, o novo bem fica sub-rogado na
inalienabilidade imposta pelo extinto. O pú do art 723 do CPC dá muito poder ao
juiz, mas é preciso usar essa força com razoabilidade.
Pode a CI incidir sobre os bens da
legítima (1.846), mas exige justa causa (1.848), cabendo os herdeiros
questionar judicialmente a “justiça” dessa causa, afinal o falecido pode estar
apenas atrapalhando a vida de filhos que não pôde excluir da herança. A causa
deve ser clara e objetiva (ex: filho perdulário, toxicômano), não se admitindo:
“deixo uma casa para meu filho com a CI pois não gosto da esposa dele…”
A CI precisa estar inscrita no Cartório
de Imóveis para ter eficácia plena e ser de conhecimento público. Se os bens
herdados forem móveis (ex: uma jóia), a CI é inoperante, pois os bens móveis,
salvo os veículos, não se sujeitam a um registro organizado como os bens
imóveis.
10. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE (CONTINUAÇÃO)
Fundamento: por que se justifica a CI?
1 – para respeitar a vontade do
falecido, que é um dos princípios do Direito das Sucessões.
2 – para se criar um ônus real sobre o bem herdado, protegendo herdeiros inexperientes e pródigos contra credores espertos ou um casamento ruim (1.848).
2 – para se criar um ônus real sobre o bem herdado, protegendo herdeiros inexperientes e pródigos contra credores espertos ou um casamento ruim (1.848).
Críticas: por que se condena a CI?
1 – Porque prejudica o credor do
herdeiro. O credor do falecido não se prejudica, afinal ninguém pode gravar
seus próprios bens com a CI. Já o credor do herdeiro fica frustrado, pois o
herdeiro não tinha bens para pagar sua dívida, e agora não pagará com os bens
que recebeu do pai face à impenhorabilidade, causando insegurança jurídica.
2 – Premia um herdeiro incompetente,
desorganizado, tolo, incapaz de cuidar de seus próprios negócios.
3 – Limita a circulação de riquezas,
viola a lei fundamental da economia, por retirar um bem do comércio.
4 – Prejudica o genro ou nora do hereditando, qualquer que seja o regime de bens do herdeiro, face à incomunicabilidade decorrente da inalienabilidade.
Espécies de inalienabilidade:
1) absoluta (em nenhuma hipótese o
testador admite a venda) ou relativa (o extinto admite vender em alguns casos,
a certas pessoas ou em certas condições previstas pelo mesmo, ex: pode vender a
João, mas não pode a José; pode vender por motivo de saúde, etc.);
2) total (estende-se a todos os bens do
testador) ou parcial (apenas sobre parte dos bens do hereditando);
3) temporária (ex: durante dez anos,
até o herdeiro fazer 50 anos, etc.) ou vitalícia (prazo máximo de uma geração).
Observações:
– o bem gravado com a CI não se sujeita
a usucapião por terceiros para evitar fraudes;
– A CI não impede a penhora do bem
gravado por dívidas de tributos do próprio bem, assim pague o IPTU senão o
Governo toma!
Legado
Já sabemos que são duas as espécies de
sucessão: a testamentária (quando o falecido diz quem são seus herdeiros) e a
legítima (quando na falta de testamento, a lei prescreve quem são os
herdeiros).
Na sucessão legítima só há herdeiros,
mas na sucessão testamentária, além de herdeiros, poderemos encontrar
legatários. Já falamos disso na aula 1, mas lembro que o legatário difere do
herdeiro pois este herda uma fração a título universal (ex: 10% da herança, 1/3
da herança), enquanto o legatário sucede a título singular, recebendo coisa
certa (ex: uma jóia, uma casa, uma cifra em dinheiro, um rebanho, um cavalo de
raça, uma coleção de selos, uma loja comercial, ações, etc.).
Conceito: disposição testamentária a título singular pela qual o extinto deixa
um ou mais objetos individualizados a qualquer pessoa, inclusive um herdeiro.
Se o herdeiro também receber legado, será chamado de prelegatário (obs: o
legado do herdeiro é o prelegado). O herdeiro pode aceitar a herança e
renunciar ao legado, e vice-versa (§ 1º do 1.808).
O legado é personalíssimo, então se o
legatário morre antes do testador, não haverá direito de representação em
benefício dos filhos do legatário, até porque a representação é exclusiva da sucessão
legítima, e só pode existir legado na sucessão testamentária.
Morrendo o legatário antes do testador,
o legado será transferido aos herdeiros legítimos conforme 1.788. Admite-se,
todavia, o substituto do legatário (1.947), mas se testar não é comum, é raro
prever-se um substituto para o legatário faltoso.
Aquisição do legado: a posse da herança transmite-se imediatamente com
a morte face ao princípio da saisine (1.784), já o legado é de coisa
determinada que precisa ser pedida pelo legatário aos herdeiros, exercendo seu
“direito de pedir” (§ 1º do 1.923). Empossando-se indevidamente do bem, o
legatário comete o crime do exercício arbitrário das próprias razões, previsto
no art. 345 do CP.
Na prática é na partilha, ao final do
processo de inventário, que o legatário recebe seu bem arcando com eventuais
despesas (ex: impostos, frete, 1.936). Recebido o legado (ex: uma fazenda),
seus frutos (ex: crias dos animais) serão do legatário desde a morte do
testador, pois a propriedade retroage, mas a posse não (1.923 e § 2º).
11. LEGADO (CONTINUAÇÃO)
Repetindo o
conceito da aula passada: legado é a disposição testamentária a título singular
pela qual o extinto deixa um ou mais objetos individualizados a qualquer pessoa
(ex: uma joia, uma casa, uma cifra em dinheiro, um rebanho, um cavalo de raça,
uma coleção de selos, uma loja comercial, ações, etc.).
O legado
assemelha-se a uma doação, só que o legatário recebe o bem do herdeiro e não do
“doador” já morto. O legado será dos herdeiros legítimos caso o legatário não
aceite o bem, afinal não é porque é liberalidade que se é obrigado a aceitar,
1.937.
Como o
legatário sucede a título singular, não responde pelas dívidas do extinto,
dívidas que cabem aos herdeiros por sucederem a título universal (no universo
dos bens = patrimônio = ativo + passivo), mas o legatário só recebe o bem se a
herança for solvível, afinal onde só há dívidas não há herança e nem legado. Só
com o inventário, apurando-se o ativo e deduzindo-se o passivo do extinto, é
que se podem verificar as forças da herança.
O testador
pode indicar quem será o herdeiro incumbido de cumprir o legado, chamado de
onerado. Se o testador não indicar o onerado, caberá a qualquer herdeiro pagar
o legado na proporção do que herdar (1.934).
ESPÉCIES DE LEGADO:
a) legado de coisa própria: é o mais comum, afinal ninguém pode dispor
de mais direitos do que tem (1.912). Se a coisa legada foi vendida pelo
testador antes de morrer, essa disposição perde o objeto (1.916).
b) legado de coisa alheia: exceção à regra anterior, pois o testador pode deixar uma coisa genérica que ele não tem para o legatário, mas a coisa tem que ser incerta (243, ex: o falecido deixa um cavalo de raça para João, mas o falecido nunca teve cavalo, então o herdeiro-onerado deve comprar esse cavalo para dar ao legatário, 1.915, 1.929).
b) legado de coisa alheia: exceção à regra anterior, pois o testador pode deixar uma coisa genérica que ele não tem para o legatário, mas a coisa tem que ser incerta (243, ex: o falecido deixa um cavalo de raça para João, mas o falecido nunca teve cavalo, então o herdeiro-onerado deve comprar esse cavalo para dar ao legatário, 1.915, 1.929).
c) sublegado com encargo: o
testador determina ao legatário que dê uma coisa dele para ganhar outra (ex: o
testador deixa uma casa para João se João der um carro a José; se João não der
o carro não ganha a casa, 1.913; o testador impõe um encargo ao legatário; a
casa é o legado e o carro é o sublegado; João é o legatário e José o
sublegatário).
d) legado alternativo: o falecido deixa
para o legatário uma coisa ou outra, cabendo a escolha ao herdeiro-onerado (252
e 1.932).
e) legado de coisa de certo lugar, ex:
deixo para fulano meus quadros da casa de Gravatá, 1.917; o legado dos quadros
não implica no legado da casa, mas se o legado for de uma casa presume-se que
são com os móveis, afinal a regra é o acessório seguir o principal; pergunta:
se o falecido deixa para fulano uma fazenda, e após testar adquire uma fazenda
vizinha a esta, o legado será das duas fazendas contíguas? Não, face ao 1.922.
f) legado de direito real limitado: ao invés
da propriedade de um bem, o falecido deixa uma superfície, habitação ou
usufruto desse bem para o legatário, e a propriedade-nua para outrem (1.921).
g) legado de créditos e débitos: o
falecido pode deixar certa quantia em dinheiro para o legatário (1.925), ou
então perdoar uma dívida do legatário (1.918).
h) legado compensatório: o
falecido deve mil a João e lhe deixa uma jóia, pode se tratar de compensação da
dívida se for expresso (1.919); se o credor não quiser a compensação, basta
renunciar ao legado compensatório e cobrar a dívida do espólio.
i) legado de alimentos: o
testador determina ao onerado que alimente alguém, cabendo ao juiz fixar o
valor (1.920, obs: esse é o melhor conceito legal de alimentos, afinal “a gente
não quer só comida!”); esse alimento pode ser em hospedagem ao invés de
dinheiro (1.701).
j) legado de cota condominial, ex: João e
José tem um barco, e João deixa esse barco para Maria, então se trata apenas de
metade do barco, e Maria será condômina do barco com José (1.914).
Caducidade dos legados: a
caducidade difere da nulidade do legado. A caducidade é a perda da eficácia, é
a decadência do legado. O legado foi celebrado validamente, porém pode deixar
de existir.
Já a
nulidade seria, por exemplo, o legado de substância entorpecente, o testamento
celebrado por um incapaz, (166, I e II), o legado a pessoa sem legitimidade
(1.802 e 1.801), etc.
São cinco
os casos de caducidade previstos no art. 1.939 do CC, vamos comentá-los:
I – ex: o
falecido deixa madeira/mármore para o legatário, porém antes de morrer faz
móveis/estátuas desse material. Se deixar uma barra de ouro, mas depois viraram
joias, vale o legado? Se deixou um terreno nu, mas depois lá construiu um
edifício, vale o legado? Reflitam!
II – já
vimos isso acima no legado de coisa própria; o falecido revoga tacitamente a
cláusula testamentária se vender a coisa legada.
III – ex:
um jóia legada caiu no mar, ocorre o perecimento já que o resgate é impossível;
se houver culpa de alguém para a perda cabe responsabilidade civil; não há
perecimento de coisa genérica no legado de coisa alheia (246); revisem evicção
na aula 8 de Contratos.
IV – são os
casos de indignidade.
V – é a
premoriência que não enseja direito de representação como dito acima (1.788)
12. DIREITO DE ACRESCER E
DISPOSIÇÕES CONJUNTAS
Ocorre quando numa mesma cláusula o
testador deixa bens para várias pessoas (= disposição conjunta), e uma delas
não quer ou não pode receber a herança ou legado (ex: renúncia, premoriência,
indignidade), hipótese em que a cota dos demais poderá aumentar com essa cota
vaga (= direito de acrescer, 1.941).
Mas em algumas disposições conjuntas pode não haver direito de acrescer entre os coerdeiros, mas sim o quinhão do faltoso beneficiar os herdeiros legítimos. Lembro que não há direito de representação na sucessão testamentária.
Mas em algumas disposições conjuntas pode não haver direito de acrescer entre os coerdeiros, mas sim o quinhão do faltoso beneficiar os herdeiros legítimos. Lembro que não há direito de representação na sucessão testamentária.
Pergunta-se: faltando alguém numa
disposição conjunta a cota vai para o co-herdeiro/co-legatário ( = direito de
acrescer), ou vai para os herdeiros legítimos? Resposta: é preciso interpretar
o testamento para responder.
a) Presume-se que se o falecido, na
mesma cláusula, nomear vários herdeiros para uma parte da herança, ou deixar a
vários legatários o mesmo bem, sem quinhão determinado, sem determinar a porção
de cada um, ele pretendia instituir direito de acrescer para os demais se um
deles viesse a faltar (ex: Ana deixa uma fazenda para João, Jose e Maria, então
se Maria renunciar ao legado, ou morrer antes de Ana, as cotas de João e José
irão aumentar, 1.942, 1.943).
b) Porém, no mesmo exemplo, se Ana
deixa a fazenda para João, José e Maria, com quinhão determinado,
caracterizando a parte de cada um, deixando expresso que é 1/3 para cada um, a
morte de Maria implica na transmissão desses 1/3 para os herdeiros legítimos,
sem direito de acrescer para João e José (1.944).
Conceito: direito de acrescer é uma
substituição presumida na lei em virtude da qual o coerdeiro ou colegatário
recolhe a porção atribuída ao faltoso em disposição conjunta.
Substituição: a lei admite a hipótese do testador ter um suplente para o
herdeiro/legatário faltoso, o que também exclui o direito de acrescer, mas se
testar já é raro, mais raro ainda testar prevendo substituto pros sucessores. A
substituição vem do Direito Romano, quando a falta de herdeiro era considerada
uma vergonha, mas no direito moderno esse instituto é incomum. Lembro que
respeitando a legítima dos herdeiros necessários, a liberdade de testar é
ampla. Não havendo herdeiros necessários, todo o patrimônio do hereditando pode
ser deixado para quem ele quiser, afastando os familiares mais distantes
(1.850). Realmente, é melhor beneficiar seus amigos do que um primo que você
nem conhece. Por isso a lei admite substituto para esses amigos, a fim de
realmente excluir os parentes distantes (1.947). Pode haver um só substituto
para vários herdeiros ou legatários (1.948). O substituto sucede o testador, e
não o substituído, de modo que só há uma transmissão e uma tributação.
FIDEICOMISSO: é uma espécie de substituição onde o substituto não herda no lugar do
substituído, mas após o substituído, beneficiando pessoas não concebidas ao
tempo da morte do testador (ex: deixo minha casa de praia para o primeiro filho
de minha sobrinha Ana, só que Ana é uma criança, então se um dia ela tiver um
filho, esse concepturo será o beneficiado, 1.952; enquanto o concepturo não
vem, designo meu amigo João para cuidar da casa).
Vamos assim identificar as pessoas no fideicomisso: a) fideicomitente: é
o morto/testador/hereditando; b) fiduciário: é o amigo João; c)
fideicomissário: é o concepturo, é o filho de Ana; d) fideicometido: é a coisa,
a casa na praia (1.951).
Conceito: instituto pelo qual o herdeiro ou legatário (fiduciário) tem a
obrigação de, a certo tempo, transmitir a herança ou legado a terceira pessoa
(fideicomissário). No fideicomisso há dois beneficiários: o fiduciário por um
tempo, e depois o fideicomissário. O fiduciário tem a propriedade da casa, mas
resolúvel (1.953), ou seja, sua propriedade se extingue se Ana tiver um filho.
O fideicomisso parece mas é diferente
da disposição em favor de prole eventual do 1.799, I. Isto porque o fiduciário
difere do curador do art. 1.800, pois este só administra, enquanto o fiduciário
pode se tornar proprietário pleno se o fideicomissário não nascer.
Se o fideicomissário renunciar à
herança, a propriedade do fiduciário se torna plena (1.955). Se é o fiduciário
que renunciar à herança, aplica-se até o advento do fideicomissário o art.
1.800.
Se o fiduciário vender o bem a
terceiros, o negócio estará desfeito se o concepturo nascer, por isso nunca
comprem uma casa sem verificar o registro no Cartório de Imóveis (1.359 e pú do
1.953).
O fideicomisso é um recurso legal para satisfazer o testador que quer
beneficiar pessoa inexistente ao tempo da abertura da sucessão. Confia o testador
que o fiduciário vai cuidar da coisa e transferi-la oportunamente ao
concepturo. De qualquer modo, para não complicar mais ainda, não se admite o
fideicomisso além do segundo grau, ou seja é vedado um fideicomisso para o
fideicomissário (1.959, no exemplo acima seria ilegal um fideicomisso para
beneficiar alguém depois do filho de Ana).
Em quanto tempo o concepturo tem que
nascer? A princípio não há tempo, enquanto Ana tiver saúde pode gerar, porém,
para não tornar muito longa e instável a propriedade resolúvel nas mãos do
fiduciário, parte da doutrina entende aplicável os dois anos do § 4º do art.
1.800. Todavia, tal prazo é muito curto e frustra a intenção do fideicomisso de
beneficiar pessoa inexistente ao tempo da abertura da sucessão, por isso outra
parte da doutrina não aplica tal dispositivo, inclusive porque está muito
deslocado do capítulo do fideicomisso. Reflitam!
Elementos do fideicomisso: a) dupla vocação: o testador beneficia
duas pessoas com o mesmo bem, porém em momentos distintos; b) ordem sucessiva:
só se chama um beneficiário quando termina o prazo do outro; o fideicomissário
é herdeiro do fideicomitente, porém recebe o bem do fiduciário; c) ônus de
conservar para restituir: o instituto se baseia na fé/confiança do
fideicomitente no fiduciário que entregará oportunamente a coisa em bom estado
ao fideicomissário.
Usufruto: o fideicomisso beneficia pessoas não concebidas, por isso ele vira
usufruto se o concepturo nascer antes da morte do testador (ex: no exemplo
acima o testador demora a morrer, quando vem a falecer Ana já é adulta e tem
filho), então a fim de que o fiduciário também tenha vantagem, a lei cria um
usufruto em favor do fiduciário, com a propriedade-nua em favor do
fideicomissário, beneficiando a ambos (pú do 1.952).
13. REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES
TESTAMENTÁRIAS
A legítima é obrigatória pela
importância da família na sociedade, por essa razão o testador não pode deixar
de contemplar os seus herdeiros necessários (art. 1.846, vide 2º princípio na
aula 2).Os herdeiros necessários são os descendentes, os ascendentes e o
cônjuge/companheiro (1.845), e só podem ser afastados da herança nos casos já
vistos de deserdação (1.961, revisem deserdação no ítem 4).
Então, havendo herdeiros necessários e
havendo testamento, é preciso ajustar o testamento para calcular o valor da
metade da herança. Essa metade é a legítima, e a outra metade é a parte
disponível para quem o hereditando quiser, inclusive qualquer herdeiro necessário
(1.849, 1.847; a colação que veremos adiante, serve para conferir o valor das
doações feitas em vida do testador ao herdeiro a fim de igualar os quinhões,
2.002).
Se o testador por descuido,
má-administração ou má-fé prejudicar seus herdeiros necessários não respeitando
a legítima, caberá a redução do testamento; o testamento não é anulado, é
apenas enxugado. O testador pode prever onde deverá ser feita a redução (§ 2º
do 1.967); caso contrário a lei determina a redução primeiro nas heranças e
depois nos legados (§ 1º do 1.967). O herdeiro sofre a redução antes do
legatário pois herda a título universal, cabendo ao herdeiro só o que sobrar do
espólio depois de satisfeitos os credores do extinto, a legítima dos herdeiros
necessários e os legados.
Esses cálculos são feitos no inventário
por contador, mas só após a morte do hereditando face ao pacta corvina do art.
426. Havendo acordo entre os herdeiros, essa redução se faz dentro do
inventário, porém surgindo litígio a ação de redução correrá em processo próprio,
visando reconhecer a parte excessiva para reintegrá-la à legítima.
Doação inoficiosa: se mesmo reduzindo o testamento a legítima
continuar desrespeitada, anulam-se as doações inoficiosas, pois o testador em
vida não pode doar mais da metade dos seus bens (art. 549). Se o fizer, as
doações mais recentes devem ser anuladas. Ressalto que o testador pode vender
todos os seus bens, mas não pode doar, afinal a venda é uma troca de coisa por
dinheiro, já a doação implica em perda. O valor dos bens deve ser considerado
ao tempo do contrato, e não ao tempo da morte, de modo que se o doador
empobrece posteriormente, válida terá sido a doação.
A doação e o testamento são assim
ineficazes na parte excedente, só que na doação se apura o excesso no momento
do contrato, enquanto no testamento quando morre o hereditando.
Como se vê, não dá para burlar o
direito à legítima dos herdeiros necessários. O testador pode até determinar os
bens que devem constituir a legítima dos familiares, mas sem reduzi-la.
Revogação do testamento
É característica do testamento a sua
revogabilidade como vimos na aula 7, face princípio da autonomia da vontade e
da liberdade do Direito Civil, onde o particular pode dispor de seus bens com
grande autonomia (1.858). O testamento novo revoga o anterior. Não se revoga
testamento por escritura pública, codicilo, declaração perante o juiz, etc. Só
um testamento revoga outro, da mesma espécie ou não (1.969).
Espécies de revogação: a) expressa: o
testamento novo expressamente revoga o anterior; b) tácita: o testamento novo
tem disposições incompatíveis com o velho, prevalecendo o mais recente, e onde
não houver incompatibilidade subsiste também o velho (pú do 1.970). Se o
segundo testamento for anulado, o primeiro subsiste (1.971, in fine). A alienação
da coisa legada implica em revogação tácita e parcial do testamento (1.916).
Observações:
– Só não se revoga testamento na parte
que reconhecer um filho (1.610).
– Numa lei, num contrato, um
artigo/cláusula inconsistente não anula a lei toda ou o pacto todo; igualmente
num testamento uma cláusula nula não invalida o testamento todo.
– a abertura do testamento ordinário
cerrado implica em revogação (1.972), mesmo que feita por terceira pessoa,
afinal é um risco que se assume ao optar por essa espécie de testamento, que
deve permanecer secreto enquanto o testador for vivo.
Rompimento do testamento
O rompimento é uma revogação presumida
pela lei, e independe da manifestação do testador. Ocorre quando o testador tem
um filho ou adota alguém após testar (1.973). Ocorre também se o testador
desconhecia a existência de um filho (1.974). Presume a lei que o surgimento de
um filho novo faria o testador mudar radicalmente o testamento, por isso ele
fica automaticamente revogado.
14. TESTAMENTEIRO
Não confundam testamenteiro com
inventariante; este é nomeado pelo juiz para administrar o espólio em toda
sucessão, seja legítima ou testamentária (art. 990, CPC). Já o testamenteiro é
pessoa física nomeada pelo falecido apenas na sucessão testamentária, em
testamento ou codicilo, para fazer cumprir o testamento (1.976). O
testamenteiro é um fiscal fiel do testamento, sendo pessoa de confiança do
hereditando (1.981).
É importante o testamenteiro, pois os
herdeiros próximos podem não querer pagar os legados ou convocar os herdeiros
distantes, então é prudente alguém com a missão de fazer respeitar a vontade do
extinto.
Pode acontecer do juiz designar
inventariante o próprio testamenteiro nomeado pelo extinto, o que se chama de
testamenteiro universal (1.990). Se o falecido fizer testamento, mas não nomear
testamenteiro aplica-se o art. 1.984.
O testamenteiro
exerce ofício privado (não é função pública, mas
particular, nomeado pelo testador), remunerado (1.987,
chama-se esse prêmio de vintena) e de assunção facultativa (se a função é privada, não
pode ser obrigatória, 1.986).
Chama-se de testamentaria as
atribuições do testamenteiro, que pode servir-se de advogados e contadores para
melhor desempenhar seu trabalho (1.985).
Extingue-se a testamentaria pela
conclusão do serviço (1.983) pela remoção do testamenteiro desonesto (1.980) e
pela nulidade do testamento, afinal sem disposição de última vontade não há
testamenteiro.
INVENTÁRIO
A primeira parte foi até a aula 4 – Da
Sucessão em Geral, a segunda parte até a aula 6 – Da Sucessão Legítima, e a
terceira até aqui – Da Sucessão Testamentária (1.786).
Hoje vamos falar do procedimento de
inventário e arrolamento que visa legalizar a disponibilidade da herança e se
encerra com a partilha entre os sucessores (1.796).
Conceito de inventário: procedimento especial instaurado no
último domicílio do falecido visando descrever os bens da herança, avaliar estes
bens, pagar o imposto de transmissão, identificar os sucessores, quitar as
dívidas do extinto (1.997), quitar as despesas do funeral (1.998) e fazer a
partilha pondo fim ao condômino decorrente da saisine (pú do 1.791).
O inventário apura o patrimônio do morto e liquida o acervo hereditário,
realizando o ativo e pagando o passivo. O inventário também separa a herança da
meação do viúvo, se o falecido foi casado pelo regime da comunhão de bens.
O foro competente para o inventário é o
da Comarca onde residia o extinto, mesmo que ele tenha bens em outros lugares,
pois se presume que onde ele vivia era mais conhecido (1.785).
Quem impulsiona o inventário, cuida dos
bens do extinto, paga os impostos, contrata o advogado, etc., é o
inventariante, mas não o confundam com o supramencionado testamenteiro, pois o
inventariante é nomeado pelo juiz e não existe testamenteiro na sucessão
legítima (1.991).
Entre a morte e o ajuizamento da ação
de inventário, a administração da herança cabe a um familiar conforme art. 1.797.
Provavelmente este familiar será mantido na função e nomeado inventariante pelo
juiz. Se o inventariante não desempenhar bem suas funções, não prestando contas
dos seus atos, o juiz deve removê-lo, trocando-o por outro parente do extinto
(2.020).
O inventariante representa o espólio e
administra o patrimônio do morto, exercendo função pública gratuita, não sendo
remunerado como na testamentaria, afinal o inventariante é um parente do morto,
é herdeiro, e está trabalhando para si mesmo.
Porém, em conflitos familiares, o
magistrado pode afastar os herdeiros da inventariança e nomear um expert da
confiança do juiz para a função, remunerado pelo espólio (art 617, VIII, CPC).
Ou seja, se a família briga perde dinheiro e tempo na conclusão do inventário.
Questões de alta indagação como a
discussão sobre a validade do casamento do morto, reconhecimento de
filhos, justificação de créditos, nulidade de testamento, deserdação, etc., não
podem ser tratadas no inventário, mas em processo próprio para tumultuar menos
o procedimento (art 612, CPC).
O inventário é
obrigatório, mesmo que só haja um herdeiro, face ao interesse público da
Fazenda Estadual em receber os impostos decorrentes da transmissão hereditária
dos bens. Quando o herdeiro é único não há partilha, mas adjudicação de todos os bens do extinto.
Todavia, pode não haver inventário nas seguintes
situações:
2. a) arrolamento
sumário, previsto no art. 659 do CPC, dispensa o inventário quando os herdeiros
são todos capazes e celebram partilha amigável (2.015); não importa o valor do
patrimônio do extinto, cabe o arrolamento sumário se não houver incapazes e nem
brigas entre os herdeiros. Aplica-se também em caso de herdeiro único. O
arrolamento é um processo mais simples do que o inventário
3. b) arrolamento comum,
previsto no art. 664 do CPC, também dispensa o inventário quando a herança é de
pequeno valor, mesmo que haja menores (665, CPC) e disputa pelos bens.
4. c) alvará judicial,
previsto no art 666, CPC, dispensa até o arrolamento quando a herança é pequena
mesmo, bastando uma simples autorização do juiz para levantamento do crédito
(ex: o salário não recebido pelo extinto no mês da sua morte, o depósito do
FGTS, etc.).
5. d) escritura pública:
o § 1º do art 610 admite o arrolamento extrajudicial, sem intervenção do juiz,
podendo tudo ser feito no Cartório de Notas se não há testamento e se os
herdeiros são capazes e estão de acordo quanto à divisão de bens. É mais rápido
pois evita a sobrecarregada Justiça, contudo é preciso pagar o cartorário.
O promotor de Justiça tem atuação
discreta no Direito Civil, afinal o Ministério é público e o Direito Civil é
privado, porém no Direito das Sucessões, sempre que há testamento ou herdeiros
incapazes, o promotor é chamado pelo juiz para dar sua opinião.
Inventário negativo: não está previsto
no Código de Processo, e é o modo judicial de se provar a inexistência de bens
do extinto. Ora, por que seria preciso provar que alguém não deixou bens? Por
dois motivos:
– Primeiro porque a lei exige o regime
obrigatório da separação de bens quando o viúvo não abriu o inventário do
cônjuge falecido, e esse viúvo deseja casar de novo. O inventário de pessoa
casada é assim importante para evitar confusão patrimonial entre os bens do
viúvo no 1º e 2º casamentos. Dessa forma, se o viúvo não ajuizou o inventário
porque o extinto nada deixou, isso precisa ser comprovado a fim de que o viúvo
possa se casar livremente (1.523, I, c/c 1.641, I).
– A segunda necessidade de inventário
negativo é para excluir a responsabilidade do herdeiro por dívidas do morto
(1.792).
Desta forma, o viúvo/herdeiro instaura
o inventário negativo e o juiz manda ouvir os familiares, testemunhas, pesquisa
informações no cadastro da Receita Federal, Detran, Cartório de Imóveis do
lugar onde vivia o extinto, Banco Central, etc. Confirmando-se que o falecido
nada possuía, o juiz profere uma sentença declarando a negatividade do
inventário.
15 PARTILHA
É a divisão dos bens da herança, pondo
fim ao condomínio transitório decorrente da saisine. Com a partilha os
herdeiros saberão exatamente quais são os seus bens, e poderão transferir o
dinheiro do morto para as suas contas, registrar os imóveis no Cartório
Imobiliário e os veículos no Detran (2.023). Tal registro, ressalte-se, é
apenas para dar publicidade e permitir a alienação a terceiros, afinal a
propriedade já foi adquirida desde o instante da morte do hereditando.
Sendo o falecido casado/convivente pelo
regime da comunhão de bens, a meação do viúvo/companheiro também entra nesse
estado de indivisão, embora não integre a herança propriamente dita. A partilha
vai separar a meação da herança; a meação é entregue à viúva e a herança
dividida com os herdeiros.
A partilha é obrigatória para acabar
com esse condomínio forçado da comunhão hereditária, pois desde a época dos
romanos já se sabe que condominium est
mater discordiarum, ou seja, “o
condomínio é a mãe de todas as discórdias” (vejam condomínio em Direitos
Reais), assim o legislador facilita a extinção do condomínio por saber que não
é fácil administrar interesses quando mais de uma pessoa é proprietária da
mesma coisa (1.320 e 2.013).
Espécies de partilha: amigável, litigiosa e em vida.
O ideal é a partilha ser amigável,
evita traumas permanentes entre irmãos (2.015); e sempre é melhor um acordo
ruim do que uma briga boa, é sempre melhor um fim horroroso que um horror sem
fim, especialmente no seio familiar, que acham? A partilha amigável é negócio
jurídico solene e plurilateral, decorrente da vontade concordante de todos os
herdeiros, que declaram como querem dividir o espólio.
Todavia, infelizmente, havendo litígio
é necessário celebrar partilha litigiosa, nomeando um juiz um partidor para
tanto (2.016 e 2.017). Quem remunera o partidor? O espólio, ou seja, herdeiros
perdem tempo e dinheiro com o litígio. Importante o papel do advogado dos
herdeiros em buscar a composição, afastar seus clientes da demora e despesas
que litigar acarreta. Advogado precisa se desarmar, telefonar ao advogado
adversário e resolver o problema do seu cliente. Se a partilha é amigável basta
o juiz homologar, afinal no direito privado cada um sabe o que faz com seus
bens. Sendo litigiosa, o partidor na sua função deve seguir as seguintes
regras:
– Comodidade:
a partilha deve beneficiar os herdeiros conforme sua idade e profissão; ex: um
herdeiro idoso que já more numa casa do espólio deve ficar com ela; deve caber
a um filho advogado um escritório no centro, enquanto a um filho agrônomo uma
área rural.
– igualdade
econômica: os quinhões devem observar a maior igualdade possível quanto ao
valor, natureza e qualidade dos bens; esse é um dos princípios já explicados na
aula 2.
– prevenção de litígios futuros: essa regra visa evitar que dois irmãos já intrigados entre si, venham a herdar a mesma propriedade, ou a ser vizinhos, sendo melhor vender o bem e dividir o dinheiro (2.019).
– prevenção de litígios futuros: essa regra visa evitar que dois irmãos já intrigados entre si, venham a herdar a mesma propriedade, ou a ser vizinhos, sendo melhor vender o bem e dividir o dinheiro (2.019).
– Sorteio:
previsto no art. 817.
– Escolha:
aplicável quando só há dois herdeiros, então o juiz manda que um deles divida
os bens do pai ao meio, e autoriza o outro a escolher a metade que deseja.
Partilha em vida: discutível pois não se pode dispor de herança de
pessoa viva (art. 426), porém em empresas familiares é prudente que os pais,
antes de morrer, encaminhem seus filhos nos negócios (2.014 e 2.018). Sendo o
ascendente casado pelo regime da comunhão de bens, essa partilha em vida deve
partir de ambos os cônjuges.
Antecipação de herança: os pais podem também, na velhice,
doar bens a seus filhos, mas não todos para não ficar na miséria (544 e 548). O
problema é a ingratidão, pois muitos filhos passam a se preocupar só com os
seus filhos e se esquecem dos pais, logo na velhice quando estamos mais
vulneráveis… Aplicável assim o art. 557, IV, revisem doação em Contratos.
Adjudicação: havendo só um herdeiro não há partilha, mas adjudicação de todos os
bens do hereditando a esse único sucessor. Também ocorre adjudicação quando
todos os herdeiros alienam seus quinhões a uma pessoa só durante o inventário
(1.793).
EFEITOS DA PARTILHA:
– retroativo:
pelo princípio da saisine os bens são dos sucessores desde a morte do
hereditando, então a partilha tem efeito “ex tunc” (= desde então), de modo que
o domínio do herdeiro sobre os bens partilhados retroage ao momento da abertura
da sucessão; a partilha é declaratória e não constitutiva da propriedade, ou
seja, a partilha diz quais são os bens de cada herdeiro, mas a propriedade foi
constituída desde a saisine (2.023).
– Imissão
na posse: o domínio retroage, tendo o herdeiro direito aos frutos (ex: as
crias de um animal herdado), mas pode ser que a posse da coisa herdada seja
deferida só após a partilha, exigindo o herdeiro que o inventariante lhe
entregue a coisa (2.020).
–
Publicidade: com o formal de partilha em mãos, o herdeiro fará o registro
em seu nome dos imóveis no Cartório, ou dos veículos no Detran, dando
publicidade e facilitando a venda a terceiros; nada impede porém que, antes da
partilha, o quinhão já seja vendido como vimos no art. 1793, caput e §§ 2º e
3º.
A partilha pode ser anulada por erro, dolo ou coação, como todo negócio
jurídico, no prazo decadencial de um ano (2.027 e pú).
SOBREPARTILHA:
É a partilha adicional de bens omitidos
de propósito ou por desconhecimento. Omite-se de propósito bens em local de
difícil acesso (ex: fazenda no oeste do Brasil, divisa com o exterior) para não
atrasar a partilha dos bens líquidos, certos e presentes. Se um bem do falecido
só é descoberto após a primeira partilha, também se justifica a sobrepartilha
(2.021). É preciso reabrir o processo de inventário para celebrar a
sobrepartilha.
16 PAGAMENTO DAS DÍVIDAS
Durante o inventário é preciso separar
a meação da herança, pagar imposto de transmissão, as dívidas do morto, as
despesas do funeral, a vintena do testamenteiro e cumprir os legados. Depois é
que se dividem os quinhões hereditários, mas sempre se respeitando a legítima
dos herdeiros necessários.
O principal desse rol são as dívidas,
afinal se as dívidas são muito altas não existe legado e nem herança. Em caso
de insolvência do espólio, o herdeiro não responde pelo excesso (1.792),
aplicando-se o concurso de credores com o vencimento antecipado das dívidas, a
arrecadação dos bens penhoráveis e a divisão dos bens do morto (art. 955).
Observação: as dívidas do funeral do
morto são privilegiadas, e devem ser pagas antes das obrigações quirografárias
(965, I e 1.998). Revisem preferências e privilégios creditórios em Civil II –
Obrigações.
Sendo a herança solvente, o credor do
extinto deve se habilitar no inventário e o juiz mandará reservar bens para
pagamento (§§ 1º e 2º do art. 1.997). O credor do extinto tem preferência sobre
o credor do herdeiro, por dívidas do morto, afinal as dívidas de qualquer
pessoa são honradas com seu patrimônio (arts. 391, 942 e 2.000).
O herdeiro que pagar sozinho uma dívida
deve cobrar a parte dos demais coerdeiros (ex: um pai deve cem e deixou quatro
filhos, o filho que pagar sozinho vai cobrar vinte e cinco dos irmãos, 1.997 e
1.999).
SONEGADOS
São os bens propositadamente escondidos
pelo herdeiro, inventariante ou testamenteiro a fim de não pagar o imposto de
transmissão ou prejudicar outro herdeiro. A sonegação é a intenção de ocultar
bens da herança (ex: os bens doados pelo pai em vida a um filho). A sonegação
exige dolo, cabendo ao herdeiro provar que omitiu o bem por ignorância (1.992 e
1.993).
A sonegação não pode ser discutida no
inventário, exigindo ação própria (1.994). Além de perder o direito ao bem
sonegado, a sonegação implica também em crime de apropriação indébita do art.
168, § 1º, II do CP. O testamenteiro sonegador perde a vintena (1.987).
COLAÇÃO
É a obrigação legal dos filhos de
restituir os bens recebidos em vida dos pais, a fim de que a partilha seja
igual. A colação corresponde a uma conferência dos bens que o falecido doou ao
filho (2.002 e 2.003). A colação só se aplica aos descendentes e
cônjuge/companheiro que fazem jus à legítima, mas ascendentes não.
Igualmente não se exige colação na sucessão testamentária.
Justifica-se a colação conforme
princípio 3 da aula 2: igualdade entre os quinhões hereditários, afinal o afeto
do pai pelos filhos geralmente é igual; justifica-se também por se presumir que
uma doação em vida implica em antecipação da herança (544), por isso o pai deve
ser expresso se quiser beneficiar um filho mais do que a outro (2.005).
A colação se dá pelo valor do bem, e
não pelo bem em si (2.004 e § 2º), por isso o filho pode usar e vender o bem
doado livremente. Tal bem colacionado não paga imposto mortis causa, pois já
pagou o imposto de transmissão inter vivos quando foi doado antes.
Não haverá colação nas hipóteses dos
arts. 2.010 e 2.011; obs: se o filho for condenado nesse referido processo
criminal, deverá colacionar o gasto; revisem doação remuneratória em Contratos.
EVICÇÃO
É a perda da coisa em virtude de
sentença que reconhece a outrem direito anterior sobre ela (revisem esse
assunto em Contratos). Pois bem, julgada a partilha, cessa o condomínio forçado
dos bens do extinto entre os herdeiros, condomínio esse decorrente do princípio
da saisine (1.784 e 2.023).
Após a partilha cada herdeiro vai se
tornar proprietário e possuidor de sua parte, mas se ocorrer a evicção, ou
seja, se depois se apurar que um bem herdado não pertencia ao extinto, o
prejudicado deve indenizar-se nos colhereiros, a fim de manter a igualdade
entre os quinhões (2.024).
Legatário não tem direito a indenização em caso de evicção, pois essa regra só
se aplica na partilha dos herdeiros. Sendo a coisa evicta, o legado caduca
(1.939, III).
Resumo do
Prof. Esp.Adm,Direito e economia Alcenisio Técio Leite de Sá