quarta-feira, 22 de maio de 2019


REGRAS DE CONDUTA – JIU JITSU BACELAR PORTELA
1- Respeitar os superiores e os colegas.
2- Cumprimentar corretamente ao entrar e sair do Dojô.
3- Manter silêncio no Dojô.
4- Ajoelhar ordenadamente na chegada do Sensei.
5- Estar atento às instruções do Sensei.
6- Sentar-se corretamente no Tatame.
7- Não beber água durante o treino, sem a autorização do Sensei.
8- Sair durante as aulas, em casos excepcionais, com a autorização do Sensei.
9- Conservar o Dojô sempre limpo e em ordem. É dever de todos manter a limpeza do tatame e arredores.
10- Não treinar em outro Dojô sem a autorização expressa do Sensei.
11- Usar o judogui (kimono) apenas nos horários de treino, não usar na rua.
12 – Não fazer críticas ou comentários desabonadores sobre outro judoca ou  jiujitsuca/jiujiteiro.
13 – Não falar ao celular durante as aulas.
14 – Manter seu Kimono (Judogui/ Gi) limpo e nas condições exigidas.
15 – Saber dobrar corretamente seu kimono.
16 – Satisfazer as condições básicas de higiene corporal.
17 – Fazer a saudação:
ao entrar no Dojô;
ao cumprimentar seu mestre;
ao convidar seu companheiro para treino;
ao finalizar seu treino.

18 – Quando no dojô, manter a disciplina e o respeito adequados ao local, mantendo o quimono arrumado, sentando-se sobre os calcanhares ou com as pernas cruzadas sempre que não estiver treinado.
19 – Amarrar corretamente a faixa.
20 – O Dojô é um lugar sagrado, uma extensão do templo.
21 – Cada praticante deve cooperar para criar uma atmosfera positiva de harmonia e respeito.
22 – É prerrogativa do professor decidir se irá ou não tomar você como aluno. A técnica não se compra.
23 – Mesmo estando fora do tatame, mantenha o respeito durante os treinos e não tire atenção de quem está dentro do tatame.
24 – O tatame não deve ser utilizado para outro fim a que se destina, salvo expressa ordem do professor.
25 – Evite frequentar as aulas se estiver com alguma doença transmissível por ar ou contato.
26 – Se estiver com alguma lesão ou incapacidade física comunique ao professor, antes de iniciar o treino.
27 – Sinta-se em casa para dar informações a visitantes, arrumar o que estiver
desarrumado, limpar o que estiver sujo.
28- Se precisar ausentar-se por algum tempo dos treinos por viagens ou doença avise o professor.
29 – Não pise calçado no tatame.
30 – Não ande descalço fora do tatame.
31 – Não ande pelo tatame sem estar completamente vestido.

32 – Evite atraso, se por motivo de força maior chegar com a aula já iniciada, entre no tatame discretamente, pedindo licença ao professor, faça uma reverência ao professor dizendo os, cumprimente todos os faixas pretas primeiro no tatame e se adapte ao ritmo dos exercícios, evitando que seu atraso prejudique o treino.
33 – Caso entre um faixa preta no tatame com a aula já iniciada, atente para o fato e assim que puder pare  o que estiver fazendo e vá cumprimentá-lo, em seguida retorne ao ritmo dos exercícios, ou aguarde orientação.
34 – Não abandone o tatame durante a aula. Se você precisar sair temporariamente do tatame peça autorização; deve-se pedir autorização até mesmo para usar o banheiro ou tomar água.
35 – Ao entrar no tatame esvazie a mente dos problemas diários e foque no treinamento.
36 – Evite conflitos de ego no tatame. O tatame não é um ringue de competição de vaidade. Você deve treinar para dominar seus próprios instintos agressivos.

37 – Treine exatamente como orientado pelo professor.

38 – Jamais se deve contra argumentar com o professor, não há lugar para discussões em um tatame.
39 – Respeite o Sensei e seus ensinamentos da forma como forem transmitidos pelo professor. Nunca argumente com o professor, mesmo que outro instrutor tenha dito algo diferente. Existem várias formas de se executar as técnicas e você deve seguir cada instrutor, em cada aula, no melhor de sua capacidade.
40 – Quando o professor demonstrar uma técnica, preste atenção e faça perguntas na hora apropriada.
“O melhor talento que alguém pode ter é a dedicação.”

41 – Não deixe de fazer nenhuma técnica (a não ser que esteja machucado).
42 – Quando o fim de uma técnica for determinado, pare imediatamente. Faça uma reverência e agradeça seu parceiro.
43 – Não recuse a treinar com nenhum parceiro.
45 – Respeite os mais graduados. Evite discutir sobre a técnica.
46 – Respeite os menos graduados. Não inviabilize sua prática.
47 – Os mais graduados devem, por sua vez, treinar as técnicas sempre com os menos graduados, conduzindo o movimento, em caso de dúvida.

48 – Nunca pense que estará atrapalhando alguém por não saber executar algum movimento. Todos estão aprendendo, uns ajudando aos outros.
49 – Esteja consciente do que ocorre ao seu redor. Dose a intensidade dos movimentos principalmente com os menos graduados. Tenha  responsabilidade sobre você mesmo e seu companheiro de treino.
50 – Treine com afinco e energia, mas sempre respeitando a integridade física
do colega. Durante as aulas há sempre pessoas de diferentes sexos, idades, capacidade física, habilidades e possibilidades diferentes. Tenha consciência de suas limitações. Cada indivíduo tem suas razões para estar no tatame. Respeite a todos.
51 – As metas de treinamento de cada parceiro devem ser levadas em consideração.
52 – Ao término do treino, aguarde a saudação em formação e então agradeça cada parceiro com quem treinou e faça uma reverência formal.
53 – Procure participar dos eventos da academia e da sua equipe: seminários, demonstrações, palestras, limpezas gerais, comemorações, etc. A sua evolução no Jiu Jitsu está inteiramente vinculada a presença nesses eventos.
54 – O Jiu Jitsu é um meio para o desenvolvimento pessoal, para o treinamento
do corpo, mente e espírito. Respeito, sinceridade, humildade, cooperação, harmonia e boa vontade são condutas essenciais aos praticantes da arte suave.
55 – Tenha uma conduta respeitosa e adequada, dentro e fora dos tatames.
56 – Em hipótese nenhuma será permitido o abuso físico nos tatames, tal como o corredor de faixadas, que costuma ocorrer nas graduações ou aniversários. Estas datas são motivo de festa, não deste tipo de comportamento. É inadmissível em nossa escola que se permita ou que se participe dessas atividades contra um companheiro de equipe.

57 – Respeite seu companheiro de equipe e parceiros de treino, pois sem eles não é possível treinar. Ninguém treina sozinho.




terça-feira, 21 de maio de 2019


PROCESSO ADMINISTRATIVO      
7.1.Introdução
PROCESSO E PROCEDIMENTO – O termo processo indica uma atividade para a frente, ou seja, uma atividade voltada a determinado objetivo. Trata-se de categoria jurídica caracterizada pelo fato de que o fim alvitrado resulta da relação jurídica existente entre os integrantes do processo. Na verdade, pode definir-se o processo como a relação jurídica integrada por algumas pessoas, que nela exercem várias atividades direcionadas para determinado fim. De fato, a ideia do processoreflete função dinâmica, em que os atos e os comportamentos de seus integrantes se apresentam em sequência ordenada com sentido teleológico, vale dizer, perseguindo o objetivo a que se destina o processo.
processo costuma ser qualificado como instituto típico da função jurisdicional ou, na preferência de alguns processualistas, como instrumento da jurisdição. Através do processo é que os juízes exercem seu poder jurisdicional e, como regra, decidem os litígios entre as partes. A relação jurídica, todavia, na qual sobressai o desempenho da função jurisdicional é o processo judicial, que, sem embargo de ser o mais notório (e clássico, pelas antigas e ultrapassadas noções jurídicas), não é a única modalidade de processo (este considerado como categoria jurídica). É bastante usual ouvir-se a afirmação – de todo equivocada – de que o processo é o instrumento da jurisdição, como se fora essa a única forma de sua exteriorização. O que é instrumento da função jurisdicional é – isto sim – o processo judicial, que não exclui, como é óbvio, a existência de outras categorias de processo.
A subcategorização do processo deve fundar-se na natureza da função estatal básica que nele é exercida. Se a função primordial exercida no processo é a legiferante, estaremos diante do processo legislativo, e nele estará também presente relação jurídica entre vários agentes e órgãos, desta feita de caráter político, cujas atividades, desenvolvidas em sequência previamente determinada, têm por escopo a promulgação da lei. Assim como a sentença é o objetivo final do processo judicial, a lei é o fim último do processo legislativo.77 Por outro lado, se a função é a administrativa, a relação jurídica traduzirá processo administrativo, sendo, da mesma forma, inafastáveis as características do processo em geral – de um lado, as atividades sequenciadas produzidas pelos figurantes da relação jurídica e, de outro, o objetivo final a que se destina.
Como na via administrativa as autoridades não desempenham função jurisdicional, poderia supor-se (como supõem erroneamente alguns, já alertamos) não ser muito técnica a denominação processo administrativo. Contudo, tanto quanto o processo judicial, que visa a uma decisão, o processo administrativo tem igualmente objetivo certo, no caso a prática de ato administrativo final. Não bastasse esse fator de identificação, a expressão está consagrada, é reconhecida pelas mais diversas camadas da população e a esta altura não há qualquer razão para ser alterada. A própria Constituição Federal, para exemplificar, faz, por mais de uma vez, referência à expressão processo administrativo (ou simplesmente a processo), reafirmando a aceitação geral da nomenclatura dispensada aos instrumentos formais pelos quais se exerce a função administrativa (vide arts. 5o, LV; 5o, LXXII, “b”; 37, XXI; 41, § 1o, II, da CF).78
O que é necessário, isto sim, é distinguir alguns pontos fundamentais que marcam cada tipo de processo. O processo judicial encerra o exercício de função jurisdicional e sempre há conflito de interesses, ao passo que o processo administrativo implica o desempenho de atividade administrativa, nem sempre se verificando qualquer tipo de conflito. No processo judicial, a relação é trilateral, porque além do Estado-Juiz, a quem as partes solicitam a tutela jurisdicional, nela figuram também a parte autora e a parte ré. No processo administrativo, a relação é bilateral, porque, quando há conflito, de um lado está o particular e de outro o Estado, a este incumbindo decidir a questão; o Estado é parte e juiz. Por fim, o processo judicial vai culminar numa decisão que pode tornar-se imodificável e definitiva, ao passo que no processo administrativo as decisões ainda poderão ser hostilizadas no Poder Judiciário.
A noção de procedimento, porém, é diversa. CALMON DE PASSOS averba que “procedimento é o processo em sua dinâmica, é o modo pelo qual os diversos atos se relacionam na série constitutiva de um processo.79 A ideia formulada pelo grande processualista é bastante precisa e indica a mecânica do processo, vale dizer, o modo e a forma pelos quais se vão sucedendo os atos do processo. A noção de processo implica objetivo, fim a ser alcançado; é noção teleológica. A de procedimento importa meio, instrumento, dinâmica, tudo enfim que seja necessário para se alcançar o fim do processo. Em suma, o sentido de procedimento revela a própria sequência ordenada de atos e de atividades produzidos pelos interessados para a consecução dos objetivos do processo.
Não é difícil perceber, por isso mesmo, que tanto há procedimento no processo judicial como no processo administrativo, porque em ambos há uma sequência de atos e de atividades preordenadas a determinado fim. Um exemplo bem esclarece a questão: a relação jurídica formada entre os agentes administrativos e as empresas para seleção com vistas a futuro contrato administrativo materializa o processo administrativo de licitação; a sequência dos atos e das fases previstas na Lei no 8.666/1993 (que deve ser por todos observada) constitui o procedimento administrativo concernente àquele processo. São, pois, categorias jurídicas dotadas de fisionomia própria.
Essa é a razão por que entendemos inadequada a expressão procedimento administrativo como substituta de processo administrativo, como propõem alguns estudiosos que não aceitam esta última expressão. São coisas inteiramente diversas. Denominar-se o processo administrativo de procedimento administrativo é enfocar apenas um aspecto daquele, qual seja, o relativo à dinâmica do processo. Este instituto, porém, considerado como relação jurídica, ficaria sem a denominação exata. Desse modo, processo e procedimento – é importante acentuar – não são coisas antagônicas, mas sim figuras intrinsecamente ligadas entre si: todo processo demanda um procedimento – que é a tramitação dos atos –, da mesma forma que todo procedimento só tem existência se houver o respectivo processo –, este indicando a relação jurídica firmada entre aqueles que dele participam.
SISTEMATIZAÇÃO – No Direito brasileiro, não há sistematização uniforme para o processo administrativo, como existe para o processo judicial. Algumas regras sobre aspectos do processo administrativo, como competência, prazos, requisitos etc., se espalham em diversos diplomas legais e até por atos administrativos normativos ou de organização como os decretos, regulamentos, regimentos e outros.
Por isso, não se pode esperar uma rigidez absoluta para os processos administrativos. Entretanto, devem o intérprete e o agente administrativo incumbido do processo atentar primeiramente para os princípios norteadores da atividade administrativa em geral, isso sem deslocar sua atenção também para as regras legais ou regulamentares que possam disciplinar o processo.
Em suma: mesmo sem sistematização uniforme, o processo administrativo recebe o influxo de princípios e normas jurídicas para que seja possível a sua conclusão dentro das regras gerais de direito.
O Governo Federal, em boa hora, fez editar a Lei no 9.784, de 29.1.1999, estabelecendo as regras para o processo administrativo e instituindo um sistema normativo que tem por fim obter uniformidade nos diversos expedientes que tramitam nos órgãos administrativos. A lei, todavia, tem caráter tipicamente federal, ou seja, destina-se a incidir apenas sobre a Administração Federal. Dentro desta, a disciplina é aplicável no âmbito da Administração direta e indireta e também aos órgãos administrativos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União. Embora destinada somente ao Governo Federal, já é um início de uniformidade normativa, o que muito facilita os administrados. Estados e Municípios deveriam trilhar o mesmo caminho, instituindo, pelas respectivas leis, sistema uniforme de processo administrativo em suas repartições.
7.2.Sentido
Diante do que expusemos até agora, parece-nos possível conceituar o processo administrativo como o instrumento que formaliza a sequência ordenada de atos e de atividades do Estado e dos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Administração.
processo administrativo importa uma sequência de atos e de atividades, isso porque, se em alguns momentos se pratica algum ato formal, em outros são exigidas meras atividades, mesmo que venham a ser formalizadas no processo. Originam-se do Estado, através de seus órgãos e agentes, ou de administrados interessados no assunto a ser apreciado no processo. Além disso, todos esses atos e atividades têm um objetivo, qual seja, o de provocar uma definição final da Administração.80
Neste passo, é justo sublinhar, como o faz doutrina de grande autoridade, que o processo administrativo é instituto de inegável relevância no sistema jurídico e espelha “instrumento útil para assegurar a observância do superprincípio da segurança jurídica”, que alcança, na verdade, todas as situações que envolvam “a certeza do direito e a estabilidade das relações jurídicas”.81
7.3.Classificação
Várias são as classificações que os autores apresentam, o que não causa estranheza em virtude da ampla dimensão dos processos administrativos. A nosso ver, porém, há dois grandes grupos de processos administrativos: os processos não litigiosos e os processos litigiosos.
PROCESSOS NÃO LITIGIOSOS – Processos não litigiosos, como o próprio nome indica, são aqueles em que não se apresenta conflito de interesses entre o Estado e um particular.
Essa categoria, aliás, constitui um dos pontos diferenciais dos processos judiciais, já que nestes é indispensável a presença do conflito. Os processos não litigiosos são os de maior número e através deles se concretiza o desempenho da função administrativa nos seus mais variados aspectos, desde os mais simplórios até os mais complexos.
O grande fundamento de tais processos é o princípio do formalismo das atividades administrativas. Para que os administrados e a própria Administração possam efetuar o controle administrativo, torna-se necessário que tudo fique formalizado e registrado.
Entre os processos não litigiosos se incluem o inquérito policial, o inquérito civil e a sindicância administrativa. Trata-se de processos que têm por objeto apenas uma apuração, sendo, pois, inquisitórios, e não contraditórios. Neles não incide o princípio da ampla defesa e do contraditório, estando ausente qualquer litígio formal. Apesar de ser garantido o acesso a advogados constituídos, não tem a autoridade administrativa o dever de conferir acesso livre a terceiros, até porque pode haver investigação sobre dados sigilosos relativos a outras pessoas.82
PROCESSOS LITIGIOSOS – Ao contrário do que ocorre com a categoria anterior, os processos litigiosos contêm realmente um conflito de interesses entre o Estado e o administrado. Esse conflito é o mesmo que constitui objeto do processo judicial. A diferença, porém, como já vimos, está em que as decisões neste último podem tornar-se imutáveis, fato que não ocorre nos processos administrativos.
Não há a menor dúvida de que, em sua aparência e no procedimento, guardam semelhança com os processos judiciais, sendo, por isso, comumente denominados de processos judicialiformes, ou seja, processos que têm a forma de processos judiciais.
Os conflitos, todavia, são decididos pelo próprio Estado, que tem a posição de parte e de julgador. Em compensação, suas decisões podem ser impugnadas na via judicial, onde o Estado-Juiz atuará com imparcialidade e equidistância dos interesses do particular e do Estado-Administração.
É comum esse tipo de processo nos conflitos de natureza tributária e previdenciária. O processo percorre diversas instâncias administrativas formadas de agentes e de órgãos administrativos, como os tribunais e conselhos administrativos, aos quais compete decidir sobre as controvérsias, e sua tramitação, normalmente regulada em lei, se aproxima em muitos pontos do procedimento judicial. Exemplo típico é o processo tributário, apreciado por agentes do órgão de fiscalização e, em grau de recurso, por conselhos de contribuintes. O rito é de fato parecido com o do processo judicial.
É fácil perceber que a presença do conflito de interesses vai exigir que nesse tipo de processo administrativo haja maior rigidez quanto à observância de alguns princípios, como o do contraditório, da ampla defesa, da produção probatória etc.83
7.4.Objeto
GENÉRICO – Todo processo representa um instrumento para alcançar determinado fim. É esse elemento dinâmico que o caracteriza. Sempre que há a referência a um processo, certamente haverá a menção a algo que é pretendido, ao fim a que se destina, a um objeto, enfim.
Por isso, podemos aludir aos tipos fundamentais de processo, de acordo com as funções básicas do Estado. Nesse caso, temos um processo legislativo, um processo judicial e um processo administrativo, cada um deles voltado a um fim próprio. O processo legislativo tem por objeto a produção da lei (embora haja outros atos análogos com denominação diversa); o processo judicial alvitra a produção da sentença (mesmo caso do processo anterior); e o processo administrativo tem por objeto a produção do ato administrativo.
Assim, considerando-se o aspecto teleológico genérico, inerente ao processo, podemos consignar que constitui objeto do processo administrativo a prática de um ato administrativo. Há processos, por exemplo, que culminam com ato de outorga de licença; outros desaguam em ato de punição; outros, ainda, findam com atos de indeferimento de pedido, e assim por diante. Mesmo que o processo não tenha servido para alcançar seu objeto específico, terá que haver um ato administrativo final, nem que seja para a prática de ato de arquivamento. Uma coisa é certa: não se pode conceber o processo administrativo sem que tenha ele esse objeto genérico.
OBJETOS ESPECÍFICOS – Objetos específicos do processo administrativo são as providências especiais que a Administração pretende adotar por meio do ato administrativo final. Dada a grande variedade dos objetivos colimados pela Administração, podemos agrupar os processos administrativos em categorias diversas.
De acordo com a especificidade dos processos, podem ser classificados em:
a)processos com objeto de mera tramitação;
b)processos com objeto de controle;
c)processos com objeto punitivo;
d)processos com objeto contratual;
e)processos com objeto revisional; e
f)processos com objeto de outorga de direitos.
A primeira categoria é dos processos com objeto de mera tramitação. É a grande maioria dos processos, pois que representam todos aqueles que não se enquadram nas demais categorias, tendo caráter residual. Nesses processos é que a Administração formaliza suas rotinas administrativas, já que tudo que é protocolizado numa repartição pública se converte em processo. Estão nessa categoria os processos resultantes de ofícios encaminhados por entidades públicas ou privadas; de meras comunicações aos órgãos públicos; de planejamento de serviços, e tudo enfim que acarrete uma tramitação pela via administrativa.
Há outros processos que têm objeto de controle, porque visam a proporcionar um ato administrativo final que espelhe o resultado desse controle. Exemplo típico é o do processo que encaminha as contas dos administradores para controle financeiro interno ou do Tribunal de Contas. Os atos finais de controle podem ser de aprovação das contas ou de sua rejeição. Outro exemplo é o processo de avaliação de conduta funcional de servidor público, no qual a Administração objetiva fixar certo conceito funcional, ou chegar à conclusão de que o servidor merece ser exonerado, ou ainda fiscalizar condutas de servidores ou de terceiros. Esse tipo de processo pode eventualmente provocar a instauração de outro processo com objeto diverso: é o caso em que o controle resulta em verificação de irregularidades nas contas prestadas, hipótese em que outro processo deverá ser iniciado com objeto punitivo.
A terceira categoria é a dos processos com objeto punitivo. Como indica a própria expressão, têm eles como objetivo a averiguação de situações irregulares ou ilegais na Administração e, quando elas se positivam, ensejam também a aplicação de penalidades. O objeto punitivo pode ser interno, quando a apuração tem pertinência com a relação funcional entre o Estado e o servidor público, e externo, quando a verificação tem em mira a relação entre o Estado e os administrados em geral. Exemplo de objeto punitivo interno é o processo que culmina com a aplicação da pena de suspensão ao servidor; exemplo de objeto punitivo externo é o processo que gera a cassação de licença pelo fato de ter o interessado cometido infração grave prevista em lei. O processo com objeto punitivo interno denomina-se de processo administrativo disciplinar, e será estudado em tópico separado.
Outra categoria é a dos processos com objeto contratual, aqueles em que a Administração pretende celebrar contrato com terceiro para a aquisição de bens, a construção de obras, o desempenho de serviços, a execução de serviços concedidos e permitidos etc. Típicos dessa categoria são os processos de licitação, regulados pela Lei no 8.666/1993.
Há ainda os processos com objeto revisional, que são aqueles instaurados em virtude da interposição de algum recurso administrativo pelo administrado ou pelo servidor público. Neles a Administração vai examinar a pretensão do recorrente, que é a de revisão de certo ato ou conduta administrativa. Se um servidor formula reclamação contra ato que não o incluiu numa lista de promoção por merecimento, o processo que se instaura tem objeto revisional. A Administração, ao final, pode rever o ato, como foi pedido pelo recorrente, ou mantê-lo, indeferindo o pedido recursal do interessado.
Por fim, temos os processos com objeto de outorga de direitos. Nesse tipo de processo, a Administração, atendendo ao pedido do interessado, pode conferir-lhe determinado direito ou certa situação individual.84 Exemplos destes processos são aqueles em que o Poder Público concede permissões e autorizações; registra marcas e patentes; concede isenções; confere licenças para construção ou para exercer atividades profissionais etc.
7.5.Princípios
DEVIDO PROCESSO LEGAL – O princípio do devido processo legal (due process of law) é daqueles mais relevantes quando se trata de examinar os efeitos da relação jurídica entre o Estado e os administrados. Trata-se de postulado inerente ao Estado de Direito, que, como sabemos, foi a situação política em que o Estado reconheceu que, se de um lado podia criar o direito, de outro tinha o dever de submeter-se a ele. A lei, portanto, é o limite de atuação de toda a sociedade e do próprio Estado.
A Constituição vigente referiu-se ao devido processo legal dentro do capítulo dos direitos e garantias fundamentais. Dispõe o art. 5o, LIV, da CF: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
Como bem já se registrou, a adoção do princípio em sede constitucional “representou um natural desenvolvimento da sociedade que não mais se conforma com a atuação estatal sem controle e altamente cerceadora do desenvolvimento do indivíduo”.85 E tem razão o grande publicista. O devido processo legal é realmente um postulado dirigido diretamente ao Estado, indicando que lhe cabe o dever de observar rigorosamente as regras legais que ele mesmo criou.
Em relação ao processo administrativo, o princípio do devido processo legal tem sentido claro: em todo o processo administrativo devem ser respeitadas as normas legais que o regulam. A regra, aliás, vale para todo e qualquer tipo de processo, e no caso do processo administrativo incide sempre, seja qual for o objeto a que se destine. Embora se costume invocá-lo nos processos litigiosos, porque se assemelham aos processos judiciais, a verdade é que a exigência do postulado atinge até mesmo os processos não litigiosos, no sentido de que nestes também deve o Estado respeitar as normas que sobre eles incidam.
Aliás, a amplitude do princípio (embora a Constituição pareça tê-lo limitado um pouco) dá margem à interpretação de que tem ele estreita conexão com o princípio da legalidade, este de amplo espectro e reconhecidamente abrangente. Em ambos, o Estado deverá prostrar-se como servo da lei.
OFICIALIDADE – O princípio da oficialidade significa que a iniciativa da instauração e do desenvolvimento do processo administrativo compete à própria Administração. Neste ponto, há flagrante diferença com o processo judicial. A relação processual no âmbito judicial é deflagrada por iniciativa da parte: ne procedat iudex ex officio (art. 2o, CPC). A tutela jurisdicional só pode ser exercida se o interessado adotar as providências para instaurar o processo judicial.
O princípio da oficialidade é diametralmente diverso. A Administração pode instaurar e impulsionar, de ofício, o processo e não depende da vontade do interessado. Trata-se de responsabilidade administrativa, pela qual aos administradores cabe atuar e decidir por si mesmos, não se adstringindo, inclusive, às alegações das partes suscitadas no curso do processo.86 Ainda que a lei não o estabeleça nesse sentido, o dever da Administração é inerente à função de concluir os processos para a verificação da conduta a ser adotada, satisfazendo, assim, o interesse da coletividade.87
Esse princípio permite aos agentes administrativos encarregados do processo várias formas de atuação ex officio, como a tomada de depoimentos, a inspeção em locais e bens, a adoção de diligências, tudo enfim que seja necessário para a conclusão do processo. É tão necessária a conclusão do processo que, como bem anota DIÓGENES GASPARINI, pode ser responsabilizado funcionalmente o servidor que se tenha conduzido com desídia ou desinteresse, paralisando o processo ou retardando seu desfecho.88
O princípio da oficialidade foi acolhido pela Lei no 9.784, de 29.1.1999, que, disciplinando o processo administrativo federal, consignou que as atividades de instrução com a finalidade de averiguar e comprovar os elementos necessários à decisão podem realizar-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, independentemente, portanto, de haver interesse ou desinteresse das partes no processo.89 A adoção do princípio revela a possibilidade de desfecho mais rápido do processo, pois que não haverá dependência da iniciativa de terceiros.
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – O princípio do contraditório está expresso no art. 5o, LV, da CF, que tem o seguinte teor: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
O mandamento constitucional abrange processos judiciais e administrativos. É necessário, todavia, que haja litígio, ou seja, interesses conflituosos suscetíveis de apreciação e decisão. Portanto, a incidência da norma recai efetivamente sobre os processos administrativos litigiosos. A interpretação a contrario sensu é a de que não incide o princípio sobre processos não litigiosos. É o caso, por exemplo, do inquérito policial, do inquérito civil, da sindicância prévia de mera averiguação.90
Costuma-se fazer referência ao princípio do contraditório e da ampla defesa, como está mencionado na Constituição. Contudo, o contraditório é natural corolário da ampla defesa. Esta, sim, é que constitui o princípio fundamental e inarredável. Na verdade, dentro da ampla defesa já se inclui, em seu sentido, o direito ao contraditório, que é o direito de contestação, de redarguição a acusações, de impugnação de atos e atividades.
O acusado pode atuar por si mesmo, elaborando a sua defesa e acompanhando o processo, ou fazer-se representar por advogado devidamente munido da respectiva procuração. A representação, portanto, constitui uma faculdade outorgada ao acusado, como já consagrou – corretamente a nosso ver – a mais autorizada doutrina.91 Não obstante, como garantia do princípio do contraditório, exige-se a presença de defensor dativo no caso de estar o acusado em lugar incerto e não sabido, ou na hipótese de revelia. Fora dessas hipóteses, contudo, é dispensável a presença de advogado. Desse modo, não nos parece correta a orientação judicial pela qual se afirma ser obrigatória, genericamente, a presença de advogado no curso do processo disciplinar.92 Tal pensamento exorbita em muito a garantia do contraditório e não tem fundamento normativo. O STF, porém, contrariando o entendimento do STJ, e de forma acertada, a nosso ver, decidiu não ser ofensiva à Constituição a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar.93
Não obstante, outros aspectos cabem na ampla defesa e também são inderrogáveis, como é o caso da produção de prova, do acompanhamento dos atos processuais, da vista do processo, da interposição de recursos e, afinal, de toda a intervenção que a parte entender necessária para provar suas alegações.94 Só é vedada aos interessados a utilização de meios procrastinatórios ou ilícitos que, pretextando buscar a verdade dos fatos, tenham por fim desviar o objetivo do processo. Nesse caso, não há uso, mas abuso de direito. Daí ser lícito ao órgão processante indeferir a oitiva de testemunhas apresentadas com o único objetivo de dilargar o andamento do feito.95
É importante lembrar que o princípio da ampla defesa não deve ser interpretado restritivamente, quando se trata de processos com litígios e com acusados. Além do mais, deve considerar-se que a tutela jurídica do direito à defesa é dever do Estado, qualquer que seja a função que esteja desempenhando.96
PUBLICIDADE – A vigente Constituição consagra a publicidade como um dos princípios básicos da Administração Pública (art. 37, caput). Como já tivemos a oportunidade de examinar, o princípio da publicidade importa o dever do Estado de dar a maior divulgação possível aos atos que pratica. É o dever de transparência das atividades administrativas.
Em relação aos processos administrativos, o princípio está a indicar que os indivíduos têm direito de acesso aos referidos processos, sequer se exigindo que sejam os titulares do direito material, mas que apontem algum interesse público a ser preservado.
Note-se que, ligados a esse princípio, a Constituição registra o direito à informação, contido no art. 5o, XXXIII, bem como o direito à obtenção de certidões para a defesa de direitos e para o esclarecimento de situações, consagrado no art. 5o, XXXIV, “b”. Significa que o indivíduo tem o direito a ser informado do que se passa junto aos órgãos públicos e, sendo assim, tem o direito de acesso aos processos que tramitam nas vias administrativas. Por outro lado, garantido o direito à obtenção de certidões, está implícito também o direito de acesso aos feitos administrativos.
É lógico que o direito de acesso não pode se converter em abuso. Havendo abuso, a Administração não é obrigada a atender pedidos de quem o comete.97Admite-se a restrição desse direito nas situações que imponham sigilo, o que, aliás, resulta do próprio art. 5o, XXXIII, da CF, e naquelas em que se precise preservar a intimidade ou o interesse social.98
Outro aspecto do princípio da publicidade merece destaque. Como os processos administrativos comportam sempre, como seu objetivo, a prática de atos administrativos, é necessário que a Administração dispense a eles a devida divulgação, seja pela publicação nos órgãos de imprensa oficial, seja pela comunicação pessoal. A exigência também emana do art. 37 da vigente Constituição.
INFORMALISMO PROCEDIMENTAL – Como inexiste um sistema específico para o processo administrativo, várias são as leis que dispõem sobre eles. Quando essas leis traçam o rito que o processo deve obedecer, cumpre observá-lo porque a isso obriga o princípio do devido processo legal.
Essas leis, porém, não regulam todos os processos, sobretudo quando se considera a grande amplitude de sentido que se empresta aos processos administrativos. Há inúmeros processos não litigiosos que não sofrem o influxo de qualquer disciplina legal. O mesmo ocorre com alguns processos litigiosos.
O princípio do informalismo significa que, no silêncio da lei ou de atos regulamentares, não há para o administrador a obrigação de adotar excessivo rigor na tramitação dos processos administrativos, tal como ocorre, por exemplo, nos processos judiciais. Ao administrador caberá seguir um procedimento que seja adequado ao objeto específico a que se destinar o processo.99 Se um administrado, por exemplo, formula algum requerimento à Administração, e não havendo lei disciplinadora do processo, deve o administrador impulsionar o feito, devidamente formalizado, pelos demais órgãos que tenham competência relacionada ao requerimento, e ainda, se for o caso, comunicar ao requerente a necessidade de fornecer outros elementos, ou de trazer novos documentos, e até mesmo o resultado do processo. Enfim, o que é importante no princípio do informalismo é que os órgãos administrativos compatibilizem os trâmites do processo administrativo com o objeto a que é destinado.
Entretanto, como bem observa DIÓGENES GASPARINI, não pode o informalismo servir de pretexto ao desleixo, com os administradores fazendo tramitar o processo sem a devida numeração, com falta de folhas, com rasuras suspeitas, enfim sem os elementos mínimos que possam denotar o zelo e a atenção dos órgãos administrativos para os fins do processo. Só assim o processo administrativo pode oferecer segurança e credibilidade aos administrados. Fora daí, o feito seria absolutamente inócuo.100
VERDADE MATERIAL – É o princípio da verdade material que autoriza o administrador a perseguir a verdade real, ou seja, aquela que resulta efetivamente dos fatos que a constituíram. Nos processos judiciais, como bem observa HELY LOPES MEIRELLES, viceja o princípio da verdade formal, já que o juiz se limita a decidir conforme as provas produzidas no processo, em obediência ao velho brocardo quod non est in actis non est in mundo.101
Pelo princípio da verdade material, o próprio administrador pode buscar as provas para chegar à sua conclusão e para que o processo administrativo sirva realmente para alcançar a verdade incontestável, e não apenas a que ressai de um procedimento meramente formal. Devemos lembrar-nos de que nos processos administrativos, diversamente do que ocorre nos processos judiciais, não há propriamente partes, mas sim interessados, e entre estes se coloca a própria Administração. Por conseguinte, o interesse da Administração em alcançar o objeto do processo e, assim, satisfazer o interesse público pela conclusão calcada na verdade real, tem prevalência sobre o interesse do particular. Por isso é que esse princípio serve também como fundamento da reformatio in pejus, como examinamos anteriormente.102
Apenas como exemplo prático, veja-se a matéria de prova. No processo judicial, é às partes que compete a produção das provas que respaldem suas alegações.103 O juiz apenas as aprecia como meio de chegar a seu convencimento. No processo administrativo, porém, o próprio administrador vai à busca de documentos, comparece a locais, inspeciona bens, colhe depoimentos e, a final, adota realmente todas as providências que possam conduzi-lo a uma conclusão baseada na verdade material ou real. É esse o exato sentido do princípio da verdade material.104
A busca da verdade real tem conduzido os estudiosos modernos a admitir, no processo administrativo, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica(“disregard of legal entity”), de modo a atribuir-se responsabilidade às pessoas físicas que se valem da pessoa jurídica como escudo para o cometimento de fraudes, desvios e outros ilícitos. Serve como exemplo o caso dos conhecidos “laranjas”, em que os administradores não têm qualquer vínculo com a sociedade e que são indicados pelos verdadeiros donos do negócio. Incide também a mesma teoria nos processos administrativos punitivos, inclusive nos contratos administrativos e licitações, quando perpetradas fraudes pelo contratado ou interessado contra a Administração.105
Existem divergências a respeito da admissibilidade da prova ilícita no processo administrativo. Os Tribunais a têm rechaçado peremptoriamente, estendendo a repulsa, inclusive, aos efeitos dela oriundos (teoria dos frutos envenenados ou “fruits of the poisonous tree”).106 Todavia, moderna doutrina a considera admissível em alguns casos excepcionais, quando embasada nos princípios da proporcionalidade e da moralidade e sempre alvejando a preponderância do interesse público. Na verdade, não há irrestrita aceitação, mas certa flexibilidade em função das particularidades do caso concreto, entendimento ao qual emprestamos nosso abono.107
7.6.Processo Administrativo na Administração Federal
DISCIPLINA – Tendo em vista a necessidade de uniformizar pelo menos as regras básicas a serem adotadas nos expedientes internos da Administração, foi editada a Lei no 9.784, de 29.1.1999, destinada a regular os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal.
Note-se, primeiramente, que a lei tem caráter federal, e não nacional, vale dizer, é aplicável apenas na tramitação de expedientes processuais dentro da Administração Pública Federal, inclusive no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário. Em virtude de nosso regime federativo, em que as entidades integrantes são dotadas de autonomia, não podem tais mandamentos se estender a Estados, Distrito Federal e Municípios, já que estes são titulares de competência privativa para estabelecer as próprias regras a respeito de seus processos administrativos. Nada impede, e, ao contrário, tudo aconselha a que as demais entidades também uniformizem seus procedimentos administrativos, não somente para limitar a atuação dos administradores públicos, mas também para conferir aos administrados maior garantia no controle da legalidade dos atos administrativos praticados nos diversos expedientes que tramitam nos órgãos da Administração Pública.
Vale a pena destacar, ainda, que as normas da Lei no 9.784/1999 têm caráter genérico e subsidiário, ou seja, aplicam-se apenas nos casos em que não haja lei específica regulando o respectivo processo administrativo ou, quando haja, é aplicável para complementar as regras especiais. A lei específica, por conseguinte, continuará sendo lex specialis e prevalecerá sobre a lei geral. É o caso, por exemplo, dos processos disciplinares, previstos nas leis estatutárias, e dos processos tributários, regulados pelo Código Tributário Nacional e outras leis do gênero. Sendo normas especiais, só subsidiariamente recebem a incidência das normas gerais previstas na Lei no 9.784/1999.108 Quer dizer: se a lei específica for silente, a Lei no 9.784/1999 será aplicável.109
PRINCÍPIOS E CRITÉRIOS – O processo administrativo federal deve observar os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.110 Veja-se, portanto, que, além dos princípios consagrados expressamente na Constituição, o legislador acrescentou alguns outros de pacífico reconhecimento doutrinário em sede de direito público.
A propósito, e para haver consonância com o princípio da eficiência e da razoável duração do processo, a lei passou a contemplar o regime de prioridade na tramitação do processo administrativo em favor de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos; portadoras de deficiência física ou mental; e de portadoras de várias doenças graves.111 Sobre essa alteração, afirmamos que seu fundamento consistiu na maior atenção a ser dada pela Administração a esses hipossuficientes, na certeza de que o fator tempo se revela impostergável para a defesa de seus interesses.112
A lei enumerou uma série de critérios (art. 2o, parágrafo único), que, na verdade, nada mais são do que padrões a serem observados pelas autoridades nos processos administrativos. Dentre eles, merecem destaque o que impõe seja a conduta administrativa dotada de probidade, decoro e boa-fé, e o que exige congruência entre meios e fins, vedando-se sanções, restrições e obrigações além das necessárias para atender ao interesse público. Inserem-se também como critérios a proibição de cobrança de despesas processuais (ressalvadas as hipóteses legais) e o impulso ex officio dos processos para evitar paralisações e o retardamento das soluções. Direito a alegações e recursos e divulgação oficial dos atos são outros dos padrões a que devem se submeter os agentes nos processos administrativos.
ASPECTOS ESPECIAIS – A lei destina regras relativas aos direitos e aos deveres dos administrados. Como direitos, inscreve o de receber tratamento condigno das autoridades e o de ser assistido facultativamente por advogado, bem como o de ter ciência dos atos nos processos em que seja interessado, sendo-lhe permitido consulta aos autos e extração de cópias. São deveres a conduta leal e de boa-fé e a observância da veracidade das afirmações; deve também prestar as informações que lhe forem solicitadas e não agir de modo temerário.113
processo pode ser deflagrado ex officio ou por provocação do interessado. São necessários alguns aspectos relativos à formalização dos requerimentos, devendo identificar-se os órgãos a que se dirigem, a identificação completa do requerente e a exposição completa dos fatos e fundamentos do pleito. Várias pessoas são consideradas pela lei como interessadas nos processos administrativos: além das pessoas físicas ou jurídicas titulares de direitos e interesses diretos, podem ser interessadas pessoas que possam ter direitos ameaçados em decorrência da decisão no processo; também as organizações e associações representativas podem defender interesses coletivos e as pessoas ou associações legítimas podem invocar a tutela de interesses difusos.
Algumas regras do processo administrativo federal guardam semelhança com as do processo judicial. A lei estabelece normas sobre competência administrativa, impedimento e suspeição, forma, tempo e lugar dos atos do processo e comunicação dos atos, além de consignar detalhada disciplina sobre a instrução do processo, fase em que avulta a observância do contraditório e ampla defesa.
Cabe observar, por oportuno, que incide no processo administrativo a tutela cautelar, em consonância com o princípio geral de cautela, apropriado a qualquer modelo processual. O art. 45 da Lei no 9.784/99 prevê a prática de providências acauteladoras sem a manifestação do interessado. Infere-se, pois, que é lícita a medida cautelar imediata (in limine litis), sobretudo quando se conclui que o processo perderia sua razão de ser, ante a ineficácia da decisão final.114
Dentre as normas integrantes do capítulo destinado à instrução do processo, duas merecem destaque: a audiência pública (art. 32) e a consulta pública (art. 31). Pela consulta pública, a Administração procura obter a opinião pública de pessoas e entidades sobre determinado assunto de relevância discutido no processo, formalizando-se as manifestações através de peças formais instrutórias. Já a audiência pública (que, em última instância, é também forma de consulta) se destina a obter manifestações orais e provocar debates em sessão pública especificamente designada para o debate acerca de determinada matéria.115 Ambas retratam, na verdade, instrumentos de participação das comunidades na tomada de decisões administrativas. É correto, pois, afirmar que de sua realização emanam efeitos significativos: um deles é o de influenciar a vontade estatal; outro é o de reclamar que a Administração (ou o juiz) apresente argumentação convincente no caso de optar por caminho contrário ao que foi sugerido na consulta ou na sessão da audiência pública.116
Regra de inegável importância é a que obriga a Administração a decidir os processos administrativos e dar resposta às reclamações e solicitações formuladas pelos interessados (art. 48). Tenta o legislador evitar as indesejáveis paralisações de processos na Administração, muitas vezes deliberadas e ilegais, e usadas para esconder outros fatos ilegítimos. Para que as questões sejam solucionadas, é preciso a definição do processo, e é exatamente a essa definição que agora está vinculado o administrador. Não se pode perder de vista que o dever de decidir, cominado ao administrador, é consectário do próprio direito de petição.117 Trata-se, pois, de dever congruente com essa garantia constitucional.
Preocupa-se o legislador com a motivação dos atos administrativos, assim considerada como a explicitação dos fatos e fundamentos que deram suporte à prática do ato. Pode a fundamentação adotar a de outros atos, como pareceres, informações e decisões. Tratando-se de decisões de órgãos colegiados e comissões, ou de decisões orais, a motivação constará da respectiva ata ou termo escrito, possibilitando aos interessados exercer o controle de legalidade dos atos tendo em vista a justificativa em que se basearam.118
Não são todos os atos que exigem expressa motivação, o que vem em abono ao que sempre defendemos. Não se pode indiscriminadamente exigir a motivação de todos os atos, como parecem defender, exageradamente, alguns autores, até porque há atos da rotina administrativa, indiferentes à órbita jurídica de terceiros, que não podem a cada passo exigir expressa e formal justificativa. A motivação depende de determinação legal, exatamente como fez a Lei no9.784/1999. É exigível nos atos que:
a)neguem, limitem ou afetem direitos;
b)imponham ou agravem deveres, encargos e sanções;
c)permitam a dispensa e a inexigibilidade de licitações;
d)decidam processos administrativos de recrutamento público;
e)decidam recursos administrativos;
f)deixem de seguir jurisprudência sobre determinada questão administrativa;
g)indiquem reexame de ofício; e
h)impliquem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de atos administrativos (V. art. 50, I a VIII).
Fora desses casos, dispensável será a motivação. A lei, é bom que se destaque, ao exigir que os atos sejam motivados, impõe também sejam indicados os fatos e os fundamentos jurídicos. Como já tivemos a oportunidade de salientar, a ideia “não guarda total consonância com o sentido que o legislador quis emprestar à motivação do ato administrativo.119 Na verdade, a motivação não abrange necessariamente os fundamentos jurídicos, mas, ao contrário, pode relacionar-se apenas à situação fática. Os fundamentos jurídicos constituem “o suporte jurídico da conclusão adotada no ato administrativo, de modo que, nos casos do art. 50, não bastará a menção aos fatos, devendo o administrador indicar também qual o substrato jurídico em que se apoia, conforme já deixamos consignado em obra específica.120
Por fim, a lei traçou normas especiais sobre os recursos administrativos. Devem os recursos ser interpostos por requerimento do interessado, com a clara exposição dos fatos e fundamentos do pedido revisional, podendo este fundar-se em razões de legalidade ou de mérito.121 O prazo recursal, não havendo regra específica, é de 10 dias contados da ciência ou divulgação oficial do ato, cabendo à autoridade decidir o recurso no prazo de 30 dias a partir do recebimento do pedido recursal; esse prazo pode ser prorrogado por igual período, desde que a autoridade o justifique. Como regra, o recurso não tem efeito suspensivo, mas, se houver justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução do ato impugnado, poderá a autoridade recorrida ou a imediatamente superior, de ofício ou a requerimento do interessado, conferir efeito suspensivo ao recurso. É a aplicação, portanto, da tutela preventiva no processo administrativo.
Havendo outros interessados, a Administração deverá intimá-los para, em cinco dias, apresentarem suas alegações. O órgão competente para apreciar o recurso poderá confirmar, modificar, anular e revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida; se houver agravamento da situação do recorrente, ser-lhe-á dada oportunidade de apresentar alegações (art. 64, parágrafo único). A Administração pode deixar de conhecer do recurso, hipótese diversa da de julgar o recurso. O recurso não será conhecido quando interposto: (a) fora do prazo; (b) por pessoa sem legitimação; (c) após o exaurimento da instância administrativa; (d) perante órgão incompetente (nesta hipótese, a autoridade indicará ao interessado a autoridade competente, assegurando-se àquele a devolução do prazo, para não sofrer prejuízo). Contudo, mesmo não conhecido o recurso, a Administração pode exercer seu poder de autotutela, revendo de ofício o ato ilegal, ressalvada, é óbvio, a hipótese de preclusão administrativa.122
A autoridade administrativa que rejeita recurso administrativo numa instância não pode participar dele ou decidi-lo em outra, caso seja erigida a patamar hierárquico superior. Haverá impedimento, com lastro no art. 18 da Lei no 9.784/1999. Ofensa a esse impedimento rende ensejo à anulação da decisão, como já se reconheceu, a nosso ver, acertadamente.123
Se houver fatos novos ou circunstâncias relevantes, pode o interessado requerer a revisão de processo sancionatório já findo, alvitrando a correta adequação da sanção aplicada.124
A Lei no 11.417, de 19.12.2006, que regulamentou o art. 103-A da CF, introduziu algumas alterações no sistema de recursos previsto na Lei no 9.784/1999. Primeiramente, acrescentou o § 3o ao art. 56, estabelecendo que, se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado de súmula vinculante, deve a autoridade decisória, no caso de não a reconsiderar, consignar, de forma explícita, antes da remessa do recurso à autoridade superior, os motivos da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme a hipótese. Significa, assim, que o administrador tem a obrigação de cumprir esse requisito de ordem material (a explicação de sua conduta) e de ordem formal (a exigência da justificativa formalizada no ato de reapreciação do recurso).
Outra alteração diz respeito à atuação do órgão competente para a decisão do recurso: a ele também compete explicitar os motivos da aplicabilidade ou inaplicabilidade do que consta no enunciado da súmula vinculante, se o recorrente tiver alegado esse tipo de ofensa. Caso acolhida a reclamação proposta pelo interessado, o STF dará ciência ao órgão prolator da decisão e ao órgão competente para julgar o recurso, para que as futuras decisões sobre o assunto guardem adequação ao que dispõe a súmula vinculante desrespeitada pela decisão administrativa, pena de responsabilização pessoal no âmbito cível, administrativo e penal (arts. 64-A e 64-B, Lei no 9.784/1999, introduzidos pela citada Lei no 11.417/2006).
7.7.Processo Administrativo Disciplinar
SENTIDO E FUNDAMENTO – Processo administrativo-disciplinar é o instrumento formal através do qual a Administração apura a existência de infrações praticadas por seus servidores e, se for o caso, aplica as sanções adequadas.125
Quando uma infração é praticada no âmbito da Administração, é absolutamente necessário apurá-la, como garantia para o servidor e também da Administração. O procedimento tem que ser formal para permitir ao autor do fato o exercício do direito de ampla defesa, procurando eximir-se da acusação a ele oferecida.
O fundamento do processo em foco está abrigado no sistema disciplinar que vigora na relação entre o Estado e seus servidores. Cabe à Administração zelar pela correção e legitimidade da atuação de seus agentes, de modo que quando se noticia conduta incorreta ou ilegítima tem a Administração o poder jurídico de restaurar a legalidade e de punir os infratores. A hierarquia administrativa, que comporta vários escalões funcionais, permite esse controle funcional com vistas à regularidade no exercício da função administrativa. A necessidade de formalizar a apuração através de processo administrativo é exatamente para que a Administração conclua a apuração dentro dos padrões da maior veracidade.
BASE NORMATIVA – O processo disciplinar se regula por bases normativas diversas. Incide para esse tipo de processo o princípio da disciplina reguladora difusa, e isso porque suas regras, a tramitação, a competência, os prazos e as sanções se encontram nos estatutos funcionais das diversas pessoas federativas. Contrariamente sucede nos processos judiciais, sujeitos à disciplina reguladora concentrada, porque todo o sistema básico se situa num só diploma legal e apenas os ritos especiais se alojam em leis especiais.
Cada pessoa federativa tem autonomia, como já vimos, para instituir o seu estatuto funcional. A liberdade para a instituição das regras do processodisciplinar só esbarra nos mandamentos constitucionais. Fora daí, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estabelecem suas próprias regras para esse tipo de processo. Por essa razão, quando se quiser verificar alguma questão sobre tramitação de processos disciplinares, necessária será a consulta ao estatuto da pessoa federativa que tenha instaurado o respectivo processo disciplinar. Registramos aqui esse fato porque é comum a consulta à Lei no 8.112/1990, o Estatuto dos Servidores Civis da União. Esse diploma, porém, só se aplica aos processos disciplinares relativos aos servidores federais.
OBJETO – O objeto do processo administrativo-disciplinar é a averiguação da existência de alguma infração funcional por parte dos servidores públicos, qualquer que seja o nível de gravidade.
Não nos parece correta a afirmação segundo a qual o processo administrativo “é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos”.126 O processo serve tanto para as faltas graves como para as leves, pois que é preciso considerar que a apuração é que vai levar à conclusão sobre a maior ou menor gravidade da falta. Por esse motivo é que entendemos que o art. 41, § 1o, I e II, da CF, que dispõe que o servidor estável só perderá o cargo por força de sentença judicial ou processo administrativo com ampla defesa, apenas se refere ao processo administrativo para sinalizar um meio alternativo de apuração no que concerne à sentença judicial. O dispositivo, contudo, há de ser interpretado em consonância com o art. 5o, LV, da CF, que contempla o princípio da ampla defesa e contraditório, de modo que não apenas a perda do cargo mas qualquer infração e punição pressupõem a instauração de processo administrativo.127 Em última instância, nem precisaria haver menção ao processo administrativo no art. 41, § 1o; mesmo sem ela, o processo seria imprescindível para gerar eventual punição ao servidor.128
A averiguação de faltas funcionais constitui um poder-dever da Administração. Não se pode conceber qualquer discricionariedade nessa atuação, porquanto o princípio da legalidade é de observância obrigatória para todos os órgãos administrativos. E, como é óbvio, não se observa esse princípio se não for apurado desempenho funcional revestido de irregularidade ou de ilegalidade. É tão importante a apuração que a Administração normalmente instaura ex officio o processo disciplinar.
A apuração é o objeto precípuo do processo disciplinar. Mas o resultado do processo pode levar a duas condutas administrativas. Uma delas é a aplicação da sanção ao servidor que tiver cometido a falta funcional. A outra é o arquivamento do feito, no caso de ficar demonstrada a ausência da infração.
SINDICÂNCIA – Na correta visão de CRETELLA JR., sindicância “é o meio sumário de que se utiliza a Administração Pública, no Brasil, para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para a imediata abertura de processo administrativo contra o funcionário público responsável”.129
Essa é a clássica e precisa noção de sindicância. Trata-se da denominação usualmente dispensada ao procedimento administrativo que visa a permitir uma apuração preliminar sobre a existência de ilícito funcional. É através da sindicância que se colhem os indícios sobre:
a)a existência da infração funcional;
b)sua autoria; e
c)o elemento subjetivo com que se conduziu o responsável.
Reveste-se de caráter inquisitório, porque é processo não litigioso; como consequência, não incide o princípio da ampla defesa e do contraditório.130Caracteriza-se por ser procedimento preparatório, porque objetiva a instauração de um processo principal, quando for o caso, obviamente. Por esse motivo, o princípio da publicidade é aqui atenuado, porque o papel da Administração é o de proceder a mera apuração preliminar, sem fazer qualquer acusação a ninguém. Decorre daí que a autoridade que presidir ao procedimento não tem poderes para intimar terceiros a prestar depoimento, porque tais poderes são próprios das autoridades judiciais ou policiais, por força de lei.131
Convém anotar, todavia, que a Administração deve garantir ao defensor do investigado, mesmo em processo inquisitório, o acesso amplo aos elementos de prova pertinentes ao direito de defesa, conforme já assentado na Súmula Vinculante nº 14 do STF. Para reforçar essa garantia, a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB) confere ao advogado o direito de examinar autos de investigação de qualquer natureza, embora possa haver delimitação do acesso em situações especiais, bem como de assistir a seus clientes durante a apuração, podendo apresentar razões e quesitos. A inobservância de tais direitos pelo agente responsável implicará sua responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade, sem prejuízo de o advogado recorrer ao órgão judicial.132
Outro aspecto que, desde já, merece observação, principalmente em virtude da funda confusão que costuma ser feita, é o de que a sindicância também é um processo administrativo, como tantos outros que tramitam pela Administração. Desse modo, pode haver dois processos administrativos interligados – a sindicância e o processo disciplinar principal. A despeito de terem a mesma natureza, é simples apontar a distinção fundamental: enquanto a sindicância é processo administrativo preparatório, inquisitório e tem por objeto uma apuração preliminar, o processo disciplinar principal é definitivo, contraditório e tem por objeto a apuração principal e, quando for o caso, a aplicação de sanção.
Por essa razão, pode o órgão administrativo instaurar diretamente o processo administrativo principal sem que se tenha instaurado previamente a sindicância; para tanto, basta que já estejam presentes os elementos probatórios que lhe sirvam de suporte para a acusação.133 É o mesmo que ocorre em relação à ação penal, que também pode ser promovida pelo Ministério Público sem o prévio inquérito policial.
Outro ponto a sublinhar é o relativo à questão da nomenclatura. O termo sindicância indica apenas a denominação usualmente dada a esse tipo especial de processo preparatório. Lamentavelmente, para aumentar a confusão, nem sempre os processos preliminares e preparatórios são nominados de sindicância, e, o que é pior, há alguns casos em que processos denominados de sindicância não têm a natureza clássica desse procedimento preparatório. Como enfrentar essa dúvida? Do modo mais simples possível, ou seja, dando maior relevo ao aspecto da natureza do processo, e não ao de sua denominação. Quer dizer: mesmo que o processo seja denominado de sindicância, deverá ser tratado como processo disciplinar principal no caso de ter o mesmo objeto atribuído a esta categoria de processos.
O Estatuto federal contém um bom exemplo do que consideramos. Dispõe, primeiramente, que a apuração de irregularidade no serviço público se formaliza mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar (art. 143). Mais adiante, consigna que da sindicância poderá resultar aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 dias (art. 145, II). Ora, só por esse texto se pode verificar que essa sindicância só tem o nome de sindicância, mas sua natureza é a de processo disciplinar principal, porque somente dessa categoria pode resultar aplicação de penalidades. Assim, nesse tipo de sindicância, que tem caráter acusatório, há repercussão do princípio da ampla defesa e do contraditório, sendo inconstitucionais quaisquer dispositivos estatutários que dispensarem essa exigência.134 Repita-se, contudo, que esse processo não corresponde à noção clássica da sindicância.
A jurisprudência tem diferenciado os dois tipos de sindicância. Quando se trata da verdadeira sindicância, como processo preliminar, tem sido dispensado o princípio da ampla defesa e do contraditório.135 Ao contrário, quando o nome é de sindicância, mas a natureza é a de processo disciplinar principal, a exigência tem sido considerada impostergável e sua dispensa decidida como nula.136
INQUÉRITO ADMINISTRATIVO – Essa é outra expressão que, por sua imprecisão, tem provocado diversos sentidos.
Em primeiro lugar, devemos atentar para o fato de que a expressão inquérito administrativo (ao contrário da sindicância) deve indicar a natureza jurídica de um processo administrativo, e não sua denominação. Isso é que desde logo precisa ser observado. Mas nem sempre tem sido assim.
Parece-nos que se possam encontrar três sentidos para a expressão inquérito administrativo.
O primeiro é o que traduz a natureza jurídica da sindicância. Em outras palavras: pode dizer-se que a sindicância, em sua concepção tradicional e técnica, tem a natureza jurídica de um inquérito administrativo. O sentido aqui leva em conta a noção de inquérito, de inquirição, interrogatório.137 Ou seja: considera o aspecto inquisitivo, próprio da sindicância, que é, como vimos, processo administrativo preparatório.138
O inquérito administrativo tem ainda sido empregado como indicativo do processo disciplinar principal, o que já retrata uma distorção de seu sentido técnico. É nesse sentido que comumente se ouve a afirmação de que fulano ou beltrano estão respondendo a um inquérito administrativo. Só que nesse inquérito há contraditório, ampla defesa, produção de provas e aplicação de pena. Obviamente não é inquérito, mas sim processo administrativo principal.
E finalmente pode o inquérito administrativo significar uma das fases do processo disciplinar principal, ou seja, aquela em que a prova é produzida. É exatamente esse o sentido adotado pela Lei no 8.112/1990, o Estatuto federal, ao dispor que o processo disciplinar se desenvolve em três fases:
a)instauração;
b)inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; e
c)julgamento.139
Por tudo o que procuramos diferenciar, para evitar dúvidas, repetimos o que nos parece mais aconselhável em relação ao múltiplo sentido da expressão inquérito administrativo: o exame do contexto em que é empregada. Tanto serve como natureza jurídica da sindicância; ou como processo disciplinar principal; ou finalmente como a fase de instrução do processo disciplinar principal.
PROCESSO DISCIPLINAR PRINCIPAL – Depois de tudo o que foi dito a respeito de sindicância e de inquérito administrativo, não parece difícil identificar o que é o processo disciplinar principal.
Processo disciplinar principal, ou simplesmente processo disciplinar, é todo aquele que tenha por objeto a apuração de ilícito funcional e, quando for o caso, a aplicação da respectiva sanção, seja qual for a expressão adotada para denominá-lo.
É este o processo administrativo litigioso, acusatório e definitivo que exige a incidência do princípio da ampla defesa e do contraditório, e o do devido processo legal. Este, e somente este, é que, ao seu final, permite ao administrador aplicar a penalidade adequada quando tiver sido efetivamente verificada a ocorrência de infração funcional.
Uma vez instaurado o processo disciplinar principal, a sindicância preliminar fica superada, de modo que nada mais há a impugnar nesse procedimento, sabido que o interessado terá o direito ao contraditório e ampla defesa no feito principal. Por isso, já se decidiu que, “instaurado o processo administrativodisciplinar, não há que se alegar mácula na fase de sindicância, porque esta apura as irregularidades funcionais para depois fundamentar a instauração do processopunitivo, dispensando-se a defesa do investigado nessa fase de mero expediente investigatório”.140
processo disciplinar principal é autônomo e terá inteira legitimidade se observar as regras reguladoras. Por isso, não depende do processamento de sindicância prévia como condição para sua instauração. Tal condição só se afigura admissível se a lei disciplinadora do processo expressamente o exigir, o que é raro de ocorrer. Caso a autoridade já tenha elementos suficientes para realizar o processo principal, dispensável, no silêncio da lei, será a instauração de prévia sindicância. O STJ, aliás, já firmou o correto entendimento de que, “contando com os elementos concretos mais do que suficientes para a instauração do processo administrativo, dispensável era a utilização da sindicância”.141
A deflagração do processo, em linha de princípio, não deve dar-se em virtude de denúncia anônima, o que se funda no art. 5o, IV, da CF, que veda o anonimato. Por conseguinte, o denunciante deve qualificar-se e formular a denúncia por escrito; correta, pois, a exigência contida no art. 144, caput, da Lei no8.112/1990. Entretanto, tal exigência vem sendo mitigada para o fim de examinar-se caso a caso a hipótese, sendo lícito à Administração, em situações excepcionais e ante denúncia relatada com aceitável grau de seriedade, proceder ex officio para apuração do ilícito.142
Como regra, os estatutos submetem a direção e a condução do processo a uma comissão disciplinar, cuja composição e atuação se sujeitam a determinadas condições, também previstas na lei estatutária. A Administração está obrigada a observar apenas as restrições legais. Assim, por exemplo, se não há previsão legal, pode a comissão ser integrada por servidor lotado em unidade federativa diversa daquela em que atua o servidor processado.143
PROCEDIMENTO – Já deixamos anotado que o processo administrativo disciplinar não tem uma regra única de tramitação. Como figuram nos estatutos funcionais, e estes são resultado do poder de auto-organização das pessoas federativas, o procedimento sofre algumas variações, embora não lhes seja lícito afrontar qualquer mandamento constitucional ou legal. É preciso lembrar que o agente atua na via administrativa, motivo suficiente para que seus atos, nos processos disciplinares, sejam corrigidos pelo Poder Judiciário se inquinados de abuso de poder.144
Mesmo com tais possíveis variações, é possível delinear a tramitação comum dos processos disciplinares, apontando certa sequência lógica das fases que os compõem.
A deflagração do processo se dá com a instauração. Embora normalmente formalizada por portaria, esse ato administrativo pode receber denominação diversa. O que interessa, na verdade, é verificar seu conteúdo indicativo da intenção de deflagrar o processo. O ato de instauração deve conter todos os elementos relativos à infração funcional, como o servidor acusado, a época em que ocorreu e tudo o que possa permitir o direito de ampla defesa por parte do acusado. Conquanto os fatos devam ser relatados com a maior fidelidade possível, à semelhança do que ocorre com a denúncia oferecida pelo Ministério Público no processo penal,145 revela-se possível que, após a instrução, seja complementada a situação fática que dá suporte à acusação.146 O que não se pode é descartar a oportunidade de conferir-se ao acusado o direito ao contraditório e à ampla defesa. Ademais, o processo disciplinar pode ser instaurado e não precisa ser suspenso mesmo diante de ação penal já proposta, incidindo aqui o princípio da independência de instâncias.147
Segue-se a fase da instrução, na qual a Administração colige todos os elementos probatórios que possam respaldar a indicação de que a infração foi cometida pelo servidor. Para essa fase, deve a comissão responsável pela condução do processo providenciar a citação do servidor para acompanhar a prova, porque somente assim estará observando o princípio do contraditório e da ampla defesa. Havendo prova testemunhal, tem o servidor o direito de formular indagações às testemunhas. Como já anotamos, pode ser recusado o depoimento de testemunhas arroladas única e exclusivamente com o propósito de procrastinar a tramitação do processo; tal conduta configura-se como condenável desvio de finalidade.148 A intimação das testemunhas deve ser feita com três dias de antecedência, aplicando-se aqui, subsidiariamente aos estatutos, o art. 41 da Lei no 9.784/1999.149
Em outro giro, a jurisprudência tem admitido – a nosso juízo, corretamente – o uso de prova emprestada legalmente produzida em processo criminal, ainda que não tenha ocorrido a coisa julgada.150 Admite-se, inclusive, o empréstimo dos dados oriundos de interceptação telefônica produzida na ação penal, desde que autorizada pelo juiz.151 No caso, deve considerar-se a idoneidade da prova e a irradiação de seus efeitos: se o fato foi provado regularmente no processo criminal, nada impedirá seja provado, da mesma forma, no processo administrativo. O que prevalece, então, é a busca da verdade real.
Como não há o formalismo dos processos judiciais, pode o servidor comparecer sozinho ou ser representado por advogado munido do necessário instrumento de procuração. Essa fase de instrução, apesar de estar mais a cargo da Administração, há de exigir a presença do servidor acusado. É a amplitude da fase instrutória que permite – já o dissemos, mas cumpre reiterar pela relevância do assunto – o recurso à prova emprestada, desde que obtida licitamente, como é o caso, v. g., da interceptação telefônica autorizada judicialmente em processo criminal.152 Aliás, convém anotar que as exigências probatórias da Administração devem ser o menos possível onerosas para o administrado.153 Na verdade, o intuito do processo reside, como já se salientou, na busca da verdade material. Quanto à admissibilidade de provas ilícitas, veja-se o que observamos anteriormente no tópico relativo ao princípio da verdade material.
Ultimada a instrução, é o momento de abrir a fase da defesa do servidor, fase essa em que poderá apresentar razões escritas e requerer novas provas, se as da instrução não tiverem sido suficientes para dar sustento a suas razões.154 O que lhe é vedado é tentar subverter a ordem do processo ou usar de artifícios ilícitos para tumultuá-lo ou procrastiná-lo. Não sendo verificada essa intenção, deve a comissão funcional permitir a produção de prova da forma mais ampla possível, porque é essa a exigência do princípio do contraditório e do devido processo legal.
Neste passo, reafirmamos o que já foi dito anteriormente. A defesa e o acompanhamento do processo podem ficar a cargo do próprio acusado, não sendo exigível que se faça representar por advogado; a representação, por conseguinte, retrata uma faculdade conferida ao acusado.155 Aliás, tal faculdade está expressa no art. 3o, IV, da Lei no 9.784/1999, que regula o processo administrativo federal. Exigível é apenas a presença de defensor dativo, no caso de o acusado estar em lugar incerto e não sabido, ou se houver revelia.156 Assim, parece dissonante a doutrina que considera obrigatória a constituição de advogado.157 Da mesma forma, causa estranheza a posição do STJ que considera obrigatória, genericamente, a presença de advogado no processo administrativo.158 Trata-se de orientação que contraria a consagrada e, a nosso ver, acertada posição da doutrina, pela qual é lícito que o interessado assuma a sua própria defesa ou, até mesmo, que renuncie ao processo administrativo para posterior recurso à via judicial.
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, adotando posição que se nos afigura inteiramente correta, recompôs o bom direito ao deixar sumulado, de forma vinculante, que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.159 Diante de tal entendimento, a defesa de acusado por advogado (capacidade postulatória) somente se torna exigível no processo judicial, foro, aliás, em que a presença do causídico se revela de fundamental importância.160 Diga-se, ainda, que, se o acusado não tiver qualquer interesse em defender-se no processo administrativo, seja por si, seja por meio de advogado, terá sempre a garantia de fazê-lo no processo judicial, porque é nesse sentido que dispõe o art. 5o, XXXV, da CF, que consagra o princípio do acesso à Justiça.
Concluída essa fase, segue-se a do relatório, peça formal elaborada pela comissão processante, na qual deve ficar descrito tudo o que ocorreu no processo, tal como ocorre na sentença judicial. Descritos todos os elementos do processo, a comissão os analisará e firmará os fundamentos que levem à conclusão opinativa. Em outras palavras, a comissão apenas opina, mas para tanto deverá expor detalhadamente os fundamentos de seu opinamento. Esses fundamentos são de suma importância, porque a autoridade decisória, como hábito, limita-se a acolher esses fundamentos e utilizá-los como motivo de sua decisão, seja para aplicar a sanção ao servidor, seja para concluir que a hipótese não é a de apenação.
A última fase é a da decisão, em que a autoridade que tenha essa competência vai julgar o processo à luz dos elementos do relatório e dos contidos no próprio processo. Referido ato decisório, contudo, merece alguns comentários. Em primeiro lugar, trata-se de ato administrativo, que, para ser válido e eficaz, precisa estar dotado de todos os seus requisitos de validade (a competência, a forma, a finalidade, o objeto e o motivo). Depois, é preciso considerar duas hipóteses distintas. Na primeira, a autoridade julgadora aceita todos os fundamentos e o opinamento da comissão processante, inclusive quanto à penalidade a ser aplicada. Nesse caso, quando o julgador acolhe o relatório em todos os seus termos e, para evitar a repetição de tudo o que dele consta, decide no sentido da aplicação da sanção ao servidor, ou de sua absolvição, o ato decisório terá como motivo os fundamentos do relatório e como objeto a punição nele sugerida. Portanto, o ato tem motivo e tem objeto; o motivo, porém, é encontrado nos fundamentos do relatório, inteiramente acolhidos pelo julgador. Se o servidor quiser impugnar a validade desse ato, por alguma razão de legalidade, deverá identificar alguns aspectos do ato dentro do próprio relatório.
Pode ocorrer, entretanto, que o julgador discorde dos termos do relatório da comissão processante. Essa discordância pode traduzir:
a)a aplicação da sanção, quando o relatório indicou a absolvição;
b)a absolvição, quando o relatório opinou pela apenação; e
c)a aplicação de sanção diversa (mais grave ou mais leve) daquela sugerida pela comissão.
No que se refere à apenação mais grave (reformatio in pejus), é importante assinalar que a autoridade decisória não está vinculada, como visto, à apreciação opinativa da comissão processante, por isso que nada impede que aplique penalidade mais severa. O STJ, a nosso ver acertadamente, já decidiu que “é lícito à autoridade administrativa competente divergir e aplicar penalidade mais grave que a sugerida no relatório da comissão disciplinar. A autoridade não se vincula à capitulação proposta, mas sim aos fatos”.161 O STF, a seu turno, já abonou esse entendimento.162
Seja qual for a hipótese, no entanto, o ato decisório, como é cristalino, precisará ter seus próprios fundamentos, os quais terão linhas diferentes dos fundamentos expendidos pela comissão. Em outras palavras, o motivo do ato decisório é diverso do motivo do opinamento da comissão, e, desse modo, é necessário que o julgador exponha detalhadamente seu motivo no ato para que o servidor possa identificar, com precisão, o que vai impugnar em eventual recurso administrativo ou ação judicial.163
É preciso registrar que o eventual agravamento da sanção proposta pela comissão de inquérito é corolário natural do caráter decisório do julgamento a ser proferido pela autoridade superior. Não poderia esta ficar sempre à mercê do opinamento da comissão quando a prova dos autos o contrariasse de modo insofismável. O que não se pode dispensar – insista-se – é a transparência dos fundamentos da decisão, por isso que eles é que constituem o foco de defesa do acusado. O próprio estatuto federal consigna a possibilidade. Reza o art. 168, parágrafo único, da Lei no 8.112/1990: “Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.” Em que pese situar-se no estatuto federal, a norma aplica-se aos estatutos de todas as pessoas federativas, ainda que não haja norma expressa em idêntico sentido.164
Ultimado o processo administrativo, e não havendo previsão de recurso com efeito suspensivo, a penalidade pode ser aplicada de imediato. No caso, vigora a prerrogativa da autoexecutoriedade administrativa, pela qual pode a Administração dar execução, desde logo, aos atos que pratica.165
Neste passo, convém salientar que, a despeito de uma minoria divergente, predomina o entendimento de que a penalidade de demissão pode ser aplicada pela Administração com fundamento em ato de improbidade administrativa praticado pelo servidor acusado. Assim, não se torna compulsória a ação judicial. A Lei no 8.429/1992, que regula a improbidade administrativa, não revogou a Lei no 8.112/1990, subsistindo, portanto, os dispositivos desta última que disciplinam a matéria.166
Outro ponto importante a ser observado reside na necessária obediência da Administração ao princípio da proporcionalidade (ou da adequação punitiva), atualmente inegável garantia do administrado ou servidor contra abusos de autoridade. Significa que a aplicação desproporcional de penalidade mais grave do que exigiria a infração funcional constitui ato ilegal, suscetível de anulação na via administrativa ou judicial, sem prejuízo, é claro, da possibilidade de ser aplicada a sanção adequada à conduta ilícita.167 Uma das formas de ofensa ao princípio é exatamente o agravamento da sanção, sem a fundamentação necessária, a despeito de ter sido sugerida punição menos grave.168
Cumpre anotar, no entanto, que não incide, no processo disciplinar, o princípio da insignificância, acolhido na esfera penal, quando o servidor obtém proveito econômico indevido; ou seja: é irrelevante o quantum da vantagem ilícita.169 Em outra vertente, sempre é bom lembrar que a ofensa à proporcionalidade, por constituir matéria de mérito, deve ser apurada em procedimento processual ordinário, sendo incabível fazê-lo em mandado de segurança, em razão da sumariedade do rito.170
De outro lado, havendo o reconhecimento de que as condutas têm gradação diversa quanto à gravidade, não podem seus autores, como regra, receber idêntica sanção, a menos que o aplicador mencione expressamente os motivos adicionais que conduziram à punição. Aplicar sanções idênticas para comportamentos de gravidade diversa ofende o princípio da proporcionalidade, porque de duas uma: ou um dos punidos mereceu sanção menos grave do que devia, ou o outro recebeu sanção mais grave do que merecia. Claro que tal sistema punitivo vulnera a equidade e qualquer regra lógica de direito.
Quanto ao prazo para a ultimação do processo disciplinar, alguns estatutos funcionais mais detalhados o estabelecem e ainda preveem prazos para as diversas fases do procedimento. O desejável é que a Administração observe o que neles está definido, evitando-se os vários efeitos que a inércia pode provocar. Contudo, a eventual inobservância do prazo conclusivo, desde que não seja desarrazoada, não encerra necessariamente ilegalidade, mas mera irregularidade, e não pode ter causado prejuízo ao acusado.171
O STJ decidiu interessante questão sobre tal matéria. Em processo disciplinar para apuração de irregularidades cometidas por servidores do INSS, o relatório da comissão recomendou a pena de demissão para o servidor responsável, por seu elevado grau de culpa, e a sanção de advertência para os demais implicados. Todavia, todos acabaram sendo demitidos. Em mandado de segurança, o Tribunal, entendendo ter havido ofensa aos princípios da individualização e da proporcionalidade, proferiu decisão – de técnica jurídica digna de aplausos, diga-se de passagem – no sentido de conceder a ordem para o fim de anular o ato demissório e determinar a reintegração dos servidores, sem prejuízo de lhes ser aplicada a sanção adequada. Como se vê, os impetrantes não ficaram imunes ao poder sancionatório, mas sim à punição desproporcional que sofreram.172
De tudo o que demonstramos, parece claro que tais cuidados são exigíveis para permitir, de forma clara, o exercício de um dos mais importantes direitos fundamentais, qual seja, o de recorrer ao Judiciário para controle da legalidade dos atos administrativos.173
Na verdade, esse controle é essencial para garantir a observância do princípio da legalidade, porquanto ninguém desconhece que alguns efeitos oriundos de decisão do processo disciplinar são extremamente gravosos. O arbítrio de alguns administradores pode acarretar irreversíveis prejuízos ao servidor. Essa é a razão por que, atualmente, cresce a tendência de reduzir o espaço impenetrável de averiguação dos elementos fáticos e jurídicos exercida pelo Poder Judiciário, sobretudo porque nos feitos administrativos não é exigida a imparcialidade própria dos julgadores de litígios. Ampliar a perscrutação do juiz no processo administrativo é assegurar maior garantia de legalidade aos acusados, e é nesse sentido que se encontra o sentimento atual de controle judicial.174 Nessa investigação – como acentuam os estudiosos – devem ser apreciados todos os elementos do ato punitivo, especialmente a motivação conducente ao desfecho sancionatório.175
O controle de legalidade, todavia, deve observar a sequência normal das instâncias do Judiciário, não sendo permitida a supressão de nenhum grau de jurisdição. Desse modo, é incabível a interposição de recurso extraordinário contra qualquer decisão de caráter administrativo, uma vez que inexiste causadecidida em última ou única instância por órgão do Poder Judiciário no exercício da função jurisdicional, o que, de resto, é exigido no art. 102, III, da CF.176
O controle, entretanto, não chega ao extremo de permitir a majoração ou alteração da sanção administrativa imposta a servidor, já que, como deixou corretamente assentado o STJ, “deve o Judiciário levar em conta o princípio da legalidade, sem esquecer que a mensuração da sanção administrativa é feita pelo juízo competente – o administrador público –, sendo defeso ao Judiciário adentrar no mérito administrativo.177
PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – Questão que tem suscitado funda controvérsia diz respeito à interrupção da prescrição da pretensão punitiva, quando instaurada a sindicância ou o processo disciplinar, sendo que a interrupção perdura até a decisão final proferida pela autoridade administrativa, conforme figura em alguns estatutos funcionais.178
A norma, tal como é apresentada, parece permitir que a interrupção se prolongue até o infinito, bastando, para tanto, que não seja proferida decisão no respectivo processo administrativo. Se assim fosse, seria imperioso reconhecer a total inexistência de proteção do servidor público, sujeito a uma prescrição que dependeria da conclusão do processo.179
Entretanto, quando o processo disciplinar é sujeito a prazos fixados na lei, e nesse caso está o Estatuto federal,180 o prazo prescricional volta a correr após o período conferido à Administração para concluir o processo. Ocorre, no caso, a prescrição intercorrente. Nesse sentido se têm orientado os Tribunais181 e a doutrina.182
MEIOS SUMÁRIOS – Tradicionalmente os autores, na matéria pertinente ao poder disciplinar do Estado, têm feito referência aos chamados meios sumários,que seriam instrumentos céleres e informais para a apuração de infrações funcionais e para a aplicação de sanções. É clássico, por exemplo, o ensinamento de HELY LOPES MEIRELLES de que haveria três meios sumários de penalização: a sindicância, a verdade sabida e o termo de declarações. Pela sindicância, haveria rápida apuração e apenação. A verdade sabida é a hipótese em que a autoridade toma conhecimento pessoal da infração (como a insubordinação do servidor), ou quando a infração é de conhecimento público (por exemplo, a notícia na imprensa). E o termo de declarações se traduz pelo depoimento do servidor, que, confessando a prática da infração, se sujeita à aplicação da sanção.183
Essas formas sumárias de apuração, contudo, não mais se compatibilizam com as linhas atuais da vigente Constituição. As normas constantes de estatutos funcionais que as preveem não foram recepcionadas pela Carta de 1988, que foi peremptória em assegurar a ampla defesa e o contraditório em processos administrativos onde houvesse litígio, bem como naqueles em que alguém estivesse na situação de acusado.
Quanto à sindicância sumária, já vimos exaustivamente que tal processo não pode gerar punição, e se vai gerar não é sindicância, mas sim processodisciplinar principal. Não mais serve como meio sumário de punição. A verdade sabida e o termo de declarações, a seu turno, também não dão ensejo a que o servidor exerça seu amplo direito de defesa. Não há guarida, portanto, para tais mecanismos de apuração em face da atual Constituição. Aliás, nem se precisa ir muito longe. A cada momento em que um servidor é tido como merecedor de sanção, é lógico que a Administração o está acusando da prática de uma infração. Se é acusado, tem o direito à ampla defesa e ao contraditório. Mesmo que a infração seja leve e possa dar causa a uma mera advertência, deve instaurar-se o processo disciplinar e proporcionar o regular contraditório.184
Esse entendimento, já aceito entre os modernos doutrinadores, tem sido abonado por decisões judiciais, sensíveis ao quadro normativo constitucional e ao novo delineamento que vigora sobre a matéria.185

Fonte: Manual de Direito Administrativo. Carvalho Filho