sexta-feira, 20 de novembro de 2020

 DOS EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO: POR DESERDAÇÃO E POR INDIGNIDADE

Trabalho de Direito Civil VI, apresentado ao curso de Direito, da Universidade CEUMA, tem por finalidade conceituar, pontuar e analisar as principais diferenças das formas de Excluídos da Sucessão.

Orientadora: Prof.ª Ms. Ana Letícia Bragança

1. INTRODUÇÃO

A sucessão tem origem e composição remota desde que o homem deixou de ser nômade e passou a construir patrimônio, estruturando sociedades, onde cada família possuía seu próprio patrimônio e religião. O direito romano dá origem a sucessão hereditária, se firmando na afeição real ou presumida do falecido ao seu hereditário ou legatário.

A indignidade e a deserdação são sanções civis aplicáveis àqueles que não se comportaram bem com o autor da herança, atos de menosprezo e desapreço, sendo reprováveis ou delituosos, caracterizados como indignos de receber os bens hereditários. Indigno e deserdado são considerados incompatíveis com a herança. A esse respeito, conclui Gonçalves (2010) “A indignidade é, portanto, uma sanção civil que acarreta a perda do direito sucessório”, independentemente da sanção penal.

2. DISTINÇÃO ENTRE INDIGNIDADE E DESERDAÇÃO

Indignidade

Deserdação

 

1. A indignidade é ato reconhecido mediante uma ação de indignidade, prevista no art. 1.185 do Código Civil

1. A deserdação se manifesta por ato de vontade do autor da herança por meio do testamento, logo, somente o autor da herança pode deserdar

2. Qualquer sucessor (seja herdeiro ou legatário) pode ser indigno

2. Somente o herdeiro necessário pode ser deserdado

3. A indignidade é reconhecida por ato praticado antes ou depois da abertura da sucessão

3. A deserdação se dá por ato praticado antes da abertura da sucessão

4. As causas de indignidade estão previstas no art. 1.814

4. As causas de deserdação são as mesmas de indignidade (art. 1.814) e as previstas nos arts. 1.962 e 1.963

 3. DOS EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO

Se faz necessário três requisitos para que se possa ocorrer a exclusão da sucessão hereditária por causa da indignidade: que o herdeiro ou legatário sejam abrangidos pelos casos de indignidade previstos em lei; que o transgressor não tenha sido reabilitado pelo de cujus; e que seja proferida uma sentença declaratória de indignidade. Já a deserdação é a exclusão do sucessor feita pelo próprio autor da herança. Nesta modalidade, a manifestação de vontade é imprescindível. Apenas podem ser deserdados os herdeiros necessários, e na manifestação expressa, feita normalmente em cédulas testamentárias, deve estar explicando o porquê da deserdação.

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.  (CÓDIGO CIVIL, 2002)

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade. (CÓDIGO CIVIL, 2002)

 4. DESERDAÇÃO

Deserdação é o ato unilateral pelo qual o de cujus exclui da sucessão, mediante testamento com expressa declaração de causa, herdeiro necessário, privando-o de sua legítima, por ter praticado alguma conduta prevista na lei como causa.

4.1 REQUISITOS DE EFICÁCIA

A deserdação exige a concorrência dos seguintes requisitos:

• Existência de herdeiros necessários.

• Testamento válido (só pode haver deserdação por testamento, sendo proibido por escritura pública, instrumento particular, termo judicial ou codicilo – veremos este termo mais adiante).

• Expressa declaração da causa prevista em lei.

• Propositura de ação ordinária.

4. 2 CAUSAS DE DESERDAÇÃO 

Além das causas que autorizam a indignidade (art. 1.814 CC), acrescenta-se:

A) Deserdação dos descendentes por seus ascendentes (art. 1.962 CC): ofensa física, injúria grave; relações ilícitas com a madrasta ou padrasto; desamparo do ascendente, em alienação mental ou grave enfermidade.

B) Deserdação dos ascendentes pelos descendentes (art. 1.963 CC): ofensa física; injúria grave; relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto com o marido ou companheiro da filha ou o da neta; desamparo do filho ou do neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

4. 3 EFEITOS DA DESERDAÇÃO

Os efeitos da deserdação são pessoais, isto é, atingem o herdeiro excluído, como se ele morto fosse. Mas os seus descendentes herdam por representação, ante o caráter personalíssimo da pena civil.

Não basta que o testador deserde o herdeiro. Cumpre aos outros herdeiros promover, no prazo de 04 anos (contados da abertura do testamento) ação de deserdação para confirmar a vontade do morto. O deserdado terá direito de defesa. Não se provando o motivo da deserdação, o testamento produzirá efeitos em tudo o que não prejudicar a legítima do herdeiro necessário.

Mera reconciliação do testador com o deserdado não gera ineficácia da deserdação. Deve ser realizada a revogação por testamento (trata-se do perdão).

5. INDIGNIDADE

É a privação do direito de suceder alguém por tê-lo ofendido ou a seus familiares (1.814). O indigno não tem afeto e nem solidariedade pelo extinto, pelo que sofre esta pena civil.

Esse assunto é exaustivo, não é exemplificativo, de modo que não há outros casos de indignidade fora esses. Observem que o homicídio do 1814, I, é só o doloso, o culposo não. O menor pode ser indigno, embora menor seja inimputável, por isso indigno é quem comete o fato, mesmo que não seja criminalmente culpado, até porque a responsabilidade civil é independente da penal (935, comentários em Fontes das Obrigações). No inciso III vemos um caso de indignidade após a morte do hereditando (filho esconde o testamento que beneficiava um primo para herdar tudo sozinho).

5. 1 CARACTERÍSTICAS E EFEITOS DA INDIGNIDADE

O Código Civil Brasileiro não exige sentença condenatória penal para que o indigno seja excluído da sucessão, pois no Brasil existe a independência da responsabilidade civil no tocante à penal, princípio este exposto no art. 935 do diploma supramencionado. Em outras palavras, sentença penal condenatória com efeitos patrimoniais não faz coisa julgada na esfera cível, porém, sentença penal absolutória faz coisa julgada no cível. Enquanto os aspectos fáticos não forem delimitados, as ações cível e penal seguem seus cursos, independentes e autônomas. Entretanto, quando ocorrer a sentença penal condenatória com trânsito em julgado, não caberá ao juízo cível reexaminar este aspecto novamente, fazendo coisa julgada neste juízo.

1 – Não é automática, precisando de sentença transitada em julgado;

2 – O indigno fica obrigado a devolver os frutos da herança que porventura tenha auferido, pois pelo princípio da saisine o herdeiro se tornou dono imediatamente após a morte do hereditando, com a sentença de indignidade, que pode levar alguns anos para ser proferida, o indigno terá que devolver os frutos;

3 – Os efeitos da indignidade são pessoais, só atinge o herdeiro, até porque, tratando-se de uma pena, não pode ultrapassar a pessoa do infrator, assim os filhos do indigno receberão a herança face ao direito de representação, porém o indigno não poderá fruir destes bens. Lembro que para os filhos do excluído é melhor a indignidade do que a renúncia;

4 – Este quarto efeito não é “ex tunc”, mas “ex nunc” (a partir de agora), não retroagindo: são válidas as alienações onerosas feitas pelo indigno antes da sentença a terceiro de boa-fé (1.817). Assim, no conflito entre a propriedade dos demais herdeiros e a boa-fé do terceiro adquirente, o legislador optou por esta, por uma questão de segurança jurídica. De qualquer modo os demais herdeiros exigirão do indigno o equivalente, mediante ação pessoal de perdas e danos. Não cabe aos demais herdeiros ação real sobre a coisa vendida, não havendo direito de sequela sobre a coisa alienada ao terceiro de boa-fé.  Mas se a alienação foi gratuita cabe direito de sequela, afinal o terceiro não vai perder nada, vai apenas deixar de ganhar. Reabilitação do indigno: trata-se do perdão do indigno, podendo ser feita expressamente pelo hereditando.

6. HIPÓTESES DE EXCLUSÃO DO HERDEIRO DA SUCESSÃO E SEUS EFEITOS NO CASO CONCRETO.

O direito de herança é direito fundamental do cidadão, nos termos do artigo , inciso XXX, da Constituição Federal. Assim, todos têm direito a herdar, porém haverá situações em que esse direito poderá ser restringido, conforme trataremos a seguir.

         Considera-se aberta a sucessão no momento da morte do “de cujus”, seja ela presumida ou real, sendo a herança transmitida, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, conforme artigo 1.784 do Código Civil.

Desse modo, haja vista a incidência do princípio da saisine, por expressa previsão legal, tanto a posse como a propriedade são transmitidas automaticamente a quem de direito, nos termos do artigo 1.829 do Código Civil. No entanto, a regra aplicada ao direito sucessório consubstancia-se na prevalência da vontade do falecido, mediante testamento, que implica na mitigação do princípio da saisine. 

Porém, a sucessão testamentária não é prática comum, uma vez que o brasileiro não possui vasto patrimônio que exija maiores formalidades para sua disposição, bem como, ao cabo, a sucessão legítima acaba por contemplar as pessoas que, em regra, seriam preferencialmente beneficiadas pelo autor da herança, desestimulando o testamento.

Ocorre, no entanto, que o herdeiro poderá ser excluído da herança, partindo da premissa que a tenha aceitado, em duas hipóteses: a exclusão por indignidade ou a exclusão por deserdação.

A Indignidade é exclusão da herança por imposição legal e encontra guarida no artigo 1.814 do Código Civil. Assim, o legislador reputa que o herdeiro não é digno de herdar ante a prática de atos reprováveis contra o autor da herança. Ou seja, caso o indigno burle a ordem ética de afeição e respeito perante o autor da herança, o que atenta contra a moral e a boa-fé nas relações em sociedade, tratando-se a exclusão, nesse caso, de verdadeira punição.

Destaca-se que o artigo 1.814 diz serem excluídos da sucessão tantos os herdeiros legítimos quanto os herdeiros testamentários, bem como os legatários, ou seja, aquele que houver recebido um legado, assim, um bem certo e determinado deixado em testamento.

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade

Vê-se, portanto, três esferas de tutela elencadas pelo legislador que podem ensejar a exclusão do herdeiro da herança, qual sejam: a tutela a vida, a honra e a integridade física e moral do autor da herança quanto à livre disposição de seus bens.

A exclusão por indignidade não é automática, devendo os interessados, dentro do prazo decadencial de 4 anos contados da abertura da sucessão, ingressar com a ação de exclusão da herança por indignidade, conforme artigo 1.815 do Código Civil. 

Supracitado artigo elucida que a exclusão deve ser decretada por sentença, pois aberto o incidente de exclusão, deve ser garantido o devido processo legal, com efetivo contraditório e ampla defesa ao acusado de indignidade, principalmente agora, tendo em vista o regramento do novel Código de Processo Civil, destaque ao seu artigo 7º.

 

Nesse contexto, é possível que o indigno prove a inexistência dos fatos alegados ou mesmo o seu perdão, melhor dizendo, a sua reabilitação que poderá ser expressa em testamento ou outro meio autêntico, ou tácita, conforme parágrafo único do artigo 1.818, caso o testador mesmo sabendo do ato de indignidade ainda sim contemple o indigno em testamento com a simples transmissão de bens e/ou direitos.

Discute-se a hipótese do Ministério Público poder requerer a exclusão do indigno. Uma primeira corrente, contrária a referida possibilidade, argumenta que o Ministério Público não detém tal poder, devido a ausência de previsão legal, por não estar elencado dentre os legitimados pelo Código Civil, bem como em essência tratar-se de interesse preponderantemente privado. Por outro lado, uma segunda corrente aponta que em determinados casos, ante a existência de interesse público, poderia sim haver a intervenção do Ministério Público, como foi amplamente discutido durante o julgamento do caso Suzane Von Richthofen. 

Em opinião do ora autor, a fim de mera reflexão, poderia o Ministério Público ser legítimo na seguinte hipótese: José, maior, e Maria, com 15 anos (menor absolutamente incapaz), são os únicos herdeiros de Carlos. José, dolosamente, atenta contra a vida de Carlos ocasionando sua morte. Aberta a sucessão, o juiz nomeia curador à Maria que, contrário à sua vontade, insiste em não ingressar com a ação de exclusão por indignidade.

Constatada essa situação pelo Ministério Público, surgiria sua legitimidade para pleitear a exclusão, uma vez que a proteção da herança se confundiria com a proteção dos interesses da menor diante do caso concreto.

Uma vez reconhecida a indignidade, o juiz irá excluir o indigno da sucessão. Os efeitos da declaração de indignidade são pessoais, considerando-se a pessoa do indigno como se morto fosse, não atingindo seus herdeiros, nos termos do artigo 1.816 do Código Civil, diferentemente da renúncia. Destaca-se que tal proteção só atinge os filhos do indigno caso sejam parentes do autor da herança. 

Ocorre, portanto, a morte civil do indigno, antigo instituto do direito romano, mas ainda incorporado na legislação civil atual, o que possibilita a sucessão pelos seus herdeiros por estirpe. Porém, o parágrafo único do artigo 1.816 é claro ao apontar que o excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens. 

De outro lado, a Deserdação é forma de exclusão da herança que, ao contrário da indignidade que decorre de lei, é proveniente unicamente da vontade do testador e recai sobre a sucessão legítima. Ou seja, a deserdação é feita em vida pelo autor da herança que, mediante testamento, poderá excluir da herança, em específico, os herdeiros necessários, assim, o cônjuge, o descendente ou o ascendente, caso ocorra algumas das situações previstas nos artigos 1.9611.962 e 1.963, todos do Código Civil.

 

Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade. 

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vê-se, portanto, que valem para a deserdação todas as hipóteses de exclusão cabíveis para a indignidade. Além disso, o Código Civil traz outras hipóteses que possibilitam a exclusão tanto de Ascendente contra Descendente, como vice-versa. 

A exclusão por deserdação também não é automática, devendo os interessados, dentro do prazo decadencial de 4 anos contados da abertura do testamento, ingressar com a ação de exclusão da herança por deserdação, conforme parágrafo único do artigo 1.965 do Código Civil. 

É relevante apontar que os herdeiros facultativos não podem ser excluídos por deserdação, uma vez que não há limite para a disposição de bens pelo autor da herança neste caso, bastando o testamento transmitindo toda a herança para outra pessoa ou instituição, de acordo com sua vontade. 

 REFERÊNCIAS

CÓDIGO CIVIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - São Paulo: EDIPRO,2019.

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito civil – 6.ed.rev e atual. - São Paulo: Atlas, 2019.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: sucessões – Vol. 7 – 16 ed. São Paulo: Saraiva educação.2019.

Nenhum comentário: