DOS EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO Prof. Esp. AlcenisioTécio Leite de Sá
A
indignidade e a deserdação são sanções civis aplicáveis àqueles que não se
comportaram bem com o autor da herança. Indigno e deserdado são considerados
incompatíveis com a herança.
QUADRO DISTINTIVO ENTRE INDIGNIDADE E DESERDAÇÃO:
Indignidade |
Deserdação |
1. A indignidade é ato
reconhecido mediante uma ação de indignidade, prevista no art. 1.185 do
Código Civil |
1. A deserdação se manifesta
por ato de vontade do autor da herança por meio do testamento, logo, somente
o autor da herança pode deserdar |
2. Qualquer sucessor (seja
herdeiro ou legatário) pode ser indigno |
2. Somente o herdeiro
necessário pode ser deserdado |
3. A indignidade é reconhecida
por ato praticado antes ou depois da abertura da sucessão |
3. A deserdação se dá por ato
praticado antes da abertura da sucessão |
4. As causas de indignidade
estão previstas no art. 1.814 |
4. As causas de deserdação são
as mesmas de indignidade (art. 1.814) e também as previstas nos arts. 1.962 e
1.963 |
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros
ou legatários:
I - que
houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou
tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
II - que
houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em
crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III - que, por
violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de
dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Art.
1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814,
autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I -
ofensa física;
II -
injúria grave;
III -
relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV -
desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art.
1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos
ascendentes pelos descendentes:
I -
ofensa física;
II -
injúria grave;
III -
relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o
marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV -
desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
DESERDAÇÃO
Deserdação
é o ato unilateral pelo qual o de cujus exclui da sucessão, mediante testamento
com expressa declaração de causa, herdeiro necessário, privando-o de sua
legítima, por ter praticado alguma conduta prevista na lei como causa.
Requisitos
de Eficácia: A deserdação exige a concorrência dos seguintes
requisitos:
•
Existência de herdeiros necessários.
•
Testamento válido (só pode haver deserdação por testamento, sendo proibido por
escritura pública, instrumento particular, termo judicial ou codicilo – veremos
este termo mais adiante).
•
Expressa declaração da causa prevista em lei.
•
Propositura de ação ordinária.
Causas de
Deserdação: Além das causas que autorizam a indignidade (art.
1.814 CC), acrescenta-se:
A)
Deserdação dos descendentes por seus ascendentes (art. 1.962 CC): ofensa
física, injúria grave; relações ilícitas com a madrasta ou padrasto; desamparo
do ascendente, em alienação mental ou grave enfermidade.
B)
Deserdação dos ascendentes pelos descendentes (art. 1.963 CC): ofensa física;
injúria grave; relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do
neto com o marido ou companheiro da filha ou o da neta; desamparo do filho ou
do neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
Efeitos
da Deserdação: Os
efeitos da deserdação são pessoais, isto é, atingem o herdeiro excluído, como
se ele morto fosse. Mas os seus descendentes herdam por representação, ante o
caráter personalíssimo da pena civil.
Não basta
que o testador deserde o herdeiro. Cumpre aos outros herdeiros promover, no
prazo de 04 anos (contados da abertura do testamento) ação de deserdação para
confirmar a vontade do morto. O deserdado terá direito de defesa. Não se
provando o motivo da deserdação, o testamento produzirá efeitos em tudo o que
não prejudicar a legítima do herdeiro necessário.
Mera
reconciliação do testador com o deserdado não gera ineficácia da deserdação.
Deve ser realizada a revogação por testamento (trata-se do perdão).
Distinção
entre Indignidade e Deserdação:
1) A
exclusão por indignidade se refere à sucessão legítima e afasta da sucessão
tanto os herdeiros legítimos, quanto os testamentários, necessários ou não,
inclusive o legatário; a deserdação se refere à sucessão testamentária,
servindo apenas para privar da herança os herdeiros necessários (descendentes,
ascendentes e cônjuge), inclusive quanto à parte legítima.
2) A
exclusão por indignidade funda-se exclusivamente nos casos do art. 1.814 CC e a
deserdação repousa na vontade exclusiva do autor da herança, desde que fundada
em motivo legal.
INDIGNIDADE E DESERDAÇÃO
Estes institutos são diferentes, mas merecem ser
estudados em conjunto pois têm o mesmo efeito.
A regra geral é a de que todos podem suceder
(1.798, animais não podem herdar!), inclusive uma empresa pode suceder uma
pessoa física (1.799, II). A exceção a essa regra são os casos de indignidade e
deserdação.
Em suma, para suceder basta estar vivo, ter
legitimidade e não ser indigno/deserdado. Os casos de falta de legitimidade são
aqueles do art 1.801 e 1.802. Os casos de indignidade e deserdação veremos
agora.
Indignidade: é a privação do direito de suceder alguém por
tê-lo ofendido ou a seus familiares (1.814). O indigno não tem afeto e nem
solidariedade pelo extinto, pelo que sofre esta pena civil.
Esse assunto é exaustivo, não é exemplificativo, de
modo que não há outros casos de indignidade fora esses. Observem que o
homicídio do 1814, I, é só o doloso, o culposo não. O menor pode ser indigno,
embora menor seja inimputável, por isso indigno é quem comete o fato, mesmo que
não seja criminalmente culpado, até porque a responsabilidade civil é
independente da penal (935, comentários em Fontes das Obrigações). No inciso
III vemos um caso de indignidade após a morte do hereditando (ex: filho esconde
o testamento que beneficiava um primo para herdar tudo sozinho).
Características e efeitos da indignidade (obs: de
regra estes efeitos são ex tunc, ou seja,
“desde então”, retroagindo ao momento da abertura da sucessão):
1 – não é automática, precisando de sentença
transitada em julgado (1.815 e pú).
2 – O indigno fica obrigado a devolver os frutos da
herança que porventura tenha auferido (pú do 1.817), pois pelo princípio da
saisine o herdeiro se tornou dono imediatamente após a morte do hereditando;
com a sentença de indignidade, que pode levar alguns anos para ser proferida, o
indigno terá que devolver os frutos (ex: as crias dos animais da fazenda herdada).
3 – Os efeitos da indignidade são pessoais, só
atinge o herdeiro, até porque, tratando-se de uma pena, não pode ultrapassar a
pessoa do infrator; assim os filhos do indigno receberão a herança face ao
direito de representação (1.816); porém o indigno não poderá fruir destes bens
(pú do 1.816 e 1.689). Lembro que para os filhos do excluído é melhor a
indignidade do que a renúncia (1.811).
4 – este quarto efeito não é “ex tunc”, mas “ex
nunc (a partir de agora)”, não retroagindo: são válidas as alienações onerosas
feitas pelo indigno antes da sentença a terceiro de boa-fé (1.817). Assim, no
conflito entre a propriedade dos demais herdeiros e a boa-fé do terceiro
adquirente, o legislador optou por esta, por uma questão de segurança jurídica.
De qualquer modo os demais herdeiros exigirão do indigno o equivalente,
mediante ação pessoal de perdas e danos. Não cabe aos demais
herdeiros ação real sobre a coisa vendida,
não havendo direito de sequela sobre a coisa alienada ao terceiro de
boa-fé. Mas se a alienação foi gratuita (= doação) cabe direito de
sequela, afinal o terceiro não vai perder nada, vai apenas deixar de ganhar.
Que acham?
Reabilitação do indigno: trata-se do perdão do
indigno, podendo ser feita expressamente pelo hereditando (1.818). A reabilitação
pode ser tácita nos termos do pú.
Deserdação: o efeito é o mesmo da indignidade, punir quem
ofendeu o extinto, pois o deserdado fica também excluído da sucessão. Vejamos
as diferenças:
1 – A indignidade vem prevista em lei como a vontade presumida do extinto, atingindo qualquer
herdeiro, já a deserdação é declarada em testamento, é a vontade real do falecido, e só atinge herdeiros
necessários (1.961, 1.845).
2 – Só vamos encontrar deserdação na sucessão
testamentária (1.964), já a indignidade pode ocorrer tanto na sucessão
testamentária como na legítima.
3 – os casos de deserdação, além do conhecido
1.814, estão no 1962 e 1.963
Herdeiro aparente: é aquele que parece mas não é. É aquele que
está na condição de herdeiro mas que, por um fato novo, deixa de sê-lo.
Conceito: herdeiro aparente é o que, não sendo titular de direito sucessório, é
tido como legítimo dono da herança por causa de erro invencível.
Ex: alguém morre sem mulher e filhos, então seus
bens vão para um irmão; porém depois aparece um filho desconhecido do extinto
que prova sua condição mediante exame de DNA; terá o irmão do extinto que
entregar os bens recebidos para este seu sobrinho. E se o herdeiro
aparente (o irmão) vendeu os bens recebidos? A solução é a mesma do item 4
acima, conforme pú do 1.827.
DA EXCLUSÃO DO HERDEIRO DA SUCESSÃO E SEUS EFEITOS
O direito
de herança é direito fundamental do cidadão, nos termos
do artigo 5º,
inciso XXX, da Constituição Federal. Assim, todos têm
direito a herdar, porém haverá situações em que esse direito poderá ser restringido,
conforme trataremos a seguir.
Considera-se aberta a sucessão no momento da morte do “de cujus”, seja ela presumida ou real, sendo a herança transmitida, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, conforme artigo 1.784 do Código Civil.
Desse modo, haja vista a incidência do princípio da saisine, por expressa previsão legal, tanto a posse como a propriedade são transmitidas automaticamente a quem de direito, nos termos do artigo 1.829 do Código Civil. No entanto, a regra aplicada ao direito sucessório consubstancia-se na prevalência da vontade do falecido, mediante testamento, que implica na mitigação do princípio da saisine.
Porém, a sucessão testamentária não é prática comum, uma vez que o brasileiro não possui vasto patrimônio que exija maiores formalidades para sua disposição, bem como, ao cabo, a sucessão legítima acaba por contemplar as pessoas que, em regra, seriam preferencialmente beneficiadas pelo autor da herança, desestimulando o testamento.
Ocorre, no
entanto, que o herdeiro poderá ser excluído da herança, partindo da premissa
que a tenha aceitado, em duas hipóteses: a exclusão por indignidade ou a
exclusão por deserdação.
A Indignidade
é exclusão da herança por imposição legal e encontra guarida no artigo 1.814 do Código
Civil. Assim, o legislador reputa que o herdeiro não é digno de
herdar ante a prática de atos reprováveis contra o autor da herança. Ou seja,
caso o indigno burle a ordem ética de afeição e respeito perante o autor da
herança, o que atenta contra a moral e a boa-fé nas relações em sociedade,
tratando-se a exclusão, nesse caso, de verdadeira punição.
Destaca-se que o artigo 1.814 diz serem excluídos da sucessão tantos os herdeiros legítimos quanto os herdeiros testamentários, bem como os legatários, ou seja, aquele que houver recebido um legado, assim, um bem certo e determinado deixado em testamento.
Art. 1.814.
São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que
houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou
tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
II - que
houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em
crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que,
por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de
dispor livremente de seus bens por ato de última vontade
Vê-se, portanto, três esferas
de tutela elencadas pelo legislador que podem ensejar a exclusão do herdeiro da
herança, qual sejam: a tutela a vida, a honra e a integridade física e moral do
autor da herança quanto à livre disposição de seus bens.
A exclusão
por indignidade não é automática, devendo os interessados, dentro do prazo
decadencial de 4 anos contados da abertura da sucessão,
ingressar com a ação de exclusão da herança por indignidade, conforme artigo 1.815 do Código
Civil.
Supracitado artigo elucida que a exclusão deve ser decretada por sentença, pois aberto o incidente de exclusão, deve ser garantido o devido processo legal, com efetivo contraditório e ampla defesa ao acusado de indignidade, principalmente agora, tendo em vista o regramento do novel Código de Processo Civil, destaque ao seu artigo 7º.
Nesse contexto, é possível que o indigno prove a inexistência dos fatos alegados ou mesmo o seu perdão, melhor dizendo, a sua reabilitação que poderá ser expressa em testamento ou outro meio autêntico, ou tácita, conforme parágrafo único do artigo 1.818, caso o testador mesmo sabendo do ato de indignidade ainda sim contemple o indigno em testamento com a simples transmissão de bens e/ou direitos.
Discute-se a
hipótese do Ministério Público poder requerer a exclusão do indigno. Uma
primeira corrente, contrária a referida possibilidade, argumenta que o
Ministério Público não detém tal poder, devido a ausência de previsão legal,
por não estar elencado dentre os legitimados pelo Código
Civil, bem como em essência tratar-se de interesse
preponderantemente privado. Por outro lado, uma segunda corrente aponta que em
determinados casos, ante a existência de interesse público, poderia sim haver a
intervenção do Ministério Público, como foi amplamente discutido durante o
julgamento do caso Suzane Von Richthofen.
Em opinião do ora autor, a fim de mera reflexão, poderia o Ministério Público ser legítimo na seguinte hipótese: José, maior, e Maria, com 15 anos (menor absolutamente incapaz), são os únicos herdeiros de Carlos. José, dolosamente, atenta contra a vida de Carlos ocasionando sua morte. Aberta a sucessão, o juiz nomeia curador à Maria que, contrário a sua vontade, insiste em não ingressar com a ação de exclusão por indignidade.
Constatada
essa situação pelo Ministério Público, surgiria sua legitimidade para pleitear
a exclusão, uma vez que a proteção da herança se confundiria com a proteção dos
interesses da menor diante do caso concreto.
Uma vez
reconhecida a indignidade, o juiz irá excluir o indigno da sucessão. Os efeitos
da declaração de indignidade são pessoais, considerando-se a pessoa do indigno
como se morto fosse, não atingindo seus herdeiros, nos termos do artigo 1.816 do Código
Civil, diferentemente da renúncia. Destaca-se que tal proteção só
atinge os filhos do indigno caso sejam parentes do autor da herança.
Ocorre, portanto, a morte civil do indigno, antigo instituto do direito romano, mas ainda incorporado na legislação civil atual, o que possibilita a sucessão pelos seus herdeiros por estirpe. Porém, o parágrafo único do artigo 1.816 é claro ao apontar que o excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens.
De outro lado, a Deserdação é forma de exclusão da herança que, ao contrário da indignidade que decorre de lei, é proveniente unicamente da vontade do testador e recai sobre a sucessão legítima. Ou seja, a deserdação é feita em vida pelo autor da herança que, mediante testamento, poderá excluir da herança, em específico, os herdeiros necessários, assim, o cônjuge, o descendente ou o ascendente, caso ocorra algumas das situações previstas nos artigos 1.961, 1.962 e 1.963, todos do Código Civil.
Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.
Art. 1.962.
Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam
a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa
física;
II - injúria
grave;
III -
relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV -
desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963.
Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam
a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I - ofensa
física;
II - injúria
grave;
III -
relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o
marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vê-se, portanto, que valem para
a deserdação todas as hipóteses de exclusão cabíveis para a indignidade. Além
disso, o Código
Civil traz outras hipóteses que possibilitam a exclusão tanto
de Ascendente contra Descendente, como vice-versa.
A exclusão por deserdação também não é automática, devendo os interessados, dentro do prazo decadencial de 4 anos contados da abertura do testamento, ingressar com a ação de exclusão da herança por deserdação, conforme parágrafo único do artigo 1.965 do Código Civil.
É relevante apontar que os herdeiros facultativos não podem ser excluídos por deserdação, uma vez que não há limite para a disposição de bens pelo autor da herança neste caso, bastando o testamento transmitindo toda a herança para outra pessoa ou instituição, de acordo com sua vontade.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
CÓDIGO
CIVIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - São Paulo: EDIPRO,2019.
DONIZETTI,
Elpídio. Curso didático de direito civil – 6.ed.rev e atual. - São Paulo:
Atlas, 2019.
GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: sucessões – Vol. 7 – 16 ed. São
Paulo: Saraiva educação.2019.
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