quinta-feira, 5 de março de 2009

GESTÃO EM SERVIÇOS DE SAÚDE

Prof.Esp.Alcenisio Técio Leite de Sá

A reorientação do sistema de saúde, preconizada pelo SUDS, faz com que se busque dotar os serviços públicos de saúde de maior eficácia e resolutividade, tirando-os da marginalidade do setor. Nesse sentido, é urgente repensar a prática desses serviços, buscando superar os fatores que ocasionam seu baixo desempenho. Normalmente, atribui-se esse desempenho à falta de recursos, sejam humanos ou materiais, à baixa qualificação do seu pessoal, deixando de considerar que a existência de recursos, por si só, não garante a qualidade dos serviços.
Uma organização, seja ela Secretaria, Hospital ou Centro de Saúde, é unidade social deliberadamente construída para atingir determinados objetivos. Ela resulta de uma combinação de pessoas, recursos e tecnologia para atingir aqueles objetivos. Para isso, ela possui uma maneira padronizada de operar. Assim, em qualquer organização, onde às pessoas se agrupam para realizar determinadas tarefas, para produzir bens ou serviços, é necessário que haja um trabalho para prover as condições necessárias à realização de seus objetivos. Esse trabalho para conseguir o desempenho das tarefas e a satisfação humana é o que chamamos de administração (Hampton, 1980).
Sabemos que, nas organizações, tecnologia, tarefas, recursos, administração não podem ser considerados isoladamente, pois são interdependentes, inclusive com o ambiente, ou seja, com a realidade que cerca a organização, sua clientela, outras organizações, interesses e articulações presentes em seu cotidiano.
Essa concepção, em administração, é o que chamamos de contingencial ou situacional, que significa uma maneira de compreender que a organização só pode ser entendida adequadamente quando o que nela ocorre não se explica por uma única causa, mas por uma rede de causas.
Assim, ao pensarmos em reestruturar o sistema de saúde, temos de considerar não apenas a rede, mas também a organização dos serviços de cada unidade que a compõe, reordenando sua prática a partir de uma nova concepção, definida pelo modelo assistencial de saúde que se quer (Junqueira, 1987), que deve constituir seu referencial de ação.
O reconhecimento de que as organizações são sistemas interdependentes de complexidade crescente, e que a mudança de uma parte de uma organização afeta outras partes, é fundamental para entendermos o que ocorre na organização. Em uma unidade de saúde, por exemplo, as pessoas, tarefas e administração apresentam inter-relações diversas entre si e seu meio, variando sua complexidade em função do tamanho, da tecnologia e dos seus objetivos.
Nesse sentido, é importante privilegiar o usuário e sua participação no destino da organização. Daí a importância da descentralização como um meio de trazer, para junto da população, o poder de decisão sobre os rumos, a qualidade, a capacidade resolutiva da organização, que existe para prestar serviços a essa população.
A eficácia das organizações de saúde também vai depender das relações que estabelecem pessoas, tecnologia, recursos e administração, para realizar a tarefa organizacional de prestação de serviços de saúde. Contudo, entre esses fatores, é a administração que tem o papel mais determinante, uma vez que ela realiza o trabalho de combinar pessoas, tecnologia e recursos para atingir os objetivos organizacionais, mediante planejamento, coordenação, direção e controle. Essa tarefa de administrar, que também chamamos gerenciar, é que possibilitará a organização de saúde, mudar os níveis de atenção, a qualidade de seus serviços.
No texto que segue, procuraremos levantar algumas questões que consideramos relevantes na gerência e no desempenho gerencial, para depois verificar como deverá ser a gerência nos serviços públicos de saúde, para que o setor atinja um desempenho mais eficaz.
A GERÊNCIA E O DESEMPENHO GERENCIAL
O termo gerência, usado, geralmente, como sinônimo de administração, aparece no início do capitalismo industrial com o trabalho cooperativo. A concepção, o planejamento e o controle passam a constituir atividades distintas daquela da execução. Quem executa não é quem planeja e controla. Nesse sentido, à gerência está associada a idéia de planejamento e controle; o controle é o conceito fundamental em todos os sistemas gerenciais (Braverman, 1981).
Na literatura administrativa, há uma certa concordância nas atribuições básicas de gerência, quais sejam: dirigir, organizar e controlar pessoas ou grupos de pessoas (Mattos, 1985). É uma função que lida com pessoas, sendo o responsável pela consecução dos objetivos da organização. O produto de seu trabalho é avaliado através do desempenho de sua equipe.
Assim, o desempenho da função gerencial requer conhecimentos e habilidades que passam pelas dimensões técnica, administrativa, política e psicossocial. Essas dimensões possuem significados próprios, permitindo caracterizar não um único estilo de gerência eficaz, mas qualidades que devem permear a ação do gerente. Apesar de já ser do conhecimento comum que um bom técnico não será, necessariamente, um bom gerente, também não é possível um bom gerente sem conhecimento específico do trabalho gerenciado. Não se esperam conhecimentos de especialista, mas um conhecimento que o legitime, diante de seus subordinados, podendo, inclusive, constituir fonte de prestígio.
O mesmo não se pode esperar do conhecimento e habilidades administrativas. Sendo o papel do gerente planejar, organizar, coordenar, controlar e avaliar o trabalho para que a organização possa atingir seus objetivos, ele deve possuir conhecimentos e habilidades aperfeiçoados de planejamento e controle das atividades organizacionais.
Apesar de o planejamento constituir um valor no discurso dos profissionais do setor público, inclusive buscando novas formas de formulá-lo, ele ainda não saiu do discurso. Não é comum encontrar organizações, onde exista uma prática conseqüente de planejamento e controle. O mesmo, no entanto, não se pode dizer do controle, uma prática comum no setor público, controle pelo controle, descolado do planejamento, da avaliação de resultados.
A prática administrativa do planejamento, direção, coordenação e controle constitui o fulcro da gerência, em qualquer organização, independente do tamanho e, mesmo, da autonomia de gestão. Isso significa planejar e controlar pessoas e recursos na realização de tarefas que permitam que a organização atinja seus objetivos. Nesse sentido, a função gerencial não implica apenas que o gerente possua conhecimentos administrativos e técnicos, mas a capacidade de lidar com pessoas, conhecer suas necessidades, valores e motivá-las para a realização da tarefa organizacional.
Como o desempenho da função gerencial é um fenômeno que compreende relações interpessoais, onde as pessoas ocupam posições diferenciadas, a questão do poder se coloca. A própria estrutura organizacional expressa um cenário onde se dão as relações de poder. Portanto, administrar essas relações exige conhecimento e habilidade do gerente, que nem sempre utiliza o poder que a organização lhe atribui de maneira adequada, mas como forma de direcionar aqueles que necessitam manter seus empregos em troca da obediência consentida ou não (Mattos, 1988).
Nesse sentido, a função gerencial requer um conhecimento adequado da organização, naquilo que é definido formalmente e naquilo que normalmente se chama de informal, que gera o clima organizacional. Daí a importância de visualizar o papel gerencial, não como um atributo individual, mas como um fenômeno relacionável. Por isso se diz que um gerente isolado de seu contexto e de seus subordinados é uma abstração, útil do ponto de vista teórico, porém irrelevante quando se pretende contribuir para o aprimoramento do desenvolvimento gerencial (Mattos, 1988). Isso tem implicações para o desempenho gerencial, pois o gerente que não é capaz de lidar com a organização busca aprender macetes ou ainda culpar apenas seus subordinados pelos resultados, sem avaliar em que medida sua atuação contribui para a ineficácia organizacional.
O baixo desempenho que verificamos no setor público não pode ser atribuído apenas à incompetência, a desmotivação, ou a baixos salários e às más condições de trabalho, mas, também, à inexistência da responsabilidade gerencial, de um indivíduo capaz de conduzir seu grupo para os objetivos organizacionais. Isto assume características marcadas, principalmente nas atividades de prestação de serviços, como saúde e educação, onde o objetivo é atender a população.
Apesar de não podermos dizer que existam formas mais eficazes de gerenciar, pois os problemas e as condições objetivas da organização variam, determinando o desempenho gerencial. Entretanto, podemos identificar estilos de gerência que caracterizam determinadas maneiras de conduzir a organização a atingir seus objetivos. Podemos delinear dois estilos extremos de gerência: o situacional e o burocrático, segundo a maneira que utilizam o planejamento, organização, liderança e controle. No estilo burocrático, cada uma destas práticas administrativas é mais detalhada, formalizada, diretiva e com controles abrangentes. Já, no estilo situacional, as características das práticas administrativas variam em função das tarefas. O que determina este estilo não é a formalização, mas a capacidade do gerente de adaptar-se às necessidades da tarefa, da organização. Há uma gama de relacionamento entre estabilidade da tarefa e a flexibilidade do estilo. Identificarmos estes estilos significa uma possibilidade de realização em uma determinada organização.
O estilo de gerência resulta de um projeto que pode ser mais ou menos burocrático, dependendo do tipo de tarefa, das pessoas, enfim, da organização. As práticas de planejamento, organização, direção e controle devem permitir conceber uma estratégia que estabeleça uma relação adequada, entre o sistema de tarefas e pessoas. Essa relação é que permite visualizar a maneira mais eficaz de conduzir a organização a seus objetivos.
Portanto, o estilo de gerência muda conforme a organização, sua tarefa, e as pessoas que a realizam. Se não podemos identificar qual o estilo mais eficaz de gerência, poderemos, pelo menos, delinear algumas características próprias às organizações que têm como tarefa a prestação de serviços de saúde. Esse tipo de organização possui tarefas inovadoras e rotineiras, com complexidades diferentes e com pessoas que estão mais propensas a aceitar valores mais grupais que individuais, onde a tolerância por padrões rígidos tende a diminuir. Além disso, a eficácia das organizações ocorre na medida em que conseguem livrar-se das práticas burocráticas que as imobilizam e as tornam menos sensíveis e mais vagarosamente suscetíveis à mudança (Toffler, 1975). Isso, no entanto, não significa que possamos delinear um único estilo eficaz de gerência.
A GERÊNCIA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE
Se não podemos afirmar que exista uma forma ótima de gerenciar, podemos, pelo menos, identificar os fatores obstaculizadores a uma gerência eficaz dos serviços de saúde.
O que tem caracterizado a prestação dos serviços públicos de saúde é a ineficiência e a baixa qualidade. Isto, como nos outros serviços públicos, não pode ser atribuído apenas às más condições de trabalho, aos baixos salários, à falta de recursos humanos, mas a todos estes fatores. Eles não podem ser responsabilizados, individualmente, mas é a relação que estabelecem entre si e, principalmente, a ausência da regulação da combinação entre estes fatores que deverá ser estabelecida pela gerência. Isso quer dizer que, sem planejamento, direção, coordenação, organização e controle, a tarefa organizacional não será realizada com eficácia.
Essa assertiva ganha consistência, quando observamos as experiências em curso ou já realizadas, no Brasil. Em geral, essas experiências são organizadas por pessoas com compromisso com a organização, com as necessidades de saúde da população. Assim, o desempenho da gerência não passa apenas pelo planejamento e controle, mas pelo trabalho com os recursos humanos que devem assumir um compromisso com os objetivos da organização. Talvez a escassez de recursos que tem caracterizado as atividades dos serviços públicos de saúde, levando os membros das organizações a improvisarem e a executarem suas tarefas em condições, muitas vezes, desfavoráveis, faz com que as relações interpessoais constituam um dos fatores determinantes da eficácia dos serviços.
Nesse sentido, o papel do gerente é fundamental na articulação das relações entre as pessoas, estruturas, tecnologias, metas e meio ambiente, incluindo aí os usuários dos serviços. O gerente não é apenas o responsável pelo planejamento, organização, coordenação e controle, para alocar, de maneira adequada, os recursos escassos, mas também para mobilizar e comprometer seus funcionários na organização e produção dos serviços de saúde, que atendam as necessidades de saúde da população.
Neste contexto, consideramos importante retomar a idéia da equipe de saúde, antiga no discurso sanitário, mas sem consistência na sua prática. O êxito do trabalho da equipe de saúde requer repensar o papel de cada profissional, no desempenho de sua tarefa, na interação que estabelecem entre si, mediada pela tecnologia, para atender as necessidades de saúde da população. Nessa visão, a equipe é algo dinâmico (Acunã, 1987), sendo a organização do trabalho realizada não apenas em cima da tarefa do profissional médico, mas de diversos profissionais que possuem responsabilidades distintas, porém compromissos iguais na produção dos serviços de saúde.
Nesta perspectiva, há um compromisso dos diversos segmentos da organização, independente do seu tamanho, com os objetivos organizacionais, com as metas definidas pelo conjunto da organização. Com essa ótica, privilegia-se o estilo de gerência contingencial, onde o planejamento vem em resposta ao processo de mudança da organização, que resulta não apenas dos interesses existentes no seu interior como da relação que estabelece com o meio, com as necessidades de saúde da população.
Hoje, no Brasil, a lógica que prevalece nas organizações públicas prestadoras de serviços, em especial da saúde, não é do atendimento da satisfação das demandas da sua clientela, mas dos próprios funcionários, dos interesses burocráticos, que perpassam as organizações públicas. Isto ainda é conseqüência do autoritarismo, do descompromisso com a coisa pública, onde não atender nada significa, porque as classes subalternas não têm direitos, mas apenas o dever de submissão. O direito é apenas das classes privilegiadas de ganharem mais, mesmo que isso não reverta para a população. Isto não é privilégio apenas da saúde, mas do setor social, no seu conjunto.
Nesse contexto, acreditamos que mudar a prática dos serviços públicos não implica apenas racionalizar através do planejamento da ação e do controle, mas do envolvimento, do compromisso dos membros da organização com seus objetivos.
O discurso das chamadas classes médias sobre a questão social, a produção de serviços, passa, mais, pela inexistência de recursos do que pela busca de mecanismos que de fato mudem a prática dos serviços. Não podemos negar que há experiências importantes, mas pouco se fez para entender o que elas significam e os fatores determinantes do seu êxito.
Com o SUDS, a reorientação dos serviços de saúde teria uma possibilidade concreta para tirar o setor público da marginalidade. No entanto, os interesses dominantes do setor privado ainda estão fortes e articulados com as instituições públicas responsáveis pelos recursos de saúde. Contudo, isto não se modifica como um passe de mágica, pois instituição do tamanho e da significação do Inamps não muda sua prática apenas pela vontade dos burocratas progressistas, no dizer de Campos (1988), no poder. Isso não se resolve, apenas, com o discurso dos planejadores, mas com medidas concretas, com o controle dos recursos pelos órgãos comprometidos com a saúde da população, e com a mudança das práticas dos serviços.
Os responsáveis em implementar estas novas propostas ainda permanecem no discurso, sem conseguir oferecer serviços eficazes, que, inclusive, coloquem a população como aliada. O movimento até hoje realizado em prol de uma nova política foi por melhores salários. SUDS significou ganhar mais para mudar.Como se apenas melhores salários resolvessem os problemas dos serviços de saúde do país.
Nesse sentido, acreditamos que a prática da gerência, no setor social, é uma necessidade, mas de uma gerência competente que se comprometa com resultados e que seja exercida através de práticas de planejamento e controle condizentes com a realidade dos serviços, os recursos disponíveis e as necessidades de saúde da população.
Se a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado, segundo a nova Constituição, é importante que a população possua espaços organizacionais para fazer valer seus direitos, mas é também importante que o Estado, através de suas organizações, seja capaz de produzir, direta ou indiretamente, serviços que respeitem àqueles direitos. Esses direitos não serão exercidos se os serviços de saúde continuarem incompetentes, mal-administrados, aguardando os recursos abundantes.
Sem o compromisso dos dirigentes do setor saúde, em produzir serviços em atendimento à demanda da população e não aos interesses dos burocratas da saúde, a população permanecerá alheia, distante, cada vez mais, dos serviços públicos, utilizando-os, apenas, quando não tem outra alternativa. E, por outro lado, ficaremos fazendo o discurso da participação, tendo como interlocutores as chamadas lideranças dos movimentos populares que incensam nosso ego, fazendo nosso discurso ter algum sentido. Nesse sentido, é importante ter a população como aliada, buscando formas de participação, para que ela expresse suas necessidades e exija seus direitos à saúde.
Portanto, a gerência dos serviços de saúde não pode constituir apenas mais um discurso, mas uma forma de dotar os serviços públicos de saúde de alguma racionalidade, de uma lógica que não é dos serviços privados nem da burocracia, mas aquela voltada para as necessidades da população, do seu perfil epidemiológico, com o compromisso dos servidores em produzir serviços de qualidade. Essa qualidade deve ser pretendida na magnitude e natureza dos recursos disponíveis (Evans, 1982), pois, do contrário, permaneceremos incompetentes e imóveis, justificando nossa posição pela escassez dos recursos.
A reorientação dos serviços de saúde, preconizada pelo SUDS, exige na sua implantação a formação de dirigentes capazes de planejar, dirigir, avaliar e controlar a ação de sua unidade ou do sistema local de saúde. A questão não é saber que tipo de planejamento ou controle deve dispor este gerente, mas, sim, se é capaz de entender a realidade social em que a organização está inserida e dispor de conhecimentos e habilidades sobre as práticas administrativas inerentes ao gerenciamento.
O gerente, independente do tamanho e nível da organização ou do sistema sob sua responsabilidade, deve ser uma pessoa de decisão. Para isto, ele necessita não apenas conhecer as técnicas administrativas como também dispor de um sistema de informações gerenciais, que paute suas decisões. O discurso e a prática do "apaga fogo", comum no setor público, devem ser superados. A administração por rotina e crise não permite decisões coerentes e encima de prioridades. Por isto, não há planejamento, ou mesmo um referencial, que informe as decisões.
Nesse sentido, a idéia do modelo assistencial, que explicita e detalha a organização dos serviços de saúde e suas ações, é importante, neste momento, como instrumento de planejamento, de organização e definição das ações de saúde, no âmbito de uma unidade de saúde e do sistema de saúde no seu conjunto. Mesmo que este modelo não dê conta, no seu conjunto, do perfil epidemiológico de uma área concreta, ele permanece como um marco referencial para as ações de saúde.
Também a proposta dos Sistemas Locais de Saúde, preconizada pela Opas (1987), pode constituir uma importante contribuição para desenharmos serviços com capacidade tecnológica e administrativa, para atender uma população de uma área definida, consolidando e dando forma ao novo modelo assistencial preconizado.
A gerência dos serviços de saúde passa, também, pela descentralização dos recursos, pois a descentralização ocorrida no âmbito federal, mesmo que incompleta, ainda não se tornou uma prática consistente no nível estadual. Daí a importância de se dar corpo à municipalização. Não por decreto, mas mediante uma programação e definição de estratégias que dêem conta da realidade de cada município e de sua capacidade de gestão dos serviços de saúde. Isso possibilitará aumentar a eficácia dos serviços, através de uma gerência competente, compromissada com os objetivos organizacionais, com as necessidades de saúde da população. Essa é uma nova lógica que deverá permear os serviços públicos de saúde, revertendo sua prática, dominantemente burocrática, tornando-os eficazes, para tirá-los da marginalidade do setor saúde.
CONCLUSÃO
Falar em reordenamento dos serviços de saúde significa não apenas formular uma nova concepção de atenção à saúde, como identificar instrumentos que possibilitem as unidades de saúde, e o próprio sistema, atingirem maior nível de eficácia.
A organização de saúde, entendida como parte de uma rede de serviços interdependente, não pode buscar a solução dos seus problemas apenas na correção dos baixos salários, mas em um conjunto de fatores que deverão ser compreendidos nas relações que mantêm entre si e com o seu meio.
Assim, falar em gerência dos serviços de saúde como um meio de melhorar a eficácia do sistema passa pelo entendimento das diversas dimensões presentes na organização: pessoas, recursos, tecnologia e administração, que têm o papel de combinar as anteriores na consecução dos objetivos organizacionais. Apesar de existirem estilos de administração e práticas administrativas condizentes com cada estilo, não podemos concluir que exista uma forma ótima de gerenciar. Existem técnicas, eficazes ou não, dependendo da organização de seus membros e dos recursos disponíveis.
A gerência surge, hoje, nas organizações de saúde, como um meio de dar eficácia aos seus serviços. Contudo, não podemos esquecer que parte significativa do discurso e das práticas administrativas já está há algum tempo sendo utilizada no setor saúde. Talvez, hoje, o que surge de novo é o conceito de gerência e a necessidade de realizar uma releitura das práticas administrativas até então utilizadas. Entretanto, não podemos correr o risco de retificar o conceito ou reduzi-lo a um discurso que transforma a gerência na solução mágica para a eficácia do setor. Não resta dúvida que não há organização eficaz sem gerência, ou seja, sem um trabalho competente de prever, organizar, dirigir e controlar os recursos humanos, materiais e financeiros para atingir os objetivos organizacionais. Esse trabalho da gerência realiza uma tarefa de mediação entre pessoas, tecnologia, materiais e ambiente. O responsável por essa tarefa, o gerente, deve possuir um compromisso com os objetivos organizacionais, com a população a ser atendida, e é uma das questões que a Administração Pública não conseguiu ainda resolver.
Na Administração Pública, em especial nos setores sociais, os dirigentes não estão comprometidos com os resultados da organização, mas, na maioria das vezes, com seus interesses particulares e do seu grupo, e não com o compromisso que assumiu ao aceitar o cargo de gerência. Essa questão reforça a necessidade da participação da população, do controle que deve exercer sobre os serviços e sua gestão. Esse controle, contudo, não deve passar apenas pela relação das organizações com seus usuários, mas no interior da própria instituição, envolvendo seus servidores na tarefa organizacional.
Se não podemos identificar um estilo ótimo de gerência para os serviços de saúde, podemos, pelo menos, supor que será um gerente eficaz aquele que for capaz de envolver as pessoas na tarefa, alterando sua prática em função das mudanças que ocorrem no interior e fora da organização, comprometendo seus funcionários com a produção dos serviços de saúde. Desta mesma perspectiva é que a equipe de saúde pode assumir um papel decisivo na mudança de qualidade dos serviços.
Portanto, uma das dimensões importantes na gerência é o comprometimento com a tarefa organizacional e o trabalho de envolver seus subordinados nessa tarefa. Fazer com que cada um desempenhe seu papel, mas assuma um compromisso conjunto de produzir um serviço de saúde que satisfaça às necessidades da população.
Contudo, esse compromisso não estará presente da mesma maneira em todas as organizações independente de suas determinações e, como tal, também não resolverá a eficácia do sistema. Essa eficácia dependerá não apenas do desempenho gerencial das organizações isoladas, mas da gerência do sistema, que deve estar preocupada com resultados e não apenas envolvida com casuísmos e interesses alheios à gestão competente dos bens públicos.
Desta perspectiva, a descentralização surge como uma alternativa eficaz de mudança, pois a eficácia dos sistemas estaduais e municipais poderá ser menos afetada pela incapacidade gerencial existente no sistema central de saúde. A decisão sobre a prestação dos serviços principais de saúde deve atender, principalmente, às necessidades dos usuários e não apenas aos interesses burocráticos. Com isso, não se quer privilegiar a descentralização como solução para aumentar a eficácia dos serviços, mas como uma possibilidade, uma vez que as decisões estão mais próximas de quem utiliza os serviços.
No entanto, dificilmente conseguiremos mudar a prática do setor, se não identificarmos a lógica que deve permear a gestão pública, que não coincide com aquela do setor privado, onde o planejamento e o controle têm um destino assegurado, mas com aquela que deve privilegiar resultados, o atendimento das necessidades de saúde da população.
Portanto, a lógica da gerência que foi delineada pela Administração como um meio de assegurar resultados para quem investe não pode ter a mesma leitura na Administração Pública. Daí a idéia do compromisso, do envolvimento dos membros da organização pública e da população no processo de trabalho, como um meio de garantir a produção de serviços de qualidade, onde prevaleçam os interesses da população. A qualidade dos serviços públicos de saúde não deve passar pela privatização desses serviços, aos quais têm acesso, apenas, as camadas privilegiadas da sociedade. Mas, sim, um serviço público de saúde com resolubilidade e qualidade, acessível a toda a população, pois esse é um direito que a nova Constituição lhe assegura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACUNÃ, Eduardo A. Organización del trabajo en el equipo de salud. In: OPS/OMS. Análisis de las Organizaciones de Salud. Serie Paltex nº 4, Washington, OPS/OMS, 1987 pp. 116-127.
BRAVERMAN, H. Trabalho e Capital Monopolista. 3: ed., Rio, Zahar Ed. 1981.
CAMPOS, Gastão W. de S. Reforma Sanitária Brasileira. In: Berlinguer, G. et alii. Reforma Sanitária: Itália e Brasil. São Paulo, Hucitec/Cebes, 1988, pp. 179-194.
CHIAVENATO, I. Administração: Teoria, Processo e Prática, São Paulo, McGraw-Hill, 1985.
EVANS, John. Medición y Gestión de los Servidos Médicos y Sanitarios. New York, Fundación Rockefeller, 1982.
HAMPTON, D. R. Administração Contemporânea: Teoria, prática e casos. São Paulo, McGraw-Hill, 1980.
JUNQUEIRA, Luciano A. P. Organização e Prestação Pública dos Serviços de Saúde. Cadernos Fundap, São Paulo, 7 (13): 52-56, abril 1987.
MATTOS, Ruy A. Desenvolvimento de Recursos Humanos e Mudança Organizacional, Rio de Janeiro, LTC/ANFUP, 1985.
_____. Gerência e Democracia nas Organizações. 2a ed., Brasília. Ed. Livre Ltda., 1998.

Nenhum comentário: