terça-feira, 14 de abril de 2009

GESTÃO DE ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS

Prof. Alcenisio Técio Leite de Sá
As empresas e demais organizações tem buscado se aperfeiçoar em termos de gestão ao longo dos seus dois séculos de existência. Vários progressos foram obtidos nesse período, mas o esforço de aperfeiçoar os mecanismos de gestão das organizações deve continuar, pois as circunstâncias e condições de funcionamento delas estão mudando constantemente. A velocidade com que as mudanças estão ocorrendo exige que as organizações acelerem a busca por melhores meios de gestão.

O aperfeiçoamento da maneira de gerir a organização é uma exigência dos tempos modernos, quando os recursos são cada vez mais escassos, o tempo de resposta é vital e a qualidade do serviço prestado é um pré-requisito da sobrevivência. A demanda é cada vez mais exigente e educada e os oponentes são criativos e competentes. Faz-se necessária uma nova postura perante os desafios de gerir o funcionamento das organizações.

Acreditamos que boas práticas de gestão ajudam a organização a obter resultados superiores. Organizações públicas ou privadas, todas precisam apresentar resultados compatíveis com os recursos a elas destinados, com os esforços dos seus membros e com as expectativas dos seus clientes. A pena para quem não consegue esses resultados é a perda de relevância para o cliente, que vai ganhar as feições da perda de mercado para algumas organizações ou a perda de espaço, no caso de outras.

Durante muito tempo, talvez décadas, o trabalho repetitivo e burocrático era administrado “no automático”, com todos procurando fazer o que era possível no tempo disponível durante a jornada de trabalho. O trabalho era realizado sempre da mesma maneira padronizada, dentro da disponibilidade de recursos de todo tipo. Esta forma de realizar o trabalho era uma prática corrente e subordinava o atendimento da demanda ao orçamento, sem que houvesse a preocupação de otimizar o emprego de recursos ou de obter o melhor resultado possível. Ela se enraizou nas grandes organizações e até hoje é muito freqüentemente encontrada nas repartições governamentais.

No entanto, não faz mais sentido trabalhar todo dia fazendo mais um pouco do que fizemos ontem e anteontem e na semana passada, só porque é o que temos feito todos esses anos. Não faz mais sentido fazer amanhã o que não deu para fazer hoje, depois de termos feito hoje o que não deu para terminar ontem. O papel dos gestores é verificar se as tarefas devem ser feitas, acompanhar os resultados obtidos e o impacto deles e rever as diretrizes de trabalho para ajustá-las às necessidades do cliente.

Como diz uma historinha famosa do pessoal da qualidade, a habilidade do timoneiro a gente conhece quando as águas do rio baixam, fazendo com que o fundo do barco se aproxime das pedras do fundo do rio, que passam a ser obstáculos a serem contornados. Algumas pedras chegam mesmo a aparecer na superfície das águas. Como a historinha comenta, quando as águas são profundas, o barco não precisa ficar se desviando, manobrando, para prosseguir sua viagem com segurança.

O desafio mais agudo está na gestão das atividades rotineiras, pois é mais difícil identificar os objetivos a serem alcançados. Nessas circunstâncias, quando alguma verificação é feita, o mais freqüente é a comparação do output obtido num certo período de tempo com o resultado de um outro período, utilizado como referência. Esta verificação é interessante, mas é apenas um dos aspectos. Será que o serviço ainda deve ser feito ou é apenas uma tradição que vem sendo mantida sem muita explicação ? Será que, da maneira como o serviço é executado e oferecido, ainda resolve ? Será que a forma de execução do serviço ainda é a mais adequada ? Até mesmo a seqüência destas perguntas é importante, pois não adianta melhorar a forma de execução de um serviço que não faz mais sentido oferecer aos clientes, por exemplo. No caso da historinha, equivale a realizar uma viagem desnecessária, independentemente na profundidade do rio.

Assim sendo, é muito comum que não acompanhemos o desempenho de processos permanentes, de uso prolongado. Uma vez que as necessidades a serem atendidas mudem, os processos associados a elas deveriam mudar, mas não mudam e, via de regra, quem percebe que o resultado não é mais adequado é o cliente e não quem gerencia o processo.

No caso específico das Forças Armadas, o desafio se complica pelo modo dual de operação que é típico delas: os procedimentos e critérios empregados no tempo de paz para garantir o funcionamento seguro e adequado devem ser rapidamente convertidos em mecanismos operacionais adequados para os períodos de mobilização. Os mecanismos de gestão devem ser adequados às duas situações ou poderem ser convertidos muito rapidamente. A contínua verificação dos processos de trabalho e dos indicadores empregados para avaliação dos resultados pode garantir o estado de prontidão indispensável. A otimização da gestão nas Forças Armadas é uma necessidade premente.

Outro aspecto importante dessa dualidade aparece no binômio “preparo – emprego”, que propicia o convívio do aspecto da administração (caracteristicamente funcional, hierárquica, burocrática, lenta) com o aspecto da operação (tipicamente multidisciplinar, horizontal, integrada).

Temos empregado a palavra Gestão para designar a administração que é feita de forma ativa e orientada pela busca intencional de resultado superior. Corresponde a uma nova postura dos administradores, que vai muito além do funcionamento da empresa, refletindo uma preocupação com o desempenho da organização. Ela procura abandonar a postura reativa e “automática” da administração tradicional, através uma nova postura simbolizada pelas preocupações típicas, como mostra o quadro abaixo. Através de exemplos simples, é possível perceber que o novo modelo se volta para questões mais básicas e essenciais e para o atendimento do cliente. Existe uma predisposição para a verificação da validade dos objetivos e para a revisão geral dos processos de trabalho.


Situação Preocupações típicas da Maneira convencional de administrar Preocupações típicas da Maneira moderna de administrar
Emissão de cédulas de identidade As taxas foram pagas ?
Os cheques de segurança foram realizados ? O tempo de espera é razoável?
O prazo de entrega é aceitável ?

Preparação do relatório anual do Exército Todas as unidades responderam ?
A consolidação dos dados está correta ? A freqüência deste relatório é adequada ?
O relatório deve ser emitido ?
Tramitação de expedientes e autos Como fazer a triagem de maneira mais simples e direta ?
Como levar os documentos aos locais mais distantes ? A duração geral da tramitação é aceitável ?
Como substituir por documentos eletrônicos ?
Encaminhamento de mensagens informais e ordens formais A assinatura é autorizada ?
Como receber a confirmação do recebimento ? As pessoas recebem as mensagens a tempo de agir ?
Os procedimentos de ação estão claros ?


A gestão moderna é caracterizada pela adoção de processos que são desenvolvidos e implementados com os olhos nas expectativas e prioridades dos clientes, além da preocupação com os resultados para os acionistas. Sabemos que as empresas privadas precisam ser escolhidas pelos clientes como fornecedoras para que sejam rentáveis. No setor público, as organizações precisam ser relevantes, mais do que indispensáveis, para que sobrevivam. Existem muitos exemplos de organizações públicas que foram substituídas por outras mais adequadas à concepção mais moderna de suas finalidades.

Esta nova abordagem coloca o seu foco nos resultados da forma mais abrangente possível: não interessa apenas executar um conjunto de atividades simplesmente porque há demanda ou realizar rotinas porque elas existem há tempos. É fundamental empregar os processos de trabalho mais adequados para atender a demanda e suspender a execução das rotinas que não se justificam mais. A revisão dos esquemas operacionais é necessária para garantir que as definições estratégicas sejam para valer.

Podemos citar o caso do relatório anual do Exército, que era emitido anualmente já fazia décadas e que obrigava a todas as unidades a dedicarem uma imensa quantidade de horas e pessoas na coleta, organização e formatação de dados. A seguir, esses dados eram remetidos para as unidades superiores e consolidados sucessivamente até o nível mais alto em Brasília. Um momento de inspirada preocupação com o real utilidade desse relatório levou ao teste da sua efetiva utilização na gestão da Instituição. Foi quando se percebeu que a avaliação do Força podia e já vinha sendo feita por outros meios. A partir daí foi suspensa a preparação anual do relatório e interrompida uma tradição, com a conseqüente liberação de recursos e tempo das pessoas, sem perda de qualidade na gestão do Exército.

A gestão moderna faz pleno uso dos Indicadores de desempenho, que são medidas das variáveis essenciais que permitem o acompanhamento do “durante” e não apenas do “depois”. Muitas das medidas utilizadas durante décadas, especialmente as financeiras, se referem às decisões já tomadas e ao trabalho realizado no passado. Precisamos de indicadores que possam sugerir que devemos ajustar a nossa forma de atuação antes do resultado ser irreversível. Precisamos também de métricas mais focalizadas, que permitam identificar onde na organização o ajuste deve ser feito. Medidas como “rentabilidade sobre o investimento” e “faturamento do período” não ajudam muito a identificar o ponto de aplicação do ajuste que venha a ser necessário.

Os processos possuem indicadores de desempenho que medem fatores como qualidade, custo e tempo de entrega entre outros. Vamos tomar como exemplo o tempo de ciclo (Tc) do processo de entrega de determinado material, a partir de uma requisição. Geralmente muitas etapas são realizadas de ponta a ponta nesse processo, desde a requisição até a entrega do material ao solicitante. O empenho e a responsabilidade na execução de cada uma destas etapas determinam o tempo de execução de cada uma e conseqüentemente o tempo de ciclo total do processo. Nestas condições, o tempo de ciclo é uma mera conseqüência do funcionamento do processo.

Nas situações reais, porém, o tempo de ciclo é um objetivo a ser atingido e não uma simples conseqüência, pois na maioria das situações reais não se pode esperar pela execução das etapas do processo. Nestes casos, o tempo de ciclo esperado (objetivo do desempenho) exige que o processo seja executado com outro padrão de desempenho, o que possivelmente levará à necessidade de diminuir o tempo de execução das atividades ou até mesmo a modificação ou eliminação de algumas delas. Esta revisão e a decisão de modificar ou eliminar etapas não podem ser tomadas pelos responsáveis pela execução delas, sob pena de se perder a visão do todo.

Os indicadores de desempenho da logística militar moderna (além do Tc) são: tempo de disponibilidade (uptime), tempo de recuperação (recovery time), presença (foot print), nível de atendimento (fullfilment) (quantidade, qualidade, tempo, local, custo) e custo geral (aquisição, deslocamento, armazenagem, degradação).

Por outro lado, não é suficiente termos metas a atingir e bons indicadores de desempenho se não formos capazes de avaliar se essas metas estão sendo cumpridas e se medidas de ajuste são necessárias. Aqui entra o conhecido modelo do ciclo do PDCA, que precisa ser utilizado plenamente. As organizações que só cumprem a primeira parte do ciclo (só o P e o D ) não conseguem garantir os resultados superiores permanentes, pois não existe a mensuração do resultado. A atuação (A) sobre o processo é condição para executar os ajustes necessários. O controle (C) só faz sentido quando utiliza o planejado (P) como referência. A execução do ciclo completo é também condição para o aprendizado com os erros e desvios observados na operação.

A realidade atual (e que pode ser projetada para muitos anos à frente) é a de carência de recursos de um lado e de fortes exigências por parte da clientela por outro lado. Eqüivale à situação em que as águas do rio baixam e a habilidade do timoneiro é o que salva a tripulação. As nossas organizações, empresas privadas ou órgãos governamentais, precisam se manter adequadamente estruturadas, organizadas e administradas para enfrentarem seus desafios.
www.tecioleite@bol.com.br

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