terça-feira, 4 de agosto de 2009

A MODERNA GESTÃO DE PESSOAS

Prof. Esp. Alcenisio Técio Leite de Sá

INTRODUÇÃO
O tema que percorre esta apostila é o de gestão de pessoas nos nossos dias, a sua importância estratégica, na atualidade e impacto na excelência e qualidade total das organizações. De certa forma, o tema dominante, embora não exclusivo, deste livro reside num alerta para a necessidade de encarar a gestão das pessoas como a questão central da sociedade do conhecimento.

Esta nova dimensão estratégica da gestão de pessoas vem acentuar mais significativamente o que tem constituído o núcleo central desta função - a relação entre a organização e os seus colaboradores. Por isso, a gestão de recursos humanos deve envolver todas as ações, destinadas a assegurar a negociação e a gestão dos equilíbrios precários que permanentemente emergem entre os atores sociais com interesses opostos e, por vezes, irredutíveis.

A apostila está dividida em dez grandes capítulos: recursos humanos, hoje; colocar a vantagem competitiva nas pessoas; a formação ao serviço do desenvolvimento; gestão estratégica; planeamento; estrutura organizacional; para uma cultura de serviço; novas competências; implicações do novo serviço público na gestão das pessoas; nada muda se as pessoas não mudarem.

Dedico esta apostila a meus alunos e ex alunos da UVA,UEMA,ISEC, Fundação Bradesco e do CE “Coelho Neto”.

Ao Professor Dr. Raimundo Medeiros Lobato , não sei como poderei agradecer. De regresso à UEMA, 12 anos após ter concluído a minha Licenciatura Plena em Administração, Direito e Economia ,para iniciar a especialização, foi sobretudo com ele que mantive o diálogo intelectual e foi ele quem sempre me incentivou a manter a chama acesa no sentido de ir mais longe na pesquisa. Por isso, pedi ao Professor Lobato que me concedesse o privilégio de citá-lo neste trabalho.

Prefácio

A gestão de pessoas evoluiu em certa medida ao longo do século XX em articulação estreita com a teoria e comportamento organizacionais, partilhando os pontos altos e baixos da evolução destas ciências dedicadas aos estudos das organizações.

Fruto desta articulação, as pessoas que trabalham nas organizações têm sido encaradas de diversas e opostas maneiras. Assim, de engrenagem sujeita ao determinismo cego de uma máquina, passaram a ser cidadãos, parceiros, ativo, fator estratégico das organizações, numa palavra pessoas com braços, coração e cabeça.

Na análise aos últimos cinquenta anos, constata-se que a expressão gestão de recursos humanos tem sofrido diversas evoluções semânticas. Houve tempo em que designou gestão de pessoal, de recursos humanos e atualmente enfatiza a expressão gestão das pessoas. Apesar das diferenças de significado que cada uma das três expressões possa veicular, hoje, concorda-se que a gestão das pessoas representa uma componente fundamental de qualquer estratégia organizacional.

A importância reconhecida a esta função da gestão provocou o aparecimento de novas concepções acerca do contributo das pessoas para a prossecução dos objectivos das organizações. Tais concepções exigem, por um lado, maior aprofundamento e integração entre a gestão estratégica da organização e a gestão de pessoas e, por outro, obrigam a que cada gestor operacional seja o gestor de pessoas da sua equipa de trabalho. Neste caso, o departamento de gestão de pessoas desempenha uma espécie de função de staff daqueles gestores.

Apesar destas diferenças de concepção, a gestão pessoas no essencial continua a dizer respeito às decisões e ações relacionadas com a articulação entre a organização e os seus empregados.

Tenho dedicado minha ida profissional à gestão de recursos humanos e do ponto de vista académico tenho investigado e ensinado nas áreas disciplinares da Administração,comportamento e da teoria das organizações, quer sejam públicas ou privadas.





1. GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS PÓS-MODERNA

A modernidade cuja presença tem sido tão central nas nossas ideias e nas nossas práticas de gestão desde há mais de dois séculos tem, actualmente, sido posta em causa e rejeitada.

A ideia de modernidade, na sua forma mais ambiciosa, foi a afirmação de que o homem é aquilo que faz, devendo, portanto existir uma correspondência cada vez mais estreita entre a produção - tornada mais eficaz pela ciência, pela tecnologia ou pela administração -, a organização da sociedade regulamentada pela lei.

Esta correspondência entre uma cultura científica e uma sociedade organizada de indivíduos livres assenta no triunfo da razão. Só ela estabelece uma correspondência entre a acção humana e a ordem do mundo.

É a razão que anima a ciência e as suas aplicações, é também ela que comanda a adaptação da vida social às necessidades individuais ou colectivas; é ela, por fim, que substitui o arbitrário e a violência pelo Estado de direito e pelo mercado. A humanidade, agindo segundo as suas leis, avança simultaneamente em direcção à abundância, à liberdade e à felicidade.

A ideia de modernidade está estreitamente associada á ideia de racionalização. A modernidade é assim a história dos progressos da razão Nesta concepção a sociedade aparece como uma ordem, uma arquitectura assentes no cálculo. Outras vezes, faz da razão um instrumento ao serviço do interesse e do prazer dos indivíduos.

A RACIONALIDADE BUROCRÁTICA

Segundo Weber, o advento da modernidade testemunhava a invasão da esmagadora maioria das esferas da vida pela “disciplina da burocracia. Esta invasão decorreu da irresistível expansão da burocracia durante o século XIX. A difusão da burocracia tornou-se irresistível devido à sua “superioridade puramente técnica, por comparação com as restantes formas de organização” mas em muitos aspectos Weber encarava-a com cepticismo. Apesar da efectiva superioridade técnica relativamente às restantes formas de gestão, a burocracia não deixava de ser um produto humano.

Todavia, segundo o autor, a dimensão humana da burocracia estava fatalmente comprometida pelo seu funcionamento técnico. Apesar de a burocracia eficiente ser uma criação humana, o homem rapidamente perdia o seu controlo. O trecho, que passamos a citar, de um discurso proferido por Weber no final da sua vida sugere, que esta criação humana acabaria por revoltar-se e por devorar a humanidade, da qual era produto:

Na atualidade, o cálculo racional está presente em qualquer actividade. Através dele, a actuação de cada trabalhador individual é medida matematicamente, cada homem torna-se uma roda dentada da máquina e, consciente disto, tem por principal desejo vir a tornar-se uma roda dentada maior… é horrível pensar que o mundo poderá, um dia, ser preenchido por estas pequenas rodas dentadas, pequenos homens agarrados a pequenos postos de trabalho e sequiosos dos maiores… esta paixão pela burocracia é suficiente para levar uma pessoa ao desespero.

Na sua análise, Weber quase considera a burocracia como a criação científica que se revoltou contra os seus criadores humanos e que acabou por devorá-los. O cálculo racional tornou-se uma máquina monstruosa. Todos os significados da humanidade, as “relações que nos são importantes pelas suas ligações aos nossos valores” são devorados e desnaturalizados por este triunfo do engenho humano. Apenas sobrevivem “rodas dentadas” num desespero crónico.

No centro desta capacidade modernista encontramos um princípio racionalista unificador, que intervinha na racionalização de diferentes áreas institucionais, como o mercado, a tecnologia, a lei e o Estado, estando presente em vários processos gerais, como a crescente despersonalização das relações sociais _ sobretudo no trabalho _, a crescente importância da especialização na vida moderna e a intelectualização paralela de todos os campos de conhecimento, mais precisamente, da cultura, da ciência e da religião.

A crescente diferenciação das esferas de existência e dos fenómenos nelas ocorridos era o principal mecanismo de transmissão deste princípio. Estas transformações eram atribuídas à modernidade, devido à crescente infiltração do cálculo racional em todas as esferas da vida.

Esta infiltração gerou um fenómeno que Weber designou por “des-encantamento” ou “desencantamento” do mundo. Com estes termos, pretendia o autor dar conta de um processo que arredava o encantamento da vida e da crença quotidianas.

PAPEL DOS QUADROS

Segundo Weber, fora do ciclo dos líderes carismáticos, os “cesaristas”, estes indivíduos eram raríssimos. Recordamos que a maioria dos restantes indivíduos estava aprisionada no colete-de-forças que é, precisamente, o repositório instrumental e obediente da racionalidade. A prisão de muitos, no aparelho organizacional da modernidade, era condição necessária para a racionalidade e para a liberdade de acção de poucos, possibilitadas através da instrumentalidade da burocracia.

Para além de uma prisão, o colete-de-forças também é um princípio. Enquanto princípio, “liberta-nos” para sermos modernos. Isto porque as incertezas da modernidade desencantada só podiam ser combatidas através da intencionalidade e da precisão que caracterizam os objectivos organizacionais. As incertezas já não são explicadas pelo encantado mas invisível, pelo percebido mas desconhecido, pelos controladores mas incontroláveis destinos das divindades, dos demónios e dos diabos _ baluartes das crenças individuais que combatiam as incertezas de uma época encantada. Na visão de Weber, só os falsos profetas poderiam avançar um cenário diferente. O cálculo racional limitaria a incerteza num mundo que em princípio, era controlável.

Apesar de as grandes organizações económicas implicarem o desenvolvimento de uma maior especialização no interior da burocracia, tal não conduziria a um maior individualismo.

Na modernidade, a disciplina racional atravessaria todas as relações de autoridade. O advento do perito profissional restringiria grandemente o desenvolvimento de qualquer tipo de individualismo.

Segundo Weber, os “especialistas sem espírito”, enquanto novo tipo de perito organizacional, constituem, em conjunto com as rodas dentadas burocráticas, a futura trajectória organizacional da modernidade. Os passos a dar eram claros: seriam necessários servos organizacionais encarregues de subordinar a identidade a normas e a funções impessoais e objectivas. O trabalho era a sentença dos prisioneiros de um mecanismo e de uma cadeia de vastos comandos.

Trabalhar significava estar organizado racionalmente, obedecer às prescrições, emitidas do topo para a base, e satisfazer as exigências funcionais de um sistema determinado por normas objectivas e calculáveis, tendo em vista um desempenho óptimo.

No próximo artigo falaremos sobre a reacção pós-moderna que faz apelo ao pluralismo de visões e organizações.

A ORGANIZAÇÃO PÓS-MODERNA

Durante os anos 80 houve uma crescente percepção de que as formas organizacionais que tinham dominado as sociedades modernas desde a segunda metade do século XIX já não eram adequadas para as condições económicas, tecnológicas e sociais existentes nas últimas décadas do século XX.

Especialmente a burocracia racional com ênfase para a disciplina e controlo hierárquicos, e uma divisão altamente especializada da mão de obra, é cada vez mais vista como uma forma organizacional fora de moda e obsoleta para lidar com as pressões e problemas que se apresentam às sociedades do final do século XX.

Em vez disso, estas exigem formas organizacionais que quebrem a lógica de burocratização e a sua vocação intrínseca para o controlo centralizado e processos de trabalho altamente diferenciados. Em vez do ênfase primordial que a racionalidade burocrática dá à hierarquia e especialização, as formas organizacionais “pós-modernas” e “pós-burocráticas” são assumidas como tendo sido fundadas numa lógica de desenvolvimento que empurra na direcção de redes descentralizadas e flexíveis nas quais as tarefas ao nível das lojas e escritórios serão “re-profissionalizadas”.

Uma forma de organização laboral flexível e com base na confiança irá requerer uma força de trabalho altamente especializada que funcione no âmbito de estruturas e práticas administrativas que invertam a tendência “modernista” no sentido de uma maior especialização e intensificação da vigilância e controlo burocrático.


MODERNISMO E PÓS-MODERNISMO

Enquanto que a organização modernista era rígida, a organização pós-moderna é flexível. Enquanto que o consumo modernista era baseado nas formas em massa, o consumo pós-modernista baseia-se em nichos. Enquanto a organização modernista se baseava em determinismo tecnológico, a organização pós-modernista baseia-se em escolhas tecnológicas tornadas possíveis através de equipamento microelectrónico “des-dedicado”. Enquanto a organização modernista e seus empregos eram altamente diferenciados, demarcados e sem necessidade de competências específicas, a organização pós –modernista e seus empregos são des-diferenciados, des-demarcados e exigem competências múltiplas.

As relações de emprego como relações fundamentais das organizações sobre as quais foi construído todo o discurso do determinismo da dimensão como uma variável contingencial, dá cada vez mais lugar a formas de relacionamento mais complexas e fragmentárias, tais como subcontratação e trabalho em redes.

Esta descrição fornece um resumo geral bastante útil das mudanças nas formas organizacionais que se pensava serem mais “características” das sociedades pós-modernas e o conjunto de mudanças económicas, tecnológicas, sociais e culturais interrelacionadas que lhes deram origem.

Estas podem resumir-se como tendo dado origem a uma mudança definitiva da burocracia centralizada que se baseia num controlo disciplinar imposto e rígido e numa especialização pormenorizada relativamente às estruturas de rede baseadas em forças de trabalho com competências múltiplas, divisões informais do trabalho, relações de trabalho de alta confiança, processos de tomada de decisão participativos e tecnologias de informação avançadas. Assim, as estruturas organizacionais que dirigiram o desenvolvimento sócio-económico, político e cultural das sociedades modernas desde meados do século XIX são consideradas como fragmentando-se em várias redes, vagamente mantidas juntas através de fortes culturas e tecnologias de informação, no seio de comunidades locais solidárias ou regiões industriais.

AS GRANDES MUDANÇAS

Foram muitas as mudanças provocadas por esta alteração ou metamorfose da burocracia de metal para uma “rede de ouro”.

Primeiro, a quebra dos mercados de massas implicando o consumo regularizado de bens padronizados e a sua substituição gradual por mercados mais especializados ou “à medida do cliente” exigindo produtos de alta qualidade.

Segundo, o desenvolvimento de tecnologia microelectrónica avançada e os sistemas mais flexíveis e descentralizados de produção e prestação de serviços que isto tornou possível.

Terceiro, o avanço dos processos de trabalho e padrões quebrando a concepção de empregos demarcados e sem exigência de competências e a sua substituição com formas de organização de trabalho “polivalentes” ou com exigência de competências múltiplas.

Quarto, o afastamento de unidades de larga escala empregando grande número de pessoas com contratos permanentes para unidades muito mais pequenas nas quais os subcontratos e redes de trabalho em casa se revestem de grande importância.

O impacto cumulativo destas mudanças parece reflectir-se numa dinâmica subjacente de fragmentação ou “desorganização” que transforma as estruturas hierárquicas e práticas disciplinares típicas da burocracia racional em acordos mais descentralizados, auto-reguladores, difundidos e flexíveis.

As fundações cognitivas e culturais dessas novas formas organizacionais são vistas como sendo muito diferentes daquelas em que a burocracia racional se desenvolveu.

As primeiras apoiam-se em formas de pensar e modos de cálculo que rejeitam o ênfase primordial na eficácia e eficiência a curto prazo enraizadas no próprio tecido institucional das segundas. Em vez de se apoiarem numa forma de racionalidade instrumental ou técnica dedicada à ordem, estabilidade e controlo rígido sobre um ambiente rebelde, as organizações pós-modernas estimulam a proliferação e livre uso de racionalidades discursivas através das quais as múltiplas “realidades organizacionais” são construídas por diferentes grupos.

Isto parece ser muito mais conducente à institucionalização parcial e temporária de formas de pensar e agir – “rotinas” cognitivas e comportamentais – que facilitam um ênfase às considerações de longo prazo que se relacionam com o problema de gerir sistemas de alta complexidade num mundo incerto e ambíguo.

Se as organizações modernas são construídas à volta de uma cultura de repressão e controlo, as suas parceiras pós-modernas são pensadas para gerar uma cultura de expressão e envolvimento na qual a autonomia, a participação e o desacordo são abertamente encorajados.

Neste sentido, as organizações pós-modernas são vistas como dependendo de culturas muito mais “emocionais” no sentido em que elas facilitam o desenvolvimento pessoal dos indivíduos no seio das colectividades baseado na confiança, e o relativamente alto nível de assunção de riscos que isto envolve.

Para além disso, recusam-se a pôr à disposição as rotinas ritualizadas e regras formalizadas que os “burocratas” podem esconder por trás e manipular para reprimir a tensão emocional e o conflito político. De facto, a cultura da organização pós-moderna parece ser tal que celebra, e mesmo se regala, com a dissolução e a morte dos regimes normativos e práticas disciplinares associadas com a burocracia racional.

O NOVO MODELO PÓS-RACIONAL

Este novo modelo reconhece a subjectividade e criatividade negada aos empregados pela organização racional do trabalho.

A pressão da concorrência interna sobre as empresas, a insistência em produtos de qualidade, e a crescente segmentação dos mercados obriga a que as organizações se tornem mais flexíveis do que sob os modelos racionais modernos.

Este novo modelo “pós-racional” de organização constitui um objectivo racionalmente adaptado aos valores da criatividade, auto-expressão e participação apresenta um novo tipo de racionalidade da acção humana com a organização, um modelo que gira à volta da tentativa de enquadrar pessoas, estruturas e criatividade humana.

No final dos anos 80, esta visão do desenvolvimento organizacional pós-moderno tinha-se tornado quase uma nova convenção no campo da análise organizacional que se apresentava sob o título de “Pós-Fordismo” ou “especialização flexível”.

Hoje, grande parte dos sociólogos das organizações concorda que a trajectória do desenvolvimento institucional nas avançadas sociedades industriais ou capitalistas está inexoravelmente a empurrar na direcção de um mundo organizacional “pós-burocrático”.

Este diz-se ser baseado no surgimento de estruturas e práticas organizacionais que quebram com os sistemas altamente centralizados e racionalizados que dominam o crescimento institucional desde o início do século XX para a frente. No seu lugar estes autores antecipam o surgimento de formas organizacionais que significam uma mudança irreversível no sentido de novas formas de organizar que implicam uma “redefinição histórica dos mercados, tecnologias e hierarquias industriais”.

2. DIFERENTES PERSPECTIVAS DA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

O PROBLEMA

A gestão de recursos humanos é, em geral, aceite como um tema central no estudo das organizações. Todavia, o conhecimento disponível acerca da influência das boas ou más práticas de gestão de recursos humanos sobre a produtividade e a eficácia organizacional é muito escasso. A gestão de recursos humanos, pela sua dimensão prática (ciência-prática), lembra frequentemente um receituário de boas práticas. Embora recorra à teoria e ao comportamento organizacionais, a necessidade de resolver problemas muito concretos, amarra-a de tal forma ao quotidiano que apenas sobressaem os aspectos instrumentais de receituário.

Falta realmente um teoria geral explicativa do papel das pessoas na eficácia organizacional e no desempenho das empresas. Em termos científicos, o conceito de gestão de recursos humanos, descendente do conceito de gestão de pessoal está ainda longe de constituir um campo de conhecimento estabilizado e genericamente aceite na literatura científica. Todavia, nem por isso deixa de ser útil.

O facto da gestão de recursos humanos, do ponto de vista teórico, recorrer à teoria e ao comportamento organizacionais acarreta como consequência que se possa estabelecer diferenças significativas entre os diversos autores que têm abordado este tema. Confrontamo-nos com a existência de uma multiplicidade de abordagens teóricas que resultam da adopção de diferentes abordagens científicas e também do tipo de abordagem ao tema feita pelos autores.

Na gestão de recursos humanos encontramos conceituações psicológicas, sociológicas, económicas, jurídicas e até oriundas da ciência política o que lhe confere um carácter ecléctico, não dispondo, deste modo, de uma base de conhecimentos muito consistente. Todavia, este eclectismo não enfraquece a sua posição actual onde todos, em geral reconhecem à gestão de recursos humanos um papel estratégico. Este eclectismo, fica-se a dever, do meu ponto de vista, ao caráter extremamente variado e complexo dos problemas que constituem a agenda de investigação e de trabalho do pesquisador e do gestor de recursos humanos.

Por outro lado, há autores que encaram a gestão de recursos humanos pelo lado micro (tendo por base a análise do comportamento individual), meso e marco ( acentua a importância do todo organizacional) e, naturalmente, este enfoque não deixa de pesar no resultado final.

TRÊS TENDÊNCIAS

Deste ponto de vista parece que há fundamentalmente três tendências atualmente: Mudança do nível mico para o macro; tendência para abranger novas dimensões; tendência para produzir uma ciência prática com investigação útil.

Com a mudança de enfoque do nível micro para o macro acentua-se a integração funcional da gestão de recursos humanos e a sua natureza sistémica de um sistema geral integrado noutro mais vasto. Esta mudança de centro de atenção permite explicar a relação entre as características organizacionais e as práticas de gestão, com recursos a dados qualitativos e quantitativos. Assim, tem surgido diversos estudos acerca do impacto das diversas técnicas de gestão de recursos humanos sobre o desempenho global da organização.

O alargamento das dimensões associa-se á importância crescente do papel estratégico da gestão de recursos humanos e da cultura organizacional. Com este alargamento, as políticas de gestão de recursos humanos encontram-se integradas na estratégia geral da organização e a gestão de recursos humanos é avaliada pelo contributo que tenha dado para o sucesso da estratégia da organização.

A terceira tendência baseia-se no pressuposto de que a ciência e a prática da gestão de recursos humanos devem ser analisadas em conjunto, por forma a que haja uma integração efectiva entre teoria, acção e investigação.

As três tendências marcam a natureza da gestão de recursos humanos. É que a gestão de recursos humanos situa-se no espaço criado entre a organização, entendida como um processo tendencialmente harmónico e consensual e as relações potencialmente conflituosas entre grupos de actores sociais. Esta contradição pressiona a resolução de conflitos de interesses, percepcionados como disfuncionais pelos actores.

Deste ponto de vista, as diversas técnicas de gestão de recursos humanos visam assegurar que, a conformidade das pessoas aos objectivos considerados legítimos da organização. Todavia, as divergências de perspectiva e de actuação não é meramente um fenómeno passageiro, mas permanente e irredutível dos processos organizacionais, nenhuma das técnicas por si só assegura a estabilização almejada.

A estabilidade é sempre provisória, resultando do equilíbrio instável de forças entre os diferentes grupos e do impacto do contexto mais geral na organização, nomeadamente cultural, político, social e económico. É, do meu ponto de vista, na manutenção de um equilíbrio instável e precário que a função recursos humanos tem procurado cimentar a sua legitimidade e a demonstração da sua importância organizacional.

A gestão de recursos humanos encontra-se, assim, dependente de processo imprevisíveis e impossíveis de estabilizar de forma definitiva, sendo a sua dimensão política tão importante como a sua competência técnica.

Pelo que fica dito, pode-se concluir que a gestão de recursos humanos não pode ser entregue a penas aos profissionais desta área. Todo o gestor é também gestor de recursos humanos e, em face disto, o que o profissional da área tem a fazer é ser o consultor deste gestor operacional seu colega. É que a gestão de recursos humanos lida com a intervenção no processo político organizacional, com os fundamentos da própria organização, a sua raiz. Deste modo, a dimensão técnica da gestão de recursos humanos fundamenta-se numa dimensão política.

3. NOVAS DIMENSÕES DA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS
O PASSADO
O gestor de recursos humanos é cada vez mais chamado a intervir em áreas organizacionais que até aos anos setenta lhe estavam vedadas. Até, então, dificilmente um gestor de recursos humanos teria hipótese de vir a desempenhar a função de topo de qualquer organização. A gestão de recursos humanos era encarada como algo acessório às práticas e aos processos de gestão.

A gestão de recursos humanos era vista como um custo o que equivalia a entender as pessoas como um meio – a mão-de-obra – que importa ser gerido ao mais baixo custo e com o máximo rendimento. Nesta fase, a gestão de recursos humanos foi designada por gestão de pessoal. A definição e as práticas de gestão de recursos humanos estavam marcadas pelos aspectos jurídico-administrativos. Por isso, durante décadas o perfil de formação do director de pessoal era o militar ou o jurista.

O PRESENTE

Atualmente, os recursos humanos constituem o recursos estratégico das organizações, dada a sua criatividade, inovação e ao potencial que representam, características que assinalam a diferença em face de outros recursos organizacionais como, por exemplo, o capital. Esta características colocam os recursos humanos como um activo organizacional que como tal necessita de ser valorizado através de investimento em formação.

O fato das pessoas estarem a ser vistas, progressivamente, como a vantagem competitiva das organizações obriga a que a gestão de recursos humanos seja chamada a ter um papel activo sobre áreas da gestão onde nunca tinha penetrado. O gestor de recursos humanos ao ter como competência nova a gestão do simbólico e do intangível – a cultura -, passou a ser mais solicitado a intervir na gestão estratégica, nomeadamente ao nível das políticas e filosofia de gestão.

As questões ligadas à competitividade estão a influenciar de forma intensa a operacionalização das práticas de gestão de recursos humanos que vêm progressivamente incluindo nos seus modelos as componentes estratégica e cultural dos recursos humanos.

A gestão de recursos humanos no essencial ainda hoje integra as seguintes técnicas: recrutamento e seleção, formação e desenvolvimento, gestão do sistema de recompensas, relações de trabalho, higiene e segurança, análise de funções, a gestão do desempenho, planeamento e gestão de carreiras, a comunicação interna, a gestão administrativa.

O FUTURO

A abordagem sistémica é, do meu ponto de vista, a base para o desenvolvimento da gestão de recursos humanos. É, de facto, no contexto da metáfora orgânica que a gestão de recursos humanos ganhou a projecção que actualmente desfruta. A gestão de recursos humanos é encarada como um sistema global, fazendo parte de um sistema mais amplo, no qual a envolvente, a estratégia e a cultura organizacionais constituem os principais condicionantes ao seu futuro.

As dimensões que tenderão a integrar a gestão de recursos humanos serão as seguintes:
O mercado interno de emprego. Enquadra as ações de planeamento qualitativo e quantitativo de recursos humanos, a gestão de carreira, a gestão e avaliação de desempenho, os perfis profissionais e a análise e descrição de funções, e negociação colectiva
Estratégia de gestão de recursos humanos. Integra-se neste ponto a gestão das pessoas como fator estratégico de competitividade. Assim ações destinadas à comunicação interna, gestão da cultura organizacional, a construção de organizações que aprendem, entre outras, têm aqui a sua expressão.
Formação e desenvolvimento. A valorização das pessoas através da formação, a formação vista como um investimento e não um custo, a implicação entre formação e produtividade têm todo o cabimento nesta dimensão
Manutenção de recursos humanos. Política salarial, benefícios ação social. Higiene e segurança entre outras técnicas de gestão de recursos humanos destinadas a manter o efetivo associam-se nesta dimensão.

A ênfase colocada nas novas dimensões da gestão de recursos humanos, parece-me que se fica a dever fundamentalmente a três fatores:

Fator social. A gestão do emprego, na perspectiva das teorias institucionalistas, representa um fator de elevado peso para o funcionamento social, nas dimensões individual e relacional.

Fator político. A conflitualidade entre patrões e empregados, embora se tenha alterado com a sociedade da informação e do conhecimento, nem por isso deixou de existir. Ela apresenta novas características, exigindo a revisão de posturas de parte a parte.

Cultura organizacional. Este é cada vez mais crítico em ambientes de feroz competição, em que as empresas se diferenciam pelo “modo como se fazem as coisas aqui”.

Há um fator que, embora já hoje possua certo peso, este tenderá a aumentar substancialmente no futuro próximo. Por um lado, trata-se da dimensão internacionalização da gestão de recursos humanos. Esta começa a ser reconhecida em ambientes de organizações internacionais, como o factor determinante do sucesso ou insucesso das actividades.

Por outro lado, o fator internacionalização leva a colocar a questão da existência de um modelo americano e europeu continental de gestão de recursos humanos. As poucas investigações empíricas sobre este ponto indicam que as práticas de gestão de recursos humanos apresentam acentuadas diferenças entre a Europa e os Estados Unidos da América. Há problemas de diferenças culturais que, não sei até que ponto, os contatos de cultura em presença não esbaterão a ritmo acelerado.

Todavia, não deixo de reconhecer que, em particular, as relações de trabalho possuem ainda um caráter local, na medida em que são definidas dentro de quadros culturais demarcados que determinam o que se designa por contratos sociais, ou seja, consensos básicos sobre o que constitui uma relação de trabalho e sobre as obrigações mútuas do contrato. Estes consensos abrangem noções culturais que condicional as práticas aceitáveis na gestão de recursos humanos e consequentemente podem impedir a aceleração da globalização de um modelo único de gestão de recursos humanos.
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