domingo, 6 de setembro de 2009

A GESTÃO MODERNA E SEUS GURÚS

PETER DRUCKER desenhou, no final dos anos 40, a doutrina da gestão contra a opinião dominante dos czares empresariais, que a encaravam como o dom de um príncipe, e disso gostariam de fazer coutada. Uma trilogia de livros marca a primeira grande "fractura" na literatura de gestão: Concept of Corporation (1946), The New Society (1951) - aqui revela-se a faceta de observador da sociedade que "lê" as grandes viragens - e The Practice of Management (1954), a bíblia de todos os tempos.

A guinada foi tão forte que Drucker pode bem ser alcunhado "Dr. Management", como Jack Beatty, um senior da revista americana The Atlantic Monthly, vai intitular um próximo livro. Embrulhado na investigação que tem em curso, Beatty resumiu-nos assim o peso histórico do seu personagem: "A ideia mais importante de Peter foi a sua impressionante concepção do management. Foi o primeiro a dar uma visão completíssima da gestão. Ele deu dignidade a uma profissão e convenceu-nos de que estavamos diante do orgão central da nossa sociedade. Alguém disse que se a Natureza se esquecesse de si própria algum dia, poderia reencontrar-se em Shakespeare, tal como a gestão o poderá fazer em Drucker".

DRUCKER, O PAI DA GESTÃO

UM NOVO CONTINENTE DOUTRINÁRIO

Muita gente já o tentara fazer. Um prático como Chester Barnard listara uns anos antes as funções do "executivo" (um nome que pegou e ganhou «status») e James Burnham cunhara a "revolução da gestão" e reclamara para o gestor o papel liderante na sociedade capitalista. Mas ninguém como Drucker fez a dupla proeza de criar "um novo continente", como chama Beatty à disciplina da gestão, e de dar solidez ideológica à profissionalização da nova carreira emergente, a de gestor.

Foi, também, um observador atento da sociedade, que via nascer o que o economista Paul Romer recentemente denominou de "Era do transistor", o berço de uma novissima indústria e de um novo paradigma tecno-industrial. Neste cadinho, a primeira revolução da gestão amadurecia. Alfred Chandler escrevia, já nos anos 60, Strategy and Structure, um dos livros marcantes deste meio século, e uma vaga de heréticos revoltava-se contra o dogma dos números e reorientava a gestão para as pessoas.

Um dos livros mais emblemáticos dessa "humanização" foi precisamente The Humam Side of the Enterprise, de Douglas McGregor. Mas muitas das experiências desta escola das relações humanas eram ilhas isoladas e inclusive eram mantidas secretas. Outros, trilhavam o caminho do cliente. O movimento da Qualidade e o marketing emergiam, mas o primeiro, com os trabalhos de Deming e Juran, só seria ouvido no Japão. A história destes tempos dificeis dos heréticos é contada magistralmente pelo reporter e escritor Art Kleiner no seu recente e propositadamente intitulado The Age of Heretics.
Os tempos heróicos dos heréticos
A história do movimento de "humanização" da empresa e da cultura da "mudança de paradigma" é magistralmente contada por Art Kleiner em The Age of Heretics, cujo embrião de álbum de momentos e personagens históricas pode ser consultado em www.well.com/user/art/photo.html.

Mas aproximavam-se aceleradamente novos tempos. E o prestígio de Drucker voltou a não ser abalado. Diz Gary Hamel a propósito: "Tente lembrar-se de alguma coisa «nova», que Peter Drucker não o tenha já dito pela primeira vez e bem". De facto, voltamos a encontrá-lo no período da "grande fractura histórica", como ele, anos mais tarde, lhe chamaria. Em The Age of Discontinuity (1969), Drucker anteviu as novas regras do jogo. Os anos 70 chegavam em força com o fim do padrão ouro e a emergência do padrão informação, com a mediática crise do petróleo, o fabrico do primeiro microprocessador e a revolução dos computadores pessoais. Drucker cunhou o termo "economia do saber", algo que só hoje começamos a perceber, quase trinta anos depois.

O CULTO DA MUDANÇA DE PARADIGMA

Não esteve só obviamente. Mas, na gestão, marcou este novo ponto de inflexão. A nova época veria desenvolver-se o culto da "mudança de paradigma" e de "pensar o impensável", com os futuristas, como Herman Kahn, Alvin Toffler (O Choque do Futuro sai em 1970), Willis Herman, Jay Forrester e o casal Meadows (do relatório Os Limites ao Crescimento) e os arautos da sociedade pós-industrial, como Daniel Bell. Nasciam também os planejadores de cenários. O caso do grupo pioneiro Royal Dutch/Shell consagraria o novo método dos cenários, ao ter antevisto um similar ao da crise do petróleo.

Novos personagens começavam, entretanto, a dar o jogo. Kenichi Ohmae, no Japão, escrevia, em 1975, o livro que, anos mais tarde, seria traduzido na América com o título The Mind of the Strategist. O modelo japonês emergia e subitamente atraía os ensonados ocidentais no começo dos anos 80. Os livros sobre a gestão japonesa sucederam-se, depois, na América - com William Ouchi (o célebre Theory Z) e com Pascale e Athos. O movimento da Qualidade, teorizado nos anos 50 por americanos, era reexportado do Japão. Deming e Juran voltavam em glória à América e à Europa.

Mas apesar do "choque" japonês, a gestão continuava muito insípida, entregue, em geral, a académicos chatos e a consultores repetindo matrizes para entendidos. O furacão que viria abalar a gestão tem o nome de uma dupla: Tom Peters e Robert Waterman. Estes dois homens da nomeclatura da consultoria (eram da McKinsey) fizeram o pino e produziram em 1982 o livro de gestão mais vendido até hoje - Na Senda da Excelência. Um acidente de carro empurrara Tom Peters para a cama e obrigou-o à escrita daquilo que ele e Bob, atónitos, tinham visto no terreno em empresas com sucesso fora do Japão - e que nada tinha a ver com o convencional.

A INDUSTRIA DE GURÚS FAZ SEU APARECIMENTO

Muita gente discorda se este livro marcou ou não uma "fractura" histórica na doutrina da gestão. Gary Hamel disse-nos peremptóriamente que não. Mas um facto indiscutível é que marcou um ponto de inflexão na popularização da gestão. John Kao sublinhou que "o livro talvez tenha marcado uma ruptura no sentido de que os livros de gestão, a partir daí, passaram a atingir rapidamente a posição de best-sellers", fizeram despoletar o negócio editorial de gestão. E pela força da popularização, os livros passaram a mudar as coisas. As ideias que veiculavam alteravam a ideologia e o comportamento da massa dos gestores, nem sempre familiarizados com os «papers» dos académicos.
Quem acentua com força esta viragem é Stuart Crainer, um jornalista e escritor inglês, que acabou de publicar The Ultimate Business Library - uma recolha dos 50 livros de gestão mais importantes de sempre. Ele sublinhou-nos a propósito: "Na Senda da Excelência não desencadeou uma revolução, mas criou literalmente a indústria dos gurus. Mostrou que há um mercado de massa para as ideias de gestão". Tom Peters foi, indiscutivelmente, quem melhor percebeu a oportunidade - ele tem sido o guru dos gurus. Crainer vai dedicar-lhe uma biografia.
No entanto, como nos refere Art Kleiner, o autor de The Age of Heretics, o livro teve também o mérito de fechar com êxito um ciclo de trinta e cinco anos de heresias, praticadas em minoria e à sucapa - "trouxe a heresia para o centro do palco". Ter sido herético rendeu, foi o juízo da história.
Os anos 80, depois, abalaram a modorra do mercado literário de gestão. Entre as muitas obras, Gary Hamel salientou-nos Competitive Strategy, de Michael Porter, que lançaria para a ribalta a competitividade, palavra que ganharia estatuto de ideologia e quase fé nos anos 90, depois da obra monumental do autor A Vantagem Competitiva das Nações, por Stuart Crainer considerada "a obra académica mais ambiciosa dos últimos tempos", o que projecta o "professor competitividade" como o académico de maior nomeada da actualidade. Com os trabalhos iniciais de Porter é indiscutível que a estratégia começa, finalmente, a ganhar foros de cidadania e a autonomizar-se no corpo da gestão.

AS DUAS PERENTROIKAS - NA POLÍTICA E NA GESTÃO

Com a Perestroika o mundo mudou de um dia para o outro. O primeiro a cheirar as novas realidades foi de novo Drucker com um artigo na Harvard Business Review (HBR) no próprio ano de 1988 sobre o tipo de organização empresarial que emergia e com outro livro-chave em 1989 (precisamente intitulado The New Realities). O tema seria retomado magistralmente em A Sociedade Pós-Capitalista (em 1993). Nascia uma «prestroika» de ideias e de comportamentos também no management.
O ano de 1990 viu irromper uma série de artigos na HBR que podem ser considerados "revolucionários": Michael Hammer lança o slogan da reengenharia, Gary Hamel e C.K.Prahalad falam das competências distintivas. Tom Peters volta a chocar o mundo com Liberation Management, mais um livro provocador. Estes autores têm produzido obras marcantes desde aí e outros se lhe têm juntado dentro da mesma linha, como John Kao, o Sr. Criatividade, Charles Handy, a quem chamam o "Drucker europeu", ou Porter com o último artigo na HBR (O que é a estratégia?). A reengenharia, entretanto, parece ter sido vítima do próprio «downsizing» a que muita gente a colou e Hammer, provavelmente, perdeu a oportunidade de destronar Peters como guru dos gurus.
Há, no entanto, uma dupla subversão que sai de todas estas obras dos anos 90: a gestão tem de deixar de ser uma coutada de uma nomenklatura e a organização tem de superar de uma vez por todas os moldes tradicionais, herdados ainda de Taylor (a tarefa), Max Weber (a burocracia), Fayol (os silos funcionais) e Sloan (os departamentos). Inclusive, o Estado não pode ficar de fora desta barrela - é o que vieram dizer Ted Gaebler e David Osborbe em Reinventing Government.
Prefigura-se, assim, um novo ponto de inflexão. Hamel já fez o elogio da estratégia como revolução - o artigo, com esse título, que escreveu no ano passado na HBR foi premiado como o melhor artigo de 1996. Abrem-se as portas a uma segunda revolução na gestão, como já a alcunhou James Champy, o outro fundador da reengenharia.
*Com a colaboração de Jaime Fidalgo Cardoso, editor da revista Executive Digest, e com base num proveitoso debate on line com Art Kleiner e Stuart Crainer

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