EXCLUDENTES DE ILICITUDE:JURISPRUDÊNCIA E CASOS PRÁTICOS
Prof. Esp. Alcenisio Técio
Leite de Sá
1. INTRODUÇÃO AOS EXCLUDENTES DE ILICITUDE
Dentre as diversas
definições de crime, a mais significante define crime com um fato típico
antijurídico e culpável. As descrição das condutas consideradas crimes são
dadas pelo Direito
Penal, e o procedimento voltado para averiguação da existência e
autoria de um crime é dado pelo Processo Penal.
Assim, a primeira
coisa a se averiguar é a tipicidade da
conduta, que consiste na adequação da conduta ao tipo penal, se a conduta se
encaixar no tipo penal descrito, temos um fato típico. Só depois de configurada
a tipicidade passa-se averiguar a Ilicitude, assim sendo, se uma conduta é
considerada atípica nunca será ilícita. Só haverá crime se a conduta além de
típica for ilícita e culpável.
Ilicitude é a
contradição entre a conduta praticada pelo agente e o ordenamento jurídico,
note-se que a ilicitude é mais ampla que a tipicidade, pois já sendo verificado
que a conduta corresponde ao tipo penal na tipicidade, na ilicitude se averigua
se mesmo sendo típica, não estaria aquela conduta autorizada por outras normas
do sistema jurídico. As normas autorizadoras são chamadas excludentes de
ilicitude.
É certo que o fato
típico sempre tem um caráter indiciário de ilicitude, conduto, havendo a
presença de alguma causa excludente de ilicitude, não haverá crime. Partindo
deste pressuposto, como todo fato típico em princípio também é ilícito, o ônus
de provar a existência de excludente de ilicitude fica a cargo da defesa,
bastando à acusação provar a tipicidade que já traz implicitamente a ilicitude.
Pode-se ainda, fazer
distinção entre antijuridicidade e ilicitude, enquanto a maioria utiliza tais
expressões como sinônimas, uma vez que antijuridicidade corresponderia à ato
contrário ao direito e poderia ser graduada, enquanto ilicitude seria o ato
contrário à lei não aceitando graduação, de maneira que uma conduta acobertada
por excludente de ilicitude seria ilícita, mas não antijurídica. Tão pouco se
pode confundir ilicitude com injustiça, pois são conceitos e valores distintos.
Parte da doutrina
defende que do mesmo jeito que o tipo penal que que descreve a conduta do
crime, deve respeitar a legalidade estrita, as excludentes de ilicitude
submetem-se ao mesmo princípio. Embora haja outra parte que defender que
existem causas supra legais que também são capazes de excluir a ilicitude da
conduta.
São
quatro as causas legais, quais sejam: a) legítima defesa; b) estado de
necessidade; c) estrito cumprimento do dever legal e d) o exercício
regular de direito.
Vale ressaltar que a
inexigibilidade de conduta diversa, configura causa excludente de culpabilidade
e não de ilicitude.
2 CAUSAS SUPRA LEGAIS
Causas supra legais
são aquelas que apesar de não previstas na lei, posto que o legislador não pode
prever todos os casos, de qualquer forma justificam a conduta que se encaixa no
enquadramento legal como fato típico, a ponto de não serem consideradas crime.
Vez que seria desproporcional e até extremamente injusto punir tais condutas
havendo justificativa plausível.
Há discussão
doutrinária a respeito de se tais condutas configurariam excludentes de
ilicitude supralegais (Bitencourt, Delmanto), ou se ante a teoria
constitucional do fato punível (Luiz Flávio Gomes), as excludentes de ilicitude
devem também respeitar a regra da legalidade estrita, de maneira que tais
justificativas tornariam a conduta atípica, pois seriam formalmente típica, uma
vez que se enquadram na previsão legal, mas materialmente atípicas pois
justificáveis.
Ex: agente que fura
a orelha de outro para colocar um brinco. Pessoa pobre que constrói casa em
local irregular de preservação e por isso comete crime ambiental.
Na prática, ante a
presença de tais causas não haverá crime, existindo precedentes neste sentido,
conforme:
Quesitos – Juri: “é obrigatória a formulação aos jurados das teses
sustentadas pela defesa, mesmo quando invocada causa supralegal de exclusão de
culpabilidade que, é cediço, não se encontra agasalhada, de forma expressa, no
ordenamento jurídico vigente, sob pena de cerceamento de defesa.” (TJMG, Ap.
1.0000.00.254046-6/000 (1), Rel. Reynaldo Ximenes Carneiro, j. 29.08.2002)
Pessoa miserável: “pessoa miserável
que, sem recursos para sua mantença e muito menos para locação de imóvel de
forma a que tivesse condições de conforto e higiene adequadas, constrói barraco
em local de preservação ecológica, sem autorização da autoridade competente.
Acusação por crimes
ambientais de poluição pelo esgoto e de construção irregular
(art. 54, § 2º, V e art. 64 da Lei nº. 9.605/98), restando absorvido aquele
por este pela inexistência da existência de rede de esgoto doméstico no local.
Condenação em primeiro grau. Não se aplicando à hipótese o estado de
necessidade, que tem requisitos específicos, é de se invocar a existência de
causa supralegal de exclusão de ilicitude, já ensinada por Bettiol.
Responsabilizar-se penalmente quem, numa situação de penúria, procura construir
habitáculo para resguardo da família, parece injusto e se trata efetivamente de
problema de ordem
social que não encontra respaldo no devido amparo da autoridade
pública. Não que com isso se justifique invasões organizadas e promovidas de
modo a atentar contra a ordem estabelecida. No caso presente, a mera
providência administrativa e civil eram suficientes, com a desocupação da
área.” (TJSP, 5ª C., Rel. Des. José Damião Pinheiro Machado Cogan, RT 835/545)
2.1. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO
Outra justificativa
supra legal seria o consentimento do ofendido, sendo que as consequências podem
ser diferentes de acordo com a natureza do crime e suas elementares, bem como
dependendo do bem jurídico protegido.
É irrelevante em alguns casos ante a grande
relevância e indisponibilidade do bem jurídico tutelado. Ex: homicídio (vida)
Exclui a tipicidade, nos crimes em que a conduta depende
da discordância do ofendido, como é o caso dos delitos patrimoniais. Ex: furto,
invasão de domicílio, violação de correspondência, violação de segredo.
Exclui a antijuridicidade, quando não houver relevância para o
tipo penal a aquiescência ou não da vítima, mas servir como justificadora da
conduta, como nos crimes de dano ou de cárcere privado.
Exclui a culpabilidade, quando a vítima consente tacitamente,
pela não permissão para que se inicie o processo penal nos casos de ação penal
condicionada ou não ingressando com a queixa crime no caso das ações penais
privadas.
2.2. CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS
Conforme art. 41 do
CPP: “A
denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se
possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das
testemunhas”
Assim, se a conduta
estiver acobertada por excludentes de ilicitude, não haverá crime, podendo o
Ministério Público pedir o arquivamento do inquérito sem oferecer denúncia. Se
apresentada a denúncia, e o juiz desde logo inaldita altera pars,
se convencer de que há manifesta causa excludente de ilicitude, deverá rejeitar
a denúncia por ausência de condição da ação (art. 395, II CPP) e mesmo
recebendo a denúncia e determinando a citação do réu (art. 396-A, CPP) se após
a resposta, se convencer da manifesta existência de excludente de ilicitude,
deve absolver o réu sumariamente, rejeitando a denúncia (art. 397, II, CPP).
Ademais, cabe
observar que a excludente de ilicitude nestes caos deve ser manifesta, caso
haja dúvida, dever vigorar o princípio in dubio pro societatis, seguindo-se no
processo com a instrução até a sentença onde haverá cognição exauriente dos
fatos, podendo haver na sentença o reconhecimento da existência da causa
excludente de ilicitude com a absolvição do réu (art , 386, VI, CPP).
3. ESTADO DE NECESSIDADE
O estado de
necessidade consiste no sacrifício de um bem jurídico em detrimento de outro
bem jurídico, cuja perda não era razoável em relação ao segundo, pelo agente
que não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo e o qual,
também não pode ter provocado a situação de perigo por sua vontade.
O Estado de
Necessidade implica em que para a preservação de um bem jurídico tido como
maior é necessária depreciação de outro bem jurídico, tido como menor. De modo
a tornar justificável tal sacrifício.
O Código Penal adota
a teoria unitária, onde o sacrifício feito é razoável ou não, sem necessidade de
comparação detalhada dos valores dos bens, de maneira que ou o sacrifício feito
é razoável, de acordo com o homem médio, onde estaremos diante de um estado de
necessidade, não havendo ilicitude ou o sacrifício não é razoável e estaremos
diante de um crime, que neste caso terá uma causa de redução de pena, sendo o
agente beneficiado apenas com a redução 1/3 a 2/3 na pena (art. 24, § 2º).
Já o Código Penal
Militar (arts. 39 e 43) adota a teoria da diferenciação, onde deve ser feita
uma ponderação entre os valores dos bens e deveres em conflito, de maneira que
o estado de necessidade só será considerado causa de exclusão de ilicitude,
quando o bem sacrificado depois de tal ponderação for reputado de menor valor.
Existe, ainda, a
teoria da equidade (Kant), que aduz que mesmo sendo justificável o sacrifício o
fato continuaria a ser antijurídico, constituindo crime, mas não seria punido,
apenas por questão de equidade e política penal.
3.1. REQUISITOS
3.1.1 – Situação de Perigo
a) Perigo atual: O perigo deve estar ocorrendo, sendo atual, e o dano deve
estar iminente, diferente da legítima defesa que e admite um perigo iminente,
ou seja aquele que ainda não aconteceu, mas que pode acontecer a qualquer
momento.
b) O perigo deve ameaçar direito próprio ou alheio: o direito aqui
seria qualquer bem ainda tutelado pelo ordenamento jurídico, de maneira que um
condenado à morte não poderia alegar estado de necessidade contra o carrasco. E
quanto ao direito de terceiro não é preciso a autorização do terceiro, basta
que seja razoável a conduta.
c) O perigo não pode ter sido causado voluntariamente pelo
agente: Há divergência neste ponto, (Damásio de Jesus) entende que
o perigo causado culposamente, autoriza o reconhecimento de estado de
necessidade ao agente. Ao passo que (Assis Toledo, Nelson Hungria e José
Frederico Marques) defendem que o perigo causado por culpa ou por dolo não
autorizam o reconhecimento de estado de necessidade.
d) Inexistência do dever legal do agente de enfrentar o perigo: pois quem tem
o dever legal de agir (art 13, CP) deve tentar salvar o bem sem sacrificar
nenhum outro, o que não significa que o agente não possa se recusar a salvar o
bem quando for impossível salvar o bem e o risco for inútil.
3.1.2. Conduta Lesiva
a) Inevitabilidade do comportamento: somente será
aceito o sacrifício se não houver outro meio de salvar o bem posto em perigo,
devendo o comodus dicessus ser evitado. Ou
seja, se puder evitar-se o perecimento do bem sacrificado não haverá estado de
necessidade, nestes casos a fuga é preferível ao sacrifício do bem, da mesma
maneira que se inevitável, a lesão ao bem sacrificado deve ser a menor
possível, do contrário haverá excesso
b) Razoabilidade do sacrifício: a
razoabilidade deve levar em conta o homem comum e não o valor do bem, pois
ninguém está obrigado a andar por ai com calculadoras e tabelas para avaliar os
valores dos bens jurídicos. Salvo tratando-se do Código Penal Militar onde o
valor do bem sacrificado deve ser objetivamente menor do que o do bem salvo,
sendo conditio
sine qua non para o reconhecimento do estado de necessidade
c) Conhecimento da situação justificante: segunda a
teoria finalista, só haverá estado de necessidade se o agente tiver
conhecimento real da situação de perigo.
3.2. CLASSIFICAÇÕES
a) Quanto à titularidade do interesse protegido: próprio ou de
terceiro
b) Quanto ao aspecto subjetivo do agente: real ou
putativo
c) Quanto ao terceiro que sofre a ofensa: defensivo (agressão
contra o provocador dos fatos) ou agressivo (destrói bem de terceiro inocente)
3.3. JURISPRUDÊNCIA E EXEMPLOS
Passamos a citar
alguns exemplos retirados de doutrinas diversas e da jurisprudência, com o
entendimento prático do que pode configurar ou não a excludente:
Crimes habituais, permanentes e reiteração criminosa: nestes casos não há
estado de necessidade, pois não há atualidade no perigo, embora se admitida
excepcionalmente. Ex: exercício ilegal da medicina, salvo se estiver numa ilha
deserta estando lá por desastre.
Dificuldades Econômicas e furto famélico: de regra não
caracteriza estado de necessidade, senão legitimaria todos os crimes das
camadas mais pobres da população, só uma situação extrema autorizaria a conduta
típica, em casos extremos com atualidade real do perigo demonstrada. A
jurisprudência entende que se o agente podia pedir auxilio econômico para
parentes já seria o bastante para não configuração da excludente, falta de
dinheiro para cirurgia também não configura. O furto famélico existe na
jurisprudência em casos extremos, sendo o crime de roubo, pela violência incompatível com a
excludente de ilicitude.
“Não cabe
reconhecimento de estado de necessidade se o agente, podendo subtrair gêneros
alimentícios de primeira necessidade, opta por bebidas e guloseimas” (TJRS, Ap.
70000864828, Rel. Tupinambá Pinto Azevedo, j. 17.5.2000)
Porte de arma: não basta o agente
alegar que passa por locais perigosos, para justificar o porte de arma,
pois poderia a qualquer momento pedir a concessão administrativa para tanto.
Admissível o porte ilegal, apenas havendo agressão imediata à pessoa que porta
a arma sem permissão ou que haja invasão à sua casa.
Maus tratos: não configura crime de exercício arbitrário das
próprias razões (art. 345) o pai que exercendo o seu direito de visita, retira
seus filhos do poder de sua ex-companheira e não os devolve justificando sua
atitude diante da constatação de maus-tratos por ela impingidos aos menores,
tendo, em seguida, ingressado com ação de modificação de guarda (TACrSP, Ap.
1.391.887/4, j. 1.3.2004, in Bol. IBCCr 141/824)
Direção perigosa: “motorista que, para evitar sua morte quase certa
pelo choque de seu veículo com uma jamanta que invadira sua meia pista, devia-o
para o acostamento, atropelando um ciclista. Estado de necessidade
caracterizado” (RT 560/362)
Motorista não habilitado: “Pai que se utilizou do carro à
noite para adquirir medicamento para filho enfermo. Estado de necessidade.
Absolvição” (RT 603/354, 725/593)
Acusado que
sentindo-se indisposto, entrega a direção do veículo ao filho sem habilitação
legal. Estado de necessidade. (RT 561/404)
Jogo do bicho: “estado de necessidade reconhecido. Acusada cujo
marido vive de “biscates”, que é mãe de numerosa prole e que auxilia na
manutenção da família praticando aquela infração. Absolvição decretada.” (RT
649/290)
4. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL
Tal excludente trata
do agente que cumpre seu dever nos limites estritos autorizados e controlados
pela lei. Por tais atos, que são obrigações legais do agente não poderia ele,
ao mesmo tempo, estar praticando ilícitos penais. Consiste na realização de um
fato típico por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei, afinal, o
que uma lei autoriza ser feito, não pode ser proibido como crime por outra.
Dever legal: consiste em qualquer obrigação direta ou indiretamente derivada
de lei. Pode, portanto, constar de decreto, regulamento ou qualquer ato
administrativo infralegal, desde que originário de lei. Vale notar que tais
atos devem ter caráter geral, pois se forem endereçados diretamente a um agente
subordinado, estaremos diante de obediência hierárquica.
O cumprimento: deve se dar estritamente dentro da lei,
se houve excesso haverá ilicitude, podendo configurar abuso de autoridade ou
outros delitos.
Função Pública: geralmente o beneficiado é agente ou
funcionário público, mas nada impede que seja particular, desde que esteja
exercendo função pública.
Coautores: em regra a excludente beneficia a todos os coautores ou
partícipes, contudo, segundo como defende (Fernando Capez), se houver
desconhecimento pelo partícipe do dever legal do agente público, com o dolo de
cometer o delito pelo coautor, deve responder pelo crime.
Não é admissível em
crimes culposos, pois a lei que autoriza o ato não pode admitir imperícia,
negligência ou imprudência, contudo, eventualmente tal ato pode configurar
estado de necessidade como, por exemplo, no caso de motorista de ambulância ou
viatura que causa acidente indo atender uma ocorrência.
Para a teoria
finalista, tal excludente só é aplicável se o agente público tem conhecimento
de que está agindo acobertado por dever legal e não com o dolo de cometer o
crime.
4.1. JURISPRUDÊNCIA E EXEMPLOS
Passamos a citar
alguns exemplos retirados de doutrinas diversas e da jurisprudência, com o
entendimento prático do que pode configurar ou não a excludente:
Crimes culposos: “o estrito cumprimento do dever legal é incompatível
com os delitos culposos.” (TACrSP, RT516/346)
Advogados: “estrito
cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito. Inocorrência.
Causídico que, através de petição, assaca ofensas caluniosas contra o
magistrado da causa. Poderes do profissional do Direito na sua esfera de
atuação que não são absolutos e incontestáveis. Punibilidade de eventuais
excessos e abusos.” (RT 797/559)
Policial militar: “que, para evitar suposta agressão a seu colega de
serviço por indivíduo que julgava ser bandido perigoso, nele atira por não
atender à ordem de parar” (RT 573/420)
“Policiais que
revidam a tiros a reação de marginais, matando um deles, quando cumpriam suas
funções.” (RT 473/368, 506/366, 508/398, 519/400, 580/447)
Calúnia: “Testemunha sob compromisso. Narrativa dos fatos
pertinentes à causa. Atribuição de fato criminosos a outrem. Atuação no estrito
cumprimento do dever legal. Não caracterização de calúnia.” (RT 692/326)
Legitimidade: “excludente só
invocável por servidor público.” (RF 326/306)
5. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO
Tal excludente
deriva da máxima de que uma ação juridicamente permitida não pode ser ao mesmo
tempo, proibida pelo direito penal, de maneira que o exercício de um legítimo
direito nunca pode ser antijurídico.
Pode ser definido
como causa de exclusão de ilicitude que consiste no exercício de uma
prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico, que ao mesmo tempo é
caracterizada pelo Direito Penal como fato típico.
Qualquer pessoa pode
ser beneficiada. A expressão direito deve ser interpretada num sentido amplo,
seja penal ou extra penal, como, por exemplo, o jus corrigendi,
decorrente do pode familiar sobre os filhos, as normas internas das associações
e estabelecimentos também o são, como o direito de professores castigarem
alunos. José Frederico Marques defende que o trote também entraria nesta
excludente, pois consagrado pelo costume, embora hajam divergências.
Não pode haver
excesso no exercício do direito, senão estaremos diante de crime por abuso de
direito. E também é incompatível com homicídio, pois ninguém tem o direito de
matar
Segundo a teoria
finalista deve o agente ter pleno conhecimento de toda a situação fática
autorizadora da excludente, se há desconhecimento por qualquer motivo, bem como
dolo de executar a conduta típica, haverá crime.
5.1. JURISPRUDÊNCIA E EXEMPLOS
Passamos
a citar alguns exemplos retirados de doutrinas diversas e da jurisprudência,
com o entendimento prático do que pode configurar ou não a excludente:
Intervenções médicas e cirúrgicas: configuram tal
excludente, mas é indispensável o consentimento do paciente ou de seu
representante legal, caso contrário pode-se estar diante de um estado de
necessidade de terceiro.
Violência desportiva: Algumas doutrinas
consideram aplicável o exercício regular do direito, contudo, alguns
doutrinadores entende que pela teoria da imputação objetiva, por tratar-se de
risco permitido, trataria-se da fato atípico.
Mesmo assim,
enumeram algumas exigências para que a conduta praticada durante a prática
desportiva seja tido como permitida, quais sejam: a) agressão cometida por
conduta que esteja dentro dos limites da regra do esporte ou de seus
desdobramentos previsíveis; b) o praticante vítima da conduta consentiu
livremente em praticar tal modalidade esportiva; c) a atividade esportiva não
pode ser contrária à ordem pública, à moral ou aos bons costumes de acordo com
o senso comum.
Não cumpridas tais
exigências, haverá excesso e, portanto, crime: EX; casos no futebol como os xigamentos
ao Grafite (injúria racial) e soco recebido por Edmundo (lesão corporal), e no
boxe como Mike Tyson mordendo Holyfield (lesão corporal).
Ofendículos: Constitui exercício regular de um direito (CC, art. 1.210, § 1º), embora deva cumprir algumas exigências
como: a) conter aviso e/ou serem facilmente perceptíveis e b) estarem colocadas
em local razoável. Damásio E. De Jesus entende tratar-se de legítima defesa
pré-ordenada e não exercício regular de direito. Excepcionalmente pode haver
excesso e diante do excesso haverá crime.
Defesa mecânica pré-disposta: Por ser
oculta, na prática quase sempre configurará excesso, sendo tido como crime
doloso ou culposo, embora teoricamente pode não haver excesso, e, portanto,
pode não haver crime.
Débito conjugal: “não age ao amparo
do exercício regular de direito o marido que constrange sua esposa à copula
“intra matrimonium”, tendo em vista que a recusa injustificada aos deveres do
casamento constitui causa para a separação judicial e não autorização normativa
para a prática de crimes sexuais.” (TJRS, Apelação 70009102377, Rel. Marco
Antonio Ribeiro de Oliveira, j. 29.9.04)
Direito de denúncia: “não há calúnia, mas exercício
regular de direito (CR, art. XXXIV) na conduta de quem
denuncia fiscal de tributos a superior hierárquico.” (STJ, RT 686/393)
Desagravo: Não configura crime o advogado que solicita desagravo
contra juiz
Advogados – Direito
de Representação e Desagravo: “não pratica crime contra a honra de juiz o
advogado que representa à Comissão de Prerrogativas da OAB solicitando
desagravo, afirmando que a autoridade “passou por cima da lei”, “agiu fora da
lei”, “agiu com pura má-fé e intuito preordenado de prejudicar” o advogado
representante, “comprovadamente... Demonstrou desconhecer totalmente o Estatuto
da Advocacia
quanto o Código de Ética da OAB e, sistematicamente, vem ´metendo os pé pelas
mãos´, confundindo Jesus (não o filho de Deus) por Genésio, tais e tantos as
arbitrariedades, ilegalidades e ofensas a diversos causídicos que vem
cometendo”” (STF, HC 82.992/SP, rel. Min Gilmar Mendes, j. 20.9.2005, DJU
14.10.2005)
Direito estatutário: “age no exercício regular de
direito presidente de sociedade recreativa que emprega força física para
expulsar do recinto pessoa que se comportava desrespeitosamente.” (TJRS, RF
267/318)
Lugar Privado:“Exerce regular
direito quem expulsa de seu escritório, empurrando, pessoa que ali fora
insultá-lo.” (TACrSP, RT 421/248)
Homicídio: “não se aplica
a homicídio, pois a lei não confere a quem quer que seja o ireito de matar.”
(TJMG, RT 628/352)
Limites e abuso de direito: “há
abuso de direito e não o seu exercício regular, quando o agente exorbita dos
limites.” (TACrSP, RT 587/340)
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