PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA OBRA DE MIGUEL REALE
Em sua obra de introdução ao estudo jurídico, MIGUEL REALE (1911 –
2006), cita a arguta concepção do poeta DANTE ALIGHIERI (1265 – 1321) acerca da
matéria: “Jus est realis ac personalis hominis ad hominem proportio, quae
servata servat societatem; corrupta, corrumpit (“o Direito é
uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a
sociedade; corrompida, corrompe-a)”. Ora, se o fulcro chave do
Direito é a conservação da sociedade, orientado por um valor moral acerca do
que se concebe por justiça – proporção equitativa de homem a homem , temos que
esta sociedade deve ser considerada em sua plenitude – pois a conservação de
apenas parte da sociedade seria coisa desproporcional,
e daí eminentemente contrária à própria finalidade do Direito. Por isso,
diríamos, compete ao Direito considerar, em todos os seus desdobramentos, a
sociedade como um todo.
Mas repare:“a sociedade como um todo” é uma expressão algo
redundante. Pois a sociedade se forma justamente pelo todo de suas
partes; a essas partes, dependendo das características que apresentem (e da
teoria sociológica adotada), chamaremos de tribos, grupos, comunidades,
nações, etc. Ou seja, se por um lado não questionamos que se fale em
“parte da sociedade”, devemos rejeitar o termo “sociedade como um todo.” Pois
fundamentalmente a sociedade é o todo, refere-se ao
todo e somente ao todo se comunica – isto é, o todo dentro dos
limites de um dado território.
Infelizmente, nossa consciência cívica aparentemente ainda não se deu
conta, ou então parece esquecer com incômoda frequência, a absoluta amplitude
inerente ao termo “sociedade”. A resposta pronta para a causa desse
destempero moral é a desigualdade econômica (patrimonial ou de renda, etc.) de
nossa própria sociedade. Mas, data vênia, postulo outra tese. Não
considero a desigualdade econômica em si a causa, mas penso que a mesma, antes,
advém de uma vontade de desigualdade, fundamentada numa percepção
equivocada do que vem a ser a vida social. Ora, de fato somos
desiguais, desde sempre; temos características e habilidades diferentes,
experiências de vida e predisposições genéticas inclusive distintas uns dos
outros. O desafio do Direito, e da vida em sociedade, é conjugar esta
desigualdade de fato com a igualdade de direitos, a qual, por
sua vez, é o vetor de coesão social de qualquer povo. É o que nosso
ilustre RUI BARBOSA declamou na sua famosa “Oração aos Moços”:
“A regra da igualdade não consiste senão em
quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade
social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da
igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar
com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade
flagrante, e não igualdade real.”
Tal é o que se chama o princípio da Isonomia, ou Igualdade, expresso em
nossa Constituição em inúmeros momentos, dos quais talvez o mais notório seja
seu artigo 5º, caput:
“Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.”
Seria fácil dispensar o que estabelece a Constituição como mera utopia,
mas isso seria considerar a própria justiça inatingível. Se ela o é, o problema
não é do Direito, mas daquele que não a alcança. Afinal, as ideias e os ideais
possuem sua grandeza apenas em relação à nossa capacidade de percebê-los. Em outras
palavras, o estudo do que vem a ser o Direito é fundamental
para dirimir e conter esse ímpeto antissocial, essa pretensa vontade de
desigualdade, essa percepção equivocada de realidade que divide o mundo
entre “nós” e “eles”: a sociedade é uma só. Nisso, convém dizer que
o estudo do Direito Penal é extremamente apropriado para esse fim, pois quando
bem estudado, aproxima o estudante do élan social que lhe capacita, entre
outras coisas, estudar.
Ao cabo e ao fim, estamos todos no mesmo barco. Como refletiu o
poeta JOHN DONNE (1572 – 1631):
(“Nenhum homem é uma ilha, inteiro por si
próprio; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um
torrão de terra for levado pelo mar, a Europa ficará menor, como se fosse um promontório,
ou o solar de teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem me
diminui, porque na humanidade me encontro envolvido; portanto, nunca perguntes
por quem os sinos dobram; eles dobram por ti….”).
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