terça-feira, 8 de setembro de 2020

 PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA OBRA DE MIGUEL REALE  

Em sua obra de introdução ao estudo jurídico, MIGUEL REALE (1911 – 2006), cita a arguta concepção do poeta DANTE ALIGHIERI (1265 – 1321) acerca da matéria: “Jus est realis ac personalis hominis ad hominem proportio, quae servata servat societatem; corrupta, corrumpit (“o Direito é uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a)”Ora, se o fulcro chave do Direito é a conservação da sociedade, orientado por um valor moral acerca do que se concebe por justiça – proporção equitativa de homem a homem , temos que esta sociedade deve ser considerada em sua plenitude – pois a conservação de apenas parte da sociedade seria coisa desproporcional, e daí eminentemente contrária à própria finalidade do Direito. Por isso, diríamos, compete ao Direito considerar, em todos os seus desdobramentos, a sociedade como um todo.

Mas repare:“a sociedade como um todo” é uma expressão algo redundante. Pois a sociedade se forma justamente pelo todo de suas partes; a essas partes, dependendo das características que apresentem (e da teoria sociológica adotada), chamaremos de tribos, grupos, comunidades,  nações, etc. Ou seja, se por um lado não questionamos que se fale em “parte da sociedade”, devemos rejeitar o termo “sociedade como um todo.” Pois fundamentalmente a sociedade é o todo, refere-se ao todo e somente ao todo se comunica – isto é, o todo dentro dos limites de um dado território.

Infelizmente, nossa consciência cívica aparentemente ainda não se deu conta, ou então parece esquecer com incômoda frequência, a absoluta amplitude inerente ao termo “sociedade”. A resposta pronta para a causa desse destempero moral é a desigualdade econômica (patrimonial ou de renda, etc.) de nossa própria sociedade. Mas, data vênia, postulo outra tese. Não considero a desigualdade econômica em si a causa, mas penso que a mesma, antes, advém de uma vontade de desigualdade, fundamentada numa percepção equivocada do que vem a ser a vida social. Ora, de fato somos desiguais, desde sempre; temos características e habilidades diferentes, experiências de vida e predisposições genéticas inclusive distintas uns dos outros. O desafio do Direito, e da vida em sociedade, é conjugar esta desigualdade de fato com a igualdade de direitos, a qual, por sua vez, é o vetor de coesão social de qualquer povo. É o que nosso ilustre RUI BARBOSA declamou na sua famosa “Oração aos Moços”:

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”

Tal é o que se chama o princípio da Isonomia, ou Igualdade, expresso em nossa Constituição em inúmeros momentos, dos quais talvez o mais notório seja seu artigo 5º, caput:

“Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.”

Seria fácil dispensar o que estabelece a Constituição como mera utopia, mas isso seria considerar a própria justiça inatingível. Se ela o é, o problema não é do Direito, mas daquele que não a alcança. Afinal, as ideias e os ideais possuem sua grandeza apenas em relação à nossa capacidade de percebê-los. Em outras palavras, o estudo do que vem a ser o Direito é fundamental para dirimir e conter esse ímpeto antissocial, essa pretensa vontade de desigualdade, essa percepção equivocada de realidade que divide o mundo entre “nós” e “eles”: a sociedade é uma só. Nisso, convém dizer que o estudo do Direito Penal é extremamente apropriado para esse fim, pois quando bem estudado, aproxima o estudante do élan social que lhe capacita, entre outras coisas, estudar.

Ao cabo e ao fim, estamos todos no mesmo barco. Como refletiu o poeta JOHN DONNE (1572 – 1631):

(“Nenhum homem é uma ilha, inteiro por si próprio; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa ficará menor, como se fosse um promontório, ou o solar de teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem me diminui, porque na humanidade me encontro envolvido; portanto, nunca perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti….”).

 

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