sábado, 5 de setembro de 2020

 RESUMO DO CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNAS -  Lon Fuller

O livro O Caso dos Exploradores de Cavernas, foi criado por Lon Fuller, nascido no estado do Texas em 1902, e registrado com o nome de Jean Luvois Fuller, escolhido por sua mãe Salomé Moore Fuller, porém, em virtude de constantes inconvenientes que passava pela tradução de seu nome para o inglês que remetia a um nome de gênero feminino, alterou seu primeiro nome para Lon. Estudou Economia e Direito na Universidade de Stanford. Trabalhou em muitas universidades até chegar a Faculdade de Direito de Harvard, onde foi participo do corpo docente entre os anos de 1940 e 1972. Teve variados trabalhos publicados no âmbito do Direito Civil, Filosofia e Teoria do Direito. Dentre todas suas obras, O Caso dos Exploradores de Cavernas, publicado em 1949, teve um grande destaque pelo sucesso obtido entre estudantes e professores de Direito, já que foi utilizado como material didático para introdução de conflitos jurídicos e estimular a reflexão crítica em julgamento de casos complicados.

Esta obra fictícia foi inspirada em dois casos reais: US vs. Holmes (1842) e Regina vs. Dudley e Stephens (1884), sobre naufrágios seguidos de homicídio e canibalismo. O enredo de O Caso dos Exploradores de Cavernas, ocorrido em 4299 é sobre cinco membros de uma sociedade espeleológica que exploravam uma caverna de rocha calcária quando aconteceram deslizamentos de terra que bloquearam a saída. Eles permaneceram presos por muito tempo devido à dificuldade do resgate e por novos desmoronamentos que resultou na morte de dez operários que trabalhavam na operação de salvar aquelas pessoas.

Mantendo contato com a equipe de resgate através de um rádio, os exploradores receberam a notícia que devido os empecilhos do resgate, seria preciso mais dez dias para concluir tal missão, com suprimentos escassos, a chance de sobrevivência deles era mínima, então Roger Whetmore um dos exploradores, perguntou ao médico responsável que se comendo carne humana haveria chance de sobrevivência, e a resposta foi que provavelmente sim, então se voltaram às autoridades religiosas, políticas e médicas, mas ninguém aceitou tomar uma decisão. Whetmore, então, propôs que jogassem os dados, e a pessoa que perdesse seria morta e comida pelos outros, mas pediu que esperassem mais uma semana para fazerem o sorteio, porém seus colegas não aceitaram, então jogaram os dados e Whetmore foi morto e comido pelos seus parceiros. Após serem resgatados e levados ao hospital para tratarem de desnutrição e recuperarem psicologicamente do trauma eles foram indiciados por crime de homicídio pela morte de Roger Whetmore e condenados em primeira instância, o júri decidiu que eles deveriam ser condenados com pena de morte pela forca. Após o encerramento do julgamento, o júri enviou uma petição ao Poder Executivo pedindo que modificasse a pena para seis meses de reclusão.

O juiz Foster foi o primeiro a votar e não hesitou em dizer que eles eram inocentes, já que quando os réus mataram Whetmore eles estavam num “estado de natureza” então a lei que deveria ser aplicada não seria a lei positivada, mas sim a que adequasse à situação do caso. Em contra partida, o juiz Tatting se mostra numa controvérsia, por um lado os acusa e por outro demostra empatia pelos réus, e questiona Foster sobre essas “leis da natureza” e quando elas começaram a valer, se foi antes ou depois de Whetmore foi morto. O juiz Keen diz que os exploradores já haviam sofrido muito e que deveriam ser absolvidos, porém, vota a favor da condenação dos réus, pois deveriam ser julgados de acordo com o que era descrito pela lei. Hand votou a favor da inocência dos réus baseando-se numa pesquisa feita pela população onde noventa por cento votava a favor da absolvição, e a opinião pública deveria ser levada em consideração já que o caso repercutiu no país e no exterior. Na conclusão da votação houve um empate e foi mantida a decisão de primeira instância: os réus seriam enforcados.

Percebe-se que O caso dos Exploradores de Cavernas é um livro complexo e uma excelente introdução para alunos do curso de Direito sobre as vertentes de um julgamento e como é difícil tomar uma decisão, principalmente sobre a vida de outras pessoas. Um caso cheio de lacunas e devido às condições que os exploradores estavam, o estado psicológico e fisiológico abalado, suas questões pessoais sobre religião e a questão de se todos sairiam vivos dali era sobre-humano. A forma como Fuller descreve a realidade jurídica e a relação entre a moral e as leis, mostra um conectivo com a realidade que dá uma abrangência enorme sobre a experiência do Direito, a criação do pensamento jurídico e sobre quantos lados é possível observar e analisar sobre um caso como este.

RESUMO DO CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNAS II

O caso dos Exploradores de Caverna” é, sem qualquer dúvida, uma das mais didáticas formas de se introduzir ao estudante de direito as preocupações hermenêuticas que cercam o estudo daquela que é a mais importante ciência social, seja pelo seu papel e escopo fundamental, seja pela congruência das demais em suas investigações, caracterizando uma saudável e necessária interdisciplinaridade.

Como se lê em sua introdução “nenhuma disciplina jurídica é tão problemática, tão suscetível de abordagens diversas – o que, aliás, a própria discussão que até hoje persiste quanto a seu objeto testemunha – do que a Introdução à Ciência do Direito, e, no entanto, nenhum ensino é tão fecundo e eventualmente tão fecundante quanto aquele que se ministra aos que se iniciam no estudo do direito”.

O direito, em seu desenvolver histórico, como nos diz Fernando Aguillar, sempre esteve marcado por controvérsias e dissidências interpretativas, o que fez, inclusive, que estudiosos como Karl Popper quisessem negar um seu caráter científico, em não se adotando o método aplicável às ciências naturais.

Superada essa espécie de crítica, temos, hodiernamente, o entendimento de que convivemos com uma ciência da argumentação, que propicia uma certa gama de entendimentos contrários sobre pontos específicos, excludentes entre si, mas plausíveis, por vinculados a um substrato de ideias. É assim que, sem adentrarmos no campo da antijuridicidade, podemos perceber situações postas ao judiciário que, envolvendo pretensões objetivamente idênticas (mas subjetivamente diversas), geram soluções antagônicas.

A obra que intendemos ora analisar trata, de um modo geral, dessa problemática, abordando uma das maiores dissensões estudadas pela disciplina da Introdução ao Estudo do Direito, que é o embate entre o direito natural e o positivismo jurídico. Como houvéramos dito em nossas primeiras palavras, é um sério problema de hermenêutica, de interpretação do direito, que se põe aos aplicadores do direito com maior frequência do que imaginamos. Ser estrito ao que dispõe a letra da lei ou tentar interpretá-la de forma mais consentânea com a realidade social e fática que se nos apresenta, procurando fazer do direito um instrumento da justiça e não, por vezes, um impedimento a ela. E por outro lado, afastar-se da lei e abrir caminhos para arbítrios infundados ou seguir à risca a mens legislatoris?

Todas essas questões são abordadas com maestria no texto do professor de Harvard Lon L. Fuller, que tem por pano de fundo o julgamento de quatro aventureiros sobreviventes de um acidente que os reteve durante quase quarenta dias em uma caverna e que os obrigou a matar um terceiro companheiro que com eles se encontrava, no 33º dia de aprisionamento, o que fez com que não padecessem de inanição e pudessem escapar vivos desse horrível incidente.

Desse homicídio, que foi gerado por uma situação extremamente agônica surge toda a problemática hermenêutica que é o tema central do arrazoado. Após terem sido condenados à forca em primeira instância, os quatro acusados recorrem dessa decisão, à Suprema Corte de Newgarth, que terá, de forma final, o destino dos quatro desalentados em suas mãos.

Nesse pano de fundo surgem todas as controvérsias e dúvidas hermenêuticas e de consciência dos julgadores, representadas para o leitor por meio do voto de 4 dos membros da Corte do presidente Truepenny, quais sejam os juízes Foster, Tatting, Keen e Handy.

Interessante é notar que os nomes dos juízes não foram escolhidos em vão. Indicam, podemos assim dizer, sua posição em relação ao caso concreto a eles posto, como também sua própria visão sobre o direito.

Nesse sentido, o termo inglês foster - que é designado como sobrenome do primeiro dos julgadores, que possui uma visão mais elástica do que seja o direito, defendendo inclusive a existência de hipóteses de sobrevivência de “estados de natureza” em nossa atual sociedade – significa criatividade, fomento.

Keen, que é o sobrenome do juiz mais apegado ao legalismo estrito, significa pujança, firmeza. Handy, por seu lado, tem o sentido de alcunhar de habilidoso aquele que assim seja designado, caracterização essa que corresponde às feições do último dos julgadores.

Os magistrados supra citados devem exercer cognição sobre os fatos resumidamente citados e aplicá-los à regra jurídica denominada N.C.S.A. §12 – A, que em seu texto prega: “quem quer que intencionalmente prive a outrem da vida será punido com a morte”.

Embora se saiba que realmente os quatro homens foram os responsável diretos pela morte do quinto, denominado Roger Whetmore – que foi quem teve a ideia do assassinato de um deles, por sorteio, para a manutenção dos restantes – seria justo condená-los sabendo-se do horror por que passaram e da situação extremamente limítrofe que os levou a liquidar um semelhante para não serem também tragados pela fome?

Tem-se, então, o embate entre os diferentes pontos de vista, já citados, dos quatro juízes representantes das diversas correntes jurídicas, o que é um interessante exercício de argumentação calcado na defesa do que poderíamos dizer ser o direito natural, principalmente por parte do juiz Foster, do positivismo estrito, kelseniano, do juiz Keen, e de uma visão moderada do magistrado Handy, além do non liquet representado pelo segundo a se pronunciar, o juiz Tatting.

Interessante nesse embate é notar como os radicalismos podem coexistir no direito e até saírem vitoriosos, o que são os casos dos magistrados Foster e Keen, o primeiro essencialmente jusnaturalista e o segundo ferrenhamente positivista.

Enquanto Foster prega que teria havido verdadeiro estado de natureza, a denominada luta de todos contra todos, de Hobbes, o que tornaria inválida a aplicação de determinada lei geminada em um meio social, o magistrado Keen simplesmente se atém aos termos da norma, dizendo que se é escrito que quem matou intencionalmente deve ser condenado, não importam as condições em que se deu tal ato, mesmo sendo, como no caso, a morte de um a necessária continuação da vida de quatro. Não importando que, se hipoteticamente considerássemos os três sujeitos como o representante de toda a humanidade, toda a humanidade seria extinta, ao revés de só uma parte dele dever se dar ao sacrifício.

Super relativizar as ocorrências é, por vezes, uma interessante forma de enxergar a realidade e suas graves consequências.

Ao analisar toda a situação posta, não posso concordar nem com a primeira opção, que tornaria deveras ampla a seara da inaplicabilidade do direito, com reflexos negativos para a sociedade, que toda vez que se visse em situações agônicas, como se deu semana passada nos EUA, v.g., se encontraria em verdadeiro estado de natureza, nem com a visão legalista, positivista, que transforma o direito em letra fria.

O positivismo, como corrente jus filosófica, encontra prementes qualidades e vícios imperdoáveis. Foi, certamente, um dos maiores artífices da cientifização de nossa ciência, a partir de sua metodização e busca por um objeto. Foi, no entanto, uma faca de dois gumes, que gerou um fenômeno de hermetismo tal que confinou o direito, antes meio de resolução de conflitos sociais, instrumento da civilidade, enfim em si mesmo. Por isso, no Brasil, é visto até como ranço o termo positivismo, abstraindo-se do signo muitos de seus mais frutíferos significados, resignando-se o termo ao pejorativo.

Por todo o exposto, entendemos ser mais consentânea com o caso a solução do magistrado Handy, o habilidoso, que sem se ater a extremismos, concilia os dois posicionamentos antagônicos e, sem destruir ou afastar a existência de um estado de direito e também ser fazer do direito um instrumento indiferente à realidade social, consegue fornecer aos jurisdicionados a aplicação da justiça ao caso concreto.

Entre o misoneísmo e o filoneísmo, entendidos no texto de forma radical, fica-se com o bom senso da atitude mediana, que sopesa fatores como consequências imediatas e mediatas da decisão: não se cria uma abertura que poderia gerar o entendimento afastador do direito, efeito mediato da vitória de um aresto nos termos daquele da lavra do magistrado Foster, nem se deixa de considerar a angústia e o indescritível sofrimento por que passaram os homens que tiveram que se servir de um semelhante para não morrerem. Nos termos exatos do juiz Handy: “o mundo não parece mudar muito, mas desta vez não se trata de um julgamento por quinhentos ou seiscentos frelares e sim da vida ou morte de quatro homens que já sofreram mais tormento e humilhação do que a maioria de nós suportaria em mil anos”.

Entre o direito natural e o positivismo, fico com a realização da justiça, embasada não nesta ou naquela teoria, mas no bom senso e na lei, não somente em uma ou em outra. Uma solução que não prevaleceu na obra analisada.

Devido a Truepenny e Keen terem votado pela confirmação da sentença, e a Tattling ter se abstido de votar, empatando a votação

 

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