A REPERCUSSÃO GERAL COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO Larissa Friedrich Reinert
Resumo: Este artigo discorre sobre a importância da
repercussão geral e como tal instituto serve de instrumento para auxiliar o
Supremo Tribunal Federal a exercer efetivamente o seu papel, de guardião da
Constituição. Outro objetivo é analisar as hipóteses em que existe ou não a
repercussão, seja ela econômica, política, social ou jurídica. A pesquisa desenvolveu-se
fazendo-se considerações sobre o Supremo Tribunal Federal e com a análise de
vários aspectos da repercussão geral, tais como: conceito, finalidade, como
outros países utilizam este filtro constitucional, etc. Por fim, estudou-se as
hipóteses de admissibilidade e os casos em que inexiste a repercussão. A
investigação em seu todo é importante, principalmente para entender o instituto
em si, sua importância na melhoria da prestação jurisdicional, bem como para
auxiliar advogados, procuradores e demais membros da justiça, a distinguirem
quando a tese desenvolvida no recurso extraordinário terá ou não repercussão.
Palavras-chave: Recurso extraordinário.
Repercussão Geral. Admissibilidade
Sumário: Sumário: Introdução. 1. Supremo Tribunal Federal e
o recurso extraordinário. 1.1 Considerações iniciais. 1.2 O Papel do Supremo
Tribunal Federal. 1.3 O recurso extraordinário1.4 Papel do Recurso
Extraordinário. 2. Repercussão geral. 2.1 Considerações iniciais. 2.2
Conceituação. 2.3 Natureza jurídica da repercussão geral. 2.4 Finalidade do
instituto. 2.5 Dos institutos afins à repercussão geral no direito nacional.
2.6 Sistemas de controle no direito comparado.3. A repercussão geral como
requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. 3.1 Considerações iniciais.
3.2 Hipóteses de inexistência de repercussão geral. 3.3 Repercussão no aspecto
social. 3.4 Repercussão no aspecto econômico. 3.5 Repercussão no aspecto
político. 3.6 Repercussão no aspecto jurídico. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Várias são
as causas que congestionam nossos tribunais, desde o aumento da procura pela
prestação jurisdicional, estimulada pela Constituição Federal para um efetivo
exercício da cidadania, sem que o Poder Judiciário restasse preparado para
absolver tamanha demanda, até a irresignação exacerbada do Poder Público que
opõe, muitas vezes infundadamente, recursos e mais recursos, intensificando, de
maneira compulsiva, o volume de demandas, o que afeta a regularidade e a
efetividade da prestação jurisdicional.[1]
O reflexo do
aumento das demandas e de recursos repercute no Supremo Tribunal Federal, corte
máxima de nosso país, que julga milhares de processos como se instância
ordinária fosse, prejudicando, por óbvio, o oferecimento de uma justiça efetiva
e célere.[2]
Com o
objetivo de dar maior efetividade à Justiça, foi promulgada a Emenda
Constitucional nº 45 (EC/45), a qual inseriu ao texto constitucional a
denominada repercussão geral, objeto do presente estudo.
Tal
instituto é similar à arguição de relevância, presente na Constituição de 1967.
No entanto, traz em seu bojo além da relevância, a necessidade da demonstração
da transcendência conforme se poderá perceber da leitura do presente trabalho.
A
repercussão geral, além de trazer a tona o real papel do Supremo Tribunal
Federal, como bem pontificam LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO,
“conspira para realização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva
(que é necessariamente prestada em prazo razoável),” estimulando a
compatibilização das decisões judiciais e buscando a racionalização da
atividade judiciária.[3]
Este
trabalho está organizado em três capítulos. No primeiro investigou-se o papel
do Supremo Tribunal Federal e do recurso extraordinário, bem como a importância
e contribuição daquele órgão e deste instituto na unidade do direito no Estado
Constitucional brasileiro, seja na consolidação da jurisprudência, seja na
busca de novas soluções aos problemas sociais.
Já no
segundo capítulo, discorre-se sobre o instituto da repercussão geral, conceituando-a,
dispondo sobre sua natureza, finalidade e semelhança com outros institutos
existentes no ordenamento jurídico, inclusive já revogados, como a arguição de
relevância. Também discorre-se sobre os filtros existentes nos ordenamentos
jurídicos estrangeiros, todos objetivando o amparo dos direitos fundamentais à
tutela jurisdicional efetiva e um processo com duração razoável.
No terceiro
e último capítulo, buscou-se demonstrar que a repercussão geral é um requisito
de admissibilidade e não de mérito, demonstrando as situações em que ela
inexiste, bem como as questões jurídicas que possuem repercussão social,
econômica, política ou jurídica.
Este
trabalho é o resultado de uma pesquisa dogmática instrumental, utilizando-se,
especialmente, a pesquisa bibliográfica, na qual angariou-se o estudo de vários
doutrinadores, seja por meio de livros, periódicos ou artigos, bem como
investigou-se jurisprudências sobre o tema.
Como
referenciais teóricos utilizou-se, dentre outros, especialmente a obra conjunta
de LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDEIRO, bem como os livros de BRUNO
DANTAS e GUILHERME BEUX NASSIF AZEM. Tais autores explanaram de maneira
brilhante o instituto da repercussão geral e auxiliaram de modo admirável o
desenvolvimento da pesquisa.
A investigação
sobre o tema é salutar, especialmente para compreender o momento histórico na
qual foi introduzido o filtro constitucional em discussão, e sua importância
para concretizar o direito fundamental a tutela jurisdicional efetiva, com a
duração razoável do processo. Ademais, demonstrou-se algumas peculiaridades da
repercussão geral, objetivando o auxílio de advogados, procuradores e demais
membros da justiça, para que, diante de um caso concreto, compreendam se o tema
em discussão possuem ou não repercussão social, política, econômica ou
jurídica, e se transcendem o interesse subjetivo das partes.
Apesar da
breve pesquisa, espera-se que o presente trabalho elucide dúvidas sobre o
assunto, bem como amplie o conhecimento de vários pesquisadores do direito
sobre o instituto da repercussão geral.
Convido
todos a dividir esta pesquisa e minhas inquietudes acerca do presente tema.
1 SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL E O RECURSO EXTRAORDINÁRIO
1.1 Considerações iniciais
O Supremo Tribunal Federal representa o topo da hierarquia do Poder Judiciário, detentor de competência para decidir, em última instância, sobre questões de ordem constitucional, e também de competência de natureza originária e recursal.[4]
1.1 Considerações iniciais
O Supremo Tribunal Federal representa o topo da hierarquia do Poder Judiciário, detentor de competência para decidir, em última instância, sobre questões de ordem constitucional, e também de competência de natureza originária e recursal.[4]
Tal tribunal
originou-se no Império, denominando-se Supremo Tribunal de Justiça, e estava
alheio a questões maiores do Estado, tendo em vista a prevalência do Poder
Moderador exercido pelo Imperador, a que se submetia.[5]
Os órgãos de
cúpula da Justiça no Brasil, em ordem sucessiva, considerada a sua precedência
histórica, foram a Casa da Suplicação do Brasil instituída pelo Príncipe
Regente D. João, mediante Alvará Régio de 10/05/1808; o Supremo Tribunal de
Justiça no tempo do Império e; o Supremo Tribunal Federal na República. Esses
órgãos de cúpula, ao longo de nosso processo histórico, desde a fase colonial,
passando pelo regime monárquico e chegando à República, abrangem um período de
mais de 200 anos (10/05/1808 até o presente ano de 2010).[6]
1.2 O Papel do Supremo Tribunal Federal
LUIZ GUILHERME
MARINONI e DANIEL MITIDIERO pontificam que “o direito a um processo justo
traduz-se em uma cláusula geral, técnica legislativa de todo afeiçoada ao
constitucionalismo contemporâneo” sendo que, abstratamente, possui algumas
bases mínimas, “sem as quais não se pode reconhecer sua existência.”[7] Nesse
passo
“[...] não
se está diante de um processo justo, do devido processo legal processual
brasileiro, se o formalismo processual não se configurar como um ponto de
encontro de direitos fundamentais, albergando o direito à tutela jurisdicional
efetiva (art. 5º, I, da CF), o direito ao juiz natural (art. 5º, XXXVII E LIII,
da CF) [...]”[8]
Para avaliar
o direito a um processo justo e devidamente exercido, temos que delinear a
função de nossos tribunais superiores. No presente caso, especialmente, qual o
papel do Supremo Tribunal Federal.[9]
Conforme
leciona GUILHERME BEUX NASSIF AZEM, o Supremo Tribunal Federal “é instituição
chave do Estado de direito, garantidora do funcionamento e da consolidação da
democracia”[10] e
como tal exige-se deste muito mais do que a aplicação do direito
constitucional. Exige-se a atuação além do interesse entre as partes, deve-se
envolver o interesse público de um modo geral.
A função dos
Tribunais Supremos pode ser esquematizada, em termos históricos, em três
distintas fases. Na primeira, defende-se apenas a lei em abstrato, sendo
proibido adentrar no mérito do feito. Em um segundo momento, a atividade
jurisdicional se desenvolve com a necessária interpretação da legislação, de
formar a uniformizar a jurisprudência.[11] Já
o controle das causas decididas em única e última instância[12],
surge apenas no terceiro momento. Neste, as Cortes objetivam muito além de
simples uniformização jurisprudencial, almejam outorgar unidade ao direito. No
Brasil, buscar-se unidade à Constituição e, consequentemente, a todo o direito.[13]
Nessa linha,
a Constituição “guarda valores em que funda a sociedade brasileira,
constituindo a base axiológica de todo o ordenamento jurídico”, bem como a ela
“compete um papel unificador do Direito no Estado Constitucional”. Em
síntese, cumpre ao Supremo “contribuir para a unidade do direito no Estado
Constitucional brasileiro.”[14]
Essa unidade
do Direito pelo STF pode ocorrer por duas vias: a compatibilização de decisões,
baseada na jurisprudência; e a busca pelo desenvolvimento de novas soluções aos
problemas sociais.[15] Após
tal constatação questiona-se: como o Supremo irá desempenhar essa função?
Utilizando-se dos fundamentos de Antônio Castanheiras, LUIZ GUILHERME MARINONI
e DANIEL MITIDIERO sustentam que “a simples ‘intenção de justiça quanto à
decisão do caso jurídico concreto - e, com ela, também o interesse das partes
na causa’ por si só não justifica a abertura de uma terceira (e, eventualmente,
quarta) instância judiciária.”[16]
Nesse
contexto, surge a instituição da repercussão geral, a qual serve como requisito
de admissibilidade, amparada nos direitos fundamentais à tutela jurisdicional
efetiva e a um processo com duração razoável.[17] Realmente,
para cumprir sua função institucional o Supremo Tribunal Federal deve
“voltar-se unicamente às questões de maior relevo, ou seja, às grandes questões
constitucionais.”[18] Assim,
a repercussão nasce como um refil, de forma a resgatar o real papel da nossa
Suprema Corte.
No entanto,
antes de conceituar a repercussão geral, é necessário tecer alguns comentários
sobre o recurso extraordinário, bem como o seu papel perante a justiça, tendo
em vista que sem tal medida processual não há que se falar em repercussão
geral.
1.3 O recurso extraordinário
Em 1891,
juntamente com o Supremo Tribunal Federal, surgiu o recurso extraordinário.[19] Tal
recurso é “modalidade excepcional impugnativa de atos decisórios proferidos em
única ou última instância a propósito de questões constitucionais.”[20]
Nos termos
do art. 102, inciso III, alínea “a”, da CF/88, será admissível tal recurso
quando a decisão recorrida contrariar texto constitucional.[21] Desde
já vale ressaltar que a contrariedade exigida deve ser direta e frontal, não
podendo ser reflexa, pois neste caso, haveria a necessidade de análise do texto
infraconstitucional, e por seguinte, autorizaria a interposição do recurso
especial ao caso.
Assim, cabe
ao Supremo, por meio do recurso extraordinário, interpretar a Constituição e
não a legislação ordinária.[22] Ademais,
também será cabível recurso extraordinário quando a decisão recorrida declarar
a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, conforme preceitua o art.
102, inciso III, alínea “b”, da CF/88.[23]
Temos ainda,
as alíneas “c” e “d” do artigo em referência, as quais autorizam o manejo do
apelo extremo, respectivamente, se a decisão questionada julgar válida lei ou
ato de governo local contestado em face da Constituição Federal ou; se julgar
válida lei local contestada em face de lei federal.[24]
Como ensina
HUGO DE BRITO MACHADO, as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário,
versam, em síntese, sobre questões de controle de constitucionalidade e por
meio de tal recurso, viabiliza-se a verificação do controle difuso de
constitucionalidade.[25]
Com o fim de
diminuir o número de recursos e processos a serem julgados pelo STF, foram
criadas algumas restrições que visam “superar a denominada ‘crise do Supremo’”[26],
como a repercussão geral, que gera o não conhecimento do recurso caso não
esteja devidamente apresentada.
1.4 Papel do Recurso Extraordinário
Segundo
observa CHRISTINE OLIVEIRA PETER DA SILVA, o Supremo Tribunal Federal ainda
está assoberbado por demandas pois “não percebeu claramente o papel que lhe
compete no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, resistindo
bravamente ao futuro que já é chegado”. Ela alerta que o número de demandas só
aumentam pois a Corte não se deu conta que as questões mais importantes são
julgadas por meio do controle concentrado de constitucionalidade.[27] Para
a autora em referência,
“[...] é
mais do que chegada a ora de o Supremo Tribunal desvencilhar-se do recurso
extraordinário, que teve sua inegável importância histórica e vinculação
estreita e relevantíssima para o desenvolvimento e crescimento do próprio
tribunal, e porque não dizer do ordenamento jurídico constitucional brasileiro,
mas que hoje serve apenas para a chicana processual e retardamento da prestação
jurisdicional, tendo em vista que se limita a servir de quarta instância e
tomar o tempo dos ministros como questões repetidas, e assim afastá-los cada
vez mais da missão que lhe foi constitucionalmente destinada: interpretar as
normas constitucionais e dar o tom da hermenêutica constitucional para a
atividade dos demais tribunais.”[28]
Insta
ressaltar, por oportuno, que a mais de cem anos se fala no Brasil de crise do
STF, sendo que várias medidas foram tomadas, a fim de se solucionar o excesso
de processos submetidos para a apreciação de nossa Corte Máxima. Analisando as
estatísticas, percebe-se que essas tentativas restaram fracassadas e as
providencias tomadas, muitas das vezes, serviram apenas como mero paliativo.[29]
Como formas
de superar o excesso de processos, especialmente de recurso extraordinários a
serem examinados, foram tomadas várias providências, como: a) a necessidade de
juízo de admissibilidade positivo do recurso pelo órgão a quo,
devidamente fundamentado; b) a instituição da súmula de jurisprudência dominante;
c) a inserção do art. 115 da CF/67, o qual conferiu competência ao STF para
impor diversos óbices a admissibilidade do RE; d) a arguição de relevância,
introduzida pela Emenda Regimental 3, de 1975, criando a necessidade de
relevância da questão federal para a admissão do RE; e) após a vigência da
CF/88, a criação do STJ, bem como a promulgação da Lei 9756/98, que inseriu o
art. 542, § 3º ao CPC, estabelecendo o regime de retenção de recursos
extraordinários, bem como atribuiu novos poderes aos relatores dos processos,
inclusive podendo decidir monocraticamente.[30]
Percebe-se,
portanto, que a tempos busca-se conferir mais celeridade processual às causas a
serem julgadas pelo STF. Ademais, observa-se que o STF deve assumir o papel que
lhe foi constitucionalmente reservado, tal seja, ser o guardião da
Constituição, sendo que, a vontade do legislador constituinte foi no sentido de
dar à tal órgão o poder de “dizer e guardar as normais constitucionais no nosso
ordenamento jurídico.”[31] Nesse
sentido,
“[...] o
recurso extraordinário constitui apenas mais um instrumento de protelação e
retardamento da prestação jurisdicional em nosso pesado sistema processual,
deixando de longe de constituir o instrumento de uniformização da leitura do
texto constitucional diante das questões relevantes para a sociedade.”[32]
Tal
afirmação encontra respaldo no fato de que a maioria das questões
constitucionais, realmente relevantes, são julgadas e apreciadas por meio do
controle concentrado.[33] Dessa
forma, o controle difuso feito pelo recurso extraordinário, na maioria das
vezes, apenas retarda a prestação jurisdicional.
Não há
dúvidas que o instituto da repercussão gera a diminuição de recursos
extraordinários e, por consequência, nossos magistrados passam a ter condições
de julgar de forma mais célere e, o mais importante, terão o tempo ampliado
para analisar questões constitucionais e com grande repercussão, de forma a
conferir unicidade ao Direito.
No entanto,
antes mesmo da EC/45 a qual institui o instituto da repercussão geral, a
tendência de objetivação do recurso extraordinário já era observada, tanto pelo
Poder Legislativo, como pelas decisões do STF. Nesse sentido, mesmo em controle
difuso, se verificada a inconstitucionalidade de determinado conceito, o
Pretório Excelso já pronunciava-se sobre a compatibilidade de determinado
preceito com a Constituição, até mesmo nos casos em qual tal mostrasse
dispensável a resolução da lide.[34]
Apesar das
críticas ao recurso extraordinário, o fato é que ele pertence ao nosso
ordenamento jurídico e cabe ao legislador buscar formas de dar agilidade ao seu
julgamento. A repercussão geral nasceu justamente dessa vontade de conferir
celeridade as decisões e conferir mais tempo aos ministros para julgarem as
ações provenientes do controle concentrado.
JOSÉ AFONSO
DA SILVA pontifica que, “o Supremo Tribunal Federal e o Recurso Extraordinário
complementam-se pela identidade de função. Um não se compreenderia sem o outro,
no que tange à matéria constitucional”[35] e,
por consequência, o recurso extraordinário modifica o perfil do STF, motivo
pelo qual toda e qualquer medida para acelerar seu julgamento de forma a não
perder a qualidade das decisões é válida.
Com base nos
argumentos acima delineados, não restam dúvidas da importância da introdução da
repercussão geral em nosso ordenamento jurídico como requisito de
admissibilidade do recurso extraordinário. Assim, em nosso próximo capítulo
estudar-se-á tal instituto, tão relevante para a concretização de um Estado
Constitucional, bem como para rechaçar o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva.
2
REPERCUSSÃO GERAL
2.1 Considerações iniciais
Conforme relatado anteriormente, preocupado com a crise do judiciário, incluindo em tal, a dos Tribunais Superiores, o legislador, principalmente após a Constituição Federal de 1988, buscou implementar “novos instrumentos visando a diminuição do número de processos em tramitação em graus excepcionais”.[36]
2.1 Considerações iniciais
Conforme relatado anteriormente, preocupado com a crise do judiciário, incluindo em tal, a dos Tribunais Superiores, o legislador, principalmente após a Constituição Federal de 1988, buscou implementar “novos instrumentos visando a diminuição do número de processos em tramitação em graus excepcionais”.[36]
Antes da
promulgação da EC/45 a doutrina já debatia sobre a necessidade de um filtro
para a interposição de recurso para a Corte Suprema, para que tal órgão não
atuasse como uma terceira ou quarta instância, pois a função de tal tribunal é
estabelecer uma organização na aplicação do direito no plano constitucional,
sendo um catalizador de questões importantes e de repercussão, as quais devem
ser exaustivamente refletidas.[37]
A
repercussão geral funciona com um “filtro de diminuição da quantidade de
demandas em curso no STF e, de forma reflexa, nos demais tribunais nacionais,”[38] sendo
um instrumento, conforme já relatado, muito importante na busca da celeridade
processual.[39]
2.2 Conceituação
O art.
543-A, § 1º, do CPC, dispõe que “para efeito da repercussão geral, será
considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses
subjetivos da causa”.[40]
O
substantivo repercussão tem origem no latim e significa “ato ou efeito de
repercutir”. Já o verbo repercutir significa “fazer sentir indiretamente a sua
ação ou influência”. O adjetivo geral, também originário do latim, significa “comum
à maior parte ou à totalidade de um grupo de pessoas”. Assim, a repercussão
geral “refere-se à necessidade de que as questões constitucionais impugnadas
pelo recurso extraordinário tenham a qualidade de fazer com que parcela
representativa de um determinado grupo de pessoas experimente, indiretamente,
sua influência.[41]
O instituto
instiga o STF a interpretar a questão arguida pela parte, não só pelo aspecto
estritamente jurídico, mas analisando a questão em amplo aspecto, verificando
se a tese em discussão abrangerá um expressivo número de pessoas, sempre sobre
a ótica constitucional.[42]
De forma
sintética BRUNO DANTAS conceitua o instituto como um
“[...]
pressuposto especial de cabimento do recurso extraordinário, estabelecido por
comando constitucional, que impõe que o juízo de admissibilidade do recurso
leve em consideração o impacto indireto que eventual solução das questões
constitucionais em discussão terá na coletividade, de modo que se lho terá por
presente apenas no caso de a decisão de mérito emergente do recurso ostentar a
qualidade de fazer com que parcela representativa de um determinado grupo de
pessoas experimente, indiretamente, sua influência, considerados os legítimos
interesses sociais extraídos do sistema normativo e da conjuntura política,
econômica e social reinante num dado momento histórico.”[43]
Já JOSÉ
ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, salienta que
“Andou bem o
legislador não enumerando as hipóteses que possam ter tal expressiva dimensão,
porque o referido preceito constitucional estabeleceu um “conceito jurídico
indeterminado” (como tanto outros previstos em nosso ordenamento jurídico), que
atribuiu ao julgador a incumbência de aplicá-lo diante dos aspectos
particulares do caso analisado.”[44]
Diante deste
conceito jurídico indeterminado, poderia-se argumentar que a decisão do STF em
determinadas situações seria discricionária.[45] No
entanto, tal premissa não é verdadeira, pois o “espaço em branco” deixado pela
norma decorre da opção do legislador e contribui para a abertura do sistema,
podendo-se adaptar o significado do instituto “à complexidade das relações
sociais, cada vez mais sujeitas a mutações.”[46]
2.3 Natureza jurídica da repercussão geral
A
repercussão geral não se destina, por si só, reformar a decisão recorrida. Ela
não existe de forma autônoma e visa a admissão do recurso extraordinário, a fim
de que seu fundamentos sejam considerados. Se não houver repercussão, o mérito
do recurso não será analisado.[47]
Assim, nos
termos do art. 543-A[48] do
CPC, bem como do art. 102, § 3º[49] da
CF, a repercussão geral é um requisito de admissibilidade, merecendo ser
entendido como um filtro constitucional.[50]
2.4 Finalidade do instituto
Na visão de
LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDEIRO, a repercussão geral, assim como a
súmula vinculante e outros mecanismos processuais de nosso sistema, como o que
possibilita o julgamento liminar de improcedência em casos de processos
idênticos, “desde que no juízo já se tenha decidido a mesma controvérsia
observando-se a forma ordinária (art. 285-A do CPC)” - tem como objetivo a
compatibilização das decisões judiciais, de forma a uniformizá-las e assim
proporcionar uma igualdade constitucional e uma racionalização da atividade
judiciária, velando, assim, “pela unidade do Direito Constitucional brasileiro”
e pela economia dos atos processuais.[51] Para
melhor entendimento e apreciação do assunto, segue na íntegra a contribuição
deixada por tais autores, ao destacarem a finalidade do instituto da
repercussão geral
“Trata-se de
salutar expediente que, ao mesmo tempo, visa a concretizar o valor da igualdade
e patrocinar sensível economia processual, racionalizando a atividade judicial,
sobre, consoante já se destacou, contribuir para a realização da unidade do
Direito em nosso Estado Constitucional.”[52]
Ademais, nos
termos do art. 543-A, § 5º do CPC[53],
o julgamento a respeito da repercussão geral vincula até mesmo o Supremo
Tribunal, sendo que, os tribunais de origem devem se pautar em tais decisões,
evitando remeter à Suprema Corte casos em que a controvérsia já tiver sido
examinada e considerada despida de repercussão geral.[54] Nesse
sentido
“No direito
brasileiro, a adoção da aferição de repercussão geral da controvérsia
constitucional discutida no recurso extraordinário e conseguinte eficácia
vinculante da decisão a respeito de sua existência ou inexistência contribuem
decisivamente para concretização do direito fundamental ao processo com duração
razoável”.[55]
Nessa linha
de pensamento, seguir posição contrária importaria em dilação indevida no
processamento da causa.[56]
2.5 Dos institutos afins à repercussão geral no direito nacional
O instituto
da repercussão geral não é totalmente novo em nosso ordenamento jurídico, pois
a CF/67 previa a denominada arguição de relevância, esquecida pela Constituição
Federal de 1988, até a edição da EC/45.[57]
Quando a EC
01/69 introduziu na CF/67 a arguição de relevância, coube ao STF, por meio de
seu regimento interno definir o instituto, o que o fez em seu art. 327, § 1º,
com o seguinte teor: “entende-se relevante a questão federal que, pelos
reflexos de ordem jurídica e considerados os aspectos morais, econômico,
políticos ou sociais da causa, exigir a apreciação do recurso extraordinário
pelo Tribunal.”[58]
A
Constituição Federal de 1967 previa em seu art. 119, parágrafo único, que o
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal deveria dispor sobre o cabimento
do recurso extraordinário. Posteriormente, com a Emenda Constitucional 7/1977
consignou que deveria o Regimento de tal tribunal “definir as balizas para se
identificar a relevância da questão federal, o que, de fato, foi feito no
parágrafo 1º do art. 327 daquele Regimento”.[59]
O artigo em
referência dispunha que seria relevante a questão federal que, pelos reflexos
na ordem jurídica considerados os aspectos econômicos, morais, políticos ou
sociais da causa, exigissem a apreciação do recurso extraordinário.
SAMIR JOSÉ
CAETANO MARTINS observa que, com a Constituição Federal de 1988, a competência
do STF foi repartida com o STJ, sendo que este tribunal passou a ser competente
para julgar as questões inconstitucionais. Na visão deste autor, com a
alteração da competência do STF o legislador acreditou que não seria necessário
manter a arguição de relevância, pois o número de recursos já iria diminuir
consideravelmente.[60]
Com o passar
do tempo, aumentou o número de recursos extraordinários interpostos, não tendo
nossa Suprema Corte condições de julgá-los em tempo razoável. Diante de tal
situação, muitos doutrinadores começaram um movimento para o retorno da
arguição de relevância, de forma mais atual e democrática.
Como
assevera JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJO “na época, a relevância envolvia questão
federal e também constitucional, servindo como filtro de acesso ao Pretório
Excelso, sendo a discussão quanto a justiça ou injustiça de decisão colocada em
segundo plano”.[61]
No entanto,
os institutos em discussão são distintos
“Nada
obstante tenham a mesma função de ‘filtragem’ recursal, a argüição de
relevância de outrora e a repercussão geral não se confundem. A começar pelo
desiderato: enquanto a argüição de relevância funcionava como um instituto que
visava possibilitar a conhecimento deste ou daquele recurso
extraordinário a prioriincabível, funcionando como um instituto com
característica central inclusiva, a repercussão geral visa a excluir do
conhecimento do Supremo Tribunal Federal controvérsias que assim não se
caracterizam.”[62]
Ademais,
vale ressaltar que até mesmo o procedimento de tais institutos são distintos.
Enquanto na arguição de relevância a apreciação ocorria em sessão secreta, na
repercussão geral o julgamento deve ser em sessão pública e devidamente
motivado, nos termos do art. 93, inciso IX da Constituição Federal de 1988.[63]
A
característica central e que aproxima ambos os institutos é o objetivo de
“restringir a atividade cognitiva do apelo excepcional”.[64] No
entanto, o juízo de presunção dos institutos são distintos. Enquanto na
arguição de relevância era papel do Tribunal demonstrar a relevância, na
repercussão geral, há presunção de relevância, sendo que tal só pode ser
afastada pela aprovação de 2/3 de votos do plenário em sentido contrário, nos
termos do art. 103, parágrafo 3º, da CF/88.[65]
Ademais,
vale ressaltar que, para a repercussão geral, não basta a mera “repercussão”, é
necessária a transcendência da questão debatida, diferente do que ocorria na
arguição de relevância, que só necessitava do primeiro requisito.[66]
Outro
instituto parecido com a repercussão geral do art. 543A do CPC está disposto na
Medida Provisória 2.226/2001, que inseriu o artigo 896-A na Consolidação das
Leis do Trabalho, o qual dispõe que o TST antes de julgar o recurso de revista
examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos
gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.[67]
No entanto,
observa ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS que o critério da transcendência nunca foi
aplicado pelo TST, tendo em vista sua duvidosa constitucionalidade.[68] Vale
ressaltar que a constitucionalidade da medida provisória em referência está
sendo discutida na ADI 2.527, a qual ainda não foi julgada. Como salienta SAMIR
JOSÉ CAETANO, “o fato é que o Tribunal Superior do Trabalho preferiu não
arriscar e, até hoje, não lançou mão do critério da transcendência do recurso
de revista”.[69]
Percebe-se,
portanto, que a utilização dos critérios de transcendência e relevância não são
novos em nosso ordenamento jurídico, e são necessários diante do excesso de
processos submetidos a julgamento nas instâncias superiores.
Por
oportuno, a repercussão geral é utilizada por ordenamentos jurídicos
estrangeiros, com objetivos semelhantes aos empregados pela República
Federativa do Brasil, especialmente pelo acúmulo de trabalho nas cortes
supremas, motivo pelo qual necessário se faz uma breve pincelada sobre o
assunto.
2.6 Sistemas de controle no direito comparado
Tanto os
Estados unitários como os Estados Federados perceberam que é necessária a
existência de um tribunal de cúpula, objetivando a uniformização da
interpretação e manutenção da integridade do direito[70].
Como ressalta ANDRÉ DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI ABBUD,
“Ao
condicionar o conhecimento do recurso à demonstração da repercussão geral das
questões nele invocadas, no entanto, o novo dispositivo constitucional não se
reveste de pioneirismo, quando confrontado com outros sistemas processuais. Há
muito tempo, os Estados Unidos e a Alemanha conhecem instituto semelhante e,
mais recentemente, também o Japão e a Argentina, entre outros. Mesmo o Brasil,
sob a égide da ordem constitucional anterior a 1988, já previu mecanismo
parecido, na forma da argüição de relevância.”[71]
Nos Estados
Unidos, “há um profícuo filtro de análise da relevância jurídica do caso, de
forma que, somente aqueles casos efetivamente relevantes (seja relevância
econômica, seja social, seja cultural ou jurídica) são efetivamente julgados
pelos juízes da Suprema Corte.[72]
Em 1981,
diante do crescente aumento de recurso a serem apreciados pela corte americana,
foi criado o instituto do writ of certiorari. Assim, algumas
apelações tinham conhecimento obrigatório e, por outro lado, algumas
necessitavam de petition for writ of certiorari. Em 1925, uma
lei introduziu nova restrição de acesso à Suprema Corte, aumentando o número
de petition for writ of certiorari, e o direito de recorrer cedeu
lugar à autoridade facultativa do órgão. Se o órgão entendesse que o caso não
tinha importância geral, poderia recusá-lo. Percebe-se, desta forma, que a
Corte possui faculdade discricionária para examinar as questões de “suficiente
relevo e interesse público”.[73]
As partes
que desejam o certiorari devem peticionar informando as razões
pelo qual a questão merece ser apreciada pelo plenário. Após a abertura de
prazo para a parte contrária, o órgão inferior transmite o caso ao órgão
superior para revisão. Somente com o voto de quatro juízes acolhendo o petition
for certiorari é que o processo é levado ao plenário para julgamento
do mérito.
Na Alemanha,
o acesso ao Supremo Tribunal é subordinado, em recuso de Revison, “quando
a causa decidida ostentar uma ‘significação fundamental’”.[74]
GUILHERME
BEUX NASSIF AZEM pontifica que no sistema germânico
“[...] a
organização judiciária escalona-se em três graus de jurisdição. Na cúpula,
estão os respectivos Tribunais Federais. O recurso mediante o qual se pode
chegar a um tribunal supremo é chamado de revisão. Caracteriza-se por um
reexame da causa, mas restrito a questões de direito, sem espaço para a análise
de aspectos fáticos. O acesso a tais tribunais depende do fato de que o
tribunal de segundo grau se refira à admissibilidade da revisão. Tais razões são
chamadas de importância fundamental da causa (grundsatzliche Bedeutung der
Rechtssache).”[75]
O sistema
germânico recebeu influência do norte americano, com a diferença fundamental de
que na Alemanha é o tribunal de segundo grau, portanto, órgão a quo,
que se manifesta sobre a existência ou não da importância fundamental da lide.[76]
Já na
Argentina, nos termos do art. 280 do Código Processual Civil, e seguindo os
termos do direito brasileiro, a Suprema Corte poderá não conhecer o recurso que
for carente de transcendência.[77] No
entanto, o sistema recursal do país vizinho, possui a chamada doctrina
de la arbitrariedade, uma criação pretoriana, objetivando assegurar o
direito à propriedade e ao devido processo, que permite “a análise de
fatos, a valoração da prova e a revisão de normas de direito comum, local ou
processual, quando houver quebra da lógica da motivação ou indevido tratamento
da questão essencial alojada na questão federal.”[78]
Esta doctrina de la arbitrariedade é utilizada de forma
corrente no Tribunal, motivo pelo qual o certiorari argentino
não se ajustou a sua fonte – o certiorari americano, não
alcançando o resultado esperado.
Na
Inglaterra, a Câmara dos Lordes precisa conceder uma licença para recorrer, na
qual verifica-se a relevância pública geral (general public
importance), sendo que não existem parâmetros para definir o que vem a
ser esta relevância, cabendo à Câmara acima citada estabelecê-la. Do mesmo
modo, a Austrália e o Canadá possuem restrições à jurisdição recursal, herdando
o sistema common Law, existindo em ambas a necessidade de licença
para recorrer, cabendo a jurisdição recursal julgar causas jurídicas de grande
importância pública.
Interessante
notar, que em todos os casos vela-se pela unidade do Direito, por meio do exame
de significados, sem sobrecarregar a Corte Suprema com o exame de lides sem
transcendência e relevância.[79]
Após
conceituar a repercussão geral, verificar seus pressupostos, finalidade e
natureza jurídica, necessário se faz o estudo de como tal instituto é
interpretado na prática pelo tribunal, e como deverá ser exposto no recurso
extraordinário de forma a ser conhecido.
3. A REPERCUSSÃO
GERAL COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
3.1 Considerações iniciais
Conforme pontifica TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIO, cabe ao jurista colocar o problema e encontrar argumentos para sustentá-lo, buscando “abstrair o caso e ampliá-lo de tal maneira que se possa obter uma regra geral”.[80]
3.1 Considerações iniciais
Conforme pontifica TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIO, cabe ao jurista colocar o problema e encontrar argumentos para sustentá-lo, buscando “abstrair o caso e ampliá-lo de tal maneira que se possa obter uma regra geral”.[80]
Este é justamente
o objetivo do presente capítulo, estudar, de forma sintética, os temas e
argumentos que podem ser utilizados cotidianamente, os quais podem ou não ter a
repercussão geral reconhecida, almejando o devido conhecimento do recurso
extraordinário.
Nos termos
do art. 543-A, § 1º, do CPC, é necessária a demonstração da existência da
repercussão geral como preliminar do recurso extraordinário, pelo Recorrente.[81] Nessa
linha, antes de adentrar o mérito, cabe ao tribunal analisar os requisitos de
admissibilidade do recurso, inclusive a existência ou não da repercussão geral.
No entanto,
a Lei 11.418/2006 não dispôs qual o momento que deve ser apreciada a
repercussão. Discute-se então se deveria ser antes de analisar qualquer um dos
pressupostos processuais ou depois. No direito brasileiro temos dois tipos de
pressupostos de admissibilidade: intrínseco e extrínseco.[82] No
primeiro pressuposto, verifica-se se existe ou não o poder de recorrer. Temos
como exemplo a legitimidade, o interesse recursal, o cabimento, etc. O
extrínseco está relacionado ao modo de exercer o poder, tal seja, regularidade
da peça recursal, tempestividade, preparo, entre outros.[83]
BRUNO DANTAS
pontifica que
“De um lado,
a corrente capitaneada pelo Prof. Arruda Alvim sustenta que, por se tratar de
pressuposto especial (e de natureza política) do cabimento do recurso, o exame
da repercussão geral deveria ser prévio ao exame de admissibilidade
tradicional. De outro, autores renomados, como José Rogério Cruz e Tucci, já
defenderam que a operatividade do sistema requer que repercussão geral seja
examinada juntamente com os demais requisitos de admissibilidade, sob pena de
sobrecarregar o plenário do STF com a análise de recursos que eventualmente não
teriam chances sequer de ser conhecidos, como nos casos de falta de
prequestionamento ou mesmo intempestividade.”[84]
A
repercussão geral é um pressuposto intrínseco, pois se ela não estiver presente
não existe poder de recorrer, conforme se depreende da leitura do art. 543-A[85] do
CPC. Ademais, ressalvados posicionamentos contrários, a verificação da
repercussão somente será realizada se os demais pressupostos de admissibilidade
estiverem presentes, nos exatos termos do art. 323, primeira parte, do
Regimento Interno do STF, com a redação conferida pela Emenda Regimental
21/2007, o qual dispõe que a análise do instituto em questão só ocorrerá quando
não for o caso de inadmissibilidade do recurso extraordinário por outra razão.[86] Assim,
“a repercussão geral – como pressuposto do cabimento do RE que é – deve ser
analisada no contexto da avaliação dos requisitos de admissibilidade desse
recurso, sem qualquer precedência sobre os demais pressupostos ou requisitos de
admissibilidade.”[87]
Após
estabelecer tais premissas, adentrar-se-á no que vem a ser a relevância e a
transcendência da questão debatida. Conforme salientam LUIZ GUILHERME MARINONI
e DANIEL MITIDEIRO, para
“[...]viabilizar
o conhecimento do recurso extraordinário, nosso legislador alçou mão de uma
fórmula que conjuga relevância e transcendência (repercussão geral =
repercussão + transcendência) (...) Tem de contribuir, em outras palavras, para
persecução da unidade do Direito no Estado Constitucional brasileiro,
compatibilizando e/ou desenvolvendo soluções de problemas de ordem
constitucional. Presente o binômio, caracterizada está a repercussão geral”.[88]
Dessa forma,
nos termos do art. 543-A do CPC, bem como no disposto no art. 322, parágrafo
único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, tal tribunal só poderá
conhecer de questões constitucionais que ofereçam repercussão geral, ou seja,
exista questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou
jurídico, os quais devem ultrapassar os interesses subjetivos da causa.[89]
Não
olvide-se que, conforme dispõe o art. 323, § 1º do Regimento Interno do STF,
nos casos em que o recurso versar sobre questão cuja a repercussão já tenha
sido reconhecida pelo tribunal, bem como quando contrariar súmula ou
jurisprudência dominante – a qual só poderá ocorrer em prol da admissibilidade
do RE, será presumida a repercussão geral. [90]
Ademais, a
competência para exame de tal instituto é exclusivamente do STF, não podendo o
tribunal a quoimpedir a admissibilidade do recurso extraordinário
por falta de repercussão geral (art. 543-A, § 3º, CPC).[91]
No STF, se a
turma, com 04 (quatro) votos, decidir pela existência da repercussão geral, não
é necessário o referendo do plenário, o que ajuda, inclusive, a evitar
desnecessária sobrecarga do plenário. Caso não se atinja o quórum em questão, o
processo deverá ser submetido para julgamento do pleno, tendo em vista que, somente
se 08 (oito) ministros entenderem que não existe repercussão, o recurso não
será admitido.[92]
JOSÉ ROGÉRIO
CRUZ E TUCCI ressalta que teria sido mais dinâmico se pudesse se reconhecer a
inexistência de repercussão pela maioria absoluta dos integrantes da turma.[93] No
entanto, essa não foi a vontade do legislador.
Por
oportuno, nos termos do art. 324, parágrafo único, do RISTF[94],
com a ausência de manifestações para a recusa do recurso extraordinário,
reputa-se existente a repercussão geral da questão suscitada.
Ademais, nos
termos do § 6º do art. 543-A do CPC, é possível a participação de terceiros
– amicus curiae, na análise da repercussão geral, desde que subscrita
por procurador habilitado. O amicus curie serve como um
colaborador do juiz, e sua intervenção no processo se legitima em virtude do
interesse institucional em auxiliar o juiz na busca da melhor solução para a
lide.[95]
Para se
auferir a existência ou não da repercussão geral, é possível, analisando o
arcabouço jurídico do instituto, perceber a existência de parâmetros subjetivos
e objetivos.[96] Como
fatores objetivos, temos os casos em que a repercussão será presumida, ou seja,
quando a repercussão geral consistir na própria violação ao entendimento
consolidado pelo STF ou quando a questão constitucional tiver objeto de
multiplicidade de recursos com idêntica controvérsia. Dentro do parâmetro
subjetivo, observando-se os institutos da arguição de relevância e da
transcendência trabalhista, percebe-se que o conceito de relevância está
vinculado à presença de reflexos com importância econômica, social, política ou
jurídica, que supere o interesse individual das partes. [97]
Assim, o
legislador descreveu critérios que devem ser preenchidos no caso concreto e,
diante da presença destes será possível visualizar o requisito da repercussão.
Nessa linha, vale ressaltar que em algumas hipóteses, os valores estarão
entrelaçados. GUILHERME BEUX NASSIF AZEM parafraseando DANIEL USTÁRROZ e SÉRGIO
GILBERTO PORTO ensina que
“Em verdade,
não é incorreto dizer que existe uma relevância jurídica lato sensu, da qual
fazem parte a relevância econômica, a relevância social, a relevância política
e a relevância jurídica stricto sensu. Aquilo que se apresenta relevante no
ponto de vista econômico, poderá também se enquadrar como relevante sob o ponto
de vista jurídico ou social. Importa, no entanto, é que a questão
constitucional se amolde a, no mínimo, um dos critérios.”[98]
Um assunto
interessante, e que possui mais de um dos critérios acima expostos, com
relevância sob o ponto de vista econômico, jurídico e social, é a
aplicabilidade do regime de precatórios às entidades da Administração Indireta
que prestam serviços públicos e a análise do tema sob o prisma constitucional
do princípio da continuidade dos serviços públicos.[99]
Por
oportuno, vale consignar que “os critérios que serão estabelecidos para o exame
e avaliação da repercussão geral jamais poderão ser discricionários, até porque
a Corte poderá explicitar a respectiva ratio decidendi.”[100]
3.2 Hipóteses de inexistência de repercussão geral
Conforme já
delineado, ao examinar os critérios dispostos no art. 543A do CPC, o STF
seleciona as matérias possuidores de repercussão geral. No entanto, uma questão
interessante é saber se existe repercussão geral, quando a própria Casa
Constitucional já estiver, em outros casos, reconhecido o caráter
infraconstitucional da controvérsia.
Segundo o
STF, inexiste repercussão geral quando a divergência for solucionável pela
aplicação da legislação federal. Nesse sentido: RE 608852[101], rel. Min. Ellen Gracie, RE 583747[102], rel. Min. Menezes Direito e RE 588944[103], rel. Min. Cesar Peluzo.
Para a
Ministra ELLEN GRACIE, busca-se com a repercussão verificar, dentro dos temas
constitucionais existentes, e na forma do art. 102, III, da Constituição
Federal, quais poderão ser analisados no controle difuso. Nesse sentido, se o
tema não for eminentemente constitucional, ou se eventual ofensa à Constituição
for indireta e reflexa, não se preencherá um dos requisitos do art. 102, § 3º,
da CF, pois sequer haverá questão constitucional a ser discutida. [104]
De forma
contrária, o Min. Marco Aurélio sustenta que não se poderia “formar juízo sobre
a procedência ou a improcedência do que revelado nas razões do recurso extraordinário”,
pois, diante da importância do instituto da repercussão geral, deveria-se
“encará-lo com largueza”, de forma a exercer, com plenitude, o direito de
defesa. [105]
Na
apreciação do RE 566007, ao julgar se haveria ou não repercussão geral no
direito à repetição de indébito tributário proporcional ao percentual da
vinculação das receitas da União, o qual foi permitido pelas Emendas
Constitucionais 27/2000 e 42/2003, o ministro MARCO AURÉLIO DE MELO ressaltou
que existirá repercussão geral quando a mesma tese provavelmente será repetida
em inúmeros processos, utilizando-se da seguinte fundamentação
“Tanto
quanto possível, o alcance da Carta da República há de ser definido por aquele
nela apontado com guardião maior, o Supremo. A situação enfrentada pelo
Regional Federal da 4ª Região, de forma contrária ao contribuinte, provavelmente
será repetida em inúmeros processos, nada assegurando que as ópticas dos cinco
Regionais sejam idênticas. O descompasso de enfoques de texto constitucional
solapa este último, que, no campo da concretude, perde a unicidade.”[106]
Ainda sobre
o mesmo recurso extraordinário, interessante notar os apontamentos da ministra
CARMEN LÚCIA
“No recurso
extraordinário, não é intenção da Recorrente fazer com que a produto da
arrecadação tributária federal seja efetivamente destinado à prestação de
serviços públicos, mas apenas se desonerar de uma obrigação tributária, o que
limita eventual transcendência que teria a matéria.”[107]
Percebe-se,
portanto, segundo a ministra acima referenciada, para que haja transcendência,
não basta a desoneração da obrigação tributária, que a priori alcançaria
só a empresa recorrida, mas que o afete a arrecadação tributária e sua
destinação como um todo.
Por
oportuno, o STF já pacificou que não existe repercussão geral em discussão de
direito local.[108] Melhor esclarecendo, segue voto do Ministro DIAS
TOFFOLI:
“Conforme
sintetizado na ementa do acórdão recorrido, verifica-se que a questão relativa
ao direito de percepção da Gratificação Especial de Técnico de Nível Superior
(GTNS) pelos servidores do Estado do Rio Grande do Norte está limitada ao plano
do direito local, notadamente às Leis estaduais 6.371/93, 6.568/94, 6.373/93,
6.615/94, 6.485/93, 6.570/94, 6.719/94 e Lei Complementar estadual nº 242/02,
cujo reexame, nos termos da jurisprudência desta Corte, mostra-se incabível no
apelo extremo.”[109]
Do mesmo
modo, a Corte Suprema assentou a inexistência de repercussão geral quando a
ofensa à Constituição seja indireta ou reflexa. Ao analisar a existência
de repercussão em questão referente a incidência de descontos previdenciários
sobre vencimentos de servidor que implementou os requisitos para a concessão de
aposentadoria, o Ministro CEZAR PELUSO consignou que
“[...] suposta violação ao postulado da ilegalidade configuraria, aqui,
o que se chama mera ofensa reflexa, também dita indireta, à Constituição da
República, porque eventual juízo sobre sua caracterização dependeria de reexame
prévio do caso à luz das normas infraconstitucionais, em cuja incidência e
interpretação, para o decidir, se apoiou o acórdão impugnado.
É, a propósito, velhíssima a postura desta Corte no sentido de que, se,
para provar a contrariedade à Constituição, se deva, antes, demonstrar ofensa à
lei ordinária, então é esta que conta para efeito de juízo de admissibilidade
do recurso extraordinário (cf. por todos, RE n. 92.264-SP, Rel. Min. DÉCIO
MIRANDA, in RTJ 94/462-464). E este enunciado sintetiza raciocínio de certa
simplicidade, que está no seguinte.
É natural que, propondo-se a Constituição com fundamento jurídico
último, formal e material, do ordenamento, toda questão jurídico-normativa
apresente ângulos ou aspectos de algum modo constitucionais, em coerência com
os predicados da unidade e da lógica que permeiam toda a ordem jurídica.
Mas tal fenômeno não autoriza que, para efeitos de admissibilidade de
recuso extraordinário, sempre se dê relevo ou prevalência à dimensão
constitucional da quaestio iuris, sob pretexto de a aplicação da norma
ordinária encobrir ofensa à Constituição, porque esse corte espistemológico de
natureza absoluta equivaleria à adoção de um atalho que, de um lado,
degradaria o valor referencial da Carta, barateando-lhe a eficácia, e, de outro
lado, aniquilaria todo o alcance teórico das normas infraconstitucionais,
enquanto materialização e desdobramento necessário do ordenamento, destinadas,
que são, a dar atualidade, conseqüência e sentido prático ao conteúdo normativo
inscrito nas disposições constitucionais. [...]”[110]
Nestes
termos, concluiu o eminente ministro que não se pode invocar norma
constitucional como pretexto para justiçar a releitura de uma norma
infraconstitucional, nem se delinear sobre eventual incompatibilidade entre
ambas. Em tais situações, inexiste repercussão geral.
Dessa forma,
ao se contrarrazoar o recurso extraordinário, necessário se faz pesquisar a
tese de fundo, e se tal for eminentemente infraconstitucional, debatendo
direito local, ou a ofensa for indireta ou reflexa à Constituição, deve-se
requerer a inadmissão do recurso, por falta de repercussão geral.
Analisadas
as situações na qual inexiste repercussão geral, necessário se faz declinar
sobre as situações em que haverá repercussão social, econômica, política ou
jurídica.
3.3 Repercussão no aspecto social
O aspecto
social está intimamente ligado aos reflexos diretos da decisão sobre a geração
de novos empregos, investimentos, redução de preços, aumento de salários e da
eficiência econômica de diversas empresas, etc.
CARLOS
AUGUSTO DE ASSIS explica que
“Luiz Manoel
Gomes Jr. toma como referência uma série de casos em que se reconheceu a
legitimidade do MP para defesas de interesses individuais homogêneos: aumento
das mensalidades escolares e de planos de saúde; questões ligadas ao Programa
de Crédito Educativo; regularização de loteamentos urbanos destinados a
moradias populares etc. O paralelo é realmente útil, uma vez que a grande
discussão que se operou em matéria de legitimidade do MP para propositura de
ações civis públicas foi justamente a sua compatibilização com os ditames
constitucionais que vinculam à defesa de interesses da sociedade. Presente o
interesse suficiente para permitir sua defesa pelo MP, parece claro vislumbrar
a transcendência no seu aspecto social.”[111]
Para
GUILHERME BEAUX NASSIF AZEM, deve-se verificar a relevância intrínseca perante
a sociedade como um todo e dentro disto, ele exemplifica hipóteses de
repercussão sob o prisma social: “avanços e limites da ciência (células-tronco
e transgênicos, por exemplo); direitos dos indígenas e dos quilombolas; sistema
de cotas para o acesso às universidades públicas; conflitos de terra e
propriedade.[112]
No espectro
acima exposto, também temos os direitos disciplinados no art. 6º da CF/88,
segundo o qual são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, bem como a assistência aos desamparados.[113] Todos esses assuntos poderão ter repercussão social
reconhecida.
Em síntese,
a questão será relevante do ponto de vista social “quando a discussão envolver
direito coletivos, difusos ou individuais homogêneos. A garantia do pluralismo,
com a proteção das minorias, é passível de enquadramento no ponto”.[114]
3.4 Repercussão no aspecto econômico
Sob o ponto
de vista econômico, é necessário verificar a ofensa dos princípios descritos no
art. 170 da CF/88, bem como nos casos em que a decisão poderá criar precedente
que outorgue direito que pode ser reivindicado por um grande número de pessoas.
Exemplos contundentes são as questões previdenciárias, tributárias,
especialmente os casos de reajustes de servidores públicos, alteração dos
critérios para a correção monetária de salários ou assuntos atinentes as
finanças públicas.[115]
Consigne-se
que o aspecto econômico não tem como referencia o valor da causa, mas o reflexo
que a ação terá para a economia como um todo, principalmente se afetar um
grande número de pessoas.[116]
3.5 Repercussão no aspecto político
Haverá
repercussão política quando a discussão envolver a organização do Estado, sua
forma federativa, a repartição de competências e os direitos políticos de uma
forma geral, podendo se enquadrar neste ponto a adequação social de políticas
públicas.[117]
Decisões que
alterem as diretrizes políticas e econômicas das esferas governamentais, bem
como decisões capazes de exercer influência nas relações de Estados
estrangeiros também podem ter repercussão política reconhecida.[118]
3.6 Repercussão no aspecto jurídico
A
repercussão jurídica, sem dúvida, possui o espectro mais vasto. Qualquer
situação jurídica que necessite de explicação para se evitar dúvidas e
insegurança jurídica poderá ter este tipo de repercussão.
Ao julgar o
RE 600010, o Min. Joaquim Barbosa destacou que quando estiver em conflito a
interpretação de dispositivos constitucionais, atingindo a decisão várias
pessoas, haverá repercussão, sendo necessária a pacificação de interpretação
sobre o tema, gerando segurança jurídica. Veja-se parte da decisão:
“A resolução
da controvérsia transcende interesses meramente locais. Do ponto de vista da
intensidade, a definição do alcance da imunidade tributária das entidades
assistenciais coloca em jogo a tensão entre a proteção da atividade
filantrópica, essencial à complementação da intervenção do Estado, e o dever
fundamental de pagar tributos, considerada a partilha da carga tributária por
toda a sociedade na medida da capacidade contributiva (inclusive nos tributos
cuja respectiva carga é obrigatoriamente repassada ao adquirente). Sob o ângulo
quantitativo, diversos grupos profissionais e de outras pessoas ligadas por
afinidade mantém entidades assistenciais fechadas, de ingresso restrito, e a
definição de sua tributabilidade trará segurança jurídica.”[119]
Como se
sabe, manter decisões judiciais com interpretação constitucional divergente
afronta a força normativa da CF/88 e fere o princípio da máxima efetividade da
norma constitucional. Assim, apesar de não ser cabível recurso extraordinário
pela divergência, “assentar-se-á o remédio na alínea a do art. 102, III, da
CF/88, servindo a demonstração de entendimentos distintos, tão somente, para
caracterizar a presença de repercussão geral”.[120]
A afirmação
acima exposta encontra amparo também no fato do Superior Tribunal de Justiça –
STJ não analisar divergência jurisprudencial de questões constitucionais em
sede de recurso especial, sob pena de fustigação do art. 105, II, c, da
CF/88.[121]
No
julgamento do RE 603451, a Min. Ellen Gracie entendeu que havendo entendimento
consolidado da matéria, os Tribunais de origem e a Turmas Recursais podem,
desde logo, com fundamento no § 3º do art. 543-B do CPC, aplicar a orientação
firmada, de forma que, reconhecida a repercussão, monocraticamente o recurso
pode ter seu mérito julgado, nos termos do art. 325, caput, do
RISTF.[122]
Ademais,
sempre que os tribunais estaduais ou regionais decidirem de forma distinta do
STF uma questão constitucional julgada por este tribunal, também haverá
relevância jurídica.[123] Nessa linha, quando houver outro processo com a mesma
tese já julgada e com repercussão reconhecida, a repercussão será presumida.[124]
Em síntese,
quando “disser respeito a aplicação e alcance de um determinado instituto
jurídico ou princípio fundamental de direito”, haverá repercussão jurídica.
CONCLUSÃO
O maior
desafio a cargo do intérprete autêntico será de, no espaço semântico, cumprir fielmente
e com equidade as duas finalidades do requisito da repercussão geral: subtrair
da apreciação da Corte Suprema recursos pouco relevantes e, em contrapartida,
apreciar aqueles dotados de relevante papel social.[125]
Diante do
estudo realizado percebe-se que o instituto da repercussão é utilizado pelo
Brasil e por outros ordenamentos jurídicos, sendo um importante filtro para a
diminuição de processos a serem analisados pela Suprema Corte, auxiliando tanto
o recurso extraordinário, como o STF, a assumirem seus devidos papeis
constitucionais.
“A missão
das cortes superiores vincula-se à defesa e à preservação da unidade do
ordenamento jurídico, de modo a garantir a observância do direito objetivo e a
uniformidade da jurisprudência,”[126] sendo a repercussão geral um importante refil para
que o STF exerça sua função de órgão de cúpula, potencializando sua
faceta constitucional.
A
repercussão deve ser arguida e demonstrada pela parte recorrente, cabendo ao
STF a análise da existência ou não do instituto, decidindo de maneira motivada
e pública, sendo que, para existir a repercussão geral, há a necessidade
do enfrentamento das situações extremas do ponto de vista coletivo, bem
como a existência de repercussão sob o ponto de vista social, político,
econômico ou jurídico.
Pela
pesquisa realizada percebeu-se que o mecanismo de filtragem foi introduzido
pela EC/45 em um momento oportuno, subtraindo da apreciação de STF recursos
poucos relevantes, reservando-lhe aqueles com grande impacto sobre o sistema
jurídico e a sociedade, bem como desestimulando que outros órgãos do Poder
Judiciário venham proferir julgamentos contrários aos precedentes da Suprema Corte.
Com o
instituto em questão, o STF tem a oportunidade de resgatar suas funções
jurídicas e políticas, permitindo-lhe, inclusive, a realização de direitos
fundamentais e a construção de um papel emancipador no resgate da cidadania
brasileira.
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08 jul. 2010. No mesmo sentido: RE 603497 RG, Relator(a): Min. MIN. ELLEN
GRACIE, julgado em 04/02/2010, DJe-081 DIVULG 06-05-2010 PUBLIC 07-05-2010
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admissibilidade do recurso extraordinário (Lei nº 11.418/2006). Revista
de processo, v.32, n.145, mar. 2007.
Notas:
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 240841 AgR-ED,
Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em 23/11/1999,
DJ 17-12-1999 PP-00026 EMENT VOL-01976-06 PP-01256.
[2] GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel, et al. A repercussão geral da
questão constitucional no recurso extraordinário. Revista Síntese de
Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6, n. 34, p.141,
mar./abr., 2005.
[3] MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDEIRO; Daniel. Repercussão
geral no recurso extraordinário - São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007, p. 5.
[5] OLIVEIRA, Alexandre Nery de. Reforma do Judiciário (IV): Supremo
Tribunal Federal. Jus Navigandi, Teresina, a. 2, n. 26, set. 1998.
Disponível em: . Acesso
em: 30 out. 2007
[7] MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDEIRO, Daniel. Repercussão
geral no recurso extraordinário - São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007. p. 11.
[10] AZEM. Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão
constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 2009, p. 29.
[19] Conforme afirma Christine Peter em sua Obra Hermenêutica
de Direitos Fundamentais: uma proposta constitucionalmente adequada, p.
254, tal nome foi denominado pelo Primeiro Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, sendo que sua essência foi retirada do direito inglês.
[20] SILVA. Christine Oliveira Peter da. Hermenêutica de
Direitos Fundamentais: uma proposta constitucionalmente adequada. Brasília:
Brasília Jurídica, 2005. 255 p.
[21] BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1088. Disponível em:
.
Acesso em: 10 dez. 2010.
[22] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e
recurso especial. São Paulo: RT, 2000, p. 130.
[25] MACHADO, Hugo de Brito, et al. Conhecimento do recurso
extraordinário – repercussão geral das questões constitucionais. Revista
Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 34, p. 44,
jan./2006.
[29] DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica,
dogmática e de direito comparado: questões processuais – São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 86.
[35] SILVA. José Antônio da. Do recurso extraordinário no
direito processual brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1963, p. 106.
[36] ARAÚJO. José Henrique Mouta. A repercussão geral e o novo papel do
STF. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n.50,
p.61, maio. 2007.
[37] FERREIRA, Willian Santos. Sistema recursal brasileiro: de
onde viemos, onde estamos e para onde (talvez) iremos. Coletânea Linhas
Mestras do Processo Civil, sob coordenação de Hélio Rubens Batista Ribeiro
Costa, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro e Pedro Cândido Dinamarco. São
Paulo: Atlas, 2004, p. 747.
[39] Existem, no entanto, posicionamentos extremados, como JOSÉ AUGUSTO
RODRIGUES PINTO, Juiz do Trabalho da 5ª Região (aposentado), segundo o qual o
instituto da repercussão geral é uma experiência falida, cujo fundamento
reconhecido é a discricionariedade de trato do interesse individual, sob
fundamento de um vago interesse geral, que não se sabe de quem é nem que medida
tem. (PINTO, José Augusto Rodrigues, et al. O pressuposto da repercussão geral
no recurso extraordinário. Revista LTR. São Paulo, v. 69, n.1,
p.47, jan.2005.)
[40] BRASIL. Lei n. 11.418, de 19 de dezembro de 2006. Institui o
Código de Processo Civil. Brasília, Diário Oficial da República
Federativa da União, de 19 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5869.htm>. Acesso em: 14 dez. 2010.
[42]TUCCI. José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como
pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei nº
11.418/2006). Revista de processo, v.32, n.145, março de 2007,
p.24-25.
[45] Neste ponto vale consignar que os “conceitos indeterminados
integram a descrição do fato e a discricionariedade se situa no campo dos
efeitos. Ademais, a decisão judicial é “assumida mediante a formulação de um
juízo de legalidade e não de um juízo de oportunidade”, devendo sempre ser
objetivamente justificado. AZEM. Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da
questão constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2009, p.75.
[48] BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código
de Processo Civil. Brasília, Diário Oficial da República Federativa da
União, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: .
Acesso em: 14 dez. 2010.
[49] BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1088. Ibid.; 10 dez. 2010.
[51] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDEIRO, Daniel. Repercussão
geral no recurso extraordinário - São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007, p. 18-19.
[53] BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código
de Processo Civil. Brasília, Diário Oficial da República Federativa da
União, de 11 de janeiro de 1973. Loc. cit.
[57] RAMOS, André Luiz Santa Cruz, et al. Da necessidade de demonstração
da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no recurso
extraordinário (art. 102, § 3º, da CF/88). Revista Dialética de
Direito Processual, São Paulo, n. 32, p. 19, nov. 2005.
[58] Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). Regimento Interno:
[atualizado até novembro de 2010] – consolidado e atualizado até maio de 2002
por Eugênia Vitória Ribas. Brasília: STF, 2010. Disponível em:
.
Acesso em: 15 dez. 2010.
[59] MARTINS, Samir José Caetano. A repercussão geral da questão
constitucional (Lei nº 11.418/2006). Revista Dialética de Direito
Processual. n. 50, São Paulo: Dialética, maio de 2007, p.
95.
[65] Vale ressaltar que, apesar da presunção de relevância, cabe a
parte recorrente demonstrar a repercussão geral, nos termos do art. 543-A,
parágrafo 2º, do CPC.
[67] BRASIL. Medida Provisória n. 2.226, de 04 de setembro de 2001.
Acresce dispositivo à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo
Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e à Lei no 9.469, de 10 de julho
de 1997. Brasília, Diário Oficial da República Federativa da União, de 04 de
setembro de 2001. Disponível em:
. Acesso em: 15
dez. 2010.
[68] RAMOS. André Luiz Santa Cruz. Da necessidade de demonstração da
repercussão geral das questões constitucionais discutidas no recurso extraordinário
(art. 102, § 3º, da CF/88). Revista Dialética de Direito Processual. n.
27, São Paulo. Dialética, novembro de 2005, p. 9-20.
[71] ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti, et al. O anteprojeto da
lei sobre a repercussão geral dos recursos extraordinários. Revista
de processo. São Paulo, a. 30, n.129, p. 108, nov. 2005.
[85] Art. 543-A - O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível,
não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele
versada não oferecer repercussão geral. BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro
de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Brasília, Diário Oficial
da República Federativa da União, de 11 de janeiro de 1973. Disponível
em: . Acesso em: 14
dez. de 2010.
[89] Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). Regimento Interno:
[atualizado até novembro de 2010] – consolidado e atualizado até maio de 2002
por Eugênia Vitória Ribas. Loc. cit.
[91] BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código
de Processo Civil. Brasília, Diário Oficial da República Federativa da
União, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: .
Acesso em: 14 dez. 2010.
[94] Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). Regimento Interno:
[atualizado até novembro de 2010] – consolidado e atualizado até maio de 2002
por Eugênia Vitória Ribas. Loc. cit.
[99] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 599628 RG, Relator(a): Min.
MIN. AYRES BRITTO, julgado em 11/03/2010, DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC
26-03-2010 EMENT VOL-02395-06 PP-01487.
[101] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 608852 RG, Relator(a): Min.
MIN. ELLEN GRACIE, julgado em 29/04/2010, DJe-100 DIVULG 02-06-2010 PUBLIC
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[102] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 583747 RG, Relator(a): Min.
MENEZES DIREITO, julgado em 05/03/2009, DJe-079 DIVULG 29-04-2009 PUBLIC
30-04-2009 EMENT VOL-02358-05 PP-00935. Loc. cit.
[103] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 588944 RG, Relator(a): Min.
CEZAR PELUSO, julgado em 14/08/2009, DJe-213 DIVULG 12-11-2009 PUBLIC
13-11-2009 EMENT VOL-02382-06 PP-01192. Loc. cit.
[104] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 584608 RG, Relator(a): Min.
ELLEN GRACIE, julgado em 04/12/2008, DJe-048 DIVULG 12-03-2009 PUBLIC
13-03-2009 EMENT VOL-02352-10 PP-01949. Loc. cit.
[105] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 583747 RG, Relator(a): Min.
MENEZES DIREITO, julgado em 05/03/2009, DJe-079 DIVULG 29-04-2009 PUBLIC
30-04-2009 EMENT VOL-02358-05 PP-00935. Op. cit.; Pg. 08
[106] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 566007 RG, Relator(a): Min.
MIN. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 13/05/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC
25-06-2010 EMENT VOL-02407-05 PP-01043. Loc. cit.
[107] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 566007 RG, Relator(a): Min.
MIN. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 13/05/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC
25-06-2010 EMENT VOL-02407-05 PP-01043. Loc. cit.
[108] DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL.
GRATIFICAÇÃO ESPECIAL DE TÉCNICO DE NÍVEL SUPERIOR (GTNS). GRATIFICAÇÃO
INSTITUIDA PELA LEI DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Nº 6.371/93. MATÉRIA
RESTRITA AO PLANO DO DIREITO LOCAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. AI
746996 RG, Relator(a): Min. MIN. DIAS TOFFOLI, julgado em 06/05/2010, DJe-100
DIVULG 02-06-2010 PUBLIC 04-06-2010 EMENT VOL-02404-08 PP-01569. Op. cit.: 14
dez. 2010.
[109] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 746996 RG, Relator(a): Min.
MIN. DIAS TOFFOLI, julgado em 06/05/2010, DJe-100 DIVULG 02-06-2010 PUBLIC
04-06-2010 EMENT VOL-02404-08 PP-01569. Loc. cit.
[110] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 764703 RG, Relator(a):
Min. CEZAR PELUSO, julgado em 17/09/2009, DJe-195 DIVULG 15-10-2009 PUBLIC
16-10-2009 EMENT VOL-02378-14 PP-02778. Loc. cit.
[111] ASSIS. Carlos Augusto de. Repercussão geral como requisito de
admissibilidade do recurso extraordinário (lei 11.418/2006) – Revista
Dialética de Direito Processual. n. 54, set. 2007, p.39.
[113] BRASIL. Constituição Federal; CLT; Legislação
previdenciária/organizador: Nylson Paim de Abreu Filho. – Porto Alegre: Verbo
Jurídico, 2010.
[119] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 600010 RG, Relator(a): Min.
JOAQUIM BARBOSA, julgado em 11/03/2010, DJe-050 DIVULG 18-03-2010 PUBLIC
19-03-2010 EMENT VOL-02394-03 PP-00606. Op. cit,; 07 jul. 2010.
[121] No mesmo sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AgRg nos EREsp
838.067/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
25/04/2007, DJ 14/05/2007, p. 243.
[122] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 603451 RG, Relator(a): Min.
MIN. ELLEN GRACIE, julgado em 11/03/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC
23-04-2010 EMENT VOL-02398-05 PP-01066. Op. cit.; 08 jul.2010. No mesmo
sentido: RE 603497 RG, Relator(a): Min. MIN. ELLEN GRACIE, julgado em
04/02/2010, DJe-081 DIVULG 06-05-2010 PUBLIC 07-05-2010 EMENT VOL-02400-08
PP-01639.
[123] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 712743 RG-QO, Relator(a):
Min. ELLEN GRACIE, julgado em 12/03/2009, DJe-084 DIVULG 07-05-2009 PUBLIC
08-05-2009 EMENT VOL-02359-15 PP-02970 RF v. 105, n. 402, 2009, p. 386-390. Op.
cit.; 15 dez. 2010.
[124] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 606358 RG, Relator(a): Min.
MIN. ELLEN GRACIE, julgado em 11/03/2010, DJe-100 DIVULG 02-06-2010 PUBLIC
04-06-2010 EMENT VOL-02404-07 PP-01359. Loc. cit.
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