CRIME DE
ESTUPRO - ARTIGO 213 DO CP
Estupro
Art. 213. Constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a
praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6
(seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta
resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito)
ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8
(oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta
resulta morte:
Pena - reclusão, de 12
(doze) a 30 (trinta) anos.
Estupro
Art. 213 - Constranger
mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de
três a oito anos.
Parágrafo único.
Se a ofendida é menor
de catorze anos:
Pena - reclusão, de
seis a dez anos.
Atentado violento ao
pudor
Art. 214 - Constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele
se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Parágrafo único. Se o
ofendido é menor de catorze anos:
Pena - reclusão de dois
a sete anos.
Classificação
doutrinária: crime comum (não exige
qualidade especial do autor); bicomum (qualquer pessoa pode figurar tanto como
sujeito ativo quanto passivo); material (crime que, para a sua consumação,
exige resultado naturalístico); doloso (não é punível na modalidade culposa);
comissivo (embora possa ser praticado por omissão imprópria); de forma livre (a
lei não prevê forma específica de praticá-lo, exceto na conjunção carnal);
instantâneo (a consumação não se alonga no tempo); unissubjetivo (pode ser
praticado por uma única pessoa); plurissubsistente (é composto por vários atos,
viabilizando a tentativa); pluriofensivo (mais de um bem jurídico tutelado: a
liberdade sexual e a integridade física).
Crime complexo: o estupro é crime complexo, ou seja, ele é formado pela
fusão de mais de um delito. Contudo, aquele que, mediante violência ou grave
ameaça, força alguém à prática de ato sexual, pratica um único crime: o de
estupro (art. 213 do CP). Nos crimes complexos, há a pluralidade de bens
jurídicos tutelados, o que não ocorre nos crimes simples, que protegem um único
bem (ex.: no homicídio, o bem jurídico é a vida). Nesse sentido, Cleber Masson,
em seu “CP Comentado”:
O estupro constitui-se
um crime complexo em sentido amplo. Nada mais é do que o constrangimento ilegal
voltado para uma finalidade específica, consistente em conjunção carnal ou
outro ato libidinoso.
O atentado violento ao
pudor, o estupro e a Lei 12.015/09: da antiga redação, anterior à Lei 12.015/09,
extraíamos as seguintes definições: a) o estupro: somente a mulher podia ser
vítima, por força do que dispunha a redação legal (“constranger mulher”). A
conduta criminosa era caracterizada pela conjunção carnal - a introdução do
pênis na vagina - forçada, não consentida; b) o atentado violento ao pudor: se
a vítima fosse forçada a praticar ou a se submeter à prática de ato libidinoso
diverso da conjunção carnal, o crime seria o de atentado violento ao pudor
(ex.: obrigar a vítima a fazer sexo oral). E se o criminoso, em um mesmo ato,
obrigasse a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso dela diverso? Nesse
caso, responderia pelos dois delitos, em concurso material (art. 69do CP). Com o advento da Lei 12.015/09,
o crime de atentado violento ao pudor foi absorvido pelo estupro, e os dois
delitos passaram a ser um só. Portanto, agora, se, em um mesmo contexto fático,
o agente força a vítima à conjunção carnal e, em seguida, submete-a a outro ato
libidinoso (ou vice-versa), pratica somente um crime: o de estupro.
Conjunção carnal e ato
libidinoso diverso em um mesmo contexto, contra a mesma vítima: antes do advento da Lei 12.015/09,
se o agente, em um mesmo contexto fático, submetesse a vítima à conjunção
carnal e a ato libidinoso dela diverso (ex.: cópula vagínica seguida por sexo
anal), dois seriam os seus crimes: o de estupro e o de atentado violento ao
pudor. Aplicar-se-ia, à hipótese, a regra do concurso material (art. 69 do CP), ou seja, as penas seriam aplicadas cumulativamente.
Com a unificação dos crimes, caso o agente pratique, hoje em dia, as condutas
acima exemplificadas, em um mesmo contexto fático, somente um crime será
praticado: o de estupro, não havendo o que se falar em concurso material ou
formal.
Crime único ou concurso
de crimes: posicionamento do STJ.
Primeira corrente (6a Turma do STJ): se o agente submete a vítima, em um mesmo
contexto fático, à conjunção carnal e a ato libidinoso diverso, haverá crime
único, pois o art. 213 do CP contém
um tipo penal misto alternativo (ou seja, ainda que pratique mais de um verbo,
cometerá um único crime. Ex.: art. 33 da Lei 11.343/06). Nessa hipótese, a
pluralidade de condutas deve ser levada em consideração no momento da aplicação
da pena, nos termos do art. 59 do CP. Por outro lado, se os atos forem praticados em
momentos distintos, o réu deverá responder por vários estupros, em continuidade
delitiva (art. 71 do CP) ou em concurso material (art. 69, “caput” do CP). Segunda corrente (5a Turma do STJ): o art. 213
seria um tipo penal misto cumulativo, ou seja, se praticada mais de uma das
condutas previstas no dispositivo, deverá o agente responder por mais de um
delito, e não apenas por um, como ocorre quando o consideramos como tipo penal
misto alternativo (1a corrente). Com base neste entendimento, caso o agente
submeta a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso dela diverso (ex.:
cópula vagínica e sexo anal), deverá ser responsabilizado por mais de um
estupro, em concurso material. Caso seja praticado mais de uma conjunção ou
mais de um atentado violento ao pudor, aplicar-se-á a regra da continuidade
delitiva (art. 71 do CP). Para Rogério Greco, em seu “CP Comentado”, a
hipótese é de crime único:
Caso o agente, por
exemplo, em uma única relação de contexto, mantenha com a vítima o coito anal
para, logo em seguida, praticar a conjunção carnal, como já afirmamos
anteriormente, tal fato se configurará em um único crime de estupro, devendo o
julgador, ao aplicar a pena, considerar tudo o que efetivamente praticou contra
a vítima.
“Novatio legis in
mellius”: provavelmente, não foi
proposital, pois a intenção do legislador, ao reformar o Título VI do CP, foi, indubitavelmente, tornar mais rígida a
legislação. No entanto, a Lei 12.015/09
beneficiou uma miríade de acusados de crimes sexuais. Antes da reforma, caso o
agente submetesse a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso dela diverso,
responderia por dois crimes: o de estupro, do art. 213, e o de atentado
violento ao pudor, do art. 214, em concurso material – ou seja, as duas penas
seriam aplicadas. Somadas, as penas poderiam chegar a 20 (vinte) anos de
reclusão. Após a reforma, afastou-se o concurso material e passou a ser
possível considerar a conjunção carnal seguida de ato libidinoso dela diverso
como crime único – ou seja, um único estupro, com pena máxima de 10 (dez) anos.
Ainda que se aplique a regra da continuidade delitiva, prevista no art. 71, a
pena ainda seria mais branda: máxima de 10 (dez) anos, aumentada de 1/6 a 2/3.
Portanto, impossível alcançar os 20 (vinte) anos de condenação, possíveis
anteriormente. Destarte, a Lei 12.015/09
é benéfica aos acusados e condenados pela prática do crime de estupro, cumulado
ao de atentado violento ao pudor, praticado antes do seu advento, e, por isso,
retroagiu.
“Abolitio criminis” do
atentado violento ao pudor: quando a lei deixa de
considerar um fato como crime – ou seja, o delito é abolido do ordenamento
jurídico -, ocorre a extinção da punibilidade de quem o praticou, nos termos do
art. 107, III, do CP. Como o artigo 214, que tratava do atentado violento
ao pudor, foi revogado pela Lei 12.015/09,
questionou-se: seria hipótese de “abolitio criminis”? A resposta é não. Isso
porque a conduta prevista no extinto art. 214 foi “transferida” para o art.
213, que trata do estupro. Portanto, forçar alguém à prática de ato libidinoso
diverso da conjunção carnal continua sendo crime, não mais de atentado violento
ao pudor (art. 214), mas de estupro (art. 213). Trata-se da aplicação do
princípio da continuidade típico normativa.
Objeto jurídico: é a liberdade sexual da mulher e do homem, o direito de
escolher com quem deseja ter contatos íntimos, sexuais. Em nenhuma hipótese
alguém poderá ser submetido a ter relação sexual contra a sua vontade. Se a
prostituta, mesmo após o pagamento do “programa”, decide não fazer sexo com o
cliente, a sua vontade deverá ser respeitada. Outro exemplo é o dos casados.
Ainda que casada, a pessoa não poderá ser obrigada a ter relações sexuais com
seu cônjuge. Portanto, o marido que obriga a esposa, mediante violência ou
grave ameaça, a fazer sexo, pratica o crime de estupro. Nas relações sexuais, o
consentimento dos envolvidos deve ser tido como condição absoluta, não
existindo qualquer possibilidade de que o ato ocorra, licitamente, sem a sua
existência.
Objeto material: é a pessoa, homem ou mulher, contra quem se dirige a
conduta criminosa.
Núcleo do tipo: é o verbo “constranger”, ou seja, coagir alguém a algo. A
vítima perde a liberdade de escolha e se vê obrigada a se submeter a ato sexual
contra a sua vontade. O estupro é semelhante ao crime de constrangimento ilegal
(art. 146 do CP), pois, nele, a vítima também é obrigada a fazer algo
que a lei não manda. Contudo, no art. 213, o “fazer” diz respeito a ter
relações sexuais sem consentimento. Por força do princípio da especialidade,
havendo violência sexual, aplica-se o art. 213, e não o art. 146.
Sujeito ativo: qualquer pessoa, homem ou mulher. Se o autor
da conduta for menor de
idade, a prática será considerada ato infracional, regulado pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente. Na conjunção carnal, o autor deverá,
obrigatoriamente, ser do sexo oposto da vítima.
Coautoria e
participação: antigamente, antes da
Lei 12.015/09,
havia grande celeuma sobre a possibilidade de a mulher ser sujeito ativo do
crime de estupro, que só podia ser praticado por homens – afinal, o crime
consistia em introduzir o pênis na vagina da vítima (conjunção carnal), contra
a sua vontade. Concluiu-se, afinal, que seria possível a mulher atuar como
partícipe, quando auxiliasse o homem a praticar o delito. Com a reforma do
Título VI do CP, a discussão perdeu força, pois o estupro passou a
ser não só a conjunção carnal, como qualquer outro ato libidinoso diverso.
Portanto, atualmente, pode existir a coautoria entre mulheres, entre homens ou
entre homens e mulheres, pois qualquer deles pode ser autor do delito.
Mulher como sujeito
ativo do crime de estupro por conjunção carnal [1]:
Excepcionalmente, na
hipótese de o sujeito ativo da cópula carnal sofrer coação irresistível por
parte de outra mulher para a realização do ato, pode-se afirmar que o sujeito
ativo do delito é uma pessoa do sexo feminino, já que, nos termos do art. 22 do Código Penal, somente o coator responde pela prática do
crime. (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 3, p. 195).
Para Rogério Greco, em
seu “CP Comentado”, por não ser possível a autoria mediata em crime de mão
própria, o mais correto ao caso é a aplicação da intitulada “teoria do autor de
determinação”: “Podemos, dessa forma, utilizar a teoria do autor de
determinação, preconizada por Zaffaroni, a fim de fazer com que a mulher que
determinou a prática do estupro mediante conjunção carnal responda, com esse
título especial - autora de determinação -, pelas mesma penas cominadas ao
estupro. Assim, de acordo com as lições de Zaffaroni, 'a mulher não é punida
como autora do estupro, senão que se lhe aplica a pena do estupro por haver
cometido o delito de determinar o estupro'. Tal raciocínio não se afasta das
disposições contidas no art. 22 do Código Penal.”.
Mulher como sujeito
ativo do crime de estupro por conjunção carnal [2]: a mulher que, mediante violência ou grave ameaça, obriga
um homem a, com ela, ter conjunção carnal, pratica o crime de estupro? Sim,
embora seja, na prática, difícil imaginar que um homem, nessa situação, consiga
ter uma ereção.
Aborto humanitário por
gravidez da autora: se uma mulher, autora
do crime de estupro, vier a engravidar em virtude do ato de violência sexual
praticado contra homem, poderá realizar o aborto, nos termos do art. 128, II,
do CP? A resposta só pode ser negativa. Isso porque é evidente que a previsão
legal trazida no dispositivo busca proteger a vítima do estupro, e não a
autora, que, ao ter a relação sexual, sabia que poderia, em virtude dela,
engravidar.
A “curra”: "A questão mais complicada diz respeito à situação da
'curra', na qual dois (ou mais) agentes revezam-se na prática da conjunção
carnal ou de outro ato libidinoso contra a mesma vítima. Exemplificadamente,
enquanto um homem segura a mulher o outro com ela mantém conjunção carnal, e
vice-versa. Nesse caso, cada um dos sujeitos deve ser responsabilizado por dois
crimes de estupro, pois são autores diretos das penetrações próprias e
coautores das penetrações alheias. Há concurso de crimes, a ser definido no
caso concreto: concurso material (CP, art. 69) ou continuidade delitiva, se presentes
os demais requisitos exigidos pelo art. 71, 'caput', do CP." (MASSON, Cleber. CP Comentado,
p. 800). Rogério Greco, em seu “CP Comentado” entende de forma diversa, tendo
como fundamento o fato de o estupro, na hipótese de conjunção carnal, ser crime
de mão própria: “Nesse caso, cada agente que vier a praticar a conjunção
carnal, com os necessários atos de penetração, será autor de um crime de
estupro, enquanto os demais serão considerados seus partícipes.”.
Sujeito passivo: na antiga redação do art. 213, somente a mulher podia ser
vítima do crime de estupro, pois o delito consistia em submeter alguém,
mediante violência ou grave ameaça, à cópula vagínica. Por mais que a conjunção
carnal também envolva o homem, por questões sociais da época em que a redação
foi elaborada, bem como por motivos psicológicos – é difícil conceber a ideia
de que um homem possa ser obrigado a ter uma ereção -, o artigo 213 apontava
expressamente a mulher como vítima do crime. A partir da nova redação do
dispositivo, modificado pela Lei 12.015/09,
com a unificação dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, passou
a ser possível que o homem também seja vítima de estupro. Ainda que a cópula
vagínica forçada permaneça de difícil concepção, o homem pode ser submetido a
outros atos sexuais (introdução de objetos, toques íntimos, sexo anal etc.).
Portanto, atualmente, pode ser vítima de estupro o homem ou a mulher. Contudo,
vale ressaltar: se a vítima tiver menos de 14 (quatorze) anos, for enferma ou
deficiente mental, sem o necessário discernimento para a prática do ato, ou se
não podia oferecer resistência contra o ato, o crime será o de estupro de
vulnerável, do art. 217-A do CP.
Estupro contra índios: se o índio ou índia não for integrado à civilização,
aplica-se o disposto no art. 59 do “Estatuto do Índio” (Lei 6.001/73):
No caso de crime contra
a pessoa, o patrimônio ou os costumes, em que o ofendido seja índio não
integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de um terço.
Dissenso da vítima: é elementar implícita do crime de estupro, e deve
subsistir durante toda a atividade sexual. Se o sexo é consentido, o delito não
ocorre.
Dissenso durante o ato: a liberdade sexual é absoluta, não sendo admitida, em
hipótese alguma, a sua supressão. Por isso, caso alguém, inicialmente, consinta
com a relação sexual, e, durante o ato, mude de ideia, a sua decisão deverá ser
respeitada. Veja o seguinte exemplo: A e B, casados há trinta anos, iniciam a
cópula. Durante o ato, B decide não querer persistir, e pede para que A pare.
A, no entanto, ignora o pedido – que, em verdade, é uma ordem -, e, empregando
violência, dá continuidade ao ato sexual. No exemplo, ainda que casados há
longa data, o crime de estupro estará configurado.
O “falso não”: há quem, no ritual de conquista, diga “não” à relação
sexual, quando, em verdade, deseja que ela ocorra. Nesses casos, é claro, não
há estupro, pois a relação foi consentida. Trata-se, portanto, de um “falso
não”. E se o agente, empregando violência, mantém relação sexual com a vítima,
pensando que a recusa – e o uso da força - é, em verdade, parte do jogo de
sedução? Se comprovado que o autor realmente desconhecia o não consentimento do
ofendido, e levado em consideração outros fatores, como a razoabilidade, a
hipótese será de erro de tipo (art. 20, “caput”, do CP), causa de atipicidade da conduta.
Conjunção carnal: consiste na introdução, total ou parcial, do pênis na
vagina. Para a configuração do crime de estupro, não é necessário que o agente
ejacule.
A introdução de dedo na
vagina: não pode ser
considerada conjunção carnal. Só ocorre a cópula vagínica com a introdução do
pênis na vagina, e não objetos ou dedos. Portanto, pela antiga redação, a
introdução forçada, contra a vontade, de coisa diversa ao pênis, no interior do
órgão sexual feminino, caracterizava o crime de atentado violento ao pudor, e
não o de estupro. Contudo, com a unificação dos dispositivos – arts. 213 e 214
-, a discussão perdeu força, pois, em qualquer caso, o crime será o de estupro.
Formas de se praticar o
atentado violento ao pudor: após a Lei 12.015/09,
o atentado violento ao pudor deixou de ser crime autônomo e passou a integrar o
art. 213, que tipifica o estupro, em sua segunda parte (“praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso”). De acordo com a redação legal,
duas são as formas de ocorrência dessa modalidade de estupro: a) praticar:
hipótese em que a vítima é forçada a fazer algo. Por exemplo, obrigá-la a fazer
sexo oral no órgão genital do ofensor; b) permitir que se pratique: na segunda
hipótese, a vítima é forçada a agir passivamente, deixando que com ela seja
praticado o ato (ex.: introduzir objetos na vítima).
Desnecessidade de
contato físico: na hipótese de
conjunção carnal, é fundamental, para a consumação do crime, que o pênis
penetre na vagina, total ou parcialmente. No atentado violento ao pudor
(segunda parte do art. 213), no entanto, em alguns casos, o contato físico
entre a vítima e o ofensor não é condição para a consumação do crime. Na
segunda parte do art. 213, a redação legal fala em “praticar” ou “permitir”, a
vítima, que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Portanto, é possível imaginar a seguinte situação: o autor, mediante grave
ameaça, exige que a vítima toque o seu próprio corpo, de maneira erótica. No
exemplo, o agente não teve qualquer contato físico com a vítima, mas praticou o
crime de estupro, pois houve ofensa à liberdade sexual. Contudo, atenção: ainda
que o envolvimento físico do autor do crime, em casos determinados, não seja
essencial, o envolvimento corporal da vítima é fundamental à prática do crime
de estupro. Por isso, não configura o delito de estupro forçar alguém a
presenciar ato sexual, pois não há violação da liberdade sexual – o ofendido
não está sendo obrigado a ter relações sexuais contra a sua vontade. Nesse
caso, a hipótese será de constrangimento ilegal (art. 146 do CP).
Meio de execução:
violência: o agente emprega força
física contra a vítima. A violência pode ser produzida pela própria energia
corporal do ofensor (ex.: com as mãos, inviabiliza a resistência da vítima,
segurando-a) ou por outros meios (armas, fogo, gases etc.). A violência pode
ser imediata, quando empregada contra o ofendido, ou mediata, quando aplicada
contra terceiro a quem a vítima esteja emocionalmente ligada (ex.: filhos).
Trata-se da intitulada “vis absoluta”, que não precisa ser irresistível. Basta
que seja suficiente para coagir a vítima.
Meio de execução: grave
ameaça: é a violência moral, a
“vis compulsiva”. Perceba, de antemão, que a ameaça deve ser grave, ou seja,
deve ser realmente relevante (a gravidade diz respeito ao resultado do mal, se
concretizado). Ademais, o mal prometido deve ser: a) determinado (ex.: “se não
fizer sexo, morrerá!”); b) verossímil: a vítima deve acreditar que o mal poderá
se concretizar; c) iminente: o mal deve ser algo que possa ocorrer enquanto a vítima
está sob o domínio do ofensor, sem qualquer chance de evitá-lo; d) inevitável:
caso contrário, a ameaça não surtirá efeito. Isso não significa, no entanto,
que a vítima deva praticar ato heroico para evitá-la (ex: lutar contra o
ofensor armado). Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade devem
nortear a avaliação da inevitabilidade; e) dependente de ato do agente: ou
seja, o mal não deve ser referente a algo que dependa de terceiro para se
concretizar, mas somente da vontade de quem profere a ameaça. A ameaça pode se
dar por escrito ou oralmente, ou, até mesmo, por gestos.
Mal injusto: no crime de ameaça, o mal prometido deve ser “injusto”,
por força do que dispõe o art. 147 do CP: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou
qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”. Injusto é o
mal que não possui qualquer apoio legal para a sua realização. No estupro, no
entanto, é irrelevante o fato de o mal prometido ser justo ou injusto, pois não
há qualquer previsão legal nesse sentido, ao contrário do que ocorre no crime
de ameaça. Pode parecer estranho, mas entenda: ainda que o ato em que consiste
a ameaça tenha amparo legal para a sua realização, a ninguém é dado o direito
de exigir favores sexuais. Como já comentado, o consentimento é elemento
inafastável das relações sexuais. Portanto, jamais poderá ser afastado, pouco
importando a existência de pretensão justa por parte do ofensor.
Satisfação da lascívia: pela natureza do crime, presume-se que o agente aja em
busca de satisfação sexual. Contudo, para não restringir a abrangência do
dispositivo, o legislador optou por não incluir a satisfação da lascívia como
elementar do crime. Por isso, pouco importa se o estupro ocorreu por interesses
sexuais, por vingança ou por outra razão. A motivação do agente é irrelevante
para a configuração do delito.
Atos preliminares: se a intenção do agente é a conjunção carnal, é natural
que, até que ocorra a penetração do pênis na vagina, outros atos libidinosos
sejam praticados – o toque nos seios da vítima, por exemplo. Esses atos
anteriores são absorvidos pela conjunção carnal, e, portanto, ainda que
ocorram, o agente responderá somente pela primeira parte do dispositivo (“a ter
conjunção carnal”). O intuito do agente pode ser fundamental para que se
determine se o crime foi consumado ou tentado. Entenda: a) se o agente busca a
conjunção carnal: se a execução for interrompida, contra a vontade do agente,
antes da penetração do pênis na vagina, o crime será tentado, nos termos do
art. 14, II do CP, com redução de um a dois terços da pena, ainda que o
agente seja flagrado no momento em que acaricia a vítima; b) se o agente busca
ato libidinoso diverso da conjunção carnal: como a cópula vagínica não é o
objetivo, se flagrado o agente durante as carícias, o crime estará consumado,
não se aplicando qualquer redução, sendo irrelevante o fato de ainda não ter a
cópula vagínica. Para ficar mais claro, um exemplo a mais: Tício é flagrado, em
um matagal, acariciando os seios de Maria, contra a sua vontade. Ao ser preso,
ele afirma que pretendia ter conjunção carnal com a vítima, o que não ocorreu
por ter sido impedido pelos policiais. Portanto, hipótese de crime tentado, nos
termos do art. 14, II, do CP. Contudo, se demonstrado que Tício não buscava a
cópula vagínica, mas somente as carícias, o crime estará consumado, pois houve
o contato sexual (a carícia nos seios). A questão pode ser suscitada como tese
de defesa – pois há diferença na pena a ser aplicada se o crime for tido como
tentado -, cabendo ao réu demonstrar, em contraditório, qual era a sua real
intenção ao subjugar a vítima. Sobre o assunto, interessante lição de Rogério
Greco, em seu “CP Comentado”:
Não podemos concordar,
permissa vênia, com a posição radical assumida por Maximiliano Roberto Ernesto
Führer e Maximilianus Cláudio Américo Führer quando aduzem que ‘com a nova
redação, o texto penal afastou as tradicionais dúvidas sobre se os atos
preparatórios da conjunção carnal, ou preliminares, configurariam estupro
consumado ou mera tentativa. Com a sua redação atual o texto não deixa margem
para incertezas: qualquer ato libidinoso, mesmo que preparatório, consuma o
crime’. A vingar essa posição, somente nas hipóteses que o agente viesse a
obrigar a vítima a despir-se é que se poderia falar em tentativa se, por uma
circunstância alheia à sua vontade, não consumasse a infração penal, deixando,
por exemplo, de praticar a conjunção carnal, o sexo anal etc. Assim,
insistimos, se, por exemplo, ao tentar retirar a roupa da vítima, o agente
passar as mãos em seus seios, ou mesmo em suas coxas, com a finalidade de
praticar a penetração e, se por algum motivo, vier a ser interrompido, não
podemos entender como consumado o estupro, mas, sim, tentado.
Desclassificação para a
contravenção do art. 61 da LCP: seria proporcional punir, com o mesmo rigor, quem força a
vítima à prática de coito anal e quem, aproveitando-se da superlotação de um
ônibus, “encoxa” (abraço malicioso, com intento sexual) alguém? Evidentemente
que não. Para essas situações, o mais adequado é a imputação ao agente da
conduta prevista no art. 61 da LCP:
“Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo
ao pudor”. Contudo, caso o agente empregue violência ou grave ameaça, o crime
será o de estupro, ainda que a sua intenção, como exemplificado anteriormente,
seja “encoxar” a vítima em um ônibus lotado. Em sentido contrário, Rogério
Greco, em seu “CP Comentado”, ao confrontar Damásio de Jesus: “Dessa forma,
entendemos, permissa venia, equivocada a posição de Damásio de Jesus quando
afirma que pratica o crime de estupro aquele que, 'com o emprego de violência
ou grave ameaça, acaricia as partes pudendas de uma jovem por sobre o seu vestido'.
Nesse caso, poderá se configurar o crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP), ou mesmo a contravenção penal de importunação
ofensiva ao pudor (art. 61 da LCP)”.
Hediondez do estupro: o estupro, em todas as suas formas (até mesmo tentado), é
considerado crime hediondo, por força do que dispõe o art. 1o, V, da Lei 8.072/90.
Algumas consequências disso: a) a progressão só é possível após o cumprimento
de 2/5 da pena, se primário, ou de 3/5, se reincidente. Nos demais crimes, a
progressão é possível após o cumprimento de 1/6 da pena; b) o regime inicial é
o fechado, independente da pena; c) o prazo da prisão temporária é de até 30
(trinta) dias. Nos demais crimes, o prazo máximo é de 05 (cinco) dias; d) não é
possível fiança; e) não é possível a anistia, a graça e o indulto;
f) o prazo para a concessão do livramento condicional é superior ao dos demais
crimes (vide art. 83 do CP).
Estupro qualificado (§
1o, primeira parte): se da violência
empregada para a prática do estupro resulta lesão corporal de natureza grave,
aplica-se a pena da forma qualificada do delito, prevista no parágrafo primeiro
do art. 213 – de oito a doze anos, enquanto na forma simples, do “caput”, a
pena é de seis a dez anos. A forma qualificada do delito é hipótese de crime
preterdoloso, ou seja, o resultado lesão corporal não se dá por dolo do agente
– ele não deseja o resultado mais gravoso, que vem a ocorrer por culpa. Caso,
no entanto, o agente queira estuprar e também lesionar gravemente a vítima,
deverá responder pela lesão corporal e pelo estupro, em concurso material (art. 69 do CP). É importante frisar que só ocorrerá a forma
qualificada se a lesão corporal for grave, nos termos do art. 129, § 1º e § 2º.
Se leve, a lesão será absorvida pelo estupro, e o agente responderá pela forma
simples do delito – art. 213, “caput”. A contravenção penal de vias de fato
também é absorvida pelo estupro em sua forma simples, caso venha a ocorrer. O
estupro só será qualificado se a lesão se der na vítima do crime. Caso ocorra
em pessoa diversa, o agente responderá por dois crimes: o de estupro (art. 213,
“caput”) e o de lesão corporal (art. 129 do CP), em concurso material.
Estupro qualificado (§
1o, segunda parte): para o Código Penal, a pessoa maior de 14 (quatorze) anos tem
discernimento suficiente para exercer a sua liberdade sexual. Por isso, não é
crime ter relações sexuais com pessoas nessa faixa etária. Contudo, se o ato
for praticado mediante violência ou grave ameaça, contra a vontade do menor de
18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos, o crime será qualificado, com
penas 08 (oito) a 12 (doze) anos – pena mínima superior à do homicídio. Caso a
vítima tenha menos de 14 (quatorze) anos, o crime será o de estupro de
vulnerável (art. 217-A do CP). Nos termos do art. 155, parágrafo único, do CPP,
a idade da vítima deve ser comprovada por documento hábil. Ademais, é essencial
que o agente tenha consciência de que a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior
de 14 (quatorze) anos, caso contrário, será responsabilizado por estupro
simples (art. 213, “caput”).
Revogação da violência
presumida como meio de execução: antes da Lei 12.015/09,
se o crime de estupro fosse praticado contra menor de 14 (quatorze) anos,
pessoa “alienada ou débil mental” ou que não pudesse opor resistência ao ato,
presumir-se-ia a violência, ou seja, ainda que o agente não empregasse efetiva
violência, ela seria considerada presente, em razão da condição da vítima. Com
a reforma do Título VI do CP, a presunção de violência deixou de existir, e a
violência sexual contra essas vítimas passou a ser prevista em tipo penal
próprio: o de estupro de vulnerável, do art. 217-A do CP. Portanto, não houve “abolitio criminis”.
O suposto erro da Lei 12.015/09: se a vítima tiver mais de 18 (dezoito) anos, o crime será
o de estupro simples (art. 213, “caput”); se for menor de 18 (dezoito) ou maior
de 14 (quatorze), o crime será o de estupro qualificado (art. 213, § 1o); por
fim, se menor de 14 (quatorze) anos, o crime será o de estupro de vulnerável
(art. 217-A). Para alguns autores – a exemplo de Masson, Capez e Sanches -, ao
dizer “maior” e “menor” de quatorze anos, para diferenciar o estupro
qualificado (art. 213, § 1o) do estupro de vulnerável (art. 217-A), o
legislador teria deixado de fora o dia do aniversário de 14 (quatorze) anos,
pois, nesta data, a pessoa não seria maior e nem menor de quatorze anos.
Contudo, com todo o respeito aos eminentes autores, não tem o menor cabimento
tal raciocínio. A legislação, em vários trechos, utiliza a expressão “maior de”
como sinônima de idade completa. Por isso, até o último segundo anterior à data
em que completa 14 (quatorze) anos, a pessoa pode ser vítima de estupro de
vulnerável (art. 217-A). Por outro lado, desde o primeiro segundo em que
completa 14 (quatorze) anos (incluído o dia do seu aniversário), passa a ser
aplicável a qualificadora do parágrafo primeiro do art. 213.
Estupro qualificado (§
2o): trata-se de crime
preterdoloso. Há dolo no estupro e culpa no resultado agravador (alguns
autores, a exemplo de Nucci, entendem que a qualificadora é aplicável ainda que
a morte decorra de dolo). Caso, em razão da violência empregada no estupro, a
vítima venha a morrer, coisa não desejada pelo autor, ser-lhe-á atribuída a
prática da forma qualificada do crime de estupro, prevista no parágrafo segundo
do art. 213, com penas de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Caso a morte tenha
ocorrido por ato doloso do agente – ou seja, além do estupro, buscou matar a
vítima -, ele deverá responder por estupro, nos termos do “caput” do art. 213,
em concurso material com o crime de homicídio (art. 121 do CP). Se pessoa diversa vier a morrer, o agente
responderá por dois delitos, em concurso material: o de estupro, na forma do
“caput”, e o de homicídio. Caso a vítima, morta, seja menor de 18 (dezoito) e
maior de 14 (quatorze) anos, aplicar-se-á, somente, a qualificadora do
parágrafo segundo, devendo ser absorvida a do parágrafo primeiro. Isso não
impede, no entanto, a exasperação da pena em virtude da idade da vítima (art. 59, “caput”, do CP). Por fim, vale frisar que a qualificadora não é
aplicável se a morte se der por caso fortuito ou força maior, pois a nossa
legislação não permite, em regra, a responsabilidade penal objetiva (vide art. 19 do CP).
Tentativa e a
superveniência de resultado agravador: se o agente emprega violência contra a vítima, mas não
consuma o crime por motivo alheio à sua vontade (portanto, crime tentado), e
ela vem a morrer, posteriormente, em consequência da violência, o crime será
considerado consumado, nos termos do art. 213, parágrafo segundo. O mesmo vale
para a lesão corporal grave resultante do estupro, prevista no parágrafo
primeiro. É o mesmo raciocínio aplicável ao latrocínio, quando o agente não
obtém êxito em subtrair o bem.
Tentativa de estupro e
a incidência da qualificadora (teoria de Rogério Greco): “Poderíamos, ainda, visualizar a hipótese em que o agente,
depois de derrubar a vítima, fazendo com que batesse com a cabeça em uma pedra,
morrendo instantaneamente, sem que tivesse percebido esse fato, viesse a penetrá-la.
Aqui, teríamos, ainda, somente uma tentativa de estupro qualificada pela morte
da vítima, uma vez que a penetração ocorreu somente depois desse resultado, não
podendo mais ser considerada como objeto material do delito de estupro. Também
não ocorreria o vilipêndio a cadáver, tipificado no art. 212 do Código Penal, em virtude do fato de não saber o agente
que ali já se encontrava um cadáver, pois que desconhecia a morte da vítima”.
Estuprador que
transmite o vírus HIV à vítima: o agente que, sabendo que possui o vírus, estupra a
vítima, assumindo o risco de transmiti-lo, responde por estupro, em concurso
formal impróprio, com o crime de perigo de contágio de moléstia grave (art. 131 do CP). Contudo, se a sua intenção é a de matar, o crime
será o de homicídio: “Em havendo dolo de matar, a relação sexual forçada,
dirigida à transmissão do vírus da Aids é idônea para a caracterização da
tentativa de homicídio (STJ, HC 9.378, 6ª T., Rel. Min. Hamílton Carvalhido, v.
U., j. 18.10.2000, DJU 23-10-2000, p. 186).
O paradoxo da
qualificadora do § 2º: como explicado acima, a
qualificadora do parágrafo segundo é hipótese de crime preterdoloso – ou seja,
o resultado morte não é desejado pelo estuprador, mas ele vem a ocorrer por
culpa. Existindo dolo, ainda que eventual, deve o agente responder por dois
crimes: o de estupro, pela violência sexual, e o de homicídio, pela morte, em
concurso material ou em concurso formal impróprio (art. 70 do CP, parte final). A pena do homicídio é de seis a vinte
anos; a do estupro, de seis a dez anos. Em curiosa desproporção, no estupro
qualificado pela morte, em que não há a intenção de matar, a pena é de doze a
trinta anos. Portanto, quanto à pena, o legislador equiparou a morte culposa à
dolosa. Sobre o tema, interessante lição de Cezar Roberto Bitencourt (CP Comentado):
“Com efeito, se o agente houver querido (dolo direto) ou assumido (dolo
eventual) o risco da produção do resultado mais grave, as previsões desses
parágrafos não deveriam, teoricamente, ser aplicadas. Haveria, nessa hipótese,
concurso material de crimes (ou formal impróprio, dependendo das
circunstâncias): o de natureza sexual (caput) e o resultante da violência
(lesão grave ou morte). Curiosamente, no entanto, se houver esse concurso de
crimes dolosos, a soma das penas poderá resultar menor do que as das figuras
qualificadas, decorrente da desarmonia do sistema criada pelas reformas penais
ad hoc. Por essas razões, isto é, para evitar esse provável paradoxo, sugerimos
que as qualificadoras constantes dos §§ 1º e 2º devem ser aplicadas mesmo que o
resultado mais grave decorra de dolo do agente. Parece-nos que essa é a
interpretação mais recomendada, nas circunstâncias, observando-se o princípio
da razoabilidade.”.
Consumação do estupro: na modalidade “constranger à conjunção carnal”, o crime se
consuma no momento em que ocorre a penetração do pênis na vagina, ainda que
parcial. Na modalidade “praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso”, a consumação ocorre com a efetiva prática do ato libidinoso
diverso da conjunção carnal.
Tentativa: é possível, pois se trata de crime plurissubsistente. O
art. 213 traz, em seu teor, além da conjunção carnal e da prática de ato
libidinoso diverso da conjunção, a violência e a grave ameaça. Portanto, no
momento em que a ameaça ou a violência é empregada, considera-se iniciada a
execução do delito, sendo a violência sexual o ato seguinte. Caso a execução do
crime de estupro, que é composta por uma sequência de atos, seja interrompida
por circunstância alheia à vontade do agente, o crime será considerado tentado,
nos termos do art. 14, II, do CP. Para ficar mais claro, vejamos o seguinte exemplo:
A, mediante o emprego de arma de fogo, exige que B permita carícias em seu
corpo. No entanto, antes de iniciada a violência sexual – as carícias -, A é
rendido por policiais, que efetuam a sua prisão. A execução do estupro foi
iniciada, mas não houve a sua consumação por razão alheia à vontade do agente.
Portanto, praticou o crime de estupro (art. 213) na forma tentada (art. 14,
II). Segundo Masson (CP Comentado),
corroborando o que foi dito até aqui, “na visão do STF, a prática de ato
libidinoso importa em tentativa de estupro, e não na figura consumada, sempre
que funcionar como 'prelúdio do coito'”.
Desistência voluntária
(art. 15 do CP): é possível a travessia
pela “ponte de ouro”. Se o agente, após o emprego de violência ou de grave
ameaça, desistir do estupro, só responderá pelos atos praticados até aquele
momento. Ademais, caso a intenção do agente seja a cópula vagínica, mas desiste
enquanto pratica atos, também libidinosos, naturais à conjunção carnal, deverá
responder somente pelo atos até então praticados, e não por estupro consumado.
Entretanto, muitos autores entendem que, ocorrido o primeiro contato físico, já
não se pode mais falar em desistência voluntária, devendo o agente ser
responsabilizado por estupro consumado, em razão da prática de ato libidinoso
diverso da conjunção carnal. Este raciocínio é, todavia, perigoso, pois
desestimula a desistência, por parte do agente, da continuidade do delito – se
responderá pelo crime de qualquer maneira, por quê desistir?
Ejaculação precoce: caso o ato pretendido pelo agente exija que o seu pênis
esteja rígido, mas ele não consegue assim mantê-lo em razão de ejaculação
precoce, o crime será considerado tentado, pois não se consumou por
circunstância alheia à sua vontade. No entanto, caso, após a ejaculação, decida
praticar ato libidinoso que não exija a ereção, o crime poderá ser consumado.
Disfunção erétil: a não ocorrência do crime por ausência de rigidez peniana
deve ser analisada sob dois aspectos: a) se o agente, pretendendo praticar o
estupro mediante penetração, não obtiver êxito em sua conduta em razão de
impotência “coeundi”, o fato será atípico, pois se trata de crime impossível,
por absoluta ineficácia do meio de execução (art. 17 do CP). A impotência permanente deve ser demonstrada por
prova pericial; b) por outro lado, se o agente não é impotente, mas não
consegue manter o pênis ereto em razão de nervosismo ou outro motivo, o crime
será considerado tentado, pois o resultado não foi alcançado por motivo alheio
à sua vontade (art. 14, II, do CP).
Impotência “generandi”: é a incapacidade de procriação. Não inviabiliza a prática
do crime por penetração, não podendo se falar, neste caso, em crime impossível.
Ação penal e causas de
aumento: em razão da extensão
dos temas, que são comuns a outros crimes contra a dignidade sexual, e para não
tornar o estudo maçante, o assunto será visto em tópico próprio, no momento do
estudo dos artigos 225, 226 e 234-A.
Inseminação artificial
e gravidez: não ocorre o crime de
estupro se a vítima for, contra a sua vontade, inseminada artificialmente,
ainda que resulte gravidez do ato. Isso porque não houve violação à liberdade
sexual, que consiste em decidir com quem se relacionar sexualmente, e não com
quem ter filhos. Em sentido contrário, Greco (“CP Comentado”): “Introduzir
objetos na vagina da mulher, mediante violência ou grave ameaça, configura-se como
estupro. Assim, seria possível a ocorrência do delito em estudo se uma mulher
fosse obrigada a submeter-se a uma inseminação artificial, fato que poderia
figurar, ainda, como autor (coautor ou partícipe) seu próprio marido.”.
Prova de materialidade: por força do artigo 158 do CPP,
“quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de
delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Nos
crimes não transeuntes (que deixam vestígios), como o estupro, caso a violência
deixe vestígios, o exame de corpo de delito será essencial para que se
demonstre a materialidade do crime. O exame não dirá, é claro, que a vítima
foi, de fato, estuprada, mas declarará se houve ou não a cópula vagínica, anal
ou outra agressão. Na hipótese de conjunção carnal, o perito avaliará os
seguintes quesitos: “1.º) Se a paciente é virgem; 2.º) se há vestígios de
desvirginamento recente; 3.º) se há outros vestígios de conjunção carnal
recente; 4.º) se há vestígios de violência e, no caso afirmativo, qual o meio
empregado; 5.º) se da violência resultou para a vítima incapacidade para as
ocupações habituais por mais de 30 dias, ou perigo de vida, ou debilidade
permanente ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou
incapacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável, ou
deformidade permanente, ou aceleração de parto, ou aborto (resposta
especificada); 6.º) se a vítima é alienada ou débil mental; 7.º) se houve outra
causa, diversa de idade não maior de 14 anos, alienação ou debilidade mental
que a impossibilitasse de oferecer resistência” (CROCE, Delton. Manual de
Medicina Legal. Ed. Saraiva). O exame de corpo de delito para atestar a
ocorrência de violência sexual é irrepetível em juízo, mas isso não gera
prejuízo à comprovação da materialidade do crime (art. 155 do CPP,
última parte). Caso não seja mais possível a realização do exame de corpo de
delito, ou se o delito não tiver deixado vestígios, a sua ausência poderá ser
suprida por prova testemunhal. Como esses crimes, em regra, não são
presenciados por ninguém, a palavra da vítima tem bastante peso na apuração do
estupro, podendo a condenação se dar exclusivamente com base nela.
Aborto humanitário: “Art. 128 (CP)- Não se pune o aborto praticado por médico: I - se
não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de
estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz,
de seu representante legal”.
Estupro e cárcere
privado: “Art. 148 - Privar
alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena -
reclusão, de um a três anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou
maior de 60 (sessenta) anos; II - se o crime é praticado mediante internação da
vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais
de 15 (quinze) dias. IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito)
anos; V - se o crime é praticado com fins libidinosos”.
Jurisprudência selecionada:
Causa de aumento da Lei 8.072/90: “Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a
majorante inserta no art. 9º da Lei
n. 8.072/1990,
nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis
in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça
perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. Com a
superveniência da Lei n. 12.015/2009,
foi revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei
dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua aplicação para
fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade
da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a
reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor
de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo
comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi
do art. 2º, parágrafo único, do CP.” (STJ, REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix Fischer,
julgado em 29.9.2009).
A tentativa e a
impotência sexual temporária (1): “Dado início à execução do crime de estupro, consistente
no emprego de grave ameaça à vítima, e na ação, via contato físico, só não se
realizando a consumação em virtude de momentânea falha fisiológica, alheia à
vontade do agente, tudo isso caracteriza a tentativa e afasta, simultaneamente,
a denominada desistência voluntária (STJ, REsp. 792625/DF, Rel. Min. Felix
Fischer, 5a T., DJ 27.11.2006, p. 316).
A tentativa e a
impotência sexual temporária (2): “CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE ESTUPRO.
EXECUÇÃO INICIADA, E NÃO LEVADA À TERMO POR CIRCUNSTÂNCIA ALHEIA À VONTADE DO
AGENTE. INOCORRÊNCIA DE CRIME IMPOSSÍVEL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I.
Iniciada a execução do crime de estupro, através de violência e de grave
ameaça, e não tendo a empreitada se consumado por circunstância alheia à
vontade do agente, responde esse pela tentativa de estupro. II. Hipótese em que
o agente não conseguiu consumar o delito pela ocorrência de impotência sexual
ocasional, praticando, contudo, atos idôneos de começo de execução (violência e
grave ameaça). III. Inocorrência de crime impossível. IV. Recurso conhecido e
provido.” (STJ, REsp 556939 SC 2003/0107358-3, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T.,
DJ. 12.04.2004, p. 234).
Beijo lascivo: “II – Em nosso sistema, atentado violento ao pudor engloba
atos libidinosos de diferentes níveis, inclusive, os contatos voluptuosos e os
beijos lascivos. A revaloração da prova delineada no próprio decisório
recorrido, suficiente para a solução do caso, é, ao contrário do reexame,
permitida no recurso especial. (Precedentes)” (STJ, REsp 765593/RS, 5ª T., Rel.
Min. Felix Fischer, j. 3.11.2005, DJ 19.12.2005, p. 468). Atenção: boa parte da
doutrina diverge do entendimento.
Desnudamento: “Recurso Especial. Penal. Agente que constrange a vítima a
praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Atentado violento ao pudor
configurado. Irrelevância de não ter havido o desnudamento. Recurso conhecido”
(STJ, REsp 249595/SP, 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 16.4.2002, DJ
23.6.2003, p. 451).
Ausência de corpo de
delito: “A nulidade decorrente
da falta de realização do exame do corpo de delito não tem sustentação frente à
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não considera imprescindível a
perícia, desde que existentes outros elementos de prova” (STF, HC 76.265-3/RS,
1ª T., Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 18.10.1996, p. 39847).
Laudo pericial
negativo: “O fato de os laudos de
conjunção carnal e de espermatozoides resultarem negativos não invalida a prova
do estupro, dado que é irrelevante se a cópula vagínica foi completa ou não, e
se houve ejaculação. Existência de outras provas. Precedentes do STF” (STF, HC
74.246-SP, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 13.12.1996, p. 50165).
Várias vítimas (1): “I. Esta Corte, seguindo orientação do Supremo Tribunal
Federal, já decidiu pela impossibilidade de reconhecimento da continuidade
delitiva em crimes contra a liberdade sexual contra vítimas diversas, hipótese
em que se incide a regra do concurso material” (STJ, REsp 806429/RS, 5ª T.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 25.4.2006, DJ 22.5.2006, p. 247).
Várias vítimas (2): “A Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento para
reconhecer a hediondez do delito capitulado no caput do art. 213 do CP, bem como afastar a continuidade delitiva, restando
fixada a pena privativa de liberdade, em razão do concurso material, em quinze
anos e dois meses de reclusão, mantidos os demais consectários da condenação.
Na espécie, para a caracterização da continuidade delitiva, é necessário o
preenchimento de requisitos de ordem objetiva e subjetiva. Cometidos vários
crimes de estupro contra vítimas diferentes, sem unidade de desígnios por parte
do réu e em momentos e circunstâncias diferentes, não há que se falar em delito
continuado. Precedentes citados do STF: RE 102.351-SP, DJ 28.9.1984; HC
87.281-MG, DJ 4.8.2006; do STJ: HC 94.140-SP, DJ 5.5.2008; REsp 935.533-RS, DJ
8/10/2007, e HC 38.531-MS, DJ 11.4.2005.” (STJ, REsp 1.102.415-RS, Rel. Min.
Jorge Mussi, julgado em 18.8.2009).
Hediondez dos estupros
anteriores à Lei 12.015/09: “Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor
cometidos antes da edição da Lei n. 12.015/2009
são considerados hediondos, ainda que praticados na forma simples.” (STJ, REsp
1.110.520-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26.9.2012).
Indenização por
estupro: “A Turma reiterou o
entendimento de que o valor da indenização por dano moral só pode ser alterado
na instância especial quando ínfimo ou exagerado. No caso, a agravada sofreu
tentativa de estupro e agressão que deixaram sequelas quando frequentou uma
festa dentro do campus da universidade, com iluminação inadequada e sem
seguranças. Assim, como o valor de R$ 100 mil não se mostra excessivo, a Turma
negou provimento ao agravo.” (STJ, AgRg no Ag 1.152.301-MG, Rel. Min. Raul
Araújo Filho, julgado em 15/6/2010).
Conjunção carnal e ato
libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – concurso material: “O pensamento majoritário do Supremo Tribunal Federal
recusa o reconhecimento da continuidade delitiva se os crimes de estupro e
atentado violento ao pudor são praticados de forma autônoma, ainda que se trate
de uma única vítima. No caso, o atentado violento ao pudor não foi praticado
como 'prelúdio do coito' ou como meio para a consumação do crime de estupro.
Ato libidinoso diverso da conjunção carnal, ocorrido de modo independente do
crime de estupro. Precedentes.” (STF, HC 100.314/RS, Rel. Min. Carlos Britto,
1a Turma, julgado em. 22.09.2009).
Conjunção carnal e ato
libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – continuidade
delitiva: “A edição da Lei nº 12.015/09
torna possível o reconhecimento da continuidade delitiva dos antigos delitos de
estupro e atentado violento ao pudor, quando praticados nas mesmas
circunstâncias de tempo, modo e local e contra a mesma vítima.” (STF, HC
86.610/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, 2a Turma, julgado em 02.03.2010).
Conjunção carnal e ato
libidinoso contra a mesma vítima – possibilidade da continuidade delitiva: “In casu, o recorrido foi condenado à pena de nove anos e
quatro meses de reclusão pela prática de dois crimes de atentado violento ao
pudor em continuidade e à pena de sete anos de reclusão por dois delitos de
estupro, igualmente em continuidade, cometidos contra a mesma pessoa. Em grau
de apelação, o tribunal a quo reconheceu a continuidade delitiva entre os
crimes de estupro e atentado violento ao pudor e reduziu a pena para sete anos
e seis meses de reclusão em regime fechado. O MP, ora recorrente, sustenta a
existência de concurso material entre os delitos. A Turma, ao prosseguir o
julgamento, por maioria, negou provimento ao recurso, adotando o entendimento
de que os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor correspondem a uma
mesma espécie de tipo penal, confirmando a possibilidade do crime continuado.
Dessarte, consignou-se que o tribunal de origem nada mais fez que seguir a
orientação de uma vertente jurisprudencial razoável que acabou por
harmonizar-se com a legislação nova que agora prestigia essa inteligência, isto
é, sendo os fatos incontroversos, o que já não pode ser objeto de discussão
nessa instância especial, o acórdão recorrido apenas adotou a tese de que os
crimes são da mesma espécie e, assim, justificou a continuidade. Precedentes
citados do STF: HC 103.353-SP, DJe 15/10/2010; do STJ: REsp 565.430-RS, DJe 7/12/2009.”
(STJ, REsp 970.127-SP, Rel. Originária Min. Laurita Vaz, Rel. Para acórdão Min.
Gilson Dipp, julgado em 7.4.2011).
Conjunção carnal e ato
libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – crime único: “A Sexta Turma desta Corte, no julgamento do HC nº
144.870/DF, da relatoria do eminente Ministro Og Fernandes, firmou compreensão
no sentido de que, com a superveniência da Lei nº 12.015 /2009, a conduta do crime de atentado
violento ao pudor, anteriormente prevista no artigo 214 do Código Penal, foi inserida àquela do art. 213, constituindo, assim, quando praticadas
contra a mesma vítima e num mesmo contexto fático, crime único de estupro.”
(STJ, HC 167.517/SP, Rel. Min. Haroldo Rodrigues - Desembargador convocado do
TJCE -, 6a Turma, julgado em 17.08.2010)
Conjunção carnal e ato
libidinoso contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático – tipo misto cumulativo: “1. Antes da edição da Lei n.º 12.015/2009
havia dois delitos autônomos, com penalidades igualmente independentes: o
estupro e o atentado violento ao pudor. Com a vigência da referida lei, o art. 213 do Código Penal passa
a ser um tipo misto cumulativo, uma vez que as condutas previstas no tipo têm,
cada uma, 'autonomia funcional e respondem a distintas espécies valorativas,
com o que o delito se faz plural' (DE ASÚA, Jimenez, Tratado de Derecho Penal,
Tomo III, Buenos Aires, Editorial Losada, 1963, p. 916). 2. Tendo as condutas
um modo de execução distinto, com aumento qualitativo do tipo de injusto, não
há a possibilidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre a cópula
vaginal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mesmo depois de o
Legislador tê-las inserido num só artigo de lei. 3.
Se, durante o tempo em que a vítima esteve sob o poder do agente, ocorreu mais
de uma conjunção carnal caracteriza-se o crime continuado entre as condutas,
porquanto estar-se-á diante de uma repetição quantitativa do mesmo injusto.
Todavia, se, além da conjunção carnal, houve outro ato libidinoso, como o coito
anal, por exemplo, cada um desses caracteriza crime diferente e a pena será
cumulativamente aplicada à reprimenda relativa à conjunção carnal. Ou seja, a
nova redação do art. 213 do Código Penal absorve
o ato libidinoso em progressão ao estupro - classificável como praeludia coiti
- e não o ato libidinoso autônomo” (STJ, HC n. 105.533/PR, Rel. Min. Laurita
Vaz, Quinta turma, DJ 7.2.2011).
Mais de uma ejaculação: “Estupro. Prova. Palavra da ofendida ajustada a
circunstâncias outras postas nos autos. Réu que mantém mais de uma vez relações
sexuais com a ofendida. Crime único. Réu, primo da ofendida, e que admite o
relacionamento sexual, apenas negando violência. A prática, em uma mesma
ocasião, de relações sexuais com duas ejaculações não corresponde ao cometimento
de dois crimes, que possa render ensejo à continuidade delitiva. Ato delituoso
único” (TJRS, Ap. Crim. 698052057, 2ª Câmara Criminal, Rel. Marcelo Bandeira
Pereira, j. 30.4.1998).
Hediondez do crime de
estupro praticado antes da Lei 12.015/09: “Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor
cometidos antes da edição da Lei n. 12.015/2009
são considerados hediondos, ainda que praticados na forma simples.” (STJ, REsp
1.110.520-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26.9.2012).
“Novatio legis in mellius”
[1]: “1. A Lei n.º 12.015 /09 alterou o Código Penal, chamando os antigos Crimes contra os
Costumes de Crimes contra a Dignidade Sexual. 2. Essas inovações provocaram um
recrudescimento de reprimendas, criação de novos delitos e também unificaram as
condutas de estupro e atentado violento ao pudor em um único tipo penal. Nesse
ponto, a norma penal é mais benéfica. 3. Por força da aplicação do princípio da
retroatividade da lei penal mais favorável, as modificações tidas como
favoráveis hão de alcançar os delitos cometidos antes da Lei n.º 12.015 /09. 4. No caso, o paciente foi
condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor cometidos no
mesmo contexto fático e contra a mesma vítima. 5. Aplicando-se retroativamente
a lei mais favorável, o apenamento referente ao atentado violento ao pudor não
há de subsistir. 6. Ordem concedida, a fim de, reconhecendo a prática de
estupro e atentado violento ao pudor como crime único, anular o acórdão no que
tange à dosimetria da pena, determinando que nova reprimenda seja fixada pelo
Juízo das Execuções.” (STJ, HC 193.871/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em
11.09.2012).
“Novatio legis in
mellius” [2]: “A Turma acolheu
embargos de declaração com efeitos modificativos para fazer incidir a causa de
aumento de pena prevista no art. 9º da Lei
n. 8.072/1990,
uma vez que reconhecida a existência de violência real no delito de atentado
violento ao pudor contra adolescente. Contudo, concedeu habeas corpus de ofício
para determinar ao Juízo da Vara das Execuções Criminais que realize nova
dosimetria da pena, observada a legislação posterior mais benéfica nos termos
do disposto no art. 217-A do Código Penal, com a redação dada pela Lei n. 12.015/2009.
Segundo o entendimento firmado no STJ, a aplicação da referida causa especial
de aumento de pena estava autorizada somente quando configurada a violência
real no cometimento dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra
menores de quatorze anos. Entretanto, com o advento da Lei n. 12.015/2009,
tais delitos passaram a ser regulados por um novo tipo penal, sob a denominação
de Estupro de Vulnerável, previsto no art. 217-A do CP. Nesse contexto, considerando-se a novel legislação
mais favorável ao condenado, deve ser ela aplicada retroativamente, alcançando
os fatos anteriores a sua vigência, inclusive os decididos definitivamente, nos
termos do disposto no art. 2º, parágrafo único, do CP. Por fim, transitada em julgada a condenação, é da
competência do Juízo da Execução a aplicação da norma mais benigna nos termos
do art. 66, I, da LEP e verbete da Súm. N. 611-STF.” (STJ,
EDcl no HC 188.432-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgados em 15.12.2011).
Desistência voluntária: “Entenderam as instâncias ordinárias que, tendo o paciente
desistido de consumar a conjunção carnal, após ter ejaculado nas pernas da
menina, ficou ele absolvido da tentativa de manter conjunção carnal, tanto que
sequer foi apresentada denúncia no tocante a essa conduta. 2 - Nos termos da
parte final do art. 15 do Código Penal, deve o acusado responder pelos atos até
então praticados, que, isoladamente apreciados, caracterizaram o crime previsto
no antigo art. 214 do Estatuto Repressor (hoje previsto na parte final do art.
213 do aludido código), motivo pelo qual foi ofertada a denúncia que culminou
na condenação do paciente, inexistindo, a meu ver, qualquer constrangimento a
ser sanado. 3 - As alterações trazidas pela Lei nº 12.015/2009
não modificaram a situação do paciente, pois tanto a conjunção carnal como
outros atos libidinosos continuam definidos como ilícitos penais, ocorrendo tão
somente a unificação do nomem juris dos crimes, ambos agora definidos como
estupro, em função da modificação legislativa que incluiu as duas condutas
típicas em único tipo penal plurissubsistente.” (STJ, HC 125.259/MG, Rel. Min.
Haroldo Rodrigues, 6a Turma, julgado em 23.11.2010).
Revogação da presunção
de violência: “Inicialmente,
enfatizou-se que a Lei 12.015/2009,
dentre outras alterações, criou o delito de estupro de vulnerável, que se
caracteriza pela prática de qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos ou com
pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário
discernimento ou não possa oferecer resistência. Frisou-se que o novel diploma
também revogara o art. 224 do CP, que cuidava das hipóteses de violência presumida, as
quais passaram a constituir elementos do estupro de vulnerável, com pena mais
severa, abandonando-se, desse modo, o sistema da presunção, sendo inserido tipo
penal específico para tais situações.” (STF, HC 99.993/SP, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, 2a Turma, julgado em 24.11.2009).
Emprego de violência: “Caracteriza-se a violência real não apenas nas situações
em que se verificam lesões corporais, mas sempre que é empregada força física
contra a vítima, cerceando-lhe a liberdade de agir, segundo a sua vontade. 2.
Demonstrado o uso de força física para contrapor-se à resistência da vítima,
resta evidenciado o emprego de violência real.” (STF, HC 81.848/PE, Rel. Min.
Maurício Corrêa, 2a Turma, DJ 28.06.2002).
Falha fisiológica: “Dado início à execução do crime de estupro, consistente
no emprego de grave ameaça à vítima, e na ação, via contato físico, só não se
realizando a consumação em virtude de momentânea falha fisiológica, alheia à
vontade do agente, tudo isso caracteriza a tentativa e afasta, simultaneamente,
a denominada desistência voluntária” (STJ, REsp. 792.625/DF, Rel. Min. Feliz
Fischer, 5a Turma, DJ 27.11.2006).
A palavra da vítima: “A palavra da vítima, em sede de crime de estupro [...],
em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que
estes crimes, geralmente, não têm testemunhas, ou deixam vestígios. (STJ, HC
98.093/SC, Rel. Min. Felix Fischer, 5a Turma, DJ 12.5.2008).
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