PROVA DE DIREITO CIVIL OAB XXVII 20.01.2019
QUESTÃO 1: Luiza
ajuizou ação porque, embora há muitos anos se apresente socialmente com esse
nome e com aparência feminina, foi registrada no nascimento sob o nome de Luis
Roberto, do gênero masculino. Aduz na inicial que, embora nascida com
características biológicas e cromossômicas masculinas, desde adolescente
compreendeu-se transexual e, ao constatar a incompatibilidade com sua
morfologia corporal, passou a adotar a identidade feminina, vestindo-se e
presentando-se socialmente como mulher. Nunca se submeteu à cirurgia de
transgenitalização, por receio dos riscos da cirurgia e por entender que isso
não a impede de ser mulher. Diante disso, formula pedidos para que seja
alterado não somente o seu registro de nome, mas também o registro de gênero,
cujo conteúdo lhe causa profundo constrangimento. Demanda que passe a constar o
prenome Luiza no lugar de Luis Roberto e o genêro feminino no lugar de
masculino. A sentença, contudo, julgou improcedente o pedido, limitando-se a
afirmar que o pleito, sem a prévia cirurgia de transgenitalização, fere os bons
costumes. Sobre o caso, responda aos itens a seguir.
A) A sentença pode ser
considerada adequadamente fundamentada? Justifique. (Valor: 0,65)
B) No mérito, os dois pedidos
de Luiza devem ser acolhidos? Justifique. (Valor: 0,60)
Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera
citação do dispositivo legal não confere pontuação.
Gabarito
comentado
A) Ao indicar, como
fundamentação para a improcedência, a referência ao conceito jurídico
indeterminado de “bons costumes”, sem explicar as razões concretas para sua
incidência no caso concreto, a sentença violou o disposto no Art. 489, § 1º,
inciso II, do CPC/2015. E/OU a sentença violou o disposto no Art. 489, § 1º,
inciso VI, do CPC, pois o juiz não apontou distinção com o julgamento proferido
pelo STF na ADI 4.275 e no RE 670.422, objeto de repercussão geral.
Considera-se, por conta disso, que a sentença não foi fundamentada e,
consequentemente, é inválida.
B) No mérito, tanto o pedido
de retificação do registro de nome como o pedido de retificação do pedido de
gênero devem ser acolhidos, pois conforme o entendimento manifestado pelo STF
no julgamento da ADI 4.275 e do RE 670.422, objeto de repercussão geral, em
casos de transexualidade a alteração registral pode ocorrer independentemente
de cirurgia de transgenitalização.
QUESTÃO 2: Mariana
comprou de Roberto um imóvel por um preço bastante favorável, tendo em vista
que Roberto foi transferido para outra cidade. Ao contratar empreiteiros para
realizar obras necessárias no local, algumas semanas depois da aquisição,
Mariana foi acionada judicialmente por Almir, que sustenta ser o real
proprietário do imóvel, o qual lhe teria sido injustamente usurpado por
Roberto. Mariana não tem elementos para se defender no processo relativo a um
fato ocorrido antes da sua aquisição e, resignada a perder o bem, precisaria ao
menos recuperar o dinheiro que por ele pagou, bem como as despesas que efetuou
para a realização de obras no local, pois, embora estas não tenham chegado a
ser realizadas, ela não pôde reaver o sinal pago aos empreiteiros.Sobre o caso,
responda aos itens a seguir.
A) Qual medida processual
deve ser tomada por Mariana para poder reaver o preço pago pelo imóvel no mesmo
processo em que é acionada por Almir? Justifique. (Valor: 0,70)
B) Além do preço pago, pode
Mariana exigir o reembolso das despesas efetuadas com o objetivo de realizar
obras no local? Justifique sua resposta. (Valor:
0,55)
Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera
citação do dispositivo legal não confere pontuação.
Gabarito comentado
A)
Trata-se de hipótese de evicção, já que Mariana está sendo privada
judicialmente de sua propriedade em razão de direito de terceiro (Almir)
anterior à sua aquisição. Para exercer seu direito à indenização decorrente da
evicção no mesmo processo em que é privada da propriedade do bem, em lugar da
ação autônoma, Mariana deve recorrer à denunciação da lide em face de Roberto,
seu alienante imediato (Art. 125, inciso I, do CPC).
B)
O direito à indenização, por sua vez, abrange não apenas o valor do bem, mas
igualmente à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que
diretamente resultarem da evicção, o que inclui as despesas efetuadas com o
objetivo de realizar obras necessárias no local (Art. 450, inciso II, do CC).
QUESTÃO 3: Marcela
firmou com Catarina um contrato de mútuo, obtendo empréstimo de R$ 50.000,00,
no qual figurou como fiador seu amigo, Jorge, sem renúncia aos benefícios
legais. Todos residem no Município de São Carlos, SP.
Vencida a obrigação de
pagamento, Marcela não efetuou o depósito do valor devido a Catarina, de modo
que Catarina ajuizou execução de título extrajudicial, indicando como
executados Marcela e Jorge. Jorge, citado, procurou seu advogado, com o
objetivo de proteger seu patrimônio, já que sabe que Marcela possui dois
imóveis próprios, situados no Município de São Carlos, suficientes para
satisfação do crédito. Diante de tal situação, responda aos itens a seguir.
A) Jorge tem direito a ver
executados primeiramente os bens de Marcela? Apresente o embasamento jurídico pertinente.
(Valor: 0,50)
B) Poderia Catarina ter
incluído Jorge como executado? Uma vez citado, como Jorge deve proceder no
âmbito do processo de execução, em defesa de seus bens? (Valor: 0,75)
Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera
citação do dispositivo legal não confere pontuação.
A) Jorge tem direito a exigir
que sejam primeiro executados os bens de Marcela, até que haja satisfação da dívida,
conforme dispõe o Art. 827 do CC. Isso ocorre porque, não tendo ocorrido
renúncia ao benefício de ordem (Art. 828), a responsabilidade de Jorge é
subsidiária, e seu patrimônio apenas será atingido caso os bens de Marcela
sejam insuficientes.
B) Catarina poderia ter
incluído Jorge no polo passivo da Execução (Art. 779, inciso IV, do CPC). No entanto,
uma vez citado, Jorge pode nomear à penhora os bens de Marcela, indicando-os
pormenorizadamente (Art.794 do CPC), para que seus bens apenas sejam atingidos
caso não seja possível satisfazer o crédito pela excussão dos bens de Marcela.
QUESTÃO 4: Marcos,
por negligência, colidiu seu carro com o automóvel de Paulo, que é taxista e
estava trabalhando no momento. Em razão do acidente, Paulo teve que passar por
uma cirurgia para a reconstrução de parte de seu braço, arcando com os custos
correlatos. A cirurgia foi bem-sucedida, embora Paulo tenha ficado com algumas
cicatrizes.
Após ficar de repouso em casa
por quatro meses, por recomendação médica, no período pós-operatório, Paulo
resolveu ajuizar ação contra Marcos, com o objetivo de obter indenização por
perdas e danos sofridos em razão do acidente.
No curso da ação, Marcos, que
tinha contratado seguro contra terceiros para seu veículo, requereu a denunciação
da lide da Seguradora X, tendo o juiz, no entanto, indeferido o pedido.
Nessa situação hipotética,
responda aos itens a seguir.
A) Especifique os danos
sofridos por Paulo e indique os fundamentos que justificam sua pretensão. (Valor: 0,60)
B) Qual a medida processual
cabível para Marcos impugnar a decisão que indeferiu o pedido de denunciação da
lide? Esclareça se Marcos poderá exercer futuramente o direito de regresso
contra a Seguradora X, caso seja mantida a decisão que indeferiu o pedido de denunciação
da lide. (Valor: 0,65)
A)
Paulo sofreu danos estéticos, em razão da cicatriz que a cirurgia deixou em seu
braço, e danos materiais emergentes, em razão da colisão ocorrida com seu
automóvel e dos custos incorridos com a cirurgia. Além disso, Paulo também
amargou lucros cessantes, em virtude de ter ficado impossibilitado de trabalhar
como taxista por quatro meses. Ademais, Paulo também sofreu danos morais. Como
fundamento de sua pretensão, Paulo poderá alegar que Marcos cometeu um ato
ilícito e que, portanto, fica responsável por reparar o dano sofrido, na forma
do Art. 186 e do Art. 927, ambos do CC. Poderá argumentar, ademais, que o dever
de indenizar abrange não só a reparação do dano estético e do dano material
emergente,
mas também o pagamento dos lucros cessantes, na
forma do Art. 402 do Código Civil.
B)
Marcos poderá impugnar a decisão que indeferiu o pedido de denunciação da lide
através de recurso de agravo de instrumento. Com efeito, o Art. 1.015, inciso
IX, do CPC estabelece que o agravo de instrumento é cabível contra decisões
interlocutórias que versem sobre a admissão ou inadmissão de intervenções de
terceiros. Por outro lado, mesmo que seja mantido o indeferimento da
denunciação da lide, Marcos poderá exercer futuramente o direito de regresso em
face da Seguradora X. Isso porque o Art. 125, § 1º, do CPC permite que o
direito regressivo seja exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide
for indeferida. Assim, caso Marcos venha a ser condenado na ação movida por
Paulo, poderá ajuizar demanda autônoma contra a Seguradora X para obter o
ressarcimento do que pagou.
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