PRINCÍPIOS
DO DIREITO ELEITORAL
INTRODUÇÃO
Os princípios são
considerados proposições basilares e fundamentais que condicionam toda a
estrutura e interpretação das diretrizes de uma ciência. Os dicionários
comumente retratam a figura do princípio como “aquilo que vem antes, o início,
o começo” e nesse sentido, para o Direito como ciência, princípios são juízos
abstratos de valor, fontes que orientam a interpretação e a aplicação do
Direito por serem justamente preceitos basilares.
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas,
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
Em uma tentativa de
diferenciar as regras dos princípios, podemos afirmar que enquanto estes
possuem um espectro de incidência muito mais amplo, aquelas se destinam a casos
concretos, previstos, e por essa razão, específicos. Por isso, não há antinomia
jurídica entre os princípios e as regras, pois estas agem sobre a concreção
daqueles.
Dworkin[2] enfatiza
essa concepção quando explica que as regras são espécies normativas que
carregam um grau de abstração mais limitado se comparada aos princípios,
possuindo uma estrutura de tudo ou nada, pois diante de uma situação, podem
estar presentes ou não os pressupostos para sua subsunção. Esta por sua vez é outra
característica que os diferencia: enquanto a aplicação dos princípios se faz
pela ponderação, a das regras se faz pela da subsunção. Dessa forma, não raras
às vezes as regras entram em conflito produzindo uma antinomia, enquanto os
princípios se complementam e se somam.
Todavia, ponderoso
considerar que por terem naturezas diferentes, é que normas e princípios se
integralizam no tocante à interpretação da legislação quando da aplicação ao
caso concreto. Assim, importante é mostrar a coesão entre as fontes do Direito,
de forma que o ordenamento jurídico se mostre sempre harmônico e coerente. Luís
Roberto Barroso em sua obra Interpretação e aplicação da Constituição:
fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora[3] abaliza que os princípios
constitucionais são o conjunto de normas eleitas pelo legislador que refletem a
ideologia da Carta, e que, portanto seus postulados basilares e finalísticos
funcionam como fundamentos primordiais da ordem jurídica.
Nesse sentido vale
ressaltar que no chamado Pós-Positivismo, os princípios deixaram de ser apenas
comandos gerais abstratos, assumindo a função de normas jurídicas, apresentando
um conteúdo axiológico e possuindo eficácia direta. Nesse mesmo sentido entra
em cena a partir da segunda metade do século XX o constitucionalismo
contemporâneo, mais conhecido como “neoconstitucionalismo”, fenômeno que
implicou em um novo modo de enxergar a Constituição e seu papel na
interpretação do ordenamento jurídico, colocando-a no centro do sistema
atribuindo-lhe imperatividade e superioridade.
A Constituição
então passa a possuir não apenas supremacia formal, mas também relevância
material e axiológica, de forma a não ser mais somente encarada como paradigma
ou carta de recomendações, mas passando a ter caráter vinculativo e obrigatório
de seus enunciados, aplicáveis pelo juiz ao caso concreto.
Entretanto, como
afirma José Armando Ponte Dias Júnior em seu livro Elegibilidade e Moralidade[4], reconhecer o caráter jurídico e a
imperatividade da Constituição é navegar por águas tranquilas e continua:
Menos tranquilo, contudo, é o percurso que daí se
inicia, consistente em atribuir efetividade às normas constitucionais, e cremos
ser essa mais uma missão do constitucionalismo contemporâneo, e decerto uma das
mais importantes, de maneira que, uma vez reconhecida a força normativa da
constituição, a missão do intérprete constitucional agora é envidar esforços no
sentido de conferir, tanto quanto possível, efetividade a todas as suas normas,
mesmo porque não faria sentido conceber uma constituição para não ser
efetivada.
Considerando então
a força normativa e centralidade da Constituição, bem como o reconhecimento da
sua supremacia jurídica, os princípios constitucionais ganham cada vez mais
significância enquanto o Direito como uma ciência e quando da aplicação do
Direito pelo Judiciário. Assim, percebe-se que a atual perspectiva jurídica
comporta maior atenção e relevância à constitucionalização do Direito e à
principiologia como norma a ser efetivada, influindo todos os ramos da ciência.
Ocorre que apesar
de toda essa corrente, o Direito Eleitoral vem caminhando um pouco na contramão
e por isso é necessária muita atenção. Enquanto todos os outros ramos buscam
cada vez mais fortalecimento nos preceitos constitucionais, a legislação eleitoral
infraconstitucional passou por inúmeras mudanças e atualizações e tem ganhado
maior estudo e expressão. As leis promulgadas após 1988, bem como as próprias
Resoluções emitidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) trataram de
modificar substancialmente aspectos do Direito Eleitoral. Com isso, a
importância da aplicação dos princípios se fez veemente.
Passamos então a
analisar alguns princípios considerados nesse estudo, de maior destaque.
PROPORCIONALIDADE
E RAZOABILIDADE
O trato desses dois
princípios conjuntamente é explicado pelo fato de a doutrina e mesmo a
jurisprudência da mais alta corte do nosso país, o STF, por vezes tratá-las de
forma assemelhada.
Apesar de
conceituadamente parecidas e não raras vezes tratadas como sinônimas, devemos
diferenciar essas duas figuras, iniciando pela origem: enquanto o princípio da
razoabilidade tem sua nascença nos Estados Unidos da América, por conta do
instituto “due process of law”, o da Proporcionalidade tem sua fonte no
Direito Europeu, acreditam que mais precisamente através das teorias
jusnaturalistas que pairavam sobre a Inglaterra, bem como no Direito Público
Alemão, sobretudo após a II Guerra Mundial.
Ambos os princípios
surgem em uma perspectiva de coibir o abuso das autoridades, limitando o
positivismo Estatal, buscando a efetivação da dignidade da pessoa humana e do
devido processo legal na concretização de um Estado Constitucional e Humanista.
Para Humberto Ávila[5], em sua obra Teoria dos Princípios ,
a diferença reside quando:
A proporcionalidade somente é aplicável nos casos
em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim. Sua
aplicabilidade está condicionada à existência de elementos específicos (meio e
fim).
[...]
O postulado da razoabilidade é utilizado na
aplicação da igualdade, para exigir uma relação de congruência entre o critério
distintivo e a medida discriminatória. O exame da decisão permite verificar que
há dois elementos analisados, critério e medida, e uma determinada relação de
congruência exigida entre eles.
Carlos Eduardo de
Oliveira Lula[6] na tentativa de individualizar
os dois princípios apresenta em sua obra uma subdivisão do princípio da
proporcionalidade que se externa na adequação, na necessidade e na
proporcionalidade em sentido estrito. Enquanto na adequação a norma jurídica deve
ser eficaz quanto aos objetivos pretendidos, na necessidade deverá ela ser
aplicada de forma a ser menos danosa e restritiva aos direitos individuais. Por
fim, a proporcionalidade em sentido estrito relata que deve haver uma proporção
entre os meios utilizados e os fins almejados, de forma que a interferência
Estatal seja mínima e justificável, sempre buscando preservar os direitos
fundamentais.
O STF, como já
citado, equipara os dois princípios, interligando seus conceitos de forma que
um suplementa o outro, ou seja: proporcional seria aquilo que não extrapola os
limites da razoabilidade. Djalma Pinto em sua obra Direito Eleitoral[7] traz, à guisa de
exemplificação, trecho do julgado de medida cautelar na ADIN nº 1407-2:
O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua
justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente
daquela que veicula a garantia do substantive due process of law –
acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no
exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da
própria constitucionalidade dos atos estatais.
A normal estatal, que não veicula qualquer conteúdo
de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade,
ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do susbstantive
due process of law (art. 5º, LIV).
No âmbito do
Direito Eleitoral, ressalta-se tal princípio na medida em que todo e qualquer
ato público deva ser praticado com razoabilidade e proporcionalidade na busca
pela vedação aos excessos e arbitrariedades dos representantes escolhidos pelo
povo para figurarem no poder. Djalma Pinto também traz na referida obra a
jurisprudência consolidada do TSE quanto à matéria em questão. Para este
Tribunal, o princípio da proporcionalidade tem como escopo evitar erros que
resultariam da aplicação da norma sobre o caso concreto apresentado à justiça
eleitoral.
Assim, os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ganham importância não
apenas frente à ausência de norma expressa e específica, como também ante a
norma materializadora do ideal de justiça.
ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Não há como se
iniciar uma discussão sobre o Estado Democrático de Direito sem que antes se
pontue o que ele significa efetivamente para o país e o ordenamento jurídico
vigente.
A democracia cujo
nascimento é creditado a Atenas, encontra-se hoje sendo o regime vivenciado em
grande parte das nações consideradas desenvolvidas. Traduz a ideia de que as
diretrizes políticas do Estado estão sob o comando da população, que influencia
desde a edição da legislação até tomada das decisões, havendo, portanto um elo
entre os órgãos de poder e a sociedade. Entretanto, é imperioso observar outras
características importantes da democracia, entre elas o respeito aos direitos
fundamentais do povo. Direitos esses que na seara eleitoral garante aos
cidadãos um processo eletivo e representação justos, transparentes e dignos.
No Brasil, em
tempos de denuncias de desvio de verbas públicas e corrupção, desrespeito às
regras eleitorais e outras ilicitudes, vale ressaltar a jovem democracia aqui
instaurada com a Constituição promulgada em 1988, carinhosamente chamada de
Constituição Cidadã. A democracia conhecida como participativa traz à tona
práticas diretas de governo pelo povo, como bem ressalta o artigo 14:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo
sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e,
nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
[...]
Assim, vislumbra-se
no Estado Democrático de Direito o respeito ao princípio da separação dos
poderes, como aparelho de restrição do poder governamental. Bem como, de
garantia e efetividade das liberdades e dos direitos humanos e fundamentais
mediante uma política de proteção jurídica que se materializa através da
expressão da vontade popular. Vontade essa exercida através dos representantes
eleitos e de forma direta por meio do plebiscito, da iniciativa popular e do
referendo que servem como fundamento de inclusão política.
O referido
princípio busca então resguardar o direito da minoria de toda decisão tomada
pela maioria, de forma que ninguém tenha seus direitos tolhidos e vontades
políticas esmagadas e juntamente com o princípio da soberania popular promover
a justiça social.
Dessa forma,
vislumbra-se o Direito Eleitoral como ciência jurídica destinada à sobrevivência
do Estado Democrático de Direito, organização política de onde brote eleições
livres, universais e legítimas. Mas que, sobretudo, subsista de representantes
íntegros, probos, éticos, bem intencionados e atuantes em uma sociedade
consciente e refletidora de um ordenamento jurídico harmônico e inclusivo.
SOBERANIA
POPULAR
O princípio da
soberania popular está intimamente ligado ao princípio do Estado Democrático de
Direito, de forma que, não se pode deixar de considera-lo. Este foi construído
no Brasil sobre os ideais de cidadania, da dignidade da pessoa humana e sob o
primado da soberania popular, ou seja, a concepção de que toda forma de poder
emana do povo.
A Constituição de
1988 traz logo em seu artigo primeiro que:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.
Nesse mesmo sentido
está o artigo 2º do Código Eleitoral que afirma:
Art. 2º Todo poder emana do povo e será exercido
em seu nome, por mandatários escolhidos, direta e secretamente, dentre
candidatos indicados por partidos políticos nacionais, ressalvada a eleição
indireta nos casos previstos na Constituição e leis específicas.
A ideia de
soberania anunciada pelo nosso ordenamento é fruto dos textos das Constituições
anteriores, mas que desde 1934 vem expressamente declarada. Assim, a convicção
é de que a vontade daqueles que formam a sociedade política deve ser vista como
a fonte originária de onde procede toda e qualquer outra autoridade que venha a
ser delegada.
Percebe-se então
com o primeiro dispositivo da CF/88 que se busca incorporar, em nossa
democracia essencialmente representativa, noções da democracia direta através
dos institutos do plebiscito, referendo e a iniciativa popular. Além do
sufrágio universal, do voto direto, secreto e de valor igual para todos
expresso no art. 14 da CF:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo
sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e,
nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular. [...]
O plebiscito e o
referendo são consultas ao povo com intuito de deliberar sobre determinado
assunto na seara constitucional, legislativa ou administrativa que seja de
grande relevo para a nação. Ambos os institutos estão previstos no artigo 14 da
CF/88, mas possuem regulamentação no artigo 2º da Lei nº 9.709, de 18 de
novembro de 1998 que os conceitua da seguinte forma:
Art. 2º Plebiscito e referendo são consultas
formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de
natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
§1º O plebiscito é convocado com anterioridade a
ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou
denegar o que lhe tenha sido submetido.
§2º O referendo é convocado com posterioridade a
ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação
ou rejeição.
A diferenciação
entre as aludidas formas de democracia direta consiste basicamente no momento
legislativo em que ocorrem: enquanto no plebiscito almeja-se a edição ou não de
uma norma, no referendo a consulta é pra determinar se uma norma já formulada
deve ser ratificada ou extirpada do ordenamento jurídico. Ambas acontecem por
meio de votação secreta e direta, devendo ser convocadas pelo Senado ou pela
Câmara de Deputados.
Pós Constituição de
1988, merece destaque o referendo ocorrido em 23 de outubro de 2005 que tratava
sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições. Nesse caso, o
intuito era aprovar ou não o disposto no art. 35 da Lei nº 10.826, de 23 de
dezembro de 2003, o Estatuto do desarmamento, onde os eleitores podiam votar
"sim", optando pela proibição, ou "não", escolhendo a
comercialização. A maioria dos votos decidiu pela não proibição da
comercialização. Outros referendos recentes, mas de menores proporções
ocorreram em 2010, no estado do Acre, onde os eleitores optaram pela adoção do
novo horário (menos duas horas em relação ao horário de Brasília) e em 2011 no
Pará, preferindo a população não dividir o estado em mais dois territórios:
Carajás e Tapajós.
Quanto aos
plebiscitos, o primeiro realizado no Brasil tinha o objetivo de decidir sobre o
sistema de governo no país, optando o povo pelo presidencialismo e devolvendo o
poder ao presidente João Goulart. Já em 1993, conforme expresso no artigo 2º
nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da CF de 1988, a nação
deveria ir às urnas no dia 7 de setembro pra decidir a forma de Estado e
sistema político que seria adotado no Brasil, sendo então elegido manter o
regime republicano e o sistema presidencialista.
Por sua vez, a
iniciativa popular difere dos outros institutos acima comentados quando permite
aos cidadãos apresentarem projetos de lei para serem apreciados pelo Congresso
Nacional. Entretanto, para que isso ocorra, é necessário que haja assinaturas
de, no mínimo, 1% (um por cento) do eleitorado nacional, distribuído pelo menos
por cinco Estados, e não menos de 0,3% (três décimos por cento) dos eleitores
de cada um deles, é o que preconiza o parágrafo 2º do artigo 61 da CF. O caso
mais emblemático é a Lei da Ficha Limpa, importante dispositivo no combate à corrupção
e na busca pela lisura do processo eleitoral.
O ordenamento
brasileiro também nos dá em outros dispositivos, instrumentos de defesa e
participação social, como por exemplo, a Ação Popular elencada no art. 5º,
LXXIII da CF/88 e na Lei nº 4.717/65 e a Ação Civil Pública exposta na Lei nº
7.347/85. A ação popular é caracterizada logo no artigo 1º da Lei nº 4.717/65
que dispõe que:
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para
pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio
da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades
autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de
sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes,
de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou
fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou
concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de
empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados
e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas
pelos cofres públicos.
Assim, é permitido
a qualquer cidadão, em exceção à regra do artigo 6º do Código de Processo Civil
que estabelece que ninguém pode pleitear em nome próprio direito alheio,
defender direito coletivo ou difuso. A competência para conhecer da ação varia
conforme as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou ao
Município, devendo o processo seguir o rito ordinário.
Já a Lei nº
7.347/1985 que dispõe sobre a Ação Civil Pública traz logo em seu primeiro
artigo aquilo que poderá ser objeto da ação:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem
prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados:
I - ao meio-ambiente;
II - ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
V - por infração da ordem econômica;
VI - à ordem urbanística.
VII – à honra e à dignidade de grupos raciais,
étnicos ou religiosos.
VIII – ao patrimônio público e social.
Parágrafo único.
Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que
envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos
beneficiários podem ser individualmente determinados.
Apesar de
normalmente esse tipo de ação ser proposta pelo Ministério Público, também
possui legitimidade a Defensoria Pública, os entes públicos da Administração
Direta, a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista,
bem como determinadas associações.
Assim, no âmbito do
Direito Constitucional e Eleitoral, vislumbra-se o princípio da soberania
popular como legitimador do exercício do poder político, que apesar de ser um
direito individual de cada pessoa como integrante da nação, se torna eficaz
quando exercido coletivamente.
REPUBLICANO
O princípio
republicano é considerado um princípio constitucional fundamental, uma vez
estar expresso no artigo 1º da Carta Magna de 1988 representando a forma de
governo adotada no país:
Art. 1º A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos [...]
Dessa forma, o
referido princípio está intimamente relacionado ao regime político republicano
e por isso devem os eleitos exercer suas funções políticas em representação ao
povo, devendo decidir sempre em nome e para o bem desse, cumprindo assim o
mandato que lhes foram outorgados.
No campo do Direito
Eleitoral, importante entender os fundamentos da república, entre eles a
eletividade, a temporalidade no exercício do mandato e a alternância das
autoridades no Estado. Podemos citar assim diversos dispositivos expressos na
CF que retratam essa ideia: artigo 83 (mandato do Presidente da República),
art. 28 (o mandato de Governador), art. 29, I (de Prefeito), art. 27, §1º (de
Deputado Estadual), art. 29, I (de Vereador), art. 44, parágrafo único (de
Deputado Federal) e art. 46, §1º (de Senador, cujo mandato como exceção dura
oito anos).
O sufrágio
universal e o voto periódico e de igual valor para todos findam como
consequências do princípio republicano e é de tamanha importância que foi
considerado na Carta Maior como cláusula pétrea. Senão vejamos no artigo 60 da
CF:
Art. 60
[...]
§4º Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais. [...]
Já o próprio
princípio republicano, apesar de na Constituição pretérita ter figurado também
como cláusula pétrea, figura hoje no entender da grande parcela da doutrina,
apenas como princípio sensível da ordem federativa. Assim, ao mesmo tempo em
que ele denota a busca pelo interesse da maioria, se destina também a garantir
os direitos das minorias, e por isso está intimamente ligado ao ideal do Estado
Democrático de Direito. Expressa-se ainda de modo mais objetivo na renovação
dos mandatos através de novas eleições, e, sobretudo na forma de acesso dos
cidadãos aos cargos públicos, sejam eles eletivos ou não.
Tal princípio
aplicado ao Direito Eleitoral se revela como legitimador dos mandatos, desde a
forma de acesso e permanência até as reeleições. Nesse sentido, o Tribunal
Superior Eleitoral vem aplicando-o aos casos dos chamados “prefeitos
profissionais”, que significam aqueles políticos que, após o término de uma
segundo mandato, alteram o seu domicílio eleitoral para disputarem um terceiro
pleito. Vejamos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
REELEIÇÃO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. MUDANÇA
DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. I. REELEIÇÃO.
MUNICÍPIOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. PREFEITO.
PROIBIÇÃO DE TERCEIRA ELEIÇÃO EM CARGO DA MESMA NATUREZA, AINDA QUE EM
MUNICÍPIO DIVERSO. O instituto da reeleição tem fundamento não somente no
postulado da continuidade administrativa, mas também no princípio republicano,
que impede a perpetuação de uma mesma pessoa ou grupo no poder. O princípio
republicano condiciona a interpretação e a aplicação do próprio comando da
norma constitucional, de modo que a reeleição é permitida por apenas uma única
vez. Esse princípio impede a terceira eleição não apenas no mesmo município,
mas em relação a qualquer outro município da federação. Entendimento contrário
tornaria possível a figura do denominado “prefeito itinerante” ou do “prefeito
profissional”, o que claramente é incompatível com esse princípio, que também
traduz um postulado de temporariedade/alternância do exercício do poder.
Portanto, ambos os princípios – continuidade administrativa e republicanismo –
condicionam a interpretação e a aplicação teleológicas do art. 14, § 5º, da
Constituição. O cidadão que exerce dois mandatos consecutivos como prefeito de
determinado município fica inelegível para o cargo da mesma natureza em
qualquer outro município da federação. [...]
(STF - RE: 637485 RJ , Relator: Min. GILMAR MENDES,
Data de Julgamento: 01/08/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-095 DIVULG 20-05-2013 PUBLIC 21-05-2013)
Assim, verifica-se
a magnitude de tal princípio no ordenamento jurídico quando ele revela a
essência do modelo político do país e reflete a importância da lisura das
eleições e da legitimidade dos personagens do processo eleitoral.
FEDERATIVO
Declarada a
independência do Brasil, a Constituição de 1824 tratou de eleger a forma de
Estado unitário, dando continuidade no império ao poder centralizado da elite
vigente desde a época colonial. O Brasil apenas conheceu a forma de Federação
quando da proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
A constituição de
1988 então vem consagrar o princípio Federativo em seu artigo primeiro,
afirmando a forma de Estado escolhida pelo país. Contrapondo-se ao Estado
Unitário, o Estado Federal caracteriza-se pela descentralização política do
poder que se apresenta repartido entre diferentes entes (União, estados,
municípios e Distrito Federal) que possuem personalidades jurídicas próprias. A
natureza da descentralização corroborava com outros institutos que buscavam a
reorganização democrática de um Estado em transição. Assim, mesmo em completa
integração de natureza indissolúvel, cada ente possui autonomia para criar suas
leis, administrar seus interesses e tomar decisões políticas, sempre dentro da
competência que a Carta Maior lhe atribui.
A concepção do
princípio federativo é de tamanha pertinência que o constituinte concedeu natureza
imutável, considerando a forma de Estado cláusula pétrea, conforme vemos no
art. 60 da CF:
Art. 60 [...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir:
I a forma
federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais. [...]
Michel Temer[8] em sua obra no campo do Direito
Constitucional afirma que a descentralização política é uma importante
característica do Federalismo, mas não pode ser encarada como a única:
Em síntese: a descentralização política fixada na
Constituição é fator indicativo da existência de Estado Federal. Não é o
definitivo, contudo. Vários outros devem somar-se para fornecer o conceito
adequado do objeto deste estudo. Entre eles, a participação das vontades
parciais na vontade geral. Ou seja: cada qual das unidades federadas deve
participar, com sua manifestação, da vontade Federal.
Nesse sentido, a
autonomia dos entes federativos faz-se imprescindível à compreensão de tal
princípio, uma vez que possuem competência governamental, legislativa,
administrativa e tributária e são também regidos por outro relevante princípio,
o da predominância do interesse.
Na seara do Direito
Eleitoral, o autogoverno talvez seja a parte mais importante quando se refere à
autonomia dos entes, visto que significa uma garantia assegurada ao povo em
escolher seus representantes. Isso quer dizer que cada entidade possui
competência para realizar a sua própria eleição e eleger seu gestor.
Por sua vez, a
autoadministração refere-se à capacidade de organização do ente que inclui
disposição de seu quadro de servidores, enquanto a autolegislação assegura a
eles, através de seu Poder Legislativo, a criação de leis conforme as
competências que lhe foram atribuídas. Assim, apesar de certo grau de liberdade
que possui o ente, não se pode permitir que ele atue arbitrariamente ou contra
a Lei Maior, mas deve atentar sempre para a boa harmonia de todo o ordenamento
jurídico.
A autonomia não
deve ser confundida com o instituto da soberania. José Afonso da Silva[9] em sua obra ressalta:
No Estado Federal há que se distinguir soberania e
autonomia e seus respectivos titulares. Houve muita discussão sobre a natureza
jurídica do estado Federal, mas, hoje, já está definido que o Estado Federal, o
todo, como pessoa reconhecida, pelo Direito internacional, é o único titular de
da soberania, considerada poder supremo consistente na capacidade de
autodeterminação. Os Estados federados são titulares tão só de autonomia,
compreendida como governo próprio dentro do círculo de competências traçadas
pela Constituição Federal.
Assim, caracterizada
a autonomia dos entes federativos, percebe-se a coexistência de ordens
jurídicas distintas na formação da vontade do povo como nação. Percebe-se que
apesar de diferentes competências atribuídas pela Constituição Federal, deve
existir uma integração, de forma que, não se pode falar em hierarquia entre os
entes, mas, sobretudo, uma complementação entre estruturas políticas com
distintos âmbitos de atuação.
LEGITIMIDADE
Com o advento da
república e do regime democrático, a lisura das eleições para assumir os cargos
públicos através da representação política, tornou-se a própria essência de
todo o processo. Assim, o conteúdo maior do Direito Eleitoral, é
primordialmente o de assegurar eleições legitimas.
A legitimidade
significa, na acepção mais larga, uma garantia contra a arbitrariedade e a
desordem no governo, uma vez que busca assegurar a validade e a coerência no
processo eleitoral. Em algumas doutrinas, é conhecido por “princípio do
impedimento de falseamento da vontade popular”. O próprio voto enquanto direto,
secreto e universal, tem como escopo asseverar a legitimidade da eleição
enquanto escolha livre e consciente. Mas não é só, a CF traz em diversos outros
dispositivos, direitos políticos que visam garantir a inviolabilidade de todo o
processo político, entre eles o importante artigo 14:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo
sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e,
nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
§1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito
anos.
§2º Não podem alistar-se como eleitores os
estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os
conscritos.
§3º São condições de elegibilidade, na forma da
lei:
I - a nacionalidade brasileira;
II - o pleno exercício dos direitos políticos;
III - o alistamento eleitoral;
IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;
V - a filiação partidária; Regulamento
VI - a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e
Vice-Presidente da República e Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de
Estado e do Distrito Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado
Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador.
§4º São inelegíveis os inalistáveis e os
analfabetos.
§5º O Presidente da República, os Governadores de
Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou
substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período
subseqüente.
§6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente
da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos
devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.
§7º São inelegíveis, no território de jurisdição do
titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou
por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território,
do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis
meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato
à reeleição.
§8º O militar alistável é elegível, atendidas as
seguintes condições:
I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá
afastar-se da atividade;
II - se contar mais de dez anos de serviço, será
agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato
da diplomação, para a inatividade.
§9º Lei
complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua
cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para
exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e
legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do
exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
§10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a
Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a
ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.
§11. A ação de impugnação de mandato tramitará em
segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de
manifesta má-fé.
A Constituição traz
ainda nessa perspectiva da legitimidade eleitoral, mais precisamente no art.
14, parágrafo 9º, acima transcrito, texto que retrata a importância da
inelegibilidade, atribuindo à lei complementar a função de listar as suas
hipóteses.
Foi criada então, a
Lei de Inelegibilidade através da lei complementar nº 64/1990 que foi
posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 135/2010 para incluir outras
hipóteses que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no
exercício do mandato. Este tema será mais bem retratado nesta obra em capítulo
próprio.
Assim, a
legitimidade no Direito Eleitoral visa impedir fraudes no pleito eleitoral que
comprometam a vontade do povo materializada através do voto depositado nas
urnas. Por isso, o princípio da legitimidade está intimamente ligado à doutrina
das nulidades, pois assim, nulas, deverão ser considerados os atos jurídicos
que maculam ou mascaram a real vontade do povo. Nesse sentido, importante
destacar o Código Eleitoral em seus artigos 219 a 224 que buscam ceifar
qualquer prática que esteja irregular ao processo eleitoral:
Art. 219. Na aplicação da lei eleitoral o juiz
atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de
pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.
Parágrafo único. A declaração de nulidade não
poderá ser requerida pela parte que lhe deu causa nem a ela aproveitar.
O caput do art.
41-A da Lei das eleições (Lei n° 9.504/97) traz o que seria na prática,
mascarar a verdadeira intenção do eleitor:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus
incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar,
oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem
ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública,
desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de
multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma,
observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18
de maio de 1990. [grifo nosso]
Caracterizada a
captação de votos de alguns eleitores, sofreria o candidato a cassação do seu
registro ou diploma, além da possibilidade de incidir sobre ele outras penalidades.
Assim, mesmo havendo obtido votos de forma limpa que lhe proporcionassem a
vitória ao pleito, o candidato não poderia mais assumi-lo. Nessa perspectiva
ressalta-se a importância do princípio da legitimidade, mas, sobretudo do
princípio da moralidade das candidaturas.
Assim, vislumbra-se
no princípio da legitimidade uma perspectiva individual, no que se refere ao
direito ao voto e à inviolabilidade dos direitos políticos, bem como uma
perspectiva social que busca proteger o processo eleitoral contra fraudes e
abuso de poder.
MORALIDADE
O princípio da
moralidade, assim como o da legitimidade, já mencionado, e o da probidade estão
normatizados no parágrafo 9º do art. 14 da Constituição Federal:
§9º Lei complementar estabelecerá outros casos de
inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade
administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida
pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a
influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou
emprego na administração direta ou indireta. [grifo nosso]
Assim, percebemos o
quão estão intimamente ligados esses três princípios, cada um buscando conduzir
a ética para dentro do sistema eleitoral. E nesse sentido cabe analisarmos a
moralidade sob dois aspectos distintos: a moralidade do candidato e do pleito.
Esta, não se confunde com a moralidade administrativa expressa no artigo 37,
caput, da Constituição Federal que lista princípios a serem observados pela
administração pública direta e indireta, mas significa a lisura das eleições
como o bem maior protegido pelo Direito Eleitoral. Já a moralidade do
candidato, deve considerar sua vida pregressa, analisando se o aspirante ao
cargo público tem condições morais e éticas para assumi-lo.
Tão relevante esse
princípio que o próprio Tribunal Superior eleitoral, em muitos de seus julgados
apresenta-o como parâmetro de suas decisões. Vejamos abaixo:
ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO OU GASTOS
ILÍCITOS DE RECURSOS EM CAMPANHAS ELEITORAIS (LEI DAS ELEICOES, ART. 30-A).
SALVAGUARDA DA MORALIDADE E LEGITIMIDADE DAS ELEIÇÕES. ILÍCITO ELEITORAL QUE
RECLAMA A GRAVIDADE DA CONDUTA. ACÓRDÃO REGIONAL QUE NÃO VISLUMBROU ELEMENTOS
GRAVES O SUFICIENTE PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO
RELATOR. REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. PREVISÃO. MANUTENÇÃO
DA DECISÃO AGRAVADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO. 1. O ilícito
eleitoral insculpido no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 reclama, para a sua
configuração, a comprovação de que a captação e os gastos de recursos tenham
relevância jurídica para comprometer a moralidade e a legitimidade da eleição.
2. [...] 6. Agravo regimental desprovido.
(TSE - AgR-AI: 50202 RO , Relator: Min. LUIZ FUX,
Data de Julgamento: 24/03/2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça
eletrônico, Tomo 84, Data 06/05/2015, Página 141/142)
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES INDEFERIMENTO. REGISTRO
DE CANDIDATURA. EXAME DE VIDA PREGRESSA. ART. § CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE AFRONTA
AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSALVA DO
ENTENDIMENTO PESSOAL. PROVIMENTO. 1. O art. 14, § 9º, da CF, deve ser
interpretado como contendo eficácia de execução auto-aplicável com o propósito
de que seja protegida a probidade administrativa, a moralidade para o exercício
do mandato, considerando-se a vida pregressa do candidato. 2. A regra posta no
art. 1º, inciso I, g, da LC nº 64, de 18.05.90, não merece interpretação
literal, de modo a ser aplicada sem vinculação aos propósitos da proteção à
probidade administrativa e à moralidade pública. 3. A autorização
constitucional para que Lei Complementar estabelecesse outros casos de
inelegibilidade impõe uma condição de natureza absoluta: a de que fosse
considerada a vida pregressa do candidato. Isto posto, determinou,
expressamente, que candidato que tenha sua vida pregressa maculada não pode
concorrer às eleições. 4. A exigência, portanto, de sentença transitada em julgado
não se constitui requisito de natureza constitucional. Ela pode ser exigida em
circunstâncias que não apresentam uma tempestade de fatos caracterizadores de
improbidade administrativa e de que o candidato não apresenta uma vida
pregressa confiável para o exercício da função pública. 5. [...] 7. Desta forma, em homenagem ao princípio da
segurança jurídica, alinho-me a novel jurisprudência do TSE, ressalvando o meu
entendimento. 8. Recurso ordinário provido.
(TSE - RO: 1133 RJ , Relator: JOSÉ AUGUSTO DELGADO,
Data de Julgamento: 21/09/2006, Data de Publicação: PSESS - Publicado em
Sessão, Data 21/09/2006)
Interessante
observar a relevante atividade do Judiciário brasileiro na concretização de
tais princípios, não somente na moralidade pública. Assim, em cada eleição,
cada órgão eleitoral deve atentar para o fiel cumprimento das normas, desde o
deferimento dos pedidos de registro de candidaturas, passando pela fase de
campanha, pela fiscalização no dia da eleição, até a tomada de posse pelo escolhido,
sempre considerando e ponderando os demais princípios aplicáveis, inclusive o
direito à elegibilidade.
O Egrégio Tribunal
Superior Eleitoral firmou através do verbete de número 13, que seria necessário
a produção de Lei Complementar a fim de explicitar os casos que ensejariam a
imoralidade eleitoral que culminassem na inelegibilidade preconizada na
Constituição. O texto sumulado pelo TSE é no sentido da não aplicabilidade do
princípio da moralidade eleitoral para fins de exame de candidaturas, in
verbis: "Não é auto-aplicável o § 9° art. 14, da Constituição, com a
redação da Emenda Constitucional de Revisão 4/94".
A Lei Complementar
64/1990, no artigo 1°, inciso I, alínea “e”, traz a figura da inelegibilidade
criminal, sendo uma inelegibilidade superveniente à suspensão dos direitos
políticos, após sentença penal condenatória transitada em julgada com pena já
cumprida e extinta.
Mas a norma mais
discutida sobre o tema é a Lei Complementar n° 135/2010 conhecida como Lei da
Ficha Limpa. Essa Lei foi originada da iniciativa popular de mais de um milhão
e meio de cidadãos que a deram como resposta às recorrentes notícias de
corrupção e abuso de poder pelos governantes, acrescentando novas hipóteses de
inelegibilidades à Lei Complementar n° 64/1990, almejando evitar que candidatos
com vida pregressa desabonadora concorressem ao pleito.
Acontece que tratar
sobre moralidade não é uma tarefa fácil, uma vez ser um conceito muitas vezes
carregado de subjetividade e generalidade. E aí está mais uma vez a importância
da atividade jurisdicional eleitoral, quando o juiz na qualidade de intérprete
da lei deverá utilizar da prudência ao julgar, distanciando a noção de valor e
aproximando a objetividade do conceito de moralidade, a fim de resguardar a
segurança jurídica no processo eleitoral. Uma vez que, o mandato eletivo
representa um múnus público, um ônus, deverá ser realizado com honestidade,
respeito e probidade pelo representante escolhido pelo povo, pois como bem
afirmou Friedrich Nietzsche, “A moralidade é a melhor de todas as regras para
orientar a humanidade”.
PROBIDADE
O princípio da
probidade, assim como o da boa-fé, está relacionado com a convivência em
sociedade, uma vez estar na própria essência da coexistência humana. Assim,
nada mais justo que o referido princípio seja bastante considerado nos estudos
do Direito Eleitoral, sendo este, um direito social e coletivo por excelência.
Nessa medida, cabe
destacar que as eleições representam um dos pilares da democracia, um
instrumento de cidadania e um direito fundamental do cidadão, portanto é de
extrema importância que este, na hora de votar, esteja consciente das razões do
seu voto e do candidato que deseja eleger. A probidade do candidato consiste na
sua honradez, na sua conduta consistente, nas ações éticas, no sentimento de
respeito com o povo.
Estando o presente
princípio em consonância com os princípios da moralidade e da legalidade,
também se apresenta expressamente na Carta Maior no artigo 14, §9°, bem como
nos artigos 15, inciso V, e 37, § 4°. Como se verá a seguir:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos,
cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
[...]
V - improbidade administrativa, nos termos do art.
37, § 4°.
Art. 37
[...]
§4° Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. [...]
Mas é importante
frisar a Lei nº 8.429/92 que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes
públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo,
emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
Aqui, é importante ressaltar que os princípios ora comentados não se destinam
exclusivamente ao candidato, mas a todo e qualquer participante do processo
eleitoral. Sendo assim, embora a Lei nº 8.429/92 estabeleça nos artigos 9º, 10
e 11, várias condutas identificadoras de improbidade administrativa, não há em
seu rol qualquer referência aos atos de improbidade praticados durante o
período eleitoral. Para tanto, a Lei 9.504/97 (Lei das Eleições) estabeleceu no
artigo 73, uma série de condutas que são vetadas aos agentes públicos durante o
pleito.
A configuração da
improbidade não só no processo eleitoreiro, mas principalmente durante a gestão
do governante ocasiona fatos devastadores, já que a ausência de boas atuações,
ou pior, a má-fé e a desonestidade nos atos administrativos contribui para a degradação
das estruturas sociais, econômicas e morais, e consequentemente produz ainda
mais problemas sociais como fome, miséria, violência, e a precarização da
educação, saúde e segurança. A improbidade é uma infração administrativa
autônoma que pode ter efeitos na órbita criminal e civil, como consequências
também na vida política do agente.
Nesse sentido,
ressaltamos mais uma vez a importância da Lei da Ficha Limpa, que mais do que
editada, deve ser efetivada no combate às práticas desonestas, injustas e
desrespeitosas, que afrontam o ordenamento jurídico pátrio e o cidadão como ser
detentor de direito. Assim, vemos que o bem jurídico protegido inicialmente
pela probidade é o regime democrático, quando busca proporcionar a igualdade de
oportunidades entre os candidatos, garantir que ele esteja apto a disputar o
cargo e assegurar a lisura no pleito eleitoral.
IGUALDADE
OU ISONOMIA
O princípio da
igualdade ou isonomia é um dos pilares do regime democrático e está consagrado
na Constituição Federal no caput¬ do artigo 5° quando afirma que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Por sua vez, o
art. XXI, item 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que:
Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou
por intermédio de representantes livremente escolhidos.
Como a aplicação de
um princípio depende da interpretação que lhe é conferida, em diferentes
momentos histórico-jurídicos, vislumbrou-se uma evolução do princípio da
igualdade, possuindo ela em um primeiro momento, um significado meramente
formal perante a lei. Posteriormente, o princípio da igualdade passou a ser
analisado sob uma concepção material, e por fim, visto como materialização da
justiça social através da igualdade de oportunidades.
Assim, faz-se
imprescindível a regulamentação e aplicação das normas relativas ao pleito para
que a referida disputa se dê em “paridade de armas”, de forma que ninguém seja
beneficiado em detrimento de ordens pessoais ou outros privilégios, mas sim
tratados conforme os requisitos objetivos exigidos nos dispositivos legais.
Busca-se então, a
igualdade material desde o acesso aos cargos públicos até após a posse, na
gestão do governante. Essa igualdade deve estender-se também aos entes
federativos à medida que os representantes da população na Câmara dos Deputados
são regidos pelo sistema proporcional. O que não se aplica nessa situação ao
Senado Federal, uma vez que o número invariável de três senadores para cada
Estado-membro deriva do princípio da igualdade jurídica as unidades da
Federação.
O professor Uadi
Lammêgo Bulos[10] em seu livro de cunho
constitucional bem destacou a lição do renomado jurista e político brasileiro
Ruy Barbosa, que afirmou ainda no século passado que:
A regra da igualdade não consiste senão em tratar
desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade
social, proporcional e desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da
igualdade. Os mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar
com desigualdade os iguais, ou os desiguais com igualdade, seria desigualdade
flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a
norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que
vale, mas atribuir os mesmos a todos, como se todos se equivalessem.
Podemos então, em
um Estado Democrático de Direito onde vivemos, considerar o princípio ora
discutido como um instrumento de concretude da justiça social, não apenas sendo
ponto de partida, mas, sobretudo, como ponto de chegada. Não se pode considerar
que em uma sociedade onde existam privilégios ou distorções que discriminam
seus integrantes, possa progredir de forma justa e coerente.
A igualdade, no
âmbito do Direito Eleitoral, revela-se como pressuposto da justiça, uma vez
que, o direito ao voto se expressa de igual valor para cada cidadão, não mais
importando sua classe social, de sobrenome, conta bancária ou influência
política. Assim, o Direito resta por incluir a todos no sistema jurídico
reconhecendo a eles os direitos políticos que dão efetividade à democracia e à
soberania popular.
LIBERDADE
DE PROPAGANDA
A doutrina
brasileira convencionou dividir a propaganda política em propaganda partidária,
intrapartidária e eleitoral. Esta última é o objeto de estudo deste trabalho,
mas é de suma importância compreender as outras duas figuras.
Enquanto a
propaganda partidária compreende a divulgação gratuita através do rádio e da
televisão de assuntos relativos aos próprios partidos visando propagar suas
ideias e angariar novos filiados, a propaganda intrapartidária é realizada
pelos aspirantes à candidatura de um cargo eletivo e visa convencer os demais
filiados a votarem neles.
Em relação à
propaganda eleitoral propriamente dita, a Lei nº 9.504/97, conhecida como Lei
das Eleições afirma em seu artigo 36 que “a propaganda eleitoral somente é
permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição”. Tal dispositivo restringe a
norma contida no artigo 240 do Código Eleitoral que diz que “a propaganda de
candidatos a cargos eletivos somente é permitida após a respectiva escolha pela
convenção”.
Ocorre que apesar
das leis supracitadas se preocuparem com o prazo, não fizeram o mesmo quanto ao
que seria a propaganda eleitoral, cabendo então à doutrina pátria e os
Tribunais em suas decisões conceituarem e fiscalizarem tais atos.
O Tribunal Superior
Eleitoral posicionou-se no sentido de considerar propaganda eleitoral aquela em
que os candidatos e partidos políticos expõem as metas e os projetos de
trabalho com a intenção de conseguir a simpatia e o voto dos eleitores. Nessa
perspectiva, foi editada a Lei nº 12.034/2009 que incluiu novos dispositivos ao
Código Eleitoral, à Lei Orgânica dos Partidos Políticos e à Lei Eleitoral,
atualizando a legislação. Entre as novidades, estabeleceu a difusão da
participação política feminina, noras regras sobre filiação partidária,
prestação de contas, acesso gratuito ao rádio e à televisão, registro de
candidaturas e coligações, inelegibilidades supervenientes, condutas vedadas a
agentes públicos e, também, sobre a propaganda eleitoral. Nesse tema, foram
muito bem observadas pelo legislador as mudanças sociais e tecnológicas
ocorridas, uma vez que inclui no ordenamento brasileiro, dispositivos que
regulam o uso da internet para fins de propaganda durante o processo
eleitoreiro. Para tanto, foram acrescidos os artigos 57-A a 57-I na Lei das
Eleições. Vejamos o art. 57-B:
Art. 57-B. A
propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas:
I - em sítio do candidato, com endereço eletrônico
comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em
provedor de serviço de internet estabelecido no País;
II - em sítio do partido ou da coligação, com
endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou
indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País;
III - por meio de mensagem eletrônica para
endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação;
IV - por meio de blogs, redes sociais, sítios de
mensagens instantâneas e assemelhados, cujo conteúdo seja gerado ou editado por
candidatos, partidos ou coligações ou de iniciativa de qualquer pessoa natural.
Assim, para efeitos
propagandistas é permitido fazer faixas, placas, cartazes, bandeiras, pinturas
em bens particulares desde que não ultrapassem 4m², distribuir material de
campanha, entre outros. Ao passo em restam vedados durante o processo eleitoral
fazer propaganda, de qualquer natureza, em bens cujo uso dependa de permissão
do poder público ou nos bens de uso comum do povo. Assim como também é vedado
utilizar outdoors, realizar showmício, shows em trios elétricos, distribuir
brindes ou qualquer outro ato que possa gerar proveito ao eleitor.
Sobre a propaganda
antecipada, também chamada extemporânea, cabe destacar que consiste naquela
realizada antes do dia 06 de julho do ano eleitoral e, caso configurada,
sujeitará o responsável pela divulgação, bem como seu possível beneficiário à
multa cujo valor pode variar entre R$ 5.000 (cinco mil reais) e R$ 25.000
(vinte e cinco mil reais).
Apresentadas
algumas considerações acerca da propaganda eleitoral, vale considera-la agora
sobre o aspecto de direito do próprio candidato, com base na democracia
representativa e na liberdade de manifestação do pensamento, mas limitado ao
admissível jogo político. A Declaração Universal de Direitos Humanos,
proclamada em 1948, em seu art. 19 declara que:
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião
e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter
opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer
meios e independentemente de fronteiras.
Neste mesmo
sentido, está o voto do Relator, o Min. Ricardo Lewandowski na ADI n.º 3.741-DF
julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 06/08/2006. Vejamos um trecho do
acórdão:
[...] Cumpre notar que as restrições admissíveis ao
direito à informação são estabelecidas na própria Carta Magna, e dizem respeito
à proibição do anonimato, ao direito de resposta e à indenização por dano
material ou moral, à proteção da intimidade, privacidade, honra e imagem da
pessoa, ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e,
finalmente, ao resguardo do sigilo da fonte, quando necessário.
O que a Constituição protege, nesse aspecto, é
exatamente, na precisa lição de José Afonso da Silva, “a procura, o acesso, o
recebimento e a difusão de informações ou ideias por qualquer meio, e sem
dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer”. A
liberdade de expressão do pensamento, portanto, completa-se no direito à informação,
livre e plural, que constituiu valor indissociável da ideia de democracia no
mundo contemporâneo.
Assim, a liberdade
de expressão, que engloba a liberdade de pensamento, de opinião e de
comunicação, é tida como um direito fundamental da pessoa humana. O direito à
propaganda é, antes de tudo, um direito à informação de titularidade de todo
cidadão. Nesse caso, as informações relativas ao pleito eleitoral sofrem
algumas restrições em virtude da lisura das eleições e da isonomia entre os
candidatos, sendo vedadas algumas práticas, sem que isso configure tolhimento
do direito à informação.
Na concretização
desse objetivo torna-se muito relevante o papel de uma imprensa imparcial e
séria que trabalhe com informações verdadeiras e fundamentadas de forma a
provocar a reflexão do eleitorado. E mais importante ainda, é saber
distingui-la da mera atuação midiática tendenciosa e partidária, devendo nesses
casos o Poder Judiciário agir no sentido de reprimir a atuação parcial e
excessiva.
Assim, pode-se
afirmar que o grande desafio da regulamentação e fiscalização da propaganda,
por todos os sujeitos eleitorais, é esse: assegurar os direitos de informação e
de liberdade de expressão dos candidatos, partidos e de todo cidadão,
ponderando os demais direitos fundamentais e observando ainda a legitimidade do
pleito e a igualdade entre os candidatos.
PRINCÍPIOS
PROCESSUAIS
O Direito Eleitoral
constitui-se no ramo do Direito Público que trata dos institutos relacionados
aos direitos políticos e eleitorais em todos os seus aspectos, inclusive no
processual.
Sobre o Direito
Processual Eleitoral, Francisco Landim[11] em seu artigo intitulado
Direito Processual Eleitoral ou Direitos Processuais Eleitorais? As leituras
críticas da locução Processo Eleitoral afirma que:
Pode-se dizer, então, que, visto pelo ângulo do
processo eleitoral, que é seu objeto, o Direito Processual Eleitoral não
constitui uma unidade normativa, já que a variada gama de processos eleitorais
leva ao aparecimento, por assim dizer, de vários Direitos Processuais
Eleitorais, como verdadeiros ramos desse que se chama, na sua unidade política,
de Direito Processual Eleitoral.
[...]
Acima de todos esses Direitos Processuais
Eleitorais, o Direito Processual Eleitoral Constitucional é compreendido como
instrumento da supremacia da Constituição em matéria de direitos políticos.
Dessa forma, a
análise constitucional e processual faz-se imprescindível nesse estudo, visto
que diversos princípios dessas searas também se adequam e são aplicados no
Direito Eleitoral.
PRECLUSÃO INSTANTÂNEA
O princípio da
preclusão instantânea tem relação com o da celeridade, mas pode ser mais bem
compreendido quando se analisa o art. 147, § 1º do Código Eleitoral:
Art. 147. O presidente da mesa dispensará especial
atenção à identidade de cada eleitor admitido a votar. Existindo dúvida a
respeito, deverá exigir-lhe a exibição da respectiva carteira, e, na falta
desta, interrogá-lo sobre os dados constantes do título, ou da folha individual
de votação, confrontando a assinatura do mesmo com a feita na sua presença pelo
eleitor, e mencionando na ata a dúvida suscitada.
§1º A impugnação à identidade do eleitor, formulada
pelos membros da mesa, fiscais, delegados, candidatos ou qualquer eleitor, será
apresentada verbalmente ou por escrito, antes de ser o mesmo admitido a votar.
[...]
Entende-se que após
o voto do eleitor, não se admite impugnação quanto à sua identidade,
considerando consumado o ato do sufrágio. Como exemplos, podemos citar também
os artigos 149 e também o art. 223 do mesmo diploma:
Art. 149. Não será admitido recurso contra a
votação, se não tiver havido impugnação perante a mesa receptora, no ato da
votação, contra as nulidades argüidas.
(...)
Art. 223. A nulidade de qualquer ato, não decretada
de ofício pela Junta, só poderá ser argüida quando de sua prática, não mais
podendo ser alegada, salvo se a argüição se basear em motivo superveniente ou
de ordem constitucional. [...]
Folheando o Novo
dicionário da língua portuguesa[12], encontramos o conceito da palavra
preclusão como sendo:
s.f 1.
Contato prévio de dois órgãos para a produção de fonema explosivo, como
p, b, etc. 2. Perda de determinada faculdade processual civil, pelo não
exercício dela na ordem legal, ou por se haver realizado uma atividade
incompatível com tal exercício, ou, ainda, por já ter sido ela validamente
exercitada. [grifo nosso]
Assim, chega-se ao
entendimento de que a preclusão aplicada nesses casos é a que a doutrina chama
por consumativa e que pode ser definida como aquela que ocorre quando há
extinção da faculdade de se praticar determinado ato processual devido já haver
ocorrido a oportunidade para realiza-lo. Tal figura tem por objetivo dar mais
celeridade ao processo, evitando que atos desnecessários se repitam, por
negligência das partes ou má-fé, buscando sempre resolver o conflito existente.
CELERIDADE
O princípio da
celeridade está intimamente ligado com o problema da morosidade da prestação
jurisdicional, o que é causa muitas vezes do descrédito da população no Poder
Judiciário. Na tentativa de resolver essa questão, o legislador optou por
incluir um novo dispositivo ao artigo 5º da Constituição, que trata dos
direitos e deveres da pessoa enquanto ser humano e sociedade.
Foi aprovada,
então, a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004 que entre
outros dispositivos acrescentou ao texto o inciso LXXVIII versando que “A
todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Apesar de
tal norma possui aplicabilidade imediata, para que ela tenha eficácia social,
torna-se relevante que as leis e o próprio Judiciário criem mecanismos que
proporcionem celeridade, mas, sobretudo, segurança jurídica aos processos, bem
como busque meios que desburocratizem nosso ordenamento jurídico.
Nessa temática, a
declaração de Rui Barbosa de que justiça tardia não é justiça nunca, foi tão
atual. Entretanto, decisão que é apenas rápida pode também não ser justa. Por
isso, celeridade nunca foi sinônimo de rapidez, mas apenas quer dizer sobre o
tempo razoavelmente necessário para o trâmite processual.
Trazendo para o
Direito Processual Eleitoral, podemos observar a aplicabilidade de tal
princípio à medida que as decisões devem ser imediatas, tentando-se evitar
processo longos que ultrapassem à data da diplomação. Como exceção à regra, no
entanto, admite-se adiar o julgamento para momento posterior à posse.
Podemos considerar
também esse princípio quando tratamos dos prazos recursais, que são diferentes
das regras gerais constantes no CPC, pois no mais das vezes, os prazos dos
recursos eleitorais são de 03 (três) dias e até de 24 (vinte e quatro) horas. O
Código Eleitoral ainda traz um dispositivo que bem evidencia esse princípio: o
artigo 257, que afirma que a execução de qualquer acórdão será feita
imediatamente, através de comunicação por ofício, telegrama, ou, em casos
especiais, a critério do Presidente do Tribunal, através de cópia do acórdão.
Compreende-se assim, que o princípio da celeridade é de suma relevância e especial
aplicação no processo eleitoral.
Aplicação Subsidiária do Código de
Processo Civil e Código de Processo Penal
As normas de
direito processual eleitoral não são completas em si, dependendo de princípios
e regras de outros ramos do direito processual para que venha a ser aplicado de
forma plena.
O próprio Código de
Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), em seu art. 15, prevê expressamente a
aplicação subsidiária de suas normas aos processos eleitorais, trabalhistas e
administrativos, quando for verificada a ausência de normas próprias no direito
eleitoral.
Art. 15. Na
ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou
administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e
subsidiariamente.
A previsão expressa
contida no Novo Código de Processo Civil demandou que o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) disciplinasse quais institutos seriam aplicáveis de forma
direta ao direito processual eleitoral, o que culminou com a edição da Res. TSE nº 23.478/2016, que estabeleceu
as diretrizes gerais para a aplicação da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015
– Novo Código de Processo Civil, no âmbito da Justiça Eleitoral.
Quanto à legislação
processual eleitoral, veem-se diversas passagens que demonstram de forma direta
a subsidiariedade do direito processual civil e penal, destacando-se o art. 20,
art. 28, §2º, art. 285 e art. 364, in verbis:
Art. 20. Perante o Tribunal Superior, qualquer
interessado poderá argüir a suspeição ou impedimento dos seus membros, do
Procurador-Geral ou de funcionários de sua Secretaria, nos casos previstos na
lei processual civil ou penal e por motivo de parcialidade partidária, mediante
o processo previsto em regimento.
Art. 28 (...)
§2º Perante o Tribunal Regional, e com recurso
voluntário para o Tribunal Superior qualquer interessado poderá argüir a
suspeição dos seus membros, do Procurador Regional, ou de funcionários da sua
Secretaria, assim como dos Juízes e escrivães eleitorais, nos casos previstos
na lei processual civil e por motivo de parcialidade partidária, mediante o
processo previsto em regimento.
Art. 275. São admissíveis embargos de declaração
nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil.
Art. 364. No processo e julgamento dos crimes
eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na
execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou
supletiva, o Código de Processo Penal.
(...) no processo e julgamento dos crimes
eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na
execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou
supletiva, o Código de Processo Penal.
E arremata:
(...) aplica-se ao Direito Processual Eleitoral
todos os princípios do Direito Processual Penal e do Direito Processual Civil.
POTENCIALIDADE LESIVA
Existem alguns
casos em que se faz necessária apurar a potencialidade do ato influenciar no
equilíbrio do pleito eleitoral para que seja determinada uma eventual cassação.
A discussão quanto
à potencialidade lesiva do ato em relação à cassação de um candidato eleito,
diminuiu em relevância em função da entrada em vigor da Lei Complementar nº
135/2010, a Lei da Ficha Limpa, que incluiu o inciso XVI no art. 22, da Lei de
Inelegibilidades, que assim prevê:
Art.22,XVI – para a configuração do ato abusivo, não será
considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas
apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.
OUTROS PRINCÍPIOS
Outros princípios
processuais, comuns a várias áreas do Direito, são considerados relevantes
quando da vivência do processo eleitoral como, por exemplo, o Devido processo
legal, Contraditório, Motivação dos atos administrativos, Publicidade, entre
outros.
Apesar de
implicitamente presente nas cartas anteriores, o princípio do devido processo
legal está expressamente firmado na Constituição Federal, mais precisamente no
art. 5º, LIV que afirma que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal. A doutrina costuma afirmar que ele é gênero do
qual os demais princípios constitucionais processuais são espécies. Tal
princípio pode ser observado através de duas dimensões: o devido processo legal
substantivo, de onde a doutrina extrai os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade e o devido processo judicial, de onde se retira o núcleo de
tal princípio: garantir aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença
justa.
O contraditório se
apresenta sempre relacionado com a ampla defesa, tanto que estão os dois
princípios estão relacionados no mesmo dispositivo constitucional, o art. 5º,
LV, quando declara que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes. Trata-se, portanto, de uma garantia que a
parte contrária tem de tomar conhecimento da existência da demanda, questionar
e impugnar os argumentos e provas alegados contra si.
O princípio da
motivação dos atos administrativos está relacionado com os princípios da
legalidade e da publicidade, visando garantir que todos os atos estejam em
perfeita harmonia e obediência ao ordenamento jurídico. Para tanto, importante
observar a diferenciação apontada pela doutrina no tocante ao motivo e à
motivação. Sendo institutos autônomos, motivo é a situação fática ou jurídica
que incitou à feitura do ato ou a tomada de decisão, enquanto motivação se
apresenta como toda a explanação, fundamentação e a argumentação dos motivos
que levaram à elaboração do ato. A motivação das decisões judiciais está
expressamente disciplinada no art. 93, incisos IX e X, da Carta Maior do
Estado, quando afirmam que:
Art. 93 [...]
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação
do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação;
X as decisões administrativas dos tribunais serão
motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da
maioria absoluta de seus membros;
[...]
Além disso, a Lei
n° 9.784/99 que versa sobre processo administrativo no âmbito da Administração
Pública Federal traz disciplinado no caput do art. 50 que os atos
administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos
fundamentos jurídicos. Desse modo, visando proteger o interesse das partes e
também do interesse público, a ausência ou carência de fundamentação na decisão
poderá ocasionar sua nulidade. É até mesmo uma forma de controle dos atos
administrativos e jurisdicionais, por parte da população.
Decorre do
princípio da publicidade que os atos administrativos devem ser amplamente
divulgados com o escopo de informar a população sobre as ações dos ocupantes
dos cargos públicos, sendo assim um corolário da cidadania quando preza a
transparência na execução da atividade administrativa. Diante de tal
relevância, possui esse princípio, status constitucional, estando disciplinado
no inciso IX do artigo 93, acima transcrito.
É certo, que tal
ideia não é absoluta, possuindo algumas restrições que são justificadas na
proteção do bem maior que é o próprio interesse da coletividade. Um exemplo é o
parágrafo 11 do artigo 14 da CF quando afirma que a ação de impugnação de
mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei,
se temerária ou de manifesta má-fé.
Além disso, muitos
atos necessitam da publicização para que comecem a gerar seus efeitos
jurídicos. Tal ideia está relacionada às noções de imparcialidade e ao
princípio do dispositivo, de maneira que os atos, obras e programas são
imputáveis não ao funcionário ou servidor, mas ao órgão em que ele atua, não
podendo por isso conter nomes, símbolos ou imagens, que façam divulgação
pessoal.
No Direito
Eleitoral, o processo corre da mesma forma que nas outras searas, sempre em
defesa das garantias constitucionais para que se conceda ao cidadão enquanto
eleitor ou candidato, a efetividade de seus direitos, os protegendo ainda
contra atitudes arbitrárias.
COMO
REFERENCIAR ESTE ARTIGO
OLIVEIRA, Marcio.
Princípios de direito eleitoral. In: Tratado de direito eleitoral. 2016.
Disponível em: <http://novoeleitoral.com/tratado/index.php?title=Princípios_do_Direito_Eleitoral>. Acesso em:
11/06/2019.
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Eleitoral? As leituras críticas da locução Processo Eleitoral.
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