SOBRE A PRISÃO POR VIOLAR A
QUARENTENA
Prof. Esp. Lic. Em Adm, Direito e economia
Alcenisio Tecio Leite de Sá
Art. 268,
CP -
Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou
propagação de doença contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano,
e multa.
Parágrafo
único - A
pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou
exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
Omissão
de notificação de doença
Comete o delito quem infringe determinação do poder público,
destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. Ninguém pode negar, o coronavírus é
doença contagiosa. Ademais, no exemplo do Maranhão, temos determinação do poder
público para que seja respeitada a quarentena. Portanto, aparentemente, a
afirmação do governador Flávio Dino está correta. Da literalidade do
dispositivo, parece ser criminosa a conduta daquele que não respeita a
quarentena.
Entretanto, a questão não é tão
simples como parece. Em razão da natureza subsidiária do Direito Penal, quem
contraria determinação do governador que impõe a quarentena incorre, a
princípio, em mera infração administrativa. Vale frisar, inclusive, que muitos
desses decretos publicados pelo país estabelecem multa para quem não os
respeita, não havendo razão para o uso do Direito Penal, que, como já disse, é
subsidiário. Quando, então, alguém poderá ser responsabilizado criminalmente
por desrespeito ao isolamento? Depende.
Alguns entendem que o crime do art. 268 é de perigo abstrato,
isto é, pune-se a mera prática da conduta, pois o perigo à incolumidade pública
é presumido. Para outros, o delito é de perigo concreto, devendo existir
demonstração de que a conduta efetivamente ofereceu risco à saúde pública. Seja
qual for seu posicionamento, há um ponto em comum entre os divergentes: o crime
só estará caracterizado quando a conduta for apta a produzir o resultado. Ou
seja, se sou visto caminhando pela rua, sozinho, em tempos de
quarentena, não posso ser preso em flagrante pelo crime de infração de medida
sanitária preventiva.
Essa conclusão decorre do
seguinte fato: seja qual for a infração penal, só podemos falar em tipicidade
quando a conduta praticada é apta a produzir o resultado. Apesar da
recomendação de não sair de casa em hipótese alguma, salvo quando realmente
necessário, isso não significa que poderei ser preso em flagrante ao violar a
determinação de confinamento. Posso sofrer alguma sanção de natureza
administrativa, se prevista em lei, mas não de natureza penal.
O Doutrinador Cezar Roberto Bitencourt, em seu Tratado de Direito
Penal, esclarece, ao comentar a respeito do art. 268 do CP: (...) é necessário
demonstrar a idoneidade do comportamento infrator para produzir um potencial
resultado ofensivo à preservação do bem jurídico saúde pública, visto sob a
perspectiva genérica. Caso contrário, estaríamos admitindo que a mera infração
de norma administrativa fosse constitutiva de delito, outorgando à
administração pública a possibilidade de legislar em matéria penal, com afronta
ao princípio de reserva legal.
E o comerciante que se recusa a
fechar as portas, pode ser conduzido à delegacia? A meu ver, não. Embora a
conduta tenha a capacidade de, em tese, disseminar o coronavírus,
a administração pública tem ferramentas suficientes para repeli-la e puni-la na
esfera administrativa. Além disso, destaco que o crime do artigo 268 é doloso,
não podendo ser punida a conduta imprudente (ou negligente) de quem não toma os
devidos cuidados para evitar a propagação da doença.
Apesar de entender a preocupação do governador do Maranhão são vazias de
amparo legal. Primeiro, pelo que expliquei em relação ao delito de infração
de medida sanitária preventiva, que não fica caracterizado com o mero
descumprimento do decreto; segundo, por parecer que, a partir de agora, por
determinação sua, as pessoas serão presas em flagrante se violada a quarentena,
reflexão que flerta com a teratologia, afinal, compete à União legislar sobre
Direito Penal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário