domingo, 24 de maio de 2020


SOBRE A PRISÃO POR VIOLAR A QUARENTENA
Prof. Esp. Lic. Em Adm, Direito e economia Alcenisio Tecio Leite de Sá

Art. 268, CP - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Omissão de notificação de doença

Comete o delito quem infringe determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. Ninguém pode negar, o coronavírus é doença contagiosa. Ademais, no exemplo do Maranhão, temos determinação do poder público para que seja respeitada a quarentena. Portanto, aparentemente, a afirmação do governador Flávio Dino está correta. Da literalidade do dispositivo, parece ser criminosa a conduta daquele que não respeita a quarentena.

Entretanto, a questão não é tão simples como parece. Em razão da natureza subsidiária do Direito Penal, quem contraria determinação do governador que impõe a quarentena incorre, a princípio, em mera infração administrativa. Vale frisar, inclusive, que muitos desses decretos publicados pelo país estabelecem multa para quem não os respeita, não havendo razão para o uso do Direito Penal, que, como já disse, é subsidiário. Quando, então, alguém poderá ser responsabilizado criminalmente por desrespeito ao isolamento? Depende.
Alguns entendem que o crime do art. 268 é de perigo abstrato, isto é, pune-se a mera prática da conduta, pois o perigo à incolumidade pública é presumido. Para outros, o delito é de perigo concreto, devendo existir demonstração de que a conduta efetivamente ofereceu risco à saúde pública. Seja qual for seu posicionamento, há um ponto em comum entre os divergentes: o crime só estará caracterizado quando a conduta for apta a produzir o resultado. Ou seja, se sou visto caminhando pela rua, sozinho, em tempos de quarentena, não posso ser preso em flagrante pelo crime de infração de medida sanitária preventiva.

Essa conclusão decorre do seguinte fato: seja qual for a infração penal, só podemos falar em tipicidade quando a conduta praticada é apta a produzir o resultado. Apesar da recomendação de não sair de casa em hipótese alguma, salvo quando realmente necessário, isso não significa que poderei ser preso em flagrante ao violar a determinação de confinamento. Posso sofrer alguma sanção de natureza administrativa, se prevista em lei, mas não de natureza penal.
O Doutrinador Cezar Roberto Bitencourt, em seu Tratado de Direito Penal, esclarece, ao comentar a respeito do art. 268 do CP: (...) é necessário demonstrar a idoneidade do comportamento infrator para produzir um potencial resultado ofensivo à preservação do bem jurídico saúde pública, visto sob a perspectiva genérica. Caso contrário, estaríamos admitindo que a mera infração de norma administrativa fosse constitutiva de delito, outorgando à administração pública a possibilidade de legislar em matéria penal, com afronta ao princípio de reserva legal.
E o comerciante que se recusa a fechar as portas, pode ser conduzido à delegacia? A meu ver, não. Embora a conduta tenha a capacidade de, em tese, disseminar o coronavírus, a administração pública tem ferramentas suficientes para repeli-la e puni-la na esfera administrativa. Além disso, destaco que o crime do artigo 268 é doloso, não podendo ser punida a conduta imprudente (ou negligente) de quem não toma os devidos cuidados para evitar a propagação da doença.

Apesar de entender a preocupação do governador do Maranhão são vazias de amparo legal. Primeiro, pelo que expliquei em relação ao delito de infração de medida sanitária preventiva, que não fica caracterizado com o mero descumprimento do decreto; segundo, por parecer que, a partir de agora, por determinação sua, as pessoas serão presas em flagrante se violada a quarentena, reflexão que flerta com a teratologia, afinal, compete à União legislar sobre Direito Penal.



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