CONCURSO
DE PESSOAS Prof. Esp.Alcenisio
Técio Leite de Sá
INTRODUÇÃO
Um crime pode
ser praticado por uma ou várias pessoas em concurso. Pode o sujeito,
isoladamente, matar, subtrair, falsificar documento, omitir socorro a pessoa
ferida etc. freqüentemente, todavia, a infração penal é realizada por duas ou
mais pessoas que concorrem para o evento. Nesta hipótese, está-se diante de um
caso de concurso de pessoas, fenômeno conhecido como concurso de agentes,
concurso de delinqüentes, co-autoria, co-deliqüência ou participação.
O concurso de pessoas pode ser
definido como a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na
mesma infração penal. Há, na hipótese, convergência de vontades para um fim
comum, que é a realização do tipo penal sendo dispensável a existência de um
acordo prévio entre as várias pessoas; basta que um dos delinqüentes esteja
ciente de que participa da conduta de outra para que se esteja diante do
concurso.
Deve-se distinguir o concurso de
pessoas, que é um concurso eventual, e assim pode ocorrer em qualquer delito
passível de ser praticado por uma só pessoa (crimes unissubjetivos), do chamado
concurso necessário.. existem numerosos delitos que, por sua natureza
intrínseca, só podem ser cometidos por duas ou mais pessoas, como o adultério a
bigamia, a rixa, o crime de quadrilha ou bando, etc. são estes chamados crimes
de concurso necessário ou crimes plurissubjetivos.
TEORIAS
São várias as
teorias a respeito da natureza do concurso de agente quando se procura estabelecer
se existe na hipótese um só ou vários delitos, delas defluindo soluções
diversas quanto à aplicação da pena.
TEORIA MONISTA, UNITÁRIA OU
IGUALITÁRIA - o crime ainda quando tenha sido praticado em concurso de várias
pessoas, permanece único e indivisível. Não se distingue entre as várias
categorias de pessoas (autor, partícipe, instigador cúmplice, etc.)., sendo
todos autores (ou co-autores) do crime. Essa posição foi adotada pelo código
penal de 1940 ao determinar no art. 25 que “quem, de qualquer modo, concorre
para o crime incide nas penas a esse cominadas”.
TEORIA PLURALISTA - à multiplicidade
de agentes corresponde um real concurso de ações distintas e, em conseqüência,
uma pluralidade de delitos, praticando cada ma das pessoas um crime próprio autônomo.
TEORIA DUALÍSTICA OU DUALISTA - no
concurso de pessoas há um crime para os autores o outros para os partícipes.
Existe no crime uma ação principal, que é a ação do autos do crime, o que
executa a ação típica, e ações secundárias, acessórias, que são as realizadas
pelas pessoas que instigam ou auxiliam o autor a cometer o delito.
CAUSALIDADE FÍSICA E PSÍQUICA
Na questão do
concurso de pessoas, a lei penal não distingue entre os vários agentes de um
crime determinado: em princípio, respondem por ele todos aqueles que
concorreram para a sua realização. A causalidade psíquica (ou moral), ou seja,
a consciência da participação no concurso de agentes, acompanha a causalidade
física (nexo causal). Quando a lei determina que aquele que “de qualquer modo
concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”, a amplitude do texto
deve ser entendida em correspondência com a causalidade material e psíquica.
Consequentemente, , quem concorre para um evento, consciente e voluntariamente
(visto que concorrer para um crime é desejá-lo), responde pelo resultado.
REQUISITOS
Para que
ocorra o concurso de agentes, são indispensáveis os seguintes requisitos:
a)
pluralidade de condutas;
b)
relevância causal de cada uma das ações;
c)
liame subjetivo entre os agentes;
d)
identidade de fato.
Existem condutas de várias pessoas, é indispensável, do
ponto de vista objetivo, que haja nexo causal entre cada uma delas e o
resultado, ou seja, havendo relevância causal de cada conduta, concorreram
essas pessoas para o evento e por ele são responsabilizadas.
AUTORIA
Quando na lei
se inscreve uma descrição do crime, a ameaça da pena dirige-se àquela que
realiza o tipo penal, ou seja, ao sujeito que
realiza a ação tipificada. Pratica homicídio quem “mata” a vítima,
pratica furto quem “subtrai” a coisa, etc. o art. 29 não distingue em
princípio, entre o autor da conduta típica e o que colabora para a ocorrência
do ilícito sem realizar a ação referente ao verbo-núcleo do tipo penal,
considerando como autores todos quanto concorrerem para ação delituosa. Essa
distinção está, porém, na natureza das coisas, ou seja, na espécie diferente de
causas do resultado por parte de duas ou mais pessoas, devendo ser assinalada a
distinção entre autor, co-autor e partícipe.
Quanto à conceituação de quem é o
autor do crime, foram criadas três teoria. A primeira delas fornece um conceito
restrito de autor, em um conceito formal objetivo: autor é aquele que pratica a
conduta típica inscrita na lei, ou seja, aquele que realiza ação executiva,
ação principal. É o que mata, subtrai, falsifica etc.
Uma segunda corrente formula um
conceito extensivo do autor, em um critério material-objetivo: autor é não só o
que realiza a conduta típica, como também aquele que concorre com uma causa
para o resultado. Não se fez assim distinção entre autor e partícipe, já que
todos os autores concorreram para o resultado ao contribuírem com uma causa
para o evento.
Numa terceira posição, formulada
principalmente pela doutrina alemã, conceitua-se como autor aquele que tem o domínio
final do fato, trata-se de um critério final-objetivo: autor será aquele que,
na concreta realização do fato típico, consciente o domina mediante o poder de
determinar o seu modo e, inclusive, quando possível, de interrompê-lo. Autor é,
portanto, segundo essa posição, quem tem o poder de decisão sobre a realização
do fato.
Adotamos a teoria formal objetiva,
que delimita, com nitidez, a ação do autor (autoria) e a do partícipe
(participação), complementada pela idéia da autoria mediata. Autor é quem realiza
diretamente a ação típica, no todo ou em parte, colaborando na execução
(autoria direta), ou quem a realiza através de outrem que não é imputável ou
não age com culpabilidade (autoria mediata).
São co-autores os que conjuntamente
realizam a conduta típica. Os demais, ou seja, aqueles que, não sendo autores
mediatos, colaboram na prática do delito sem realizarem a conduta típica, sem
participarem da execução, são partícipes.
CO-AUTORIA
O concurso de
pessoas pode realizar-se através da co-autoria e da participação. Co-autor é
quem executa, juntamente com outras pessoas, a ação ou omissão, que configura o
delito. Assim, se duas pessoas disparam suas armas, alvejando a vítima e
causando-se a morte, responderão como co-autores.
Há, na co-autoria, a decisão comum
para a realização do resultado da conduta.
Inexistente a consciência de
cooperação na conduta comum, não haverá concurso de pessoas, restando a autoria
colateral (ou co-autoria colateral ou imprópria). Caso duas pessoas, ao mesmo
tempo, sem conhecerem a intenção uma da outra, dispararem sobre a vítima,
responderão cada uma por um crime se os disparos de ambas forem causas da
morte. Se a vítima morreu apenas em decorrência da conduta de uma, a outra
responderá por tentativa de homicídio. Havendo dúvida insanável quanto à causa
da morte, ou seja, sobre a autoria, a solução deverá obedecer ao princípio in
dubio pro reu, punindo-se ambos por tentativa de homicídio.
PARTICIPAÇÃO
Fala-se em
participação, em sentido estrito, como a atividade acessória daquele que
colabora para a conduta do autor com a prática de uma ação que, em si mesma, não é penalmente relevante. Essa
conduta somente passa a ser relevante quando o autor, ou co-autores, iniciam ao
menos a execução do crime. O partícipe não comete a conduta descrita pelo
preceito primário da norma, mas pratica uma atividade que contribui para a
realização do delito. Trata-se de uma das hipóteses de enquadramento de
subordinação ampliada ou por extensão, prevista na lei, que torna relevante qualquer
modo de concurso, que transforma em típica uma conduta de per si atípica. Há na
participação uma contribuição causal, embora não totalmente indispensável, ao
delito e também a vontade de cooperar na conduta do autor ou co-autores.
São várias as formas de
participação.
Instiga aquele que age sobre a
vontade do autor, fazendo nascer neste a idéia da prática do crime ou
acoroçoando a já existente, de modo determinante na resolução do autor, e se
exerce através do mandato, persuasão, conselho, comando, etc.
Cúmplice é aquele que contribui para
o crime prestando auxílio ao autor ou partícipe, exteriorizando-se a conduta
por um comportamento ativo (o empréstimo da arma, a revelação do segredo de um
cofre etc.). não se exclui, porém, a cumplicidade por omissão nas hipóteses em
que o sujeito tem o dever jurídico de evitar o resultado. Cita-se como exemplo
a omissão do empregado que não tranca o cofre para que seja facilitado a ação
do autor do furto com o qual colabora o partícipe.
AUTORIA MEDIATA
Como já se
assinalou, autor não é apenas o que realiza diretamente a ação ou omissão
típica, mas quem consegue a execução através de pessoa que atua sem
culpabilidade. Chama-se isso autoria mediata (ex. a enfermeira, por ordem do
médico, ministra um veneno ao paciente supondo que se trata de um medicamento).
CONCURSO DE PESSOAS E CRIMES POR OMISSÃO
É possível a
participação em crime omissivo puro, ocorrendo o concurso de agentes por
instigação ou determinação. Assim, se o agente instiga outrem a não efetuar o
pagamento de sua prestação alimentícia, responderá pela participação no crime
de abandono material.
Não se pode falar, porém, em
co-autoria em crime omissivo próprio. Caso duas pessoas deixem de prestar
socorro a uma pessoa ferida, podendo cada uma delas fazê-lo sem risco pessoal,
ambas cometerão o crime de omissão de socorro, isoladamente, não se
concretizando hipótese de concurso de
agentes.
Também é possível a participação por
omissão em crime comissivo. Se um empregado que deve fechar a porta do estabelecimento
comercial não o faz, para que terceiro possa mais tarde praticar uma subtração,
há participação criminosa no furto em decorrência do não-cumprimento do dever
jurídico de impedir a subtração. Não se pode falar em participação por omissão,
todavia, quando não concorra o dever jurídico de impedir o crime. A simples
conivência não é punível. Também não participa do crime aquele que, não tendo o
dever jurídico de agir, não comunica o fato à polícia para que possa esta
impedi-lo. É sempre indispensável que exista o elemento subjetivo (dolo ou
culpa) e que a omissão seja também “causa” do resultado, vale dizer, que,
podendo agir, o omitente não o tenha deito.
CO-AUTORIA DE CRIME CULPOSO
De há muito
está assentada a possibilidade de concurso em crime culposo. Existente um
vínculo psicológico entre duas pessoas na prática da conduta, ainda que não em
relação ao resultado, concorrem elas para o resultado lesivo se obrarem com
culpa em sentido estrito.
O concurso de agente no crime
culposo difere daquele do ilícito doloso, pois se funde apenas na colaboração
da causa e não do resultado (que é involuntário). Disso deriva a conclusão de
que é autor todo aquele que causa culposamente o resultado, não se podendo
falar em participação em crime culposo.
COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA
A
participação, conforme a doutrina moderna, é acessória de um fato principal.
Para a punibilidade do partícipe basta que o fato seja típico e antijurídico.
Em casos de instigação ou outras formas de participação, é possível que o resultado
ocorrido seja diverso daquele pretendido pelo partícipe. Há um desvio subjetivo
entre os sujeitos, uma cooperação dolosamente distinta entre o partícipe e o
autor que executa o crime mais grave do que o desejado por aquele. Ex.: A
determina que B dê uma surra em C; B mata C. Perante a lei anterior, ambos
responderiam pelo crime mais grave, podendo o mandante ou o instigador
beneficiar-se de uma causa de diminuição de pena. Assim, não responderiam os
partícipes se, eventualmente, os executores praticassem um estupro além do
ilícito ajustado. A falta de previsibilidade quanto ao crime mais grave,
segundo a doutrina, excluía a responsabilidade do partícipe no ilícito que
resultara exclusivamente da vontade do praticante da ação típica.
Quando o crime mais grave, embora
não querido, é previsto e aceito pelo partícipe, responde por esse ilícito a
título de dolo eventual. A essa conclusão leva a disposição do dispositivo ao
se referir apenas à previsibilidade do fato e não à previsão do partícipe.
Não se aplica também o dispositivo
nos casos de autoria mediata, já que nesse caso não se pode falar em
participação. O agente é autor do fato e responde pelo resultado ocorrido.
O art. 29, § 2º, consagra o
princípio da individualização da pena no concurso de pessoa ao determinar que
cada concorrente é responsável de acordo com o elemento subjetivo (dolo) e
também não descura do princípio da proporcionalidade ao prever o aumento da
pena quando, além do dolo referente ao crime menor, há um desdobramento psicológico
da conduta do partícipe quanto à previsibilidade da realização do crime mais
grave (culpa).
PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE AGENTES
Diante do
disposto no art. 29, todos os autores, co-autores e partícipes incidem nas
penas cominadas ao crime praticado, exceto no caso de estes últimos terem
querido participar do crime menos grave. Entretanto, no processo de aplicação
da pena deve o juiz distinguir a situação de cada um, “na medida de sua
culpabilidade”, ou seja, segundo a reprovabilidade da conduta do co-autor ou
partícipe. Nessa linha de verificação da culpabilidade, determina-se no art.
29, § 1º: “Se a participação for de menor importância, a pena pode ser
diminuída de um sexto a um terço”.
QUALIFICADORAS E AGRAVANTES
O concurso de
pessoas pode ser uma qualificadora de delito. Em razão da maior facilidade para
a execução do crime e a conseqüente diminuição do risco do agente, a lei
reforça a garantia penal quando, em determinados delitos, há associação de
delinqüentes.
CONCURSO E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME
Dispõe o art.
30: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,
salvo quando elementares do crime”.
Em primeiro lugar, estabeleceu a lei
nova a distinção entre circunstâncias e condições pessoais. Enquanto as
condições referem-se às relações do agente com a vida exterior, com outros
seres e com as coisas (menoridade, reincidência etc.), além de indicar um
estado (parentesco, casamento), as circunstâncias são elementos que, embora não
essenciais à infração penal, a ela se integram e funcionam para moderar a
qualidade e quantidade da pena (motivo do crime, desconhecimento da lei,
confissão espontânea, etc.).
Refere-se a lei às condições
pessoais (ou subjetivas) em oposição às condições reais (ou objetivas). São
estas as circunstâncias referentes ao fato objetivamente considerado, em que
não se incluem as condições ou particularidades do agente.
As condições e circunstâncias
pessoais não se comunicam entre os co-autores ou partícipes. Assim, cada
sujeito responderá de acordo com as suas condições (menoridade, reincidência,
parentesco) e circunstância (motivo fútil, de relevante valor social ou moral,
de prescrição etc.).
Entretanto, dispõe a lei que as
circunstâncias de caráter pessoal “elementares” do crime comunicam-se entre os
agentes. Não se trata na espécie, de verdadeiras “circunstâncias”, mas de
“elementos” que, necessariamente, fazem parte do tipo penal. Assim, aquele que
auxilia, por exemplo, o funcionário público na prática do peculato responde por
esse crime ainda que não exerça função pública.
Não se comunicam porém, as causas
pessoais de exclusão de pena (como as imunidades diplomáticas) ou algumas
espécies de causas de extinção da punibilidade (indulto, retratação etc.).
Determinando a lei que não se
comunicam as circunstâncias de caráter pessoal, a contrario sensu determina que
são comunicáveis as de caráter objetivo.
Pelas mesmas razões, não se
comunicam as circunstâncias elementares de caráter pessoas quando conhecidas do
partícipe.
CONCURSO E EXECUÇÃO DO CRIME
Art. 31: “O
ajuste, a determinação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não
são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.
Ajuste é o acordo feito para
praticar crime.
Determinação é a provocação para que
surja em outrem a vontade de praticar o crime.
Instigação é a estimulação de idéia
criminosa já existente.
Auxílio é a ajuda material, prestada
na preparação ou execução do crime.
O planejamento de duas ou mais
pessoas para a prática do crime (exceto o caso do crime de quadrilha ou bando),
o mandato, ou conselho, a ajuda, o induzimento, etc. não incidem na esfera
penal enquanto não se puder caracterizar a tentativa.
AUTORIA INCERTA
Aceita a
teoria monista, o código resolve qualquer problema com relação à autoria
incerta, determinando que todos respondem pelo resultado, ainda que não se
possa saber quem praticou a ação prevista no núcleo do tipo.
A exceção encontra-se no art. 29, §
2º, que determina seja o agente punido pelo crime menos grave, de que queria
participar, mas a ressalva vale apenas para as hipóteses de participação.
MULTIDÃO DELINQÜENTE
Afastada a
hipótese de associação criminosa (quadrilha ou bando), é possível o cometimento
de crime pela multidão delinqüente, como nas hipóteses de linchamento,
depredação, saque, etc. responderão todos os agentes por homicídio, dano,
roubo, nesses exemplos, mas terão as penas atenuadas aqueles que cometerem o
crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocaram. A pena, por
sua vez, será agravada para os líderes, os que promoveram ou organizaram a
cooperação no crime ou dirigiram a atividade dos demais agentes (art. 62, I).
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