segunda-feira, 25 de julho de 2016

CONCURSO DE PESSOAS                          Prof. Esp.Alcenisio Técio Leite de Sá

INTRODUÇÃO

            Um crime pode ser praticado por uma ou várias pessoas em concurso. Pode o sujeito, isoladamente, matar, subtrair, falsificar documento, omitir socorro a pessoa ferida etc. freqüentemente, todavia, a infração penal é realizada por duas ou mais pessoas que concorrem para o evento. Nesta hipótese, está-se diante de um caso de concurso de pessoas, fenômeno conhecido como concurso de agentes, concurso de delinqüentes, co-autoria, co-deliqüência ou participação.
            O concurso de pessoas pode ser definido como a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal. Há, na hipótese, convergência de vontades para um fim comum, que é a realização do tipo penal sendo dispensável a existência de um acordo prévio entre as várias pessoas; basta que um dos delinqüentes esteja ciente de que participa da conduta de outra para que se esteja diante do concurso.
            Deve-se distinguir o concurso de pessoas, que é um concurso eventual, e assim pode ocorrer em qualquer delito passível de ser praticado por uma só pessoa (crimes unissubjetivos), do chamado concurso necessário.. existem numerosos delitos que, por sua natureza intrínseca, só podem ser cometidos por duas ou mais pessoas, como o adultério a bigamia, a rixa, o crime de quadrilha ou bando, etc. são estes chamados crimes de concurso necessário ou crimes plurissubjetivos.

TEORIAS
            São várias as teorias a respeito da natureza do concurso de agente quando se procura estabelecer se existe na hipótese um só ou vários delitos, delas defluindo soluções diversas quanto à aplicação da pena.
            TEORIA MONISTA, UNITÁRIA OU IGUALITÁRIA - o crime ainda quando tenha sido praticado em concurso de várias pessoas, permanece único e indivisível. Não se distingue entre as várias categorias de pessoas (autor, partícipe, instigador cúmplice, etc.)., sendo todos autores (ou co-autores) do crime. Essa posição foi adotada pelo código penal de 1940 ao determinar no art. 25 que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a esse cominadas”.
            TEORIA PLURALISTA - à multiplicidade de agentes corresponde um real concurso de ações distintas e, em conseqüência, uma pluralidade de delitos, praticando cada ma das pessoas um crime próprio autônomo.
            TEORIA DUALÍSTICA OU DUALISTA - no concurso de pessoas há um crime para os autores o outros para os partícipes. Existe no crime uma ação principal, que é a ação do autos do crime, o que executa a ação típica, e ações secundárias, acessórias, que são as realizadas pelas pessoas que instigam ou auxiliam o autor a cometer o delito.

CAUSALIDADE FÍSICA E PSÍQUICA
            Na questão do concurso de pessoas, a lei penal não distingue entre os vários agentes de um crime determinado: em princípio, respondem por ele todos aqueles que concorreram para a sua realização. A causalidade psíquica (ou moral), ou seja, a consciência da participação no concurso de agentes, acompanha a causalidade física (nexo causal). Quando a lei determina que aquele que “de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”, a amplitude do texto deve ser entendida em correspondência com a causalidade material e psíquica. Consequentemente, , quem concorre para um evento, consciente e voluntariamente (visto que concorrer para um crime é desejá-lo), responde pelo resultado.

REQUISITOS
            Para que ocorra o concurso de agentes, são indispensáveis os seguintes requisitos:
a)                                                      pluralidade de condutas;
b)                                                      relevância causal de cada uma das ações;
c)                                                      liame subjetivo entre os agentes;
d)                                                      identidade de fato.

Existem condutas de várias pessoas, é indispensável, do ponto de vista objetivo, que haja nexo causal entre cada uma delas e o resultado, ou seja, havendo relevância causal de cada conduta, concorreram essas pessoas para o evento e por ele são responsabilizadas.

AUTORIA
            Quando na lei se inscreve uma descrição do crime, a ameaça da pena dirige-se àquela que realiza o tipo penal, ou seja, ao sujeito que  realiza a ação tipificada. Pratica homicídio quem “mata” a vítima, pratica furto quem “subtrai” a coisa, etc. o art. 29 não distingue em princípio, entre o autor da conduta típica e o que colabora para a ocorrência do ilícito sem realizar a ação referente ao verbo-núcleo do tipo penal, considerando como autores todos quanto concorrerem para ação delituosa. Essa distinção está, porém, na natureza das coisas, ou seja, na espécie diferente de causas do resultado por parte de duas ou mais pessoas, devendo ser assinalada a distinção entre autor, co-autor e partícipe.
            Quanto à conceituação de quem é o autor do crime, foram criadas três teoria. A primeira delas fornece um conceito restrito de autor, em um conceito formal objetivo: autor é aquele que pratica a conduta típica inscrita na lei, ou seja, aquele que realiza ação executiva, ação principal. É o que mata, subtrai, falsifica etc.
            Uma segunda corrente formula um conceito extensivo do autor, em um critério material-objetivo: autor é não só o que realiza a conduta típica, como também aquele que concorre com uma causa para o resultado. Não se fez assim distinção entre autor e partícipe, já que todos os autores concorreram para o resultado ao contribuírem com uma causa para o evento.
            Numa terceira posição, formulada principalmente pela doutrina alemã, conceitua-se como autor aquele que tem o domínio final do fato, trata-se de um critério final-objetivo: autor será aquele que, na concreta realização do fato típico, consciente o domina mediante o poder de determinar o seu modo e, inclusive, quando possível, de interrompê-lo. Autor é, portanto, segundo essa posição, quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato.
            Adotamos a teoria formal objetiva, que delimita, com nitidez, a ação do autor (autoria) e a do partícipe (participação), complementada pela idéia da autoria mediata. Autor é quem realiza diretamente a ação típica, no todo ou em parte, colaborando na execução (autoria direta), ou quem a realiza através de outrem que não é imputável ou não age com culpabilidade (autoria mediata).
            São co-autores os que conjuntamente realizam a conduta típica. Os demais, ou seja, aqueles que, não sendo autores mediatos, colaboram na prática do delito sem realizarem a conduta típica, sem participarem da execução, são partícipes.

CO-AUTORIA
            O concurso de pessoas pode realizar-se através da co-autoria e da participação. Co-autor é quem executa, juntamente com outras pessoas, a ação ou omissão, que configura o delito. Assim, se duas pessoas disparam suas armas, alvejando a vítima e causando-se a morte, responderão como co-autores.
            Há, na co-autoria, a decisão comum para a realização do resultado da conduta.
            Inexistente a consciência de cooperação na conduta comum, não haverá concurso de pessoas, restando a autoria colateral (ou co-autoria colateral ou imprópria). Caso duas pessoas, ao mesmo tempo, sem conhecerem a intenção uma da outra, dispararem sobre a vítima, responderão cada uma por um crime se os disparos de ambas forem causas da morte. Se a vítima morreu apenas em decorrência da conduta de uma, a outra responderá por tentativa de homicídio. Havendo dúvida insanável quanto à causa da morte, ou seja, sobre a autoria, a solução deverá obedecer ao princípio in dubio pro reu, punindo-se ambos por tentativa de homicídio.

PARTICIPAÇÃO
            Fala-se em participação, em sentido estrito, como a atividade acessória daquele que colabora para a conduta do autor com a prática de uma ação que,  em si mesma, não é penalmente relevante. Essa conduta somente passa a ser relevante quando o autor, ou co-autores, iniciam ao menos a execução do crime. O partícipe não comete a conduta descrita pelo preceito primário da norma, mas pratica uma atividade que contribui para a realização do delito. Trata-se de uma das hipóteses de enquadramento de subordinação ampliada ou por extensão, prevista na lei, que torna relevante qualquer modo de concurso, que transforma em típica uma conduta de per si atípica. Há na participação uma contribuição causal, embora não totalmente indispensável, ao delito e também a vontade de cooperar na conduta do autor ou co-autores.
            São várias as formas de participação.
            Instiga aquele que age sobre a vontade do autor, fazendo nascer neste a idéia da prática do crime ou acoroçoando a já existente, de modo determinante na resolução do autor, e se exerce através do mandato, persuasão, conselho, comando, etc.
            Cúmplice é aquele que contribui para o crime prestando auxílio ao autor ou partícipe, exteriorizando-se a conduta por um comportamento ativo (o empréstimo da arma, a revelação do segredo de um cofre etc.). não se exclui, porém, a cumplicidade por omissão nas hipóteses em que o sujeito tem o dever jurídico de evitar o resultado. Cita-se como exemplo a omissão do empregado que não tranca o cofre para que seja facilitado a ação do autor do furto com o qual colabora o partícipe.

AUTORIA MEDIATA
            Como já se assinalou, autor não é apenas o que realiza diretamente a ação ou omissão típica, mas quem consegue a execução através de pessoa que atua sem culpabilidade. Chama-se isso autoria mediata (ex. a enfermeira, por ordem do médico, ministra um veneno ao paciente supondo que se trata de um medicamento).

CONCURSO DE PESSOAS E CRIMES POR OMISSÃO
            É possível a participação em crime omissivo puro, ocorrendo o concurso de agentes por instigação ou determinação. Assim, se o agente instiga outrem a não efetuar o pagamento de sua prestação alimentícia, responderá pela participação no crime de abandono material.
            Não se pode falar, porém, em co-autoria em crime omissivo próprio. Caso duas pessoas deixem de prestar socorro a uma pessoa ferida, podendo cada uma delas fazê-lo sem risco pessoal, ambas cometerão o crime de omissão de socorro, isoladamente, não se concretizando hipótese de  concurso de agentes.
            Também é possível a participação por omissão em crime comissivo. Se um empregado que deve fechar a porta do estabelecimento comercial não o faz, para que terceiro possa mais tarde praticar uma subtração, há participação criminosa no furto em decorrência do não-cumprimento do dever jurídico de impedir a subtração. Não se pode falar em participação por omissão, todavia, quando não concorra o dever jurídico de impedir o crime. A simples conivência não é punível. Também não participa do crime aquele que, não tendo o dever jurídico de agir, não comunica o fato à polícia para que possa esta impedi-lo. É sempre indispensável que exista o elemento subjetivo (dolo ou culpa) e que a omissão seja também “causa” do resultado, vale dizer, que, podendo agir, o omitente não o tenha deito.

CO-AUTORIA DE CRIME CULPOSO
            De há muito está assentada a possibilidade de concurso em crime culposo. Existente um vínculo psicológico entre duas pessoas na prática da conduta, ainda que não em relação ao resultado, concorrem elas para o resultado lesivo se obrarem com culpa em sentido estrito.
            O concurso de agente no crime culposo difere daquele do ilícito doloso, pois se funde apenas na colaboração da causa e não do resultado (que é involuntário). Disso deriva a conclusão de que é autor todo aquele que causa culposamente o resultado, não se podendo falar em participação em crime culposo.

COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA
            A participação, conforme a doutrina moderna, é acessória de um fato principal. Para a punibilidade do partícipe basta que o fato seja típico e antijurídico. Em casos de instigação ou outras formas de participação, é possível que o resultado ocorrido seja diverso daquele pretendido pelo partícipe. Há um desvio subjetivo entre os sujeitos, uma cooperação dolosamente distinta entre o partícipe e o autor que executa o crime mais grave do que o desejado por aquele. Ex.: A determina que B dê uma surra em C; B mata C. Perante a lei anterior, ambos responderiam pelo crime mais grave, podendo o mandante ou o instigador beneficiar-se de uma causa de diminuição de pena. Assim, não responderiam os partícipes se, eventualmente, os executores praticassem um estupro além do ilícito ajustado. A falta de previsibilidade quanto ao crime mais grave, segundo a doutrina, excluía a responsabilidade do partícipe no ilícito que resultara exclusivamente da vontade do praticante da ação típica.
            Quando o crime mais grave, embora não querido, é previsto e aceito pelo partícipe, responde por esse ilícito a título de dolo eventual. A essa conclusão leva a disposição do dispositivo ao se referir apenas à previsibilidade do fato e não à previsão do partícipe.
            Não se aplica também o dispositivo nos casos de autoria mediata, já que nesse caso não se pode falar em participação. O agente é autor do fato e responde pelo resultado ocorrido.
            O art. 29, § 2º, consagra o princípio da individualização da pena no concurso de pessoa ao determinar que cada concorrente é responsável de acordo com o elemento subjetivo (dolo) e também não descura do princípio da proporcionalidade ao prever o aumento da pena quando, além do dolo referente ao crime menor, há um desdobramento psicológico da conduta do partícipe quanto à previsibilidade da realização do crime mais grave (culpa).

PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE AGENTES
            Diante do disposto no art. 29, todos os autores, co-autores e partícipes incidem nas penas cominadas ao crime praticado, exceto no caso de estes últimos terem querido participar do crime menos grave. Entretanto, no processo de aplicação da pena deve o juiz distinguir a situação de cada um, “na medida de sua culpabilidade”, ou seja, segundo a reprovabilidade da conduta do co-autor ou partícipe. Nessa linha de verificação da culpabilidade, determina-se no art. 29, § 1º: “Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço”.

QUALIFICADORAS E AGRAVANTES
            O concurso de pessoas pode ser uma qualificadora de delito. Em razão da maior facilidade para a execução do crime e a conseqüente diminuição do risco do agente, a lei reforça a garantia penal quando, em determinados delitos, há associação de delinqüentes.

CONCURSO E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME
            Dispõe o art. 30: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.
            Em primeiro lugar, estabeleceu a lei nova a distinção entre circunstâncias e condições pessoais. Enquanto as condições referem-se às relações do agente com a vida exterior, com outros seres e com as coisas (menoridade, reincidência etc.), além de indicar um estado (parentesco, casamento), as circunstâncias são elementos que, embora não essenciais à infração penal, a ela se integram e funcionam para moderar a qualidade e quantidade da pena (motivo do crime, desconhecimento da lei, confissão espontânea, etc.).
            Refere-se a lei às condições pessoais (ou subjetivas) em oposição às condições reais (ou objetivas). São estas as circunstâncias referentes ao fato objetivamente considerado, em que não se incluem as condições ou particularidades do agente.
            As condições e circunstâncias pessoais não se comunicam entre os co-autores ou partícipes. Assim, cada sujeito responderá de acordo com as suas condições (menoridade, reincidência, parentesco) e circunstância (motivo fútil, de relevante valor social ou moral, de prescrição etc.).
            Entretanto, dispõe a lei que as circunstâncias de caráter pessoal “elementares” do crime comunicam-se entre os agentes. Não se trata na espécie, de verdadeiras “circunstâncias”, mas de “elementos” que, necessariamente, fazem parte do tipo penal. Assim, aquele que auxilia, por exemplo, o funcionário público na prática do peculato responde por esse crime ainda que não exerça função pública.
            Não se comunicam porém, as causas pessoais de exclusão de pena (como as imunidades diplomáticas) ou algumas espécies de causas de extinção da punibilidade (indulto, retratação etc.).
            Determinando a lei que não se comunicam as circunstâncias de caráter pessoal, a contrario sensu determina que são comunicáveis as de caráter objetivo.
            Pelas mesmas razões, não se comunicam as circunstâncias elementares de caráter pessoas quando conhecidas do partícipe.

CONCURSO E EXECUÇÃO DO CRIME
            Art. 31: “O ajuste, a determinação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.
            Ajuste é o acordo feito para praticar crime.
            Determinação é a provocação para que surja em outrem a vontade de praticar o crime.
            Instigação é a estimulação de idéia criminosa já existente.
            Auxílio é a ajuda material, prestada na preparação ou execução do crime.
            O planejamento de duas ou mais pessoas para a prática do crime (exceto o caso do crime de quadrilha ou bando), o mandato, ou conselho, a ajuda, o induzimento, etc. não incidem na esfera penal enquanto não se puder caracterizar a tentativa.

AUTORIA INCERTA
            Aceita a teoria monista, o código resolve qualquer problema com relação à autoria incerta, determinando que todos respondem pelo resultado, ainda que não se possa saber quem praticou a ação prevista no núcleo do tipo.
            A exceção encontra-se no art. 29, § 2º, que determina seja o agente punido pelo crime menos grave, de que queria participar, mas a ressalva vale apenas para as hipóteses de participação.

MULTIDÃO DELINQÜENTE
            Afastada a hipótese de associação criminosa (quadrilha ou bando), é possível o cometimento de crime pela multidão delinqüente, como nas hipóteses de linchamento, depredação, saque, etc. responderão todos os agentes por homicídio, dano, roubo, nesses exemplos, mas terão as penas atenuadas aqueles que cometerem o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocaram. A pena, por sua vez, será agravada para os líderes, os que promoveram ou organizaram a cooperação no crime ou dirigiram a atividade dos demais agentes (art. 62, I).



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