sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

40 ANOS DO FAMIGERADO AI-5

Há exatos 40 anos,em 16 de janeiro de 1969 ,ocorreu uma das maiores agressões ao Judiciário brasileiro: a aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Victor Nunes Leal - então vice-presidente -, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Em solidariedade aos cassados, renunciaram em seguida o então presidente, ministro Antônio Gonçalves de Oliveira - que tomara posse havia pouco mais de um mês -, e o decano da Corte, ministro Antônio Carlos Lafayette de Andrade.

Ano de celebrações como os 20 anos da Constituição federal, o centenário da morte do grande Machado de Assis e os 200 anos da chegada da família real ao Brasil, 2008 encerrou-se com a triste memória dos 40 anos da decretação do Ato Institucional nº 5 (de 13 de dezembro de 1968). Foi, decerto, uma das mais duras intervenções institucionais na História da República.

É o mesmo sábio Machado, entretanto, que nos ensina ser a História “pessoa entrada em anos, gorda, pachorrenta, meditativa, tarda em recolher documentos, mais ainda em os ler e decifrar”.

É, portanto, indispensável relembrar os fatos que pavimentaram a acidentada trajetória da democracia brasileira, a fim de que esse conhecimento impeça definitivamente o retorno de qualquer daqueles infortúnios, de sorte que nem o mais incipiente deles ressurja sequer como ameaça. Não me canso de repetir que, felizmente, a democracia em nosso país passou a ser um valor em si mesmo, do qual muitos brasileiros se ufanam.

Os atos institucionais foram o meio encontrado de quebrar as garantias, seguranças institucionais e a própria ordem constitucional para viabilizar o regime de exceção.

A investida contra o Judiciário não foi pequena. Ficou célebre, à época, o “caso das chaves”: a tentativa do regime de exceção de intimidar a Corte, que foi duramente respondida pelo então presidente da Casa, ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, declarando ele que, sendo o Supremo o ápice do Poder Judiciário, não poderia submeter-se à ingerência do Poder Executivo. O presidente avisou, então, que, se desautorizado o tribunal, fecharia suas portas e entregaria as chaves ao porteiro do Palácio do Planalto.

A primeira intervenção do regime de exceção no STF foi o aumento, de 11 para 16, dos membros da Corte, fazendo-o mediante o Ato Institucional nº 2 (de 27 de outubro de 1965), que concretizou o estado de sítio, extinguiu os partidos políticos e ampliou a competência da Justiça Militar.

Tamanho acinte não foi bastante para obter a conivência do Supremo com os desmandos do regime. A Corte continuou atuante em garantir as liberdades individuais, inclusive dos perseguidos por ações políticas, presos de forma arbitrária, a maioria em total desabrigo dos mais básicos direitos humanos.

Nomeados, os novos ministros desfizeram-se, como devido, de qualquer matiz partidário. Investidos da função de julgar, cumpriram-na com fiel atenção aos princípios de Direito.

Veio então o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que significou maior endurecimento do regime de exceção em vigor no Brasil desde 1964. Suspendeu-se a garantia de habeas-corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Excluíram-se ainda de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com o AI-5.

Desse modo, o AI-5 conferia poderes excepcionais ao Executivo, limitando tanto a atuação do Legislativo quanto do Judiciário, além de praticamente eliminar as liberdades individuais ainda existentes no Brasil.

Com base nesses atos que subverteram as instituições e as garantias fundamentais, atacou-se a independência do Judiciário, limitando a sua atuação e intimidando os seus membros.

Ao discursar após o episódio, o ministro Luiz Gallotti ressaltou que os três magistrados “foram aposentados pelo governo da revolução porque considerados incompatíveis com ela”. A tradução era linear: tornaram-se alvos pelo desassombro com que, enfrentando a truculência despótica, defenderam a liberdade como bem maior da existência humana.

Foram perdas irreparáveis. Ainda, aproveitou-se a oportunidade para retomar a composição original da Corte. A dor da revolta pela injustiça dos atos arbitrários que apanharam em pleno apogeu nomes que honraram a Casa e a magistratura brasileira esteia a convicção de que o período ditatorial suportado pelos brasileiros lhes serviu como antídoto contra o anátema odioso de regimes totalitários, alicerçados mais na ignorância, no despreparo do que em qualquer viés ideológico do povo.

Vem-nos do próprio Evandro Lins e Silva, inato prócer na defesa da liberdade, a advertência de que é preciso lembrar esse sombrio período da vida republicana pátria para esconjurá-lo: “Só com liberdade, só com o regime democrático, com a transparência de suas instituições, é possível desmascarar os impostores, apontar os defraudadores do erário, os torturadores, os ladrões públicos, como tem acontecido ultimamente.”

De tudo, fica-nos reforçada a certeza de que a independência do Judiciário não é privilégio dos magistrados, mas garantia dos jurisdicionados. Tenho frisado que, no Estado constitucional, a independência judicial é mais relevante do que o próprio catálogo de direitos fundamentais, pois Estados ditatoriais há com os mais amplos desses catálogos. Todavia, mesmo sem contar com rol formal desses direitos, mais retos são aqueles que respeitam o Estado de Direito, por conta da independência judicial.

Daí a importância de valorizarmos este elemento, pedra central da Constituição de 1988 e, portanto, de toda a democracia brasileira.

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