segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

ROUSSEAU E O DIREITO DE PROPRIEDADE

ROUSSEAU E O DIREITO DE PROPRIEDADE
Para que se possa analisar a propriedade idealizada por Rousseau, torna-se necessário distinguir posse e propriedade. Sobre a posse, destacam-se duas teorias: Teoria de Niebuhr adotada por Savigny (a posse surgiu com a divisão de terras romanas, que eram utilizadas principalmente para edificações. Uma parte dessas terras era distribuída aos cidadãos, as possessiones, só que estes só podiam usufruir delas, não tinham direito de propriedade) e a Teoria de Ihering (o pretor determinava a posse das terras por um dos outorgantes arbitrariamente. Depois foram adotados critérios mais justos).
Com o surgimento da posse, esta passou a ser reivindicada como direito e legitimada nas constituições. Aí surgem as contradições com a propriedade.
Savigny defende a posse como “Poder direto ou imediato que tem a pessoa de dispor fisicamente de um bem com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo contra intervenção ou agressão de quem quer que seja”. Destacam-se dois elementos essenciais: o corpus e o animus. O corpus é o poder direto sobre o bem e o animus é a vontade de ser proprietário do bem.
Já Ihering, admite que somente o corpus seja necessário para configurar a posse. Esta teoria foi adotada pelo Código Civil Brasileiro de 1916 que determinava que todo proprietário era possuidor, mas a recíproca não era verdadeira.
Voltando-se para o conceito de propriedade, para um melhor entendimento deve-se analisar a evolução histórica desse fenômeno. Em Roma, inicialmente existiam as propriedades coletivas que foram dando lugar às individuais. As propriedades individuais sofreram evolução da seguinte maneira: propriedade sobre objetos de uso próprio, sobre objetos de uso particular passíveis de uso por outras pessoas, dos meios de trabalho e de produção e a mais importante que é a propriedade nos moldes capitalistas.
Na Idade Média, a propriedade dependia do regime político. No Ocidente, o direito de propriedade pode ser exercido pelos cidadãos desde que estes atendam interesses sociais, ou seja, possuam não só função individual, mas também social.
Diante disso pode-se concluir que propriedade é “um direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”. E é aqui que se encontra a diferença com o conceito de posse, já que esta permite o direito de usar, mas não de dispor do bem. Somente o proprietário pode utilizar o bem com finalidades próprias, desde que não prejudique a sociedade.
O Iluminismo foi responsável pela construção de uma série de valores, inclusive o surgimento de uma nova sociedade não mais baseada em conceitos teológicos. Na verdade, foi um movimento de “ruptura” com as tradições medievais, não-homogêneo e que não pode ser considerado uma escola, já que era apenas uma mentalidade que agregava parte da população da época. Os iluministas se auto-intitulavam philosophe, ou seja, os educadores, os idealistas, os salvadores e tinham por finalidade o progresso (conseqüência do uso da razão).
É nesse contexto que surge Rousseau e logo lança sua crítica no Discurso sobre as Ciências e as Artes: “O restabelecimento das ciências e das artes contribuiu para aprimorar ou corromper os costumes?”. Ele mesmo responde fazendo uma crítica à dissolução e uniformização dos costumes, que estava levando a uma derrocada da moral e da virtude e critica também a urbanidade exaltada, o jogo de ser e parecer cada vez mais aprimorado pelas ciências e pelas artes. Rousseau também fala da obra Encyclopedie, que agrega conhecimentos para unificá-los num sistema geral e que servirá como uma forma de transmissão desses valores a posterioridade, a qual analisa como sendo uma depravação da realidade.
No Primeiro Discurso, no qual ocorre a afirmação da concepção das luzes e dos conceitos de desigualdade e propriedade, há o lançamento das bases do Segundo Discurso. Neste último, Rousseau ressalta a noção de depravação, que tem como causa o progresso da desigualdade na passagem do estado de natureza para o estado social (para isso, utiliza um método hipotético para representar como teria ocorrido esta passagem). O homem no estado de natureza era forte e robusto, pois como viviam interagindo com o ambiente, possuíam um sistema imunológico mais resistente, o qual era transmitido aos seus descendentes. Viviam da caça, da pesca, sem noção de tempo e tinham apenas enfermidades naturais (as doenças surgem com o estado social como conseqüência da situação de desigualdade vivida). Rousseau não defende a volta ao estado de natureza, pois sabe que o homem chegou ao estado social graças à necessidade de aperfeiçoamento, mas sim um retorno aos valores do homem natural que foram corrompidos. O homem natural se diferenciava dos outros animais graças aos valores de liberdade e perfectibilidade, ou seja, de escolher de acordo com a sua vontade e de ter capacidade de aperfeiçoar-se, de se modificar. Com isso, ocorre o impulsionamento das paixões que levam ao conhecimento. Quanto à linguagem, primeiro temos gritos em situações de perigo e dor e depois palavras rudimentares em que não havia diferenciação de gênero ou espécie.
Rousseau conclui que o homem é bom por natureza neste estado primário, pois possui predisposição para o bem, que pode ser justificada pelo princípio da piedade natural (faz os homens, por impulso, socorrer aqueles que estão sofrendo. Funciona como as leis, os costumes e a virtude do estado de natureza). Ao afirmar esse espírito bondoso do homem natural, ele refuta e tese de Hobbes, que acredita numa maldade natural do homem.
A próxima etapa da evolução foram os progressos da caça e das guerras, criando armas naturais, e o descobrimento do fogo. A partir deste ponto, o homem começou a perceber suas diferenças dos outros animais (este é o estágio no qual o homem deveria ter parado). Começaram a associar-se criando abrigos e famílias, surge o amor conjugal, paternal e um idioma mínimo para a comunicação. As pequenas nações formadas passam a fazer comparações entre si e surgem os sentimentos de egoísmo e discórdia. Outro fator determinante para a “perda da humanidade” foi o desenvolvimento da metalurgia e da agricultura.
Diante desse contexto, Rousseau expôs sua concepção acerca do surgimento da propriedade privada: “O verdadeiro fundador da propriedade civil foi o primeiro que tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo”. A partir daí, ocorreu a disseminação da desigualdade social, onde uns terão direito à terra e outros não, gerando outras desigualdades.
O surgimento do direito de propriedade deu-se nesse contexto. Aqueles que cultivavam a terra ficaram como sendo proprietários (tornaram-se ricos, ambiciosos e egoístas) e os que nada tinham ficaram dependentes dos donos de terra. Essa desejo de acumular bens gerou um estado de guerra. Os ricos, com medo de perderem suas propriedades planejaram um projeto inovador, no qual surgiria um governo que lhes garantisse justiça, paz, liberdade e que acabaria com a guerra (houve a legitimação dos governantes como proprietários). Surge a sociedade, as leis (enfraquecendo os pobres, fortalecendo os ricos e acabando com a liberdade natural), os magistrados (os homens transformaram o poder ilegítimo em legítimo).
A vida e a liberdade não deveriam ser alienadas, pois são bens essenciais e naturais, mas para que se crie um pacto legítimo, que respeite estes bens e dê autonomia e liberdade civil ao povo, é necessária essa abdicação em prol da sociedade como um todo. Nasce o contrato social, que tem por objetivo lançar as bases de uma sociedade na qual haja a passagem da liberdade natural para a liberdade civil, sendo esta última garantida aos cidadãos. Nessa associação, cada um obedecendo a constituição, obedece a si mesmo, já que todos participam das decisões políticas e das elaborações de leis, o que os torna tão livre quanto antes.
Outra questão importante é a da vontade, pois esta não é a da maioria, mas a vontade geral, aquela que visa o bem comum (surge a possibilidade de um “ressurgimento” do homem natural vivendo em sociedade). Rousseau cria a figura do soberano, o povo no exercício político, o que se leva a concluir que os cidadãos continuam tendo a mesma liberdade de antes já que seguem suas próprias leis. Esta soberania é inalienável e indivisível (não pode ser transferível a outrem e nem pertencer a uma só parte).
No Contrato Social, Rousseau propõe soluções como a passagem legítima da liberdade natural para a liberdade civil que era assegurada pelo pacto. Tudo que ele pretendia realmente era lançar as bases de uma sociedade mais justa, em que todos pudessem usufruir de seus bens livremente e que sobretudo tivesse como fim primordial o bem comum.
Prof. Alcenisio Técio Leite de Sá
Químico ,Lic.Plena em Direito, Administração e Economia,Esp em Magistério Superior, Didática e Planejamento Estratégico

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