APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Diogo Basilio Vailatti
DISPONÍVEL EM: https://jus.com.br/artigos/41369/aplicacao-do-principio-da-insignificancia-nos-crimes-contra-a-Administracao-publica/1. ACESSO EM 05.05.17
Resumo: O princípio da insignificância é
caracterizado com a presença de quatro requisitos, a saber: mínima ofensividade
da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica
provocada. O presente artigo pretende analisar a aplicação de tais
requisitos nos crimes contra administração pública, segundo o Superior Tribunal
de Justiça e o Supremo Tribunal Federal nos crimes contra administração
pública.
Palavras chaves: Princípio da insignificância,
requisitos da insignificância, política criminal.
Sumário: 1. Delineando o princípio da
insignificância 1.1 Origem histórica do princípio da insignificância; 1.2
Do conceito de insignificância; 1.3 Insignificância X Teoria das janelas
quebradas; 1.4 Da insignificância como princípio jurídico; 2. Aplicação do
princípio da insignificância nos crimes contra a
administração pública; 2.1 Do Supremo Tribunal Federal como Corte
Constitucional; 2.2 Dos requisitos definidos pelo Supremo Tribunal Federal;
2.2.1 Panorâma Geral; 2.2.2 Analisando a jurisprudência dos Tribunais
Superiores; Conclusão
1. DELINEANDO O PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA
1.1 DA ORIGEM HISTÓRICA
Quanto à origem histórica do
princípio da insignificância, Ivan Luiz da Silva ensina:
É quase pacífico, doutrinariamente,
que o Princípio da Insignificância promana do brocardo mínima non curat
praetor; todavia, no que tange à origem dessa máxima há controvérsia sobre sua
existência no Direito Romano antigo. Assim, existem duas correntes de
entendimento sobre sua origem, e consequentemente do princípio penal sub
examen, a saber: a primeira corrente proclama sua existência no Direito Romano
antigo (...); a segunda nega sua existência naquele Direito. (SILVA, 2006, p.
88)
O brocardo em comento era utilizado
para explicar que o pretor romano não cuidaria das causas de menor potencial
ofensivo. De certa forma, o princípio da insignificância objetiva a mesma
coisa, uma vez que nem todas as lesões aos bem jurídicos seriam passíveis da
tutela do Direito Penal. Por tal motivo é que muitos autores afirmam pela
origem romana de tal princípio.
Ao analisar tal possibilidade, alerta
Maurício Antonio Ribeiro Lopes:
O Direito romano foi notadamente
desenvolvido sob a ótica do Direito Privado e não do Direito Público. Existe
naquele brocardo menos do que um princípio, um mero aforismo. Não que não
pudesse ser aplicado vez ou outra a situações de Direito Penal, mas qual era a
noção que os romanos tinham do princípio da legalidade penal? Ao que me parece,
se não nenhuma, uma, mas muito limitada, tanto que não se fez creditar aos
romanos a herança de tal princípio.
Não se pode desvincular o princípio
da insignificância do princípio da legalidade (...). Onde não se valoriza a
legalidade, qual será o papel da insignificância? (LOPES, 1999, p. 33)
Com base em toda essa discussão,
salienta Carlos Eduardo Rosa (2012):
Em que pese à discussão sobre seu
surgimento, o Princípio da Insignificância somente começou a ter contornos de
política criminal na Europa do século XX, mais precisamente com o jurista
alemão Claus Roxin, que baseou sua teoria nas crises sociais que surgiram no
pós-guerra.
Ao avaliar o surgimento do princípio
da insignificância e da obra de Claus Roxin, necessário é analisar o contexto
histórico em que referido autor encontrava-se. O surgimento da teoria de Claus
Roxin em 1964 coincide com o processo de reconstrução da Europa após as duas
grandes guerras mundiais, conforme bem assevera WILLEMANN citado por Carlos
Eduardo Rosa (2012):
As condições sociais da população, a
falta de oportunidades, a escassez de recursos básicos para a sobrevivência,
levaram a população marginalizada a realizarem pequenos delitos para que
pudessem sobreviver às condições precárias da Europa arrasada pela guerra.
Em relação à obra de Roxin e a origem
do princípio da insignificância, destaca-se ainda o pensamento de Marco Antônio
Ribeiro Lopes (1999, p. 87):
Roxin propôs uma solução mediante um
recurso de interpretação restritiva dos tipos penais. Formulou, então, no ano
de 1964, o princípio da insignificância (das Geringfugigkeitsprinzip), como
princípio de validez geral para a determinação do injusto. Conquanto já tenha
criticado a origem do princípio a partir do brocardo latino mínima non curat
praetor, é certo que Roxin dele se valeu, não para justiticar a origem, mas
como ponto de apoio intelectual e operacional para criação do princípio.
Destarte, parece mais plausível a
teoria adotada por Marco Antonio Ribeiro Lopes. Muito embora o direito romano
usasse do brocardo mínima non curat praetor, os romanos ainda não possuíam uma
visão eminentemente científica e penalista de tal conceito, pois o princípio da
insignificância apenas passou a assumir tal conotação com o advento da obra de
Claus Roxin.
1.2 DO CONCEITO DE INSIGNIFICÂNCIA
Guilherme de Souza Nucci (2010, p.
87) pondera a respeito do que pode ser considerado insignificante “pode
representar algo de valor diminuto ou desprezível, bem como algo de nenhum
valor. Qualquer dos dois sentidos extraídos do vocábulo é apto a fornecer o
quadro ideal dos delitos considerados insignificantes, portanto, os
quase-crimes.”
Já Mariana Teixeira (2009) afirma
que:
O princípio da insignificância (..)
ocorre quando uma ação tipificada como crime, praticada por determinada pessoa,
é irrelevante, não causando qualquer lesão à sociedade, ao ordenamento jurídico
ou à própria vítima. Aqui não se discute se a conduta praticada é crime ou não,
pois é caso de excludente de tipicidade do fato, diante do desvalor e
desproporção do resultado, no caso, insignificante, onde a atuação estatal com
a incidência de um processo e de uma pena seria injusta
Haja vista que o presente trabalho
almeja explicitar os requisitos definidos pelo Supremo Tribunal Federal como
necessários para caracterizar a aplicação do princípio da insignificância pelos
Tribunais Superiores nos casos contra administração pública, não poderia aqui
faltar à menção aos requisitos fixados pela Excelsa Corte[1]:
O princípio da insignificância tem o
sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não
considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na
absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua
não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos
requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a
nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica
provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no
sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam
resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens
jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante,
seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem
social.
Portanto, percebe-se que já é
pacificado na Corte Maior que o princípio da insignificância é uma forma de
exclusão da tipicidade penal que só pode ser caracterizada toda a vez que
existir a presença cumulativa dos requisitos acima explicitados.
1.3 DA INSIGNIFICÂNCIA X TEORIA DAS
JANELAS
A Teoria das Janelas Quebradas é tese
própria do direito norte-americano, na qual se baseia a política criminal dos
Estados Unidos da América. Sua origem remete ao pensamento de James Wilson e
George Kelling em que se defende uma relação proporcional entre a desordem e a
criminalidade, utilizando-se, para chegar a tal conclusão, de estudo elaborado
por Philip Zimbardo, renomado psicólogo de Stanford. Sobre tais ideias, explica
Tiessa Rocha Ribeiro Guimarães (2012):
Kelling e Wilson utilizaram, em seus
estudos, o exemplo de uma janela quebrada de um fábrica ou de um escritório. Se
a pessoa que passa pela rua se depara com a janela quebrada de uma fábrica ou
escritório e, no dia seguinte, de novo isso, dará a impressão de que quem tem o
dever de cuidar do prédio não está cuidando, isto é, o prédio não tem quem o
tutele. Em seguida outra pessoa irá quebrar mais uma janela, até que todas as
janelas estejam quebradas, demonstrando que ninguém dá importância a esse
patrimônio, não há quem cuide desse bem. Na sequência haverá a destruição do
prédio ao lado e, depois, de toda a rua e da comunidade. Esse descaso gera um
efeito cascata, levando as pessoas desse bairro a se mudarem. Este, então, será
ocupado por pessoas desordeiras, gerando crimes
Com base na teoria aqui tratada, o
prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, adotou uma nova política de repressão
à criminalidade que ficou conhecida como “Tolerância Zero”. Contudo, a verdade
não parece ser bem essa, como pondera Wacquant (2007, p. 437):
A famosa “teoria das janelas quebradas”,
na verdade, só foi descoberta e invocada pelos oficiais nova iorquinos a
posteriori, a fim de vestir, com roupagens nacionais medidas populares junto ao
eleitorado (majoritariamente branco e burguês), mas, em essência,
discriminatórias, tanto em seu princípio quanto em sua aplicação, e conferir um
tom inovador àquilo que não passa de um novo retorno a velha receita policial,
periodicamente atualizada, de acordo com o que é mais palatável no momento.
Com o início do controle rigoroso dos
crimes por parte da polícia, afirma Tiessa Rocha Ribeiro Guimarães citando
Penteado Filho (2012):
Os resultados obtidos com a operação
“Tolerância zero” com base na teoria das janelas quebradas reduziram
consideravelmente os índices de criminalidade de Nova York e esta, que era
conhecida como a “capital do crime”, é atualmente a cidade mais segura dos
Estados Unidos
O suposto sucesso alcançado pela
teoria em questão levou com que diversos outros países iniciassem estudos a
respeito da política em questão. Contudo, apesar da posição favorável a
respeito da aplicação da política de “Tolerância Zero” por parte da doutrina,
essa se mostra completamente errônea. Ocorre que os índices de violência em Nova York não
diminuíram em função do encarceramento excessivo, mas sim pelo aumento do
investimento público em policiamento.
Também se percebe que o acréscimo do
número de encarcerados apenas resultou em maior segregação racial, uma vez que
os índices de negros presos aumentou absurdamente em decorrência da diminuição
do investimento em outras áreas de suma importância, conforme bem pontuado por
Loic Wacquant (2007, p. 433):
“Durante seus cinco primeiros anos no
cargo, Giuliani elevou a dotação para segurança pública em 20%, em dólares
constantes, e cortou os gastos com serviço sociais em 9%, a despeito da
necessidade crescente de pessoal (...) Isso representa uma transferência de
aproximadamente um bilhão de dólares dos serviços sociais para segurança
pública”
O que comprova o quanto essa política
apenas resultou em segregação racial é que “a diferença em relação à taxa
de encarceramento entre brancos e negros aumentou rapidamente durante o último
quarto de século, passando de um para quatro em 1980 para perto de um para oito
atualmente” (WACQUANT, 2007, p. 334)
Neste diapasão, mostra-se o princípio
da insignificância um forte contraponto à teoria das janelas quebradas.
Ocorre que os excessivos índices de
encarceramento não levam à diminuição da criminalidade, como se depreende da avaliação
dos resultados obtidos pela aplicação da teoria das janelas quebradas.
O aumento do investimento público com
iluminação e policiamento fez com que os índices de violência abaixassem em
Nova York. Contudo, percebe-se que tais acréscimos apenas foram possíveis à
custa da diminuição de gastos com serviços sociais, o que atingiu diretamente a
população mais carente, resultando em uma política de segregação racial que fez
com que o número de negros presos dobrasse nos Estados Unidos da América no
mesmo período.
Além disso, o forte crescimento
econômico dos Estados Unidos da América resultou em uma maior prosperidade para
boa parte da população, o que também explica a queda dos índices de
criminalidade.
Em recente entrevista, bem analisou
Zaffaroni[1] quanto ao tema:
As prisões são sempre reprodutoras.
São máquinas de fixação das condutas desviantes. Por isso devemos usá-las o
menos possível. E, como muitas prisões latinoamericanas, além disso, estão
superlotadas e com altíssimo índice de mortalidade, violência etc., são ainda
mais reprodutoras. O preso, subjetivamente, se desvalora. É um milagre que quem
egresse do sistema não reincida. Enquanto não podemos eliminar a prisão, é
necessário usá-la com muita moderação. Cada país tem o número de presos que decide
politicamente ter. Isso explica que os EUA tenham o índice mais alto do mundo e
o Canadá quase o mais baixo de todo o mundo.
Percebe-se o fato de que a ampliação
da utilização do Direito
Penal em conjunto de uma política de intervenção mínima não é a melhor
forma de se encarar toda a problemática penal. Em que pesem eventuais opiniões
contrárias, a própria origem do princípio da insignificância demonstra que sua
utilização em conjunto com a ampliação de políticas sociais de inserção e a
descriminalização de certas condutas é a maneira mais correta de enfrentar a
problemática penal, pois, caso contrário, não existiria uma proporcionalidade
real entre a sanção e a conduta cometida, como acontece em vários casos nos
Estados Unidos da América.
1.4 DA INSIGNIFICÂNCIA COMO PRINCÍPIO
JURÍDICO
O princípio da insignificância possui
natureza jurídica de princípio autônomo dentro do ordenamento jurídico
brasileiro, diferentemente do que ocorre em outros países, conforme lição de
Ivan Luiz (2006, p. 96) que deve ser ressaltada:
No que tange a natureza jurídica da
insignificância em matéria penal afigura-se-nos inafastável o entendimento da
doutrina e jurisprudência pátrias que a categorizam como princípio jurídico do
Direito Penal. A contrario sensu,a doutrina europeia não a classifica
diretamente como princípio jurídico, preferindo relacioná-la ao Princípio da
Oportunidade no processo penal.
Em que pesem eventuais afirmações de
que o princípio da insignificância não se coaduna com o princípio da
legalidade, e que por isso não poderia ser admitido dentro do ordenamento
jurídico brasileiro, conforme já afirmado anteriormente, ambos possuem uma
relação de complementariedade, de forma que coexistem de forma harmônica.
A Constituição Federal preve em
seu artigo 5, § 2º que os direitos e garantias fundamentais adotados pela
Carta Magna não excluem outros já adotados ou que possam a vir ser
adotados futuramente.
Portanto, a própria Lei Maior
expressamente demonstra que não há qualquer conflito entre os princípios em
comento, o que de pronto já afasta qualquer possibilidade de inexistência do
princípio da insignificância, tanto no plano infraconstitucional quanto no
constitucional.
Esse reconhecimento, aliás, possui
grande importância, segundo Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 170):
O reconhecimento da inexistência de
infração penal, quando detectada a insignificância da ofensa ao bem jurídico
tutelado tem sido constante nos tribunais brasileiros, ainda que inexista
expressa previsão legal a respeito. Aliás, tal situação merece aplauso,
significando o surgimento de um questionamento razoável, em nível de
interpretação, do Direito Penal. As leis não se alteram facilmente e, em menor
escala, o Código Penal, datado de 1940. Portanto, nada mais sóbrio e justo que
a atualização das modernas concepções doutrinárias se faça por intermédio das
cortes, no seu cotidiano de aplicação da lei penal ao caso concreto.
Ainda que isso não bastasse, diversos
são os outros princípios expressos e até implícitos que dão base à existência
do princípio da insignificância dentro do texto da Carta Magna, tais como:
dignidade da pessoa humana (fundamento da Constituição Federal, conforme
exposto em seu artigo 1º, III), isonomia ou igualdade e da legalidade.
Desse modo, haja vista que diversos
outros princípios presentes na Carta Magna levam a conclusão da existência e
aceitação do princípio da insignificância dentro do ordenamento jurídico
brasileiro, este deve ser reconhecido como previsto implicitamente no bojo da
Constituição Federal, de forma que deverá permear a interpretação e aplicação
de todo o ordenamento jurídico pátrio.
2. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
2.1 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO
CORTE CONSTITUCIONAL
Antes do advento da Constituição de
1988, o Supremo Tribunal Federal era encarregado de realizar a interpretação da
Constituição Federal e da Lei Federal. Contudo, tal situação foi modificada com
a criação do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que este passou a ser o
responsável pela interpretação da Lei Federal.
Portanto, no atual sistema jurídico
brasileiro, o Supremo Tribunal Federal surge como uma verdadeira Corte
Constitucional. Isso ocorre pois cabe a este Tribunal informar a verdadeira
exegese da Carta Maior, afastando possíveis interpretações e normas que não
condizem com seu texto.
Esse caráter de Corte Constitucional
está presente tanto quando o Excelso Tribunal funciona como órgão de controle
difuso quanto de controle concentrado, pois, em ambos os casos, estará
demonstrando a real interpretação da Carta Maior.
Desta forma, elogiável a postura
do Supremo Tribunal Federal ao determinar requisitos lógicos de aplicação do
princípio da insignificância, uma vez que este, conforme aqui aqui defendido, é
um princípio constitucional implícito que permeia toda política criminal
brasileira. Contudo, apesar de tal postura louvável, conforme será adiante
visto, outros problemas surgiram com tais requisitos fixados.
2.2 DOS CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
2.2.1 ANÁLISE GERAL
Conforme aqui já reiterado, o Excelso
Tribunal já fixou o entendimento de que é necessária a presença de quatro
requisitos básicos para aplicação do princípio da insignificância, a saber:
mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da
ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade
da lesão jurídica provocada.
Constata-se facilmente que a Corte
Maior limitou a utilização do princípio da insignificância ao fazer tal
imposição, uma vez que tais exigências permitem que seja possível vislumbrar a
aplicação da sanção penal mesmo em casos em que a conduta praticada pelo agente
seja inexpressiva.
Além disso, percebe-se que com o
advento de tais imposições por parte a Suprema Corte, o princípio da
insignificância passou a ter seu alcance de aplicação reduzido. Na análise do
caso concreto, não existe uma avaliação apenas objetiva da situação, como
existiria caso o critério fosse apenas valorativo e pautado na reincidência do
criminoso, mas sim subjetiva, haja vista que são analisados conceitos que
possuem abrangência interpretativa extensa.
Com o advento de tal necessidade,
deu-se início a novos problemas: como vislumbrar a verdadeira extensão do princípio
da insignificância? Até que ponto é possível realmente compreender os
requisitos estipulados pelo Supremo Tribunal Federal? Quando se deve aplicá-lo?
Esses questionamentos não possuem
respostas claras e certas. Pecou o Excelso Tribunal ao não definir
conceitualmente tais requisitos, abrindo margem para a construção de um campo
fecundo para discussões quanto à possibilidade de sua aplicação ou não de tal
princípio.
Não há que se defender uma utilização
indiscriminada da insignificância. Porém, é primordial que existam requisitos
lógicos e claros que definam o que é ou não insignificante, afastando assim a
utilização de conceitos vagos e abertos que resultem em verdadeiras
incongruências interpretativas, resultando na possibilidade de eventuais prejuízos
ao réu dentro do processo.
Toda essa problemática resulta em
diversos entendimentos fixados nos julgados pátrios em relação à aplicação da
insignificância dentro dos crimes contra a administração pública, conforme
adiante será melhor abordado.
2.2.2 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
E OS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Com a consolidação dos requisitos
necessários para a aplicação do princípio da insignificância, iniciaram-se
diversas discussões quanto ao seu cabimento nos crimes contra a administração
pública.
Quanto ao Superior Tribunal de
Justiça e Supremo Tribunal Federal percebe-se que existem diferentes opiniões
quanto há possibilidade de sua utilização nos crimes contra a administração
pública.
O Superior Tribunal de Justiça, de
forma majoritária[2], entende que o princípio da insignificância é inaplicável
em tais crimes, pois, nestes casos, sempre existiria ofensa a moralidade
administrativa, o que descaracterizaria o requisito do reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento do agente. Contudo, recentemente, julgando
o habeas corpus nº
246.885/SP, a Corte, por decisão dividida, entendeu pela aplicação do princípio
da insignificância em um caso de peculato de vale-alimentação no valor de R$
15,00.
Por outro lado, o Supremo Tribunal
Federal possui posicionamento consolidado[3] de que o princípio da
insignificância é cabível nos crimes contra a administração pública. Todavia, a
Excelsa Corte já se manifestou pela impossibilidade da aplicação de tal
princípio quando a conduta foi praticada por militar contra o patrimônio
público, independentemente da ínfima lesão provocada, uma vez que existiria
reprovabilidade da conduta praticada pelo agente, conforme definido no habeas
corpus 107.431/RS.
Dos julgados acima elencados,
percebe-se que os Tribunais Superiores ainda não chegaram a um consenso sobre o
cabimento e a extensão do princípio da insignificância. Aliás, nota-se que os
ministros têm pautado suas decisões em interpretações mais restritivas dos
requisitos, o que amplia a atuação da seara penal em casos que deveriam ser
tratados apenas por outros ramos do Direito.
Tais constatações não surgem para
proclamar a necessidade de uma utilização indiscriminada do princípio da
insignificância ou, ainda, como muitos podem imaginar, decretar o completo
distanciamento de aplicação da tutela penal nos casos concretos, mas, na
verdade, para questionar por quais motivos o princípio da insignificância não
seria cabível nos crimes contra administração pública.
O que parece claro é que o
interprete, ao analisar a hipótese descrita, não pode imaginar que uma conduta
será sempre insignificante em função de ser praticada contra determinado
sujeito passivo, devendo-se avaliar a sua aplicação caso a caso.
CONCLUSÃO
O princípio da insignificância está
claramente contido dentro da Constituição Federal. E, no texto da Carta Maior,
diversos são os princípios que reafirmam sua existência, tais como: o da
legalidade, isonomia e o da dignidade da pessoa humana.
Aliás, por mais que existam posições
contrárias, a política criminal que adota o princípio da insignificância como
norte, ao invés da política da Tolerância Zero, mostra-se mais eficiente ao
enfrentar a problemática criminal. O sistema carcerário não é capaz de
ressocializar o indivíduo, de forma que não existe lógica em sua utilização em
casos insignificantes.
Nos últimos anos, com a fixação
de requisitos para a aplicação do princípio da insignificância, conforme
percebe-se da análise dos julgados citados na explanação, os Tribunais vêm
encontrando dificuldades para definir se o princípio da insignificância é ou
não cabível nos crimes contra a
administração pública.
O Direito Penal é a ultima
ratio dentre os ramos do Direito. Neste sentido, deverá sempre ceder espaço às
outras áreas quando possível. Aliás, nisso nada há de inovador ou teratológico.
Nada mais é do que um processo interpretativo lógico do ordenamento jurídico
pátrio que se inicia da leitura do texto da Constituição Federal.
Portanto, cristalino que as condutas
insignificantes, pouco importando se são praticadas contra o patrimônio público
ou por militar, devem ser extirpadas da seara penalista, pautando-se, sempre,
pela intervenção mínima e interpretação mais favorável ao réu.
DISPONÍVEL EM: https://jus.com.br/artigos/41369/aplicacao-do-principio-da-insignificancia-nos-crimes-contra-a-Administracao-publica/1. ACESSO EM 05.05.17
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