FRAUDE À EXECUÇÃO E ATOS ATENTATÓRIOS À DIGNIDADE DA JUSTIÇA
1 FRAUDE À EXECUÇÃO
Além da responsabilidade originária, ou
seja, a sujeição dos bens presentes e futuros do devedor à execução, há também
a responsabilidade secundária.
Entre os casos de responsabilidade secundária, ou seja, das
hipóteses de sujeição de bens que não integrantes do patrimônio do devedor a
dívidas por este contraídas, figuram os casos de alienações fraudulentas.
As alienações fraudulentas subdividem-se em alienação em
fraude contra credores e alienação em fraude à execução. Sobre fraude contra
credores, cujo ato pode ser desconstituído via ação pauliana.
Devido à grande incidência em processo de execução, cabe-nos
discorrer de forma mais aprofundada sobre fraude à execução, modalidade de alienação
fraudulenta, levada a
efeito pelo devedor e cujo reconhecimento conduz à ineficácia do negócio
jurídico, o que tem por consequência a sujeição desse bem assim alienado à
execução (art. 790, V).
As hipóteses
de alienação em fraude à execução encontram-se previstas no art. 792. Vê-se que
o legislador processual, visando a conferir maior instrumentalidade ao
procedimento executório – que se aperfeiçoa com a efetiva entrega da prestação
jurisdicional, que não é outra senão a recuperação do crédito pelo credor –,
ampliou o rol de situações capazes de caracterizar a fraude à execução. Em
suma, “adotou-se um regime único de ineficácia para todos os atos alienatórios
capazes de comprometer a exequibilidade das condenações e dos títulos
extrajudiciais”.37 Dispõe
o art. 792:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é
considerada fraude à execução:
I – quando sobre o bem pender ação
fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência
do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II – quando tiver sido averbada, no
registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III – quando tiver sido averbado, no
registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial
originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV – quando, ao tempo da alienação ou da
oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;V –
nos demais casos expressos em lei.
No inciso I
reconhece-se a presunção absoluta de fraude à execução se realizada a alienação
ou a oneração de bem quando já houver averbação da existência de ação
envolvendo direito real ou pretensão reipersecutória sobre esse mesmo bem, de
modo que a fraude poderá ser reconhecida, inclusive, antes da penhora.
O inciso II
remete ao disposto no art. 828, que possibilita ao exequente obter certidão de que a
execução foi admitida pelo juiz, com a identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação
no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens
sujeitos à penhora, arresto ou indisponibilidade. A redação do art. 828 é
semelhante à do art. 615-A do CPC/1973, sendo que o Código anterior permitia a
obtenção dessa certidão tão logo fosse ajuizada a execução. Com o Novo Código,
a obtenção da certidão só será possível após a execução ser admitida pelo juiz
natural (ou seja, após o juízo de admissibilidade). A diferença com relação ao
CPC/1973 está na apreciação judicial; antes, bastava que a certidão,
constatando a distribuição, fosse expedida pela secretaria do juízo; com o
CPC/2015 a expedição da certidão estará condicionada à apreciação judicial.
A simples averbação dessa certidão é suficiente para comprovar a má-fé do
adquirente no caso de se
alegar que a alienação, ocorrida depois do ato averbatório, desfalcou o
patrimônio do executado, comprometendo a efetividade do processo executivo.
Nesse caso, para reconhecimento da fraude, despicienda é que a alienação tenha
ocorrido posteriormente à citação do executado (art. 828, § 4º). A fraude,
todavia, só ocorrerá se a alienação foi capaz de reduzir o devedor à insolvência. Se, a despeito da alienação, houver
bens suficientes para garantir a execução, não se pode cogitar de fraude, a
menos que a alienação refira-se a bem constrito por qualquer gravame judicial,
caso em que pouco importa a situação de solvência do devedor. É o que ocorre na
hipótese do inciso
III.
Pelo inciso IV,
bastará o ajuizamento de ação capaz de reduzir o devedor à
insolvência para a caracterização da fraude à execução. Não precisa ser ação de
execução, mas qualquer ação (processo de conhecimento, por exemplo), sendo indispensável que essa
ação possa levar o devedor à insolvência. Assim, se o réu em uma ação de
cobrança de R$ 10.000,00 (dez mil reais) tem patrimônio constituído de bens
móveis e imóveis de grande valor, não será a alienação de um automóvel que vai
caracterizar fraude à execução, a menos, obviamente, que sobre esse bem já
contenha algum gravame (art. 792, III).
Com relação
aos demais casos expressos em lei (inciso V), podem-se citar a penhora sobre crédito (art. 856, § 3º) e
a alienação ou oneração de bens do sujeito passivo de dívida ativa em execução
fiscal (art. 185 do CTN).
1.1
FRAUDE À EXECUÇÃO E BEM NÃO
SUJEITO A REGISTRO
De acordo com o novo CPC, quando o gravame que paira sobre o
bem se achar devidamente “documentado” (por exemplo, se averbada na matrícula
de imóvel ou se assentado no prontuário de registro do veículo a existência de
demanda executiva), a alienação ou oneração desse bem pelo devedor gerará as
sanções relativas à fraude a execução (art. 792, I e III). A presunção acerca
da existência de fraude, nesse caso, é absoluta, uma vez que a eventual
aquisição por terceiro não poderá se fundamentar na boa-fé se já era possível,
à época da aquisição, conhecer a restrição.
Se, no entanto, o bem não estiver sujeito a registro (bens
semoventes, por exemplo), o CPC/2015 obriga o terceiro adquirente a demonstrar
a sua boa-fé, por meios objetivos que atestem o seu desconhecimento quanto à
existência de execução em desfavor do devedor/alienante (art. 792, § 2º). A
cautela do terceiro adquirente de bem não sujeito à publicidade dos registros
públicos, para evitar a declaração de fraude à execução, demanda a obtenção de
certidões não apenas no domicílio do vendedor, mas também no local do bem.
Cumpre
salientar que esse entendimento adotado no § 2º do art. 792 é contrário ao que
foi decidido pelo STJ no REsp 956.943/PR, submetido ao rito dos recursos
repetitivos. Isso porque, segundo a Corte, como a presunção de boa-fé é
princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia “a
boa-fé se presume; a má-fé se prova”, se não houver registro da penhora na
matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente
tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência. O
referido recurso especial, julgado em 21.08.2014, consolidou o entendimento
exposto na Súmula 375, segundo a qual “o reconhecimento da fraude à execução
depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro
adquirente”. Agora,
com o Novo CPC, inverte-se o ônus: o credor não precisa comprovar a má-fé do
terceiro adquirente, pois é este que precisa demonstrar que, ao tempo da
alienação, estava de boa-fé.
1.2 EFEITOS
DA ALIENAÇÃO
Diferentemente da fraude contra credores – veremos adiante as
demais diferenças, a fraude à execução acarreta prejuízo ao credor e ao
Estado-juiz e tem por consequência não a invalidade da alienação, mas sim a ineficácia em relação
ao exequente (art. 792,
§ 1º). A fraude à execução constitui forma mais grave de fraude, na qual ocorre
a violação da atividade jurisdicional. Desse modo, será desnecessário o
ajuizamento de ação específica para desconstituir o ato fraudulento. Por conseguinte, se um bem é
alienado em fraude à execução, a lei considera válida a venda, o adquirente vai
se tornar proprietário, mas a execução poderá continuar a incidir sobre esse
bem. Em suma, reconhecida a fraude, o juiz determinará que a constrição recaia
sobre o bem, ainda que ele esteja em poder de terceiro, porque é esse bem que
responderá pela dívida, como se alienação não tivesse ocorrido.
Se depois de alienado judicialmente o bem e de quitada a
dívida remanescer algum valor, será revertido ao terceiro adquirente,
porquanto, como dito, o bem continuou a ser de sua propriedade, embora tenha
sido sujeito à execução por dívida exclusiva do executado.
Frise-se
que, apesar de não haver disposição expressa no CPC/1973, esse entendimento já
encontrava respaldo nos tribunais:
“[...] A decisão que declara a fraude não afeta, por
si só, o bem à execução, ela apenas declara a ineficácia do negócio jurídico em
relação ao exequente, possibilitando que esse bem seja posteriormente
penhorado. Contudo, a responsabilidade patrimonial do executado continua a ser
genérica” (STJ, REsp 1.254.320/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.12.2011).
“[...] O reconhecimento da fraude à execução torna a
alienação ou oneração do bem do executado ineficaz perante o exequente,
devolvendo os envolvidos ao status quo ante” (STJ, REsp 1.253.638/SP, Rel. Min.
Sidnei Beneti, j. 26.02.2013).
Apesar de
contrário à jurisprudência dominante, o legislador processual impôs uma
importante regra para resguardar os interesses do terceiro adquirente. Nos
termos do art. 792, § 4º, e art. 675, parágrafo único, antes de declarar a
fraude deve o juiz intimar o terceiro para, se quiser, opor embargos de
terceiros no prazo de 15 dias. Essa necessidade de participação já indica a
abertura de contraditório e da ampla defesa, muito embora estes só venham a se
efetivar em ação autônoma (embargos de terceiro).
1.3
FRAUDE À EXECUÇÃO E DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
De acordo com o art. 790, VII, estão sujeitos à execução os
bens do responsável, no caso de desconsideração da personalidade jurídica.
Em termos práticos, a fraude poderá ser constatada nas
seguintes hipóteses: a) o sócio aliena ou onera determinado bem, sem deixar
qualquer reserva, após ser citado na forma do art. 135; b) a pessoa jurídica
promove a alienação ou oneração de seus bens, sem deixar reservas, após tomar
formal conhecimento de demanda que pretende atingir seu patrimônio por dívida
contraída por um de seus sócios (desconsideração inversa).
O objetivo
desta nova regra é proteger o exequente “contra manobras do terceiro para
desviar seus bens antes de ser alcançado pelo julgamento do incidente em
questão”.38 Se, no entanto, a venda de bem do
sócio da pessoa jurídica ocorreu em momento anterior à citação, não se pode
falar que houve conluio entre o sócio alienante e o adquirente com o objetivo
de inviabilizar eventual execução contra a empresa.
1.4 FRAUDE À EXECUÇÃO X FRAUDE CONTRA CREDORES
A fraude à
execução discriminada no art. 792 do CPC/2015 não se confunde com a fraude
contra credores. A fraude contra credores, que está regulamentada no CC (art.
158 e seguintes), tem como requisitos a diminuição do patrimônio do devedor que
configure situação de insolvência (eventus damni) e a intenção do devedor e do
adquirente do(s) bem(ns) de causar o dano por meio da fraude (consilium
fraudis). Essa modalidade de fraude, que acarreta prejuízo apenas para o
credor, é combatida por meio de ação própria (ação pauliana), tendo como
consequência a anulabilidade do ato.
Embora distintos os dois institutos (fraude à execução e
fraude contra credores), não se pode negar, pelo menos no que respeita à
hipótese do inciso IV do art. 792, alguns pontos coincidentes. Tanto na fraude
à execução quanto na fraude contra credores (fraude pauliana) é indispensável
que a alienação ou oneração dos bens seja capaz de reduzir o devedor à
insolvência (eventus damni), militando em favor do exequente a presunção juris
tantum. Igualmente, em ambos os casos, figura como requisito o consilium fraudis,
ou seja, o elemento subjetivo, que se caracteriza pela ciência do adquirente
das circunstâncias do negócio.
Assim, pode-se dizer que a diferença essencial encontra-se
basicamente no meio de se alegar o vício. Ao passo que a declaração da fraude
contra credores requer o ajuizamento de ação própria (pauliana ou revocatória),
a fraude à execução pode ser declarada nos próprios autos da execução, mediante
requerimento do credor, ou em embargos de terceiro.
Uma
diferença entre os dois institutos, comumente apontada pela doutrina, com base
no direito positivo, refere-se às consequências do reconhecimento do vício
sobre o negócio jurídico. Ao passo que a fraude contra credores conduziria à
desconstituição do negócio jurídico (arts. 158 a 165 do CC), com a restituição
das partes ao statu quo ante, a fraude à execução seria apenas ineficaz em
relação ao exequente, mantendo indene o negócio. Entretanto, de acordo com a
doutrina e jurisprudência mais atualizadas, nem mesmo essa distinção tem razão
de ser. De acordo com esse entendimento, demonstrada a fraude contra o credor,
a sentença não anulará a alienação, mas simplesmente reputará ineficaz o ato
fraudatório em relação à execução.40
2. ATOS ATENTATÓRIOS À DIGNIDADE DA JUSTIÇA
De acordo
com o art. 774, considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta
comissiva ou omissiva do executado que:
•
Frauda a execução, isto é, aliena ou onera bens em umas das circunstâncias
previstas no art. 792.
•
Opõe-se maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos. Exemplos:
extraviar bens, ocultar-se para não ser citado ou intimado da prática de
determinado ato processual, dissipar o patrimônio, enfim, todo ato que
dificulta a execução pode se enquadrar na tipificação deste inciso.
•
Dificulta ou embaraça a realização da penhora. É dever das partes não criar
embaraços à efetivação dos provimentos judiciais (art. 77, IV), neles
incluindo-se qualquer providência determinada judicialmente, como é o caso da
penhora.
•
Resiste injustificadamente às ordens judiciais, por exemplo, intimado, não
apresenta os bens confiados à sua guarda. Também corresponde a um dever
insculpido no art. 77, IV, primeira parte.
•
Intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens
sujeitos à penhora e seus respectivos valores, nem exibe prova de sua
propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus.
Tais atos são punidos com multa não superior a 20% do valor atualizado do débito em
execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material,
multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução,
sem prejuízo de outras sanções processuais (art. 774, parágrafo único).
O CPC/1973,
no art. 601, parágrafo único, permitia ao juiz relevar a pena se o devedor se
comprometesse a não mais praticar qualquer dos atos previstos no art. 600 (art.
774 do Novo CPC) e se desse fiador idôneo para responder ao credor pela dívida
principal, juros, despesas e honorários advocatícios. Tal possibilidade não
persiste no Novo Código, devendo a cobrança da multa ser realizada no próprio
processo de execução (art. 777 do CPC/2015).
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