TEORIA DA POSSE Prof. Esp. Alcenisio Técio Leite de Sá
POSSE: é um estado de fato
protegido legalmente. Sem embargo dos diferentes entendimentos, sempre está em
foco a ideia de uma situação de fato, em que uma pessoa, independentemente de
ser ou de não ser proprietária, exerce sobre uma coisa poderes ostensivos, conservando-a
e defendendo-a. É assim que procede o dono em relação ao que é seu; é assim que
faz o que tem apenas a fruição juridicamente cedida por outrem (locatário,
comodatário, usufrutuário). Em toda posse há, pois, uma coisa e uma vontade,
traduzindo a relação de fruição.
A posse é a relação pessoa-coisa fundada na vontade
do possuidor; enquanto a propriedade liga a pessoa à coisa através da vontade
objetiva da lei; posse é o poder de fato sobre a coisa; enquanto a propriedade
é o poder de direito.
Quando deriva da propriedade, ou seja, com fundamento no direito real de domínio,
temos o chamado direito à posse, que é o do portador de título devidamente
transcrito (registrado), ou titular de outros direitos reais. Quando o direito
é fundado no título de domínio que também gera a posse, chama-se jus possidendi.
Por outro lado, quando deriva a posse de forma autônoma, isolada, independente da
existência de um título, o direito gerado é chamado de jus possessionis, sendo
o direito fundado no fato da posse, que é protegido contra terceiros ou do
próprio proprietário.
Natureza jurídica: Uns afirmam
tratar-se de direito real, fundamentando-se na teoria de IHERING (adotada,
com mitigações, pelo CC, art. 1.196), pela qual apenas o corpus (detenção física), compreendido como conduta de dono, é
elemento da posse. O animus (a
intenção de ser dono) está integrado no conceito de corpus.
Outros, de direito pessoal, assentando-se na
teoria subjetiva de Savigny, a qual exige, além do corpus, o animus. Para
Savigny, a posse é o poder de dispor
fisicamente da coisa, com o ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a
intervenção de outrem.
Em que pese nosso sistema normativo ter seguido a
teoria objetiva, em várias oportunidades adotou a teoria subjetiva ou a TEORIA
DE SAVIGNY, como, por exemplo, a usucapião que exige o animus domini de proprietário para pleiteá-lo.
Há, ainda, os que entendem ser um mero estado de
fato; ou, de que se trata de uma posição de direito; não uma
categoria, apenas uma posição. Clóvis Bevilacqua afirmara tratar-se de um direito
especial “sui generis”. Não é um direito, dizia ele, negando o caráter de
direito. Mas, por merecer tutela jurídica, pode ser visto como um direito
especial, concluía.
Sílvio de Salvo Venosa afirma que embora a doutrina
tradicional enuncie ser a posse relação de fato entre a pessoa e a coisa, o
mais acertado é afirmar que se trata de um estado
de aparência juridicamente relevante, ou seja, um estado de fato protegido pelo direito. Se o direito protege a posse
como tal, conclui, desaparece a razão prática que tanto incomoda os
doutrinadores em qualificar a posse como simples fato ou como direito.
Obs.: Teoria
Sociológica da Posse: elaborada por SALEILLES, a qual afirma que a posse é
um direito subjetivo autônomo, que representa um instrumento para a realização
da pessoa humana. A teoria sociológica indaga para que serve a posse: é a
função social da posse, que está implícita no CC02, e, segundo Ana Rita Vieira
Albuquerque, está implícito na Constituição.
Indivíduo que comprou e tem a
posse de veículo pode propor usucapião se o automóvel estiver registrado em
nome de terceiro
O indivíduo que tem a propriedade de um veículo
que, no entanto, está registrado em nome de um terceiro no DETRAN, possui
interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária (art. 1.261 do
CC) já que, com a sentença favorável, poderá regularizar o bem no órgão de
trânsito.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.177-RJ, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 25/10/2016 (Info 593).
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Imagine a seguinte situação
hipotética:
Em 2002, João comprou de Gustavo
um Chevette, modelo 1988.
Esta compra e venda, contudo, foi
apenas verbal e, no DETRAN, o carro continua registrado em nome de Pedro,
primeiro proprietário e que vendeu o veículo para Gustavo.
João enfrenta diversas
dificuldades pelo fato de o automóvel não estar em seu nome e gostaria de
regularizar a situação. Já foi diversas vezes ao DETRAN, mas nunca conseguiu
resolver administrativamente a situação.
Usucapião extraordinária
João comentou a situação com seu
sobrinho, advogado que está estudando para concursos, e este decidiu ajudar o
tio. Preparou e deu entrada em uma ação de usucapião extraordinária de bem
móvel, nos termos do art. 1.261 do Código Civil:
Art. 1.261. Se a posse da coisa
móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de
título ou boa-fé.
Ocorre que o juiz extinguiu o
processo sem resolução do mérito alegando que o autor não tinha interesse de
agir para ajuizar a usucapião. Segundo argumentou o magistrado, a propriedade
dos bens móveis se transmite pela simples tradição (entrega), conforme
previsto no art. 1.226 do CC. João comprou o veículo e o recebeu, tanto que
está na posse do bem. Logo, houve a tradição e, consequentemente, a
transmissão da propriedade. Dessa forma, para a sentença, não haveria
interesse de agir na ação de usucapião, tendo em vista que o bem já pertence
ao autor.
Por fim, o juiz argumentou que se
está faltando apenas o registro no DETRAN, o autor deverá propor ação com
este objetivo específico, e não a usucapião.
Agiu corretamente o
magistrado? NÃO.
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O indivíduo que tem a
propriedade de um veículo que, no entanto, está registrado em nome de um
terceiro no DETRAN, possui interesse de agir para propor ação de usucapião
extraordinária (art. 1.261 do CC) já que, com a sentença favorável, poderá
regularizar o bem no órgão de trânsito.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.177-RJ,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/10/2016 (Info 593).
Realmente, o juiz está certo quando
argumenta que a propriedade de bens móveis se transfere pela tradição. Assim,
presume-se proprietário de bem móvel aquele que lhe detém a posse, pela simples
razão de que o domínio de bens móveis se transfere pela tradição:
Art. 1.267. A propriedade das
coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.
A despeito dessa regra geral, em se
tratando de veículo, a falta de transferência da propriedade no órgão de
trânsito limita o exercício da propriedade plena, uma vez que torna impossível
ao proprietário que não consta do registro tomar qualquer ato inerente ao seu
direito de propriedade, como o de alienar ou de gravar o bem.
Em outras palavras, em se tratando
de compra e venda de automóvel, a simples tradição não permite que o
proprietário exerça todos os poderes inerentes à propriedade. Isso só se torna
possível com o registro no órgão de trânsito. As faculdades do proprietário do
veículo de usar, gozar e dispor da coisa ficam mitigadas ante a ausência de
regularização de sua propriedade no DETRAN.
Por essa razão, o proprietário do
veículo tem interesse de agir para propor a ação de usucapião se o automóvel
está registrado em nome de terceiro no DETRAN.
Sílvio de Salvo Venosa já enfrentou
o tema:
"Por vezes, terá o possuidor de coisa móvel necessidade de
comprovar e regularizar a propriedade. Suponhamos a hipótese de veículos. Como
toda coisa móvel, sua propriedade transfere-se pela tradição. O registro na
repartição administrativa não interfere no princípio do direito material. No
entanto, a ausência ou defeito no registro administrativo poderá trazer
entraves ao proprietário, bem como sanções administrativas. Trata-se de caso
típico no qual, não logrando o titular regularizar a documentação
administrativa do veículo, irregular por qualquer motivo, pode obter a
declaração da propriedade por meio da usucapião.” (Direito Civil: Direitos Reais. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2015,
p. 264).
POSSE E DETENÇÃO: coube ao legislador
dizer em que casos o exercício de fato sobre uma coisa configura-se ou não
detenção. Se não disser, será posse. A posse gera efeitos jurídicos; a
detenção, não. O possuidor exerce o poder de fato em razão de um interesse
próprio; o detentor, no interesse de outrem, como por exemplo, os caseiros que
apenas zelam pela propriedade em nome do dono (fâmulos da posse). Também não se
pode falar em posse de bens públicos. Se há tolerância do Poder Público, o uso
do bem não passa de mera detenção consentida.
Atos de mera
permissão ou tolerância: Não configuram posse legítima, mas sim precária.
Carlos Roberto Gonçalves aduz que nem todo estado
de fato, relativamente à coisa ou à sua utilização, é juridicamente posse. Às
vezes é. Outras, não passam de mera detenção, que muito se assemelha à posse,
mas que dela difere tanto na essência como nos efeitos.
COMPOSSE: Em regra, a posse é
exclusiva de uma pessoa. Duas ou mais não podem possuir simultaneamente e por
inteiro a mesma coisa. Contudo, há mitigações que excepcionam a regra. A lei
admite essa simultaneidade quando a coisa possuída por mais de uma pessoa está,
ainda, indivisa. Neste caso,
ocorrendo o estado de comunhão,
faz-se surgir a figura da composse.
Tem-se a composse quando dois ou mais possuidores
exercerem posse sobre coisa indivisa. Possuem-na em comum por ser indivisa ou
quando estão no gozo do mesmo direito, como, por exemplo, com os coerdeiros
antes da partilha.
É o fenômeno pelo qual duas ou mais pessoas
possuem, em comum, uma coisa indivisa, hipótese na qual poderá cada uma exercer
sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros
compossuidores.
Ex: três irmãos recebem, por herança deixada pelo pai,
uma casa (coisa indivisível): a posse por eles exercida será, necessariamente,
comum (composse), pois o estado de indivisão é permanente. Mas se os irmãos
receberam uma gleba de terras (coisa divisível): enquanto não se delimitar qual
é o espaço a ser ocupado por cada um, a coisa esta em estado de indivisão,
portanto, exerce-se a composse; se já houve a divisão, ainda que apenas de
fato, não há mais que se falar em composse, já que cada um exercerá suas
prerrogativas sobre extensão determinada.
É o exemplo das áreas comuns dos condomínios; os
bens pertencentes ao casal na comunhão (Leitura do art.
73, parágrafos 2º e 3º NCPC – induz a necessidade de litisconsórcio necessário
no polo passivo e ativo).
Art. 1699. Se duas ou mais pessoas possuírem coisas
indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contando que não
excluam os dos outros compossuidores.
Requisitos: Pluralidade de Sujeitos + coisa
indivisa: para que exista a composse é preciso que exista mais de um sujeito
exercendo a posse sobre coisa indivisa.
OBS: cada um dos compossuidores pode exercer
atos possessórios sobre a coisa, desde que não exclua os atos de posse dos
demais.
OBS: pode cada um exercer sozinho a defesa da
totalidade da coisa tendo em vista sua indivisão.
Em relação a terceiros, como se fossem um único
sujeito, qualquer deles poderá usar os remédios que se fizerem necessários, tal
como acontece no condomínio (CC, art. 1.314).
OBS: em caso de se tornar impossível, entre os
compossuidores, a convivência pacífica, com atos comuns, a solução será a
divisão amigável ou judicial da coisa (NCPC art. 566, II). Se a coisa for
indivisível, caberá somente a divisão judicial, conforme art. 730 NCPC.
Imagem: http://ghfadvogados.com.br/voce/doacao-de-imoveis-para-proteger-patrimonio-e-considerada-fraude-ao-credor/
OBS: não confundir com as posses paralelas em
que ocorre o desdobramento da posse em direta e indireta
Questão
(Procurador Federal/2013) – Quando o proprietário de um bem imóvel, efetivando
uma relação jurídica negocial com terceiro, transfere-lhe o poder de fato sobre
esse bem, ocorre a composse, de forma que qualquer dos dois poderá defender a
posse contra terceiros. (
)
Não se deve confundir composse com concorrência ou
sobreposição de posses. Na composse, há vários possuidores exercendo o
poder de fato, concomitantemente, sobre o mesmo bem. Na concorrência de posses,
com o desdobramento destas em direta e indireta, dá-se o fenômeno da existência
de posses de natureza diversa sobre a mesma coisa, tendo cada possuidor o
exercício limitado ao âmbito específico da sua.
Também não se pode confundir acessio
possessionis com
sucessão de posse. “Acessio possessionis” é a soma de posses
anteriores para, por exemplo, configurar o lapso temporal para a usucapião.
Sucessão possessória é a transmissão de posse que era do falecido para os seus
sucessores.
Acessão de posse
(acessio possessionis) – é o fenômeno de unir, acrescer, somar uma posse à
outra, para fins de contagem de tempo para os efeitos legais.
OBJETO DA POSSE: Pela sistemática
legal existe a posse de coisas, em
que o possuidor atua como se proprietário fosse, a posse de direito reais limitados quando exteriorizáveis, em que o
possuidor exerce atos que exteriorizam um direito real limitado e, também, a posse de direitos obrigacionais que
implicam o exercício de poderes sobre uma coisa. Do exposto, temos que não há,
portanto, posse de direitos pessoais,
eis que toda a posse é de coisas (Gonçalves).
Reconhece-se a posse do locatário, comodatário,
depositário e outros, não em virtude do direito obrigacional, mas com
fundamento nos atos que os respectivos titulares praticam sobre a coisa. Eles
têm uma posse de coisa e não de direitos. A sua posse é oriunda de um fato
material e não de um contrato.
Não podem ser objeto de posse os bens não passíveis
de apropriação. Em princípio, a posse somente é possível nos casos em que possa
existir propriedade, compreendendo, repita-se, em primeira análise, os bens
materiais (propriedade e seus desmembramentos).
IMUTABILIDADE DO CARÁTER DA POSSE: a imutabilidade do caráter da posse, somente
prevalecerá até prova em contrário. Uma posse, considerada como injusta,
somente tornar-se-á justa, depois de provar este estado. Enquanto não houver
prova em contrário que justifique a mudança primitiva do caráter da posse, a
originária perdurará. A regra do artigo 1.203 do CC parece colidir com a do
artigo 1.208 do mesmo diploma. No entanto, é aparente, pois o art. 1.203 traz
presunção “juris tantum”, no sentido de que a posse guarda o caráter de sua
aquisição. Assim, se a aquisição foi violenta, clandestina ou precária, essa
característica se prende à posse e a acompanha nas mãos dos sucessores do
adquirente. Todavia, se o adquirente a título violento ou clandestino, provar
que a violência ou a clandestinidade cessaram há mais de ano e dia, sua
situação de possuidor é reconhecida e só será vencido no juízo petitório. Se,
entretanto, o vício que macula a posse for o da precariedade, o mesmo se
apegará à posse, enquanto ela durar, perseguindo-a perpetuamente. O artigo
1.207 deve ser visto em consonância com o artigo 1.203 do mesmo diploma civil.
O sucessor a título universal, não pode alterar a natureza de sua posse. Se o
autor da herança transmite ao herdeiro posse injusta, esta continuará necessariamente
o vício. O sucessor singular tem a prerrogativa de escolher unir sua posse à do
antecessor ou não. Esse aspecto ganha importância na usucapião. Se o sucessor
recebe posse injusta, ser-lhe-á conveniente iniciar e defender a existência de
novo período possessório para livrar-se da mácula da posse anterior.
POSSE DIRETA E INDIRETA: Como a posse pressupõe a existência de poder
fático, e não necessariamente o seu exercício, que é uma forma de
exteriorização deste poder, classifica-se em dois grupos: posse absoluta (própria) e posse
relativa (imprópria). As duas espécies estão combinadas com o tipo de
manifestação de poder, ou seja, mediata (indireta) e imediata (direta). Isso
significa classificar quanto ao tipo de graduação de poder, que poderá ser
absoluta (direta) ou relativa (indireta).
Posse indireta é aquela em que seu
titular, ou seja, o proprietário está no seu exercício mediato, porque o
exercício imediato, direto, foi transferido a outro, denominado possuidor
direto.
Na posse
direta ou imediata o possuidor tem a detenção objetiva da coisa
(contato direto), o que difere da mediata, indireta ou permanente (resultante
de obrigação ou direito), que somente a possui subjetivamente. Uma não anula a
outra. Ambas coexistem no tempo e no espaço e são jurídicas, não autônomas.
Ambos (possuidor direto e indireto) podem invocar a proteção possessória em
relação a terceiros.
A rigor, a posse não pode ser exercida por mais de
uma pessoa ao mesmo tempo. Todavia, a lei autoriza seu exercício por mais de
uma, com a intenção única de assegurar ao proprietário e ao mero possuidor, o
direito de defendê-la, por meio das ações possessórias (interditos), das
ameaças, molestações ou esbulhos, em relação a eles mesmos (possuidor direito e
indireto) ou a terceiros.
É o desdobramento da posse. O possuidor
direto tem a posse decorrente de um direito real ou pessoal.
Art. 1197. A posse direta, de pessoa que tema coisa
em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não
anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto
defender a sua posse contra o indireto.
OBS: Pelo art. 1197CC : A posse direta é
entendida como:
a) derivada,
pois é recebida em virtude de direito pessoal ou real;
b) temporária,
pois a pessoa tem a coisa em seu poder, por uma limitação temporal;
c) paralela,
pois não anula a indireta, de onde saiu;
d) ad
interdicta, ou seja, é conferida com a prerrogativa da defesa pessoal ou
judicial, inclusive contra o próprio possuidor indireto.
OBS: O exercício de poderes, pelo possuidor
indireto deve ser compatível com a posse direta exercida por outrem, inclusive
compreendendo dois aspectos:a) utilização dos interditos possessórios para
defender a coisa contra ataques de terceiros;(Fundamentado no art. 1.210CC); b)
exercícios das prerrogativas remanescentes que podem ter sido ressalvadas no
próprio negócio jurídico pelo qual se deu a transferência da posse direta.
POSSE JUSTA E INJUSTA: o conceito de posse justa encontra-se definido de
forma negativa na lei. O próprio artigo 1.200 do CC afirma que a posse justa é
aquela que não é violenta, clandestina ou precária, ou seja, a adquirida
legitimamente, sem vício jurídico externo. No mundo fático não existe o justo
ou o injusto. Estes são conceitos jurídicos. Procede injustamente aquele que
atenta contra o direito. Posse justa ou injusta, define-se por exame
objetivo. Para sabermos se uma posse é justa, não há necessidade de
recorrer à análise da intenção da pessoa. A posse pode ser injusta e o
possuidor ignorar o vício, estando de boa-fé. O importante é analisar sua
aquisição. Se foi adquirida por um dos modos admitidos na lei, será ela justa.
Por outro lado, posse injusta, a
contrário senso, é a que for violenta, clandestina ou precária, é aquela que
repugna ao direito. É a adquirida por modo proibido. Examina-se a injustiça
apenas em relação ao adversário. Terceiros não estão legitimados para arguir a
injustiça da posse, mas sim a pessoa esbulhada ou turbada, ensejando somente ao
prejudicado o direito de valer-se dos interditos possessórios. Pode, portanto,
ser justa com relação a um sujeito e injusta com relação ao outro.
DA POSSE VIOLENTA: é aquela obtida pela força ou violência
no início de seu exercício. A violência citada na lei para a situação do fato
da posse é aquela tipificadora da coação como vício dos negócios jurídicos em
geral, cujos princípios são aqui de plena aplicação. O legislador não distingue
se é violência física ou vis absoluta (pela
força), ou vis compulsiva (moral,
como a chantagem). Não distinguindo, conclui-se que ambas geram a injustiça da
posse.
Não é necessário que a violência seja
exercida contra o possuidor para que a posse seja injusta, bastando que se
trate de ato ofensivo ou fato sem permissão do possuidor ou do fâmulo. Pode
partir do próprio agente ou de terceiros que atuam sob sua ordem. A violência é
praticada contra a pessoa, não contra a coisa. Não atenta contra a posse quem
rompe obstáculos para ingressar em imóvel abandonado, não possuído e por
ninguém reclamado, ou nas mesmas condições se apossa de coisa móvel de ninguém
ou abandonada, porque nessas hipóteses, não existe posse anterior. Do mesmo
modo, não praticamos ato contrário ao direito se rompemos cadeado de porta de
coisa da qual temos a posse.
A lei não estabelece prazo para aquisição dessa posse.
Para que cesse o vício, basta que o possuidor passe a usar a coisa
publicamente, com conhecimento do proprietário, sem que este reaja.
POSSE CLANDESTINA: é aquela em que o possuidor a teve às
escondidas do proprietário. É aquela adquirida de
forma sorrateira, às escondidas, em detrimento do justo possuidor, sem que haja
relação jurídica entre o possuidor anterior e o posterior que justifique essa
apreensão pelo agente. Quem tem posse justa, não tem necessidade de
ocultá-la. Não é clandestina a posse obtida com publicidade e posteriormente
ocultada. Não é necessária a intenção de esconder ou camuflar, porque o
conceito é objetivo. Para a clandestinidade basta que o possuidor esbulhado não
o saiba.
Cessadas a violência e a clandestinidade, afirma
Gonçalves, a mera detenção, que então estava caracterizada, transforma-se em
posse injusta, que permite ao novo possuidor ser mantido provisoriamente,
contra os que não tiverem melhor posse. Na posse de mais de ano e dia, o
possuidor será mantido provisoriamente, inclusive contra o proprietário, até
ser convencido pelos meios ordinários (CC, arts. 1.210-1.211). Cessadas a
violência e a clandestinidade, a posse passa a ser “útil”, surtindo todo os
seus efeitos, nomeadamente para a usucapião e para a utilização dos interditos.
OBS: Enquanto perdurar a violência ou a
clandestinidade não haverá posse (art. 1.224CC). Cessada a prática de tais
ilícitos, surge a posse injusta, viciada, assim considerada em relação ao
precedente possuidor.
OBS: A perda da posse, somente se dá quando não
há mais como o indivíduo proceder para com a coisa como se dono fosse, ou seja,
não poderá mais ele exteriorizar seu domínio.
OBS: Quem não presenciou o esbulho só perde a
posse quando, tendo tomado conhecimento dele, não toma providência para
recuperar a posse, ou, tentando retomá-la, é violentamente repelido. (art.
1.224CC) Ver decisão do STF por retinente esbulho.
O que é esbulho?
Ocorre quando o possuidor da coisa se vê completamente impedido de exercer a
posse sobre a totalidade ou parte dela, por ato de terceiro que sobre ele passa
a exercer posse injusta. Dá direito à ação de restituição ou reintegração de
posse.
Ver
decisão do STF por retinente esbulho.
RESUMINDO:
TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS PELOS
ÍNDIOS
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REGRA
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EXCEÇÃO
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OBSERVAÇÃO
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Somente são consideradas “terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios” aquelas que eles habitavam na data da
promulgação da CF/88 (marco temporal) e, complementarmente, se houver a
efetiva relação dos índios com a terra (marco da tradicionalidade da
ocupação).
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Mesmo que, em 05/10/1988, os índios não
ocupassem mais a terra, esta poderá ser considerada ser considerada “terra
tradicionalmente ocupada pelo índio” se tais povos foram expulsos
(esbulhados) do local e mesmo assim continuaram lutando por aquela área, de
forma que a situação de esbulho foi insistente (renitente).
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Se os índios habitaram naquela localidade
e optaram por sair ou se foram dela expulsos muitos anos antes de entrar em
vigor a CF/88 (e desistiram de lutar), não se configura o chamado “renitente
esbulho”.
Assim, renitente esbulho não se confunde
com ocupação passada ou com desocupação forçada no passado.
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Como regra, se os índios não estavam na posse da
área em 05/10/1988, ela não será considerada terra indígena (art. 231 da
CF/88).
Existe, contudo, uma exceção a essa regra. Trata-se
do chamado renitente esbulho.
Assim, se, na época da promulgação da CF/88, os
índios não ocupavam a terra porque dela haviam sido expulsos em virtude de
conflito possessório, considera-se que eles foram vítimas de esbulho e, assim,
essa área será considerada terra indígena para os fins do art. 231.
O renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo
conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco
demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de 1988,
materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória
judicializada.
Vale ressaltar que, para que se caracterize o
renitente esbulho, é necessário que, no momento da promulgação da CF/88, os índios
ainda estivessem disputando a posse da terra ou tivessem sido delas expulsos há
pouco tempo. Se eles foram dela expulsos muitos anos antes de entrar em vigor a
CF/88, não se configura o chamado “renitente esbulho”.
Exemplo: no caso concreto apreciado pelo STF, a
última ocupação indígena na área ocorreu no ano de 1953, data em que os índios
foram expulsos da região. Nessa situação, a Corte entendeu que não estava
caracterizado o renitente esbulho, mas sim “a desocupação forçada ocorrida no
passado” já que, no momento da promulgação da CF/88, já havia se passado muitos
anos da saída dos índios do local e eles não mais estavam em conflito
possessório por aquelas terras.
STF. 2ª Turma. ARE 803462 AgR/MS, Rel. Min. Teori
Zavascki, julgado em 9/12/2014 (Info 771).
O QUE É TURBAÇÃO? Ocorre quando o
possuidor sofre embaraço no exercício de sua posse, deixando de conseguir
exercer alguns de seus atributos. Dá direito à manutenção de posse.
O QUE É VIOLÊNCIA IMINENTE? Ocorre quando atos
de terceiro caracterizam ameaça de esbulho ou de turbação da posse, dando ao
possuidor o direito ao interdito proibitório.
OBS: Nas ações possessórias em que a turbação ou
esbulho ocorreram há menos de um ano e um dia: o autor terá direito à obtenção
de provimento liminar para reintegração ou manutenção da posse (proteção
sumária).
- Se já ocorreu o esbulho ou turbação há mais de um
ano e um dia antes do ajuizamento da causa: não terá direito à liminar
(proteção ordinária). Art. 558 NCPC
- Aplica-se esse efeito sumário para coisas móveis
e imóveis.
OBS: Com o novo CPC é possível concessão da
antecipação de tutela nas ações de força velha. (Arts. 555, 562 e 561 e
300.NCPC), quando não cabe mais a liminar possessória, pode ser deferida a medida
de tutela provisória de urgência para reintegrar ou manter a posse do autor,
mas ele deverá demonstrar não só os requisitos específicos da tutela
possessória, mas também a urgência da medida, fundada nos preceitos do art.
300, que evidenciam probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo.
POSSE PRECÁRIA: é a que decorre
normalmente do abuso de confiança, em que a pessoa permanece com a
coisa, quando deveria tê-la devolvido (possuidor precário). Exemplo: do
locatário, do comodatário, do usufrutuário, que retém a coisa indevidamente
após ser reclamada. Diferenciando das
demais, essa nunca convalesce, porque a precariedade nunca cessa. O rigor
do legislador se faz claro em razão da quebra da confiança. O vício dá-se a partir
do momento da recusa em devolver.
A posse precária não se confunde com a situação
jurídica descrita no artigo 1.208 do Código Civil. Na precariedade haverá
sempre um ato de outorga por parte de um possuidor a outro. Nos atos de mera
tolerância ou permissão, essa relação de ato ou negócio jurídico não ocorre.
DA POSSE DE BOA E DE MÁ-FÉ: a posse de boa-fé é aquela em que o possuidor
ignora que o seu comportamento está prejudicando direitos de outrem. Seu
conceito funda-se em dados subjetivos, ao contrário do que se exige para a
constatação da posse injusta. O possuidor de boa-fé acredita que se encontra em
situação legítima. Há, ainda, por força legal, presunção relativa de boa-fé
quando for oriunda de justo título (é o instrumento hábil para transmitir
domínio e a posse, se proviesse do verdadeiro possuidor ou proprietário).
Ressalta-se que poderá existir posse injusta e de boa-fé, bastando que o
possuidor ignore o vício que antecedeu sua posse. Cessará a boa-fé quando as
circunstâncias evidenciarem que o possuidor não ignora que possui
indevidamente. A presunção de que o possuidor não ignorava ou deixou de ignorar
a ilegitimidade de sua posse, compete a parte contrária provar (inversão do
ônus da prova ), isso porque aquele tem a seu favor um justo título,
dispensando a prova de sua boa-fé (esta é do próprio título). A
caracterização da boa-fé não é essencial para o uso das ações possessórias
(interditos). Para estas se faz necessário a caracterização da posse justa, dispensando-se o critério
de boa ou de má-fé. Este critério importa quando a questão cinge-se às
contendas de usucapião; na disputa sobre
os frutos e benfeitorias, bem como na
responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa.
Será de má-
fé a posse em que o possuidor tem conhecimento
ou face as circunstâncias não pode alegar ignorância de que com sua posse está
prejudicando direitos de outrem, ou seja, o possuidor está convencido de que
sua posse não tem legitimidade jurídica.
Nos termos do artigo 1.202 do Código Civil, não
apenas a citação pode
fazer cessar a boa-fé, mas também opera o mesmo efeito qualquer circunstância
anterior ao processo que faça presumir a consciência da ilicitude por parte do
sujeito, como notificação judicial ou extrajudicial.
Com a citação de uma ação proposta, o possuidor de
má-fé responde pela entrega da coisa e pelos frutos em decorrência de
princípios processuais e obrigacionais, produzindo a sentença efeitos desde
aquele ato de conhecimento (citação).
POSSE “AD INTERDICTA” E POSSE “AD USUCAPIONEM”: Pode se analisar a posse para efeito de interditos
ou de usucapião. Toda posse passível de ser defendida pelas ações possessórias
é denominada “ad interdicta”, isto é, a que possibilita a utilização dos
interditos para repelir ameaça, mantê-la ou recuperá-la, bastando que seja
justa. Ainda que a posse contenha vícios, o possuidor está garantido em relação
a terceiros que não tenham sido vítimas da violência, da clandestinidade, ou da
precariedade. Estes vícios só não o garantem em relação ao proprietário,
necessitando que seja justa. Em relação àqueles, qualquer posse dá direito aos
interditos.
POSSE “AD USUCAPIONEM” entende-se aquela
capaz de dar ao seu titular o usucapião da coisa, se preenchidos os requisitos
legais exigidos pelo artigo 1.238 e 1.242, ambos do Código Civil, ou seja, o
ânimo de dono, que seja mansa e pacífica (sem oposição), contínua (sem
interrupção), que haja decurso do tempo, seja de boa-fé e que haja justo
título. Estes dois últimos interessam apenas ao usucapião ordinário. Um dos
principais efeitos da posse é a possibilidade de, com ela, alcançar-se a
propriedade pelo decurso de certo tempo.
POSSE NOVA E VELHA: Classificação quanto
à idade da posse. Posse nova é
aquela que não tem ano e dia; velha é a que ultrapassou um ano e dia.
Não se deve confundir posse nova com ação de força nova, nem posse velha com ação de força velha. Destarte, para se
saber se a ação é de força nova ou velha, leva-se em conta o tempo decorrido
desde a ocorrência da turbação ou do esbulho. Se o turbado ou esbulhado reagiu
logo, intentando a ação dentro do prazo de ano e dia, contado da data da
turbação ou do esbulho, poderá pleitear a concessão da liminar (CPC, art. 924),
por tratar-se de ação de força nova. Passado esse prazo, o procedimento será
ordinário, sem direito a liminar, sendo a ação de força velha. É possível que
alguém que tenha posse velha ajuizar ação de força nova, ou de força velha,
dependendo do tempo que levar para intentá-la, contado o prazo da turbação ou
do esbulho, assim como também alguém que tenha posse nova ajuizar ação de força
nova ou de força velha.
POSSE NATURAL E
POSSE CIVIL OU JURÍDICA: Posse natural é aquela que se constitui pelo exercício de
poderes de fato sobre a coisa. Posse jurídica ou civil é a considerada
por lei, sem necessidade de atos materiais. A posse civil ou jurídica
transmite-se ou adquire-se pelo título. Exemplificando, temos o constituto possessório, em que um
sujeito vende um imóvel a outro, mas nele continua como inquilino. O que vendeu
passa a ser possuidor direto e o que comprou indireto, mesmo sem jamais tê-lo
ocupado fisicamente.
AQUISIÇÃO DA POSSE: A aquisição da posse
deve partir de um ato de vontade ou da lei. A posse se inicia com o exercício
de poder constitutivo ou inerente ao direito de propriedade, ou seja, começa-se
com o fato que põe a coisa sob o senhorio do possuidor.
Quanto ao momento da aquisição, ao contrário da
propriedade, para a posse poder-se-ia dizer que se justifica apenas para
caracterização de alguns efeitos, como para assinalar o início do prazo da prescrição aquisitiva e do lapso de ano e dia,
que distingue a posse nova da velha.
Ressalta-se que, ao contrário do CC de 1916, o
novel Código não mais enumera os modos de aquisição da posse, limitando-se a
dizer que ela se adquire quando se obtém o poder sobre a coisa, tornando
possível seu exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à
propriedade.
Dos modos de
aquisição: Tendo em vista a sistematização adotada pelo CC, os modos de aquisição
podem ser agrupados em 02 espécies: da aquisição da posse em consequência da
vontade e em função da sua origem. Para alguns doutrinadores, a divisão se faz
somente entre posse originária e derivada, tal como o domínio.
Portanto, pode-se adquirir a posse, em função da
vontade, pela:
1) vontade do agente unilateralmente (apreensão),
por ato bilateral (convencional – contrato) ; e,
2) pela própria lei.
Ou, valendo-se de outra classificação, agora em
função de sua origem:
1) originária; e,
2) derivada
Unilateralmente, adquire-se pela apreensão
consciente da coisa. Se a coisa estiver abandonada diz-se “res derelicta”; se
não for de ninguém, afirma-se “res nullius”. Aquele que acha coisa perdida,
abandonada, deve restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. Não sendo possível,
deve entregá-la à autoridade competente, conforme reza o artigo 1.233 do CC.
Enquanto não entregue a coisa, quem achou tem sua posse, podendo ser
legitimada. Estando de má-fé, a posse do achador ou inventor será considerada
injusta e viciada. Além dessas duas hipóteses, a apreensão também se manifesta
e enseja aquisição de posse, quando a coisa é retirada de outrem sem a sua
permissão, mesmo por meio de violência ou clandestinidade, porque o possuidor
primitivo ao se omitir nos meios de defesa, passado ano e dia, contribuiu para
que a situação de fato se estabelecesse, cessando o vício, em favor do detentor
transformando-se em possuidor.
Imagem do site: http://advocaciafernandesesilva.com.br/flog/album/na-zona-sul-sao-paulo/image-advocacia-em-santo-amaro-para-demandas-imobiliarias-revisao-de-contrato-de-financimento?id=2751507
Adquire-se a posse também bilateralmente, por
convenção (convencional), que se faz pelo contrato, em que será concretizada
pela tradição real, ficta ou simbólica. Tradição, vale ressaltar, é a transferência
da posse de um possuidor a outros, por ato gratuito ou oneroso; é modo derivado
de apossamento da coisa. Tradição real, também chamada de
efetiva ou “traditio longa manu”, é aquela quando materialmente a coisa é
deslocada para a posse de outrem. Tradição simbólica é aquela em que a
entrega da coisa é traduzida por gestos, conduta indicativa da intenção de
transferir a posse, atitudes de transferência, como por exemplo, a entrega das
chaves do imóvel. E, por fim, a tradição ficta, no caso de constituto possessório (cláusula
“constituti”), quando, por exemplo, o vendedor, transferindo a outrem o
domínio da coisa, conserva-a em seu poder, mas agora na qualidade de locatário.
Traz a lei uma
forma de aquisição possessória, que advém do princípio da “saisine”, figura do direito francês, onde a posse transmite-se aos
herdeiros do autor da herança tão logo ocorra o óbito. Por ser a herança
considerada bem imóvel (imóvel por determinação legal), esta transmissão
deveria revestir-se de formalidades, mas também por força de lei, não se exige,
determinando a sua imediata transferência, independente, inclusive, do
conhecimento do herdeiro.
Temos ainda, a aquisição por exercício do direito. Exemplificando: é o que ocorre no caso de
servidão. Constituída uma servidão em terreno alheio sem qualquer oposição do
proprietário, que não se valeu dos interditos, para aquele será estabelecido em
seu favor a posse.
Aquisição em função de sua origem: É originária, quando a aquisição
ocorre sem qualquer relação entre o antigo e o novo possuidor. Cuida-se da
ocupação da coisa, apropriação de seu uso e gozo. O ato do agente é unilateral.
A aquisição unilateral realiza-se pelo exercício de um poder de fato sobre a
coisa, no interesse daquele que o exerce. O possuidor, na aquisição originária,
não tem qualquer vínculo jurídico com o antecessor e a translatividade ocorre
independentemente de sua anuência ou até mesmo com sua resistência, dependendo
apenas da vontade do adquirente.
Posse derivada, por sua vez, é
aquela que se caracteriza quando há anuência do antigo possuidor, como nos
casos de compra e venda, doação etc. O antigo possuidor cede ou transfere sua
posse a outrem mediante um negócio jurídico. Há transferência voluntária do
vendedor ao comprador. A posse adquirida derivou do vendedor, do cedente ou do
doador. Há um ato ou negócio jurídico bilateral. No caso de morte, pelo
princípio da “saisine”, a aquisição
derivada decorre da lei. Também decorre da lei, a dos frutos que caem em meu
terreno provenientes de árvore do vizinho (CC, art. 1.284).
A importância da distinção refere-se à análise dos
vícios que porventura existam sobre a posse. Quando a aquisição é originária,
não havendo vínculo com o possuidor anterior, a posse apresenta-se sem qualquer
vício para o novo possuidor. Se o possuidor a recebeu de outrem, ou seja, sendo
derivada, herdará os vícios ou virtudes anteriores, conforme se infere da
leitura do artigo 1.203 do Código Civil.
Da transmissão da
posse: posse dos herdeiros e legatários do possuidor. Posse na sucessão
universal e na singular: A posse se transmite com os mesmos caracteres aos
herdeiros e legatários do possuidor, tão logo se verifique a abertura da
sucessão. O artigo 1.207 do mesmo diploma trata da conjunção ou união das posses, em que a posse pode ser transmitida
a título universal ou a título singular.
Por sucessão universal, entende-se
tratar de possuidor que substitui o titular do direito na totalidade de seus
bens, ou em uma parte deles, como, por exemplo, o herdeiro (sucessão “mortis
causa”). Este é sucessor universal porque sucede em uma universalidade, uma
fração não individualizada. O objeto da transferência, repita-se, é uma
universalidade (patrimônio).
Por outro, entende-se como sucessor singular aquele que substitui o antecessor em
direitos ou coisas determinadas, como, por exemplo, o comprador. Sucede-se um
bem certo, determinado ou individualizado.
A lei faculta ao sucessor a título particular
anexar à sua posse a de seu antecessor para, por exemplo, obter a usucapião,
assumindo, aí sim, os vícios da anterior caso existam. Temos aqui uma
faculdade, o que não ocorre se tratar de sucessão a título universal, onde a
conjugação da posse é imposição de lei.
EFEITOS DA POSSE: entendem-se as
consequências que da posse advêm, como sua aquisição, manutenção e perda. O
Código Civil, nos artigos 1.210 a 1.222, trata dos principais efeitos
produzidos pela posse.
Dos efeitos produzidos, podemos dizer que o
principal é o direito de proteção, ou
seja, o direito do possuidor de proteger e conservar sua posse. Além deste, o
Código reconhece e indica outros, como o da percepção
dos frutos; da responsabilidade pelas
deteriorações e perda da coisa
possuída; da indenização por
benfeitorias e do direito de retenção
para garantir seu pagamento; e a usucapião.
Do direito de
proteção da posse: da legítima defesa, do desforço imediato e dos interditos: A proteção ao
possuidor dá-se de duas formas: pela legítima
defesa e pelo desforço imediato,
chamadas ações diretas (autodefesa, autotutela ou defesa direta) e pelos interditos¸ que são as ações
possessórias, também denominadas de defesas indiretas ou heterotutela.
O desforço imediato ocorre quando o possuidor pode
manter-se ou restabelecer-se à situação anterior pelos seus próprios meios e
recursos, quando houver esbulho da sua posse. Quando, por sua vez, houver
turbação no exercício da posse, o possuidor poderá reagir, exercendo assim, a legítima defesa.
Para que a defesa direta possa ser considerada
legítima, o possuidor deve reagir tão
logo quanto possível, limitando-se ao
indispensável à retomada da posse.
Não querendo ou não podendo lançar mão da legítima
defesa da posse, poderá, ainda, o possuidor protegê-la através de medidas
judiciais, que são os interditos possessórios. Três são os interditos
possessórios: interdito de reintegração de posse; interdito de manutenção de
posse e o interdito proibitório.
A proteção possessória tem como fundamento um
direito derivado da própria necessidade de se proteger a propriedade. Protegendo
a posse, que é a exteriorização da propriedade, esta está sendo protegida.
O nosso direito protege não só a posse
correspondente ao direito de propriedade e a outros direitos reais como também
a posse como figura autônoma e independente da existência de um título.
Distinção entre
juízo possessório e juízo petitório. Exceção de domínio: No juízo possessório
não adianta alegar o domínio, porque só se discute posse. No juízo petitório a
discussão cinge-se ao domínio (propriedade), sendo secundária a questão da
posse. Nos termos do artigo 1.210, § 2º,
do CC, não mais se contempla a possibilidade de se arguir a exceptio
proprietatis, ou seja, a exceção de domínio. No antigo diploma a
questão do domínio podia ser trazida ao juízo possessório.
Dos efeitos da posse
em relação aos frutos: Salvo disposição especial em contrário, a coisa
acessória segue a principal. Entram na classe das coisas acessórias, como suas
espécies: os frutos, produtos e
rendimentos (CC, art. 95).
Estes, como regra, devem pertencer ao proprietário, como acessórios da coisa.
A regra pela qual o proprietário da coisa tem
direito aos seus acessórios sofre mitigação, quando tratar-se de possuidor de boa-fé, ou seja, quando
estiver convicto de que é seu o bem possuído.
Não é o proprietário, mas sim o possuidor, se
estiver de boa-fé, quem terá direito aos frutos percebidos, protegendo a lei,
neste caso, aquele que tinha a convicção de que a coisa lhe pertencia e lhe deu
destinação econômica.
Para que o possuidor ganhe os frutos necessários a
prova de sua boa-fé, que tenha o pensamento de que é proprietário, conforme
exige-se o artigo 1.214 do CC.
Da percepção dos
frutos pelo possuidor de boa-fé: O possuidor estará de boa-fé se possuir justo
título. A existência de um justo título para a aquisição dos frutos se faz
necessária, porque deve ter direitos a eles a posse que se assemelha à
propriedade, ou tem sua aparência. Neste sentido, possuindo somente a posse sem
título que a sustente, o possuidor terá direito aos frutos percebidos, não
fazendo jus, contudo, aos pendentes ou aos colhidos antecipadamente, que devem
ser restituídos.
Os frutos
pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé, que ocorrerá após a citação
judicial para a causa, devem ser
restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio, bem
como os frutos colhidos antecipadamente, também
não fará jus. Visa a legislação não
proporcionar enriquecimento indevido ao reivindicante, impondo a este o dever
de indenizar o valor das despesas da produção e custeio, tais como o plantio, conservação
etc. Caso os frutos colhidos com antecipação não encontrar-se estantes
(colhidos e acondicionados para a venda), deverá indenizar em importância
equivalente.
DA PERCEPÇÃO DOS
FRUTOS PELO POSSUIDOR DE MÁ-FÉ: O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como
pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em
que se constituiu de má-fé (CC, art. 1.216). O legislador desencoraja a má-fé,
mormente quando determina que indenize até mesmo os frutos percipiendos, ou
seja, os que poderiam ter sido colhidos e não o foram tendo direito apenas às
despesas da produção e custeio, em respeito ao enriquecimento sem causa.
DA RESPONSABILIDADE
PELA PERDA OU DETERIORAÇÃO DA COISA: O possuidor de boa-fé não responde pela perda
ou deterioração da coisa, se não for responsável, apenas indenizando se agiu
com dolo ou culpa, assim entendido pela expressão “a que não der causa”.
Se for posse de má-fé, responderá até mesmo se
acidental, inclusive por caso fortuito ou força maior, estando livre apenas se
demonstrar que teria ocorrido a perda ou deterioração da mesma forma se
estivesse a coisa nas mãos do reivindicante. Ao possuidor de má-fé compete
provar (é seu o ônus da prova) que do mesmo modo se teriam dado as perdas se
estivesse a coisa na posse do reivindicante, sendo esta a única excludente de
responsabilidade. Não basta a prova da ausência de culpa nem de força maior. A
única prova que o exonerará é o da ocorrência do mesmo prejuízo, se não tivesse
havido interferência alguma do possuidor. Há, no caso, uma presunção juris tantum de culpa do possuidor de
má-fé, invertendo-se o ônus da prova.
Efeitos em relação
às benfeitorias e o direito de retenção. Possuidor de boa-fé: o mesmo princípio da
vedação ao enriquecimento ilícito, aplicado quanto à responsabilidade dos
frutos na posse, aqui também se faz presente. A legislação, em havendo boa-fé,
traz ao possuidor o direito à indenização quanto às benfeitorias necessárias e
úteis, facultado ao reivindicante não indenizar as voluptuárias eis que aquele
tem direito de levantá-la (jus tollendi), desde que não cause
danos à coisa e o reivindicante não preferir ficar com elas, indenizando o seu
valor.
Necessário esclarecer que a noção de benfeitoria é
casuística, vale dizer, que somente diante do caso concreto poder-se-á
distingui-la. Construir uma piscina em um clube recreativo, é necessária; em
uma casa, é voluptuária; em uma escola, é útil.
Recusando-se o reivindicante a indenizar, o
possuidor poderá exercer o "jus
retentionis", ou seja, o direito de reter a coisa até que lhe seja
pago as indenizações correspondentes às benfeitorias necessárias e úteis por
ele realizadas. O ato de retenção consiste em uma modalidade de garantia, um
meio de defesa direto do possuidor de boa-fé para compelir o reivindicante ou o
evictor a lhe indenizar
INDENIZAÇÃO AO
POSSUIDOR DE MÁ-FÉ: Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias
necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem
o de levantar as voluptuárias (CC, art. 1.220). Também não há que se falar em
retenção, pois só lhe é de direito o recebimento das benfeitorias necessárias
perdendo as benfeitorias úteis e voluptuárias. Estas importâncias são para
compensar o período que permaneceu em coisas alheias, além de ser uma sanção.
As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao
tempo da evicção ainda existirem (CC, art. 1.221). O reivindicante obrigado a
indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé tem o direito de optar entre o
seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor
atual (CC, art. 1.222). Além de não ter direito a nenhum fruto, deverá
restituir ou indenizar pelos frutos colhidos e percebidos, bem como pelos
pendentes que não houver colhido por sua culpa, desde o momento em que se
constituiu a má fé. Todavia, tem direito de ser indenizado das despesas de
produção e custeio. O possuidor responderá pela perda ou a deterioração ainda
que o seja acidental, salvo se provar que uma ou outra ocorreria mesmo que a
coisa estivesse em mãos do legítimo possuidor.
DA PERDA DA POSSE: faz-se supérflua a
enumeração dos meios pelos quais se adquire ou perde-se a posse. Se esta é a
exteriorização do domínio e se é possuidor aquele que se comporta em relação à
coisa como dono, desde o momento em que não se comporte mais dessa maneira, ou
se veja impedido de exercer os poderes inerentes ao domínio, a posse estará
perdida. O Código Civil, pela razão apontada, no artigo 1.223, em consonância
com o artigo 1.196, define que se perde a posse quando cessa, embora contra a
vontade do possuidor, o poder sobre o bem.
Didaticamente, mencionam-se as situações que
denotam a perda da posse.
Abandono: perde-se a posse
pelo abandono (“res derelicta”) ou renúncia, ou seja, quando o possuidor,
voluntariamente, manifesta a intenção de largar o que lhe estava sob sua posse.
Perder-se-á um imóvel, pelo abandono, quando o possuidor agir negligentemente,
ausentando-se por tempo prolongado e demonstrando desinteresse sobre o bem.
Esta situação somente não ocorrerá se se tratar de ausência natural, compatível
com a natureza do próprio imóvel, como as casas de veraneio e campo.
Tradição: A
posse
se perde por sua transferência, ou seja, pela tradição, que consiste na entrega
da coisa alienada e consequentemente não mais terá a posse da coisa. Só haverá
perda, se for transferência definitiva, onde a relação possessória passa para
outra pessoa.
Destruição e coisas fora do comércio: como causa da perda da posse temos a
destruição da coisa e a sua colocação fora do comércio. A posse é exercida
sobre uma coisa corpórea, sobre um “corpus”, a partir do momento que esse
“corpus” se perdeu, pereceu a posse e consequentemente seu valor econômico.
Dá-se, portanto, a destruição da coisa quando ela deixa de existir.
São postas fora do comércio os bens desapropriados.
Por coisas fora do comércio entendem-se aquelas que não são suscetíveis de
apropriação e, quando por lei, são inalienáveis. As coisas aqui referidas, não
podem, portanto, ser objeto de posse, posto que o possuidor de coisa posta fora
do comércio terá perdido a posse sobre ela, porque se tornou inapropriável.
Posse de outrem: pela posse de
outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi manutenido ou
reintegrado em tempo competente, perder-se-á a posse.
CONSTITUTO POSSESSÓRIO: através do constituto possessório, tanto se adquire
quanto se perde a posse. Pela cláusula “constituti”,
altera-se a relação possessória: o possuidor que tinha a coisa em nome próprio
passa a tê-la em nome alheio. O alienante perde a posse e o adquirente a ganha.
O novo Código preferiu não mencioná-lo de forma expressa.
É a cláusula pela qual o alienante de uma coisa
continua com a sua posse direta mas transfere, desde já, a posse indireta para
o adquirente.
PERDA DA POSSE DE
DIREITOS: desde que haja extinção do direito, seu titular terá perdido a posse.
Perder-se-á também a posse dos direitos, em se tornando impossível exercê-los,
ou não exercendo por tempo que baste para a configuração da prescrição.
Caracterizada a prescrição da pretensão que corresponde a um direito, finda-se
a posse desse direito. Exemplo: servidões (art. 1.389, CC).
PERDA
OU FURTO DA COISA MÓVEL E TÍTULO AO PORTADOR: o furto de título ao
portador rege-se, hoje, exclusivamente pelo disposto no artigo 907 do CPC
(Aquele que tiver perdido título ao portador ou dele houver sido injustamente
desapossado poderá: I - reivindicá-lo da pessoa que o detiver; II -
requerer-lhe a anulação e substituição por outro.)
A situação do terceiro que vem a adquirir um objeto
que foi extraviado ou roubado é traçada pelo artigo 1.268 do Código Civil, com
relação à tradição: feita por quem não seja proprietário, “a tradição não
aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou
estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao
adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono”, ou
se “o alienante adquirir depois a propriedade” (§ 1º). Também não transfere a
propriedade, a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo
(§
2º).
PERDA
DA POSSE PARA O AUSENTE (O QUE NÃO SE ACHA PRESENTE): Aquele que não estiver no lugar onde se encontra a
coisa de sua propriedade ou posse perderá em favor do ocupante ou do detentor
dela se, tendo notícia da ocupação, não procurou retomá-la, ou seja,
omitindo-se nas providências visando a retomada. Deixou de tentar recuperá-la
por desforço imediato e for repelido pelo ocupante. Não recuperada, portanto, o
possuidor perderá a posse. Todavia, se o possuidor, pelo desforço imediato
conseguir a recuperação, terá sua posse mantida.
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