quinta-feira, 23 de março de 2017

                         TEORIA DA POSSE       Prof. Esp. Alcenisio Técio Leite de Sá
POSSE: é um estado de fato protegido legalmente. Sem embargo dos diferentes entendimentos, sempre está em foco a ideia de uma situação de fato, em que uma pessoa, independentemente de ser ou de não ser proprietária, exerce sobre uma coisa poderes ostensivos, conservando-a e defendendo-a. É assim que procede o dono em relação ao que é seu; é assim que faz o que tem apenas a fruição juridicamente cedida por outrem (locatário, comodatário, usufrutuário). Em toda posse há, pois, uma coisa e uma vontade, traduzindo a relação de fruição.
A posse é a relação pessoa-coisa fundada na vontade do possuidor; enquanto a propriedade liga a pessoa à coisa através da vontade objetiva da lei; posse é o poder de fato sobre a coisa; enquanto a propriedade é o poder de direito.
Quando deriva da propriedade, ou seja, com fundamento no direito real de domínio, temos o chamado direito à posse, que é o do portador de título devidamente transcrito (registrado), ou titular de outros direitos reais. Quando o direito é fundado no título de domínio que também gera a posse, chama-se jus possidendi.
Por outro lado, quando deriva a posse de forma autônoma, isolada, independente da existência de um título, o direito gerado é chamado de jus possessionis, sendo o direito fundado no fato da posse, que é protegido contra terceiros ou do próprio proprietário.
Natureza jurídica: Uns afirmam tratar-se de direito real, fundamentando-se na teoria de IHERING (adotada, com mitigações, pelo CC, art. 1.196), pela qual apenas o corpus (detenção física), compreendido como conduta de dono, é elemento da posse. O animus (a intenção de ser dono) está integrado no conceito de corpus.
Outros, de direito pessoal, assentando-se na teoria subjetiva de Savigny, a qual exige, além do corpus, o animus. Para Savigny, a posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com o ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem.
Em que pese nosso sistema normativo ter seguido a teoria objetiva, em várias oportunidades adotou a teoria subjetiva ou a TEORIA DE SAVIGNY, como, por exemplo, a usucapião que exige o animus domini de proprietário para pleiteá-lo.
Há, ainda, os que entendem ser um mero estado de fato; ou, de que se trata de uma posição de direito; não uma categoria, apenas uma posição. Clóvis Bevilacqua afirmara tratar-se de um direito especial “sui generis”. Não é um direito, dizia ele, negando o caráter de direito. Mas, por merecer tutela jurídica, pode ser visto como um direito especial, concluía.
Sílvio de Salvo Venosa afirma que embora a doutrina tradicional enuncie ser a posse relação de fato entre a pessoa e a coisa, o mais acertado é afirmar que se trata de um estado de aparência juridicamente relevante, ou seja, um estado de fato protegido pelo direito. Se o direito protege a posse como tal, conclui, desaparece a razão prática que tanto incomoda os doutrinadores em qualificar a posse como simples fato ou como direito.

Obs.: Teoria Sociológica da Posse: elaborada por SALEILLES, a qual afirma que a posse é um direito subjetivo autônomo, que representa um instrumento para a realização da pessoa humana. A teoria sociológica indaga para que serve a posse: é a função social da posse, que está implícita no CC02, e, segundo Ana Rita Vieira Albuquerque, está implícito na Constituição.

Indivíduo que comprou e tem a posse de veículo pode propor usucapião se o automóvel estiver registrado em nome de terceiro

O indivíduo que tem a propriedade de um veículo que, no entanto, está registrado em nome de um terceiro no DETRAN, possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária (art. 1.261 do CC) já que, com a sentença favorável, poderá regularizar o bem no órgão de trânsito.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.177-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/10/2016 (Info 593).

Imagine a seguinte situação hipotética:
Em 2002, João comprou de Gustavo um Chevette, modelo 1988.
Esta compra e venda, contudo, foi apenas verbal e, no DETRAN, o carro continua registrado em nome de Pedro, primeiro proprietário e que vendeu o veículo para Gustavo.
João enfrenta diversas dificuldades pelo fato de o automóvel não estar em seu nome e gostaria de regularizar a situação. Já foi diversas vezes ao DETRAN, mas nunca conseguiu resolver administrativamente a situação.
Usucapião extraordinária
João comentou a situação com seu sobrinho, advogado que está estudando para concursos, e este decidiu ajudar o tio. Preparou e deu entrada em uma ação de usucapião extraordinária de bem móvel, nos termos do art. 1.261 do Código Civil:
Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
Ocorre que o juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito alegando que o autor não tinha interesse de agir para ajuizar a usucapião. Segundo argumentou o magistrado, a propriedade dos bens móveis se transmite pela simples tradição (entrega), conforme previsto no art. 1.226 do CC. João comprou o veículo e o recebeu, tanto que está na posse do bem. Logo, houve a tradição e, consequentemente, a transmissão da propriedade. Dessa forma, para a sentença, não haveria interesse de agir na ação de usucapião, tendo em vista que o bem já pertence ao autor.
Por fim, o juiz argumentou que se está faltando apenas o registro no DETRAN, o autor deverá propor ação com este objetivo específico, e não a usucapião.
Agiu corretamente o magistrado? NÃO.

O indivíduo que tem a propriedade de um veículo que, no entanto, está registrado em nome de um terceiro no DETRAN, possui interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária (art. 1.261 do CC) já que, com a sentença favorável, poderá regularizar o bem no órgão de trânsito.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.177-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/10/2016 (Info 593).
Realmente, o juiz está certo quando argumenta que a propriedade de bens móveis se transfere pela tradição. Assim, presume-se proprietário de bem móvel aquele que lhe detém a posse, pela simples razão de que o domínio de bens móveis se transfere pela tradição:
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.
A despeito dessa regra geral, em se tratando de veículo, a falta de transferência da propriedade no órgão de trânsito limita o exercício da propriedade plena, uma vez que torna impossível ao proprietário que não consta do registro tomar qualquer ato inerente ao seu direito de propriedade, como o de alienar ou de gravar o bem.
Em outras palavras, em se tratando de compra e venda de automóvel, a simples tradição não permite que o proprietário exerça todos os poderes inerentes à propriedade. Isso só se torna possível com o registro no órgão de trânsito. As faculdades do proprietário do veículo de usar, gozar e dispor da coisa ficam mitigadas ante a ausência de regularização de sua propriedade no DETRAN.
Por essa razão, o proprietário do veículo tem interesse de agir para propor a ação de usucapião se o automóvel está registrado em nome de terceiro no DETRAN.
Sílvio de Salvo Venosa já enfrentou o tema:
"Por vezes, terá o possuidor de coisa móvel necessidade de comprovar e regularizar a propriedade. Suponhamos a hipótese de veículos. Como toda coisa móvel, sua propriedade transfere-se pela tradição. O registro na repartição administrativa não interfere no princípio do direito material. No entanto, a ausência ou defeito no registro administrativo poderá trazer entraves ao proprietário, bem como sanções administrativas. Trata-se de caso típico no qual, não logrando o titular regularizar a documentação administrativa do veículo, irregular por qualquer motivo, pode obter a declaração da propriedade por meio da usucapião.” (Direito Civil: Direitos Reais. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 264).
POSSE E DETENÇÃO: coube ao legislador dizer em que casos o exercício de fato sobre uma coisa configura-se ou não detenção. Se não disser, será posse. A posse gera efeitos jurídicos; a detenção, não. O possuidor exerce o poder de fato em razão de um interesse próprio; o detentor, no interesse de outrem, como por exemplo, os caseiros que apenas zelam pela propriedade em nome do dono (fâmulos da posse). Também não se pode falar em posse de bens públicos. Se há tolerância do Poder Público, o uso do bem não passa de mera detenção consentida.
Atos de mera permissão ou tolerância: Não configuram posse legítima, mas sim precária.
Carlos Roberto Gonçalves aduz que nem todo estado de fato, relativamente à coisa ou à sua utilização, é juridicamente posse. Às vezes é. Outras, não passam de mera detenção, que muito se assemelha à posse, mas que dela difere tanto na essência como nos efeitos.
COMPOSSE: Em regra, a posse é exclusiva de uma pessoa. Duas ou mais não podem possuir simultaneamente e por inteiro a mesma coisa. Contudo, há mitigações que excepcionam a regra. A lei admite essa simultaneidade quando a coisa possuída por mais de uma pessoa está, ainda, indivisa. Neste caso, ocorrendo o estado de comunhão, faz-se surgir a figura da composse.
Tem-se a composse quando dois ou mais possuidores exercerem posse sobre coisa indivisa. Possuem-na em comum por ser indivisa ou quando estão no gozo do mesmo direito, como, por exemplo, com os coerdeiros antes da partilha.
É o fenômeno pelo qual duas ou mais pessoas possuem, em comum, uma coisa indivisa, hipótese na qual poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.
Ex: três irmãos recebem, por herança deixada pelo pai, uma casa (coisa indivisível): a posse por eles exercida será, necessariamente, comum (composse), pois o estado de indivisão é permanente. Mas se os irmãos receberam uma gleba de terras (coisa divisível): enquanto não se delimitar qual é o espaço a ser ocupado por cada um, a coisa esta em estado de indivisão, portanto, exerce-se a composse; se já houve a divisão, ainda que apenas de fato, não há mais que se falar em composse, já que cada um exercerá suas prerrogativas sobre extensão determinada.
É o exemplo das áreas comuns dos condomínios; os bens pertencentes ao casal na comunhão (Leitura do art. 73, parágrafos 2º e 3º NCPC – induz a necessidade de litisconsórcio necessário no polo passivo e ativo).
Art. 1699. Se duas ou mais pessoas possuírem coisas indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contando que não excluam os dos outros compossuidores.
Requisitos: Pluralidade de Sujeitos + coisa indivisa: para que exista a composse é preciso que exista mais de um sujeito exercendo a posse sobre coisa indivisa.
OBS: cada um dos compossuidores pode exercer atos possessórios sobre a coisa, desde que não exclua os atos de posse dos demais.
OBS: pode cada um exercer sozinho a defesa da totalidade da coisa tendo em vista sua indivisão.
Em relação a terceiros, como se fossem um único sujeito, qualquer deles poderá usar os remédios que se fizerem necessários, tal como acontece no condomínio (CC, art. 1.314).
OBS: em caso de se tornar impossível, entre os compossuidores, a convivência pacífica, com atos comuns, a solução será a divisão amigável ou judicial da coisa (NCPC art. 566, II). Se a coisa for indivisível, caberá somente a divisão judicial, conforme art. 730 NCPC.
Imagem: http://ghfadvogados.com.br/voce/doacao-de-imoveis-para-proteger-patrimonio-e-considerada-fraude-ao-credor/
OBS: não confundir com as posses paralelas em que ocorre o desdobramento da posse em direta e indireta
Questão (Procurador Federal/2013) – Quando o proprietário de um bem imóvel, efetivando uma relação jurídica negocial com terceiro, transfere-lhe o poder de fato sobre esse bem, ocorre a composse, de forma que qualquer dos dois poderá defender a posse contra terceiros. (       )
Não se deve confundir composse com concorrência ou sobreposição de posses. Na composse, há vários possuidores exercendo o poder de fato, concomitantemente, sobre o mesmo bem. Na concorrência de posses, com o desdobramento destas em direta e indireta, dá-se o fenômeno da existência de posses de natureza diversa sobre a mesma coisa, tendo cada possuidor o exercício limitado ao âmbito específico da sua.
Também não se pode confundir acessio possessionis com sucessão de posse.  “Acessio possessionis” é a soma de posses anteriores para, por exemplo, configurar o lapso temporal para a usucapião. Sucessão possessória é a transmissão de posse que era do falecido para os seus sucessores.
Acessão de posse (acessio possessionis) – é o fenômeno de unir, acrescer, somar uma posse à outra, para fins de contagem de tempo para os efeitos legais.

OBJETO DA POSSE: Pela sistemática legal existe a posse de coisas, em que o possuidor atua como se proprietário fosse, a posse de direito reais limitados quando exteriorizáveis, em que o possuidor exerce atos que exteriorizam um direito real limitado e, também, a posse de direitos obrigacionais que implicam o exercício de poderes sobre uma coisa. Do exposto, temos que não há, portanto, posse de direitos pessoais, eis que toda a posse é de coisas (Gonçalves).
Reconhece-se a posse do locatário, comodatário, depositário e outros, não em virtude do direito obrigacional, mas com fundamento nos atos que os respectivos titulares praticam sobre a coisa. Eles têm uma posse de coisa e não de direitos. A sua posse é oriunda de um fato material e não de um contrato.
Não podem ser objeto de posse os bens não passíveis de apropriação. Em princípio, a posse somente é possível nos casos em que possa existir propriedade, compreendendo, repita-se, em primeira análise, os bens materiais (propriedade e seus desmembramentos).
IMUTABILIDADE DO CARÁTER DA POSSE: a imutabilidade do caráter da posse, somente prevalecerá até prova em contrário. Uma posse, considerada como injusta, somente tornar-se-á justa, depois de provar este estado. Enquanto não houver prova em contrário que justifique a mudança primitiva do caráter da posse, a originária perdurará. A regra do artigo 1.203 do CC parece colidir com a do artigo 1.208 do mesmo diploma. No entanto, é aparente, pois o art. 1.203 traz presunção “juris tantum”, no sentido de que a posse guarda o caráter de sua aquisição. Assim, se a aquisição foi violenta, clandestina ou precária, essa característica se prende à posse e a acompanha nas mãos dos sucessores do adquirente. Todavia, se o adquirente a título violento ou clandestino, provar que a violência ou a clandestinidade cessaram há mais de ano e dia, sua situação de possuidor é reconhecida e só será vencido no juízo petitório. Se, entretanto, o vício que macula a posse for o da precariedade, o mesmo se apegará à posse, enquanto ela durar, perseguindo-a perpetuamente. O artigo 1.207 deve ser visto em consonância com o artigo 1.203 do mesmo diploma civil. O sucessor a título universal, não pode alterar a natureza de sua posse. Se o autor da herança transmite ao herdeiro posse injusta, esta continuará necessariamente o vício. O sucessor singular tem a prerrogativa de escolher unir sua posse à do antecessor ou não. Esse aspecto ganha importância na usucapião. Se o sucessor recebe posse injusta, ser-lhe-á conveniente iniciar e defender a existência de novo período possessório para livrar-se da mácula da posse anterior.
POSSE DIRETA E INDIRETA: Como a posse pressupõe a existência de poder fático, e não necessariamente o seu exercício, que é uma forma de exteriorização deste poder, classifica-se em dois grupos: posse absoluta (própria) e posse relativa (imprópria). As duas espécies estão combinadas com o tipo de manifestação de poder, ou seja, mediata (indireta) e imediata (direta). Isso significa classificar quanto ao tipo de graduação de poder, que poderá ser absoluta (direta) ou relativa (indireta).
Posse indireta é aquela em que seu titular, ou seja, o proprietário está no seu exercício mediato, porque o exercício imediato, direto, foi transferido a outro, denominado possuidor direto.
Na posse direta ou imediata o possuidor tem a detenção objetiva da coisa (contato direto), o que difere da mediata, indireta ou permanente (resultante de obrigação ou direito), que somente a possui subjetivamente. Uma não anula a outra. Ambas coexistem no tempo e no espaço e são jurídicas, não autônomas. Ambos (possuidor direto e indireto) podem invocar a proteção possessória em relação a terceiros.
A rigor, a posse não pode ser exercida por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Todavia, a lei autoriza seu exercício por mais de uma, com a intenção única de assegurar ao proprietário e ao mero possuidor, o direito de defendê-la, por meio das ações possessórias (interditos), das ameaças, molestações ou esbulhos, em relação a eles mesmos (possuidor direito e indireto) ou a terceiros.
É o desdobramento da posse. O possuidor direto tem a posse decorrente de um direito real ou pessoal.
Art. 1197. A posse direta, de pessoa que tema coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
OBS: Pelo art. 1197CC : A posse direta é entendida como:
a) derivada, pois é recebida em virtude de direito pessoal ou real;
b) temporária, pois a pessoa tem a coisa em seu poder, por uma limitação temporal;
c) paralela, pois não anula a indireta, de onde saiu;
d) ad interdicta, ou seja, é conferida com a prerrogativa da defesa pessoal ou judicial, inclusive contra o próprio possuidor indireto.
OBS: O exercício de poderes, pelo possuidor indireto deve ser compatível com a posse direta exercida por outrem, inclusive compreendendo dois aspectos:a) utilização dos interditos possessórios para defender a coisa contra ataques de terceiros;(Fundamentado no art. 1.210CC); b) exercícios das prerrogativas remanescentes que podem ter sido ressalvadas no próprio negócio jurídico pelo qual se deu a transferência da posse direta.

POSSE JUSTA E INJUSTA: o conceito de posse justa encontra-se definido de forma negativa na lei. O próprio artigo 1.200 do CC afirma que a posse justa é aquela que não é violenta, clandestina ou precária, ou seja, a adquirida legitimamente, sem vício jurídico externo. No mundo fático não existe o justo ou o injusto. Estes são conceitos jurídicos. Procede injustamente aquele que atenta contra o direito. Posse justa ou injusta, define-se por exame objetivo. Para sabermos se uma posse é justa, não há necessidade de recorrer à análise da intenção da pessoa. A posse pode ser injusta e o possuidor ignorar o vício, estando de boa-fé. O importante é analisar sua aquisição. Se foi adquirida por um dos modos admitidos na lei, será ela justa. Por outro lado, posse injusta, a contrário senso, é a que for violenta, clandestina ou precária, é aquela que repugna ao direito. É a adquirida por modo proibido. Examina-se a injustiça apenas em relação ao adversário. Terceiros não estão legitimados para arguir a injustiça da posse, mas sim a pessoa esbulhada ou turbada, ensejando somente ao prejudicado o direito de valer-se dos interditos possessórios. Pode, portanto, ser justa com relação a um sujeito e injusta com relação ao outro.
DA POSSE VIOLENTA: é aquela obtida pela força ou violência no início de seu exercício. A violência citada na lei para a situação do fato da posse é aquela tipificadora da coação como vício dos negócios jurídicos em geral, cujos princípios são aqui de plena aplicação. O legislador não distingue se é violência física ou vis absoluta (pela força), ou vis compulsiva (moral, como a chantagem). Não distinguindo, conclui-se que ambas geram a injustiça da posse.
Não é necessário que a violência seja exercida contra o possuidor para que a posse seja injusta, bastando que se trate de ato ofensivo ou fato sem permissão do possuidor ou do fâmulo. Pode partir do próprio agente ou de terceiros que atuam sob sua ordem. A violência é praticada contra a pessoa, não contra a coisa. Não atenta contra a posse quem rompe obstáculos para ingressar em imóvel abandonado, não possuído e por ninguém reclamado, ou nas mesmas condições se apossa de coisa móvel de ninguém ou abandonada, porque nessas hipóteses, não existe posse anterior. Do mesmo modo, não praticamos ato contrário ao direito se rompemos cadeado de porta de coisa da qual temos a posse.
A lei não estabelece prazo para aquisição dessa posse. Para que cesse o vício, basta que o possuidor passe a usar a coisa publicamente, com conhecimento do proprietário, sem que este reaja.
POSSE CLANDESTINA: é aquela em que o possuidor a teve às escondidas do proprietário. É aquela adquirida de forma sorrateira, às escondidas, em detrimento do justo possuidor, sem que haja relação jurídica entre o possuidor anterior e o posterior que justifique essa apreensão pelo agente. Quem tem posse justa, não tem necessidade de ocultá-la. Não é clandestina a posse obtida com publicidade e posteriormente ocultada. Não é necessária a intenção de esconder ou camuflar, porque o conceito é objetivo. Para a clandestinidade basta que o possuidor esbulhado não o saiba.
Cessadas a violência e a clandestinidade, afirma Gonçalves, a mera detenção, que então estava caracterizada, transforma-se em posse injusta, que permite ao novo possuidor ser mantido provisoriamente, contra os que não tiverem melhor posse. Na posse de mais de ano e dia, o possuidor será mantido provisoriamente, inclusive contra o proprietário, até ser convencido pelos meios ordinários (CC, arts. 1.210-1.211). Cessadas a violência e a clandestinidade, a posse passa a ser “útil”, surtindo todo os seus efeitos, nomeadamente para a usucapião e para a utilização dos interditos.

OBS: Enquanto perdurar a violência ou a clandestinidade não haverá posse (art. 1.224CC). Cessada a prática de tais ilícitos, surge a posse injusta, viciada, assim considerada em relação ao precedente possuidor.
OBS: A perda da posse, somente se dá quando não há mais como o indivíduo proceder para com a coisa como se dono fosse, ou seja, não poderá mais ele exteriorizar seu domínio.
OBS: Quem não presenciou o esbulho só perde a posse quando, tendo tomado conhecimento dele, não toma providência para recuperar a posse, ou, tentando retomá-la, é violentamente repelido. (art. 1.224CC) Ver decisão do STF por retinente esbulho.

O que é esbulho? Ocorre quando o possuidor da coisa se vê completamente impedido de exercer a posse sobre a totalidade ou parte dela, por ato de terceiro que sobre ele passa a exercer posse injusta. Dá direito à ação de restituição ou reintegração de posse.
Ver decisão do STF por retinente esbulho.
RESUMINDO:

TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS PELOS ÍNDIOS
REGRA
EXCEÇÃO
OBSERVAÇÃO
Somente são consideradas “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” aquelas que eles habitavam na data da promulgação da CF/88 (marco temporal) e, complementarmente, se houver a efetiva relação dos índios com a terra (marco da tradicionalidade da ocupação).
Mesmo que, em 05/10/1988, os índios não ocupassem mais a terra, esta poderá ser considerada ser considerada “terra tradicionalmente ocupada pelo índio” se tais povos foram expulsos (esbulhados) do local e mesmo assim continuaram lutando por aquela área, de forma que a situação de esbulho foi insistente (renitente).
Se os índios habitaram naquela localidade e optaram por sair ou se foram dela expulsos muitos anos antes de entrar em vigor a CF/88 (e desistiram de lutar), não se configura o chamado “renitente esbulho”.
Assim, renitente esbulho não se confunde com ocupação passada ou com desocupação forçada no passado.

Como regra, se os índios não estavam na posse da área em 05/10/1988, ela não será considerada terra indígena (art. 231 da CF/88).
Existe, contudo, uma exceção a essa regra. Trata-se do chamado renitente esbulho.
Assim, se, na época da promulgação da CF/88, os índios não ocupavam a terra porque dela haviam sido expulsos em virtude de conflito possessório, considera-se que eles foram vítimas de esbulho e, assim, essa área será considerada terra indígena para os fins do art. 231.

O renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada.

Vale ressaltar que, para que se caracterize o renitente esbulho, é necessário que, no momento da promulgação da CF/88, os índios ainda estivessem disputando a posse da terra ou tivessem sido delas expulsos há pouco tempo. Se eles foram dela expulsos muitos anos antes de entrar em vigor a CF/88, não se configura o chamado “renitente esbulho”.

Exemplo: no caso concreto apreciado pelo STF, a última ocupação indígena na área ocorreu no ano de 1953, data em que os índios foram expulsos da região. Nessa situação, a Corte entendeu que não estava caracterizado o renitente esbulho, mas sim “a desocupação forçada ocorrida no passado” já que, no momento da promulgação da CF/88, já havia se passado muitos anos da saída dos índios do local e eles não mais estavam em conflito possessório por aquelas terras.
STF. 2ª Turma. ARE 803462 AgR/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 9/12/2014 (Info 771).

O QUE É TURBAÇÃO? Ocorre quando o possuidor sofre embaraço no exercício de sua posse, deixando de conseguir exercer alguns de seus atributos. Dá direito à manutenção de posse.
O QUE É VIOLÊNCIA IMINENTE? Ocorre quando atos de terceiro caracterizam ameaça de esbulho ou de turbação da posse, dando ao possuidor o direito ao interdito proibitório.
OBS: Nas ações possessórias em que a turbação ou esbulho ocorreram há menos de um ano e um dia: o autor terá direito à obtenção de provimento liminar para reintegração ou manutenção da posse (proteção sumária).
- Se já ocorreu o esbulho ou turbação há mais de um ano e um dia antes do ajuizamento da causa: não terá direito à liminar (proteção ordinária). Art. 558 NCPC
- Aplica-se esse efeito sumário para coisas móveis e imóveis.
OBS: Com o novo CPC é possível concessão da antecipação de tutela nas ações de força velha. (Arts. 555, 562 e 561 e 300.NCPC), quando não cabe mais a liminar possessória, pode ser deferida a medida de tutela provisória de urgência para reintegrar ou manter a posse do autor, mas ele deverá demonstrar não só os requisitos específicos da tutela possessória, mas também a urgência da medida, fundada nos preceitos do art. 300, que evidenciam probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
POSSE PRECÁRIA: é a que decorre normalmente do abuso de confiança, em que a pessoa permanece com a coisa, quando deveria tê-la devolvido (possuidor precário). Exemplo: do locatário, do comodatário, do usufrutuário, que retém a coisa indevidamente após ser reclamada. Diferenciando das demais, essa nunca convalesce, porque a precariedade nunca cessa. O rigor do legislador se faz claro em razão da quebra da confiança. O vício dá-se a partir do momento da recusa em devolver.
A posse precária não se confunde com a situação jurídica descrita no artigo 1.208 do Código Civil. Na precariedade haverá sempre um ato de outorga por parte de um possuidor a outro. Nos atos de mera tolerância ou permissão, essa relação de ato ou negócio jurídico não ocorre.
DA POSSE DE BOA E DE MÁ-FÉ: a posse de boa-fé é aquela em que o possuidor ignora que o seu comportamento está prejudicando direitos de outrem. Seu conceito funda-se em dados subjetivos, ao contrário do que se exige para a constatação da posse injusta. O possuidor de boa-fé acredita que se encontra em situação legítima. Há, ainda, por força legal, presunção relativa de boa-fé quando for oriunda de justo título (é o instrumento hábil para transmitir domínio e a posse, se proviesse do verdadeiro possuidor ou proprietário). Ressalta-se que poderá existir posse injusta e de boa-fé, bastando que o possuidor ignore o vício que antecedeu sua posse. Cessará a boa-fé quando as circunstâncias evidenciarem que o possuidor não ignora que possui indevidamente. A presunção de que o possuidor não ignorava ou deixou de ignorar a ilegitimidade de sua posse, compete a parte contrária provar (inversão do ônus da prova ), isso porque aquele tem a seu favor um justo título, dispensando a prova de sua boa-fé (esta é do próprio título). A caracterização da boa-fé não é essencial para o uso das ações possessórias (interditos). Para estas se faz necessário a caracterização da posse justa, dispensando-se o critério de boa ou de má-fé. Este critério importa quando a questão cinge-se às contendas de usucapião; na disputa sobre os frutos e benfeitorias, bem como na responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa.
Será de má- fé a posse em que o possuidor tem conhecimento ou face as circunstâncias não pode alegar ignorância de que com sua posse está prejudicando direitos de outrem, ou seja, o possuidor está convencido de que sua posse não tem legitimidade jurídica.
Nos termos do artigo 1.202 do Código Civil, não apenas a citação pode fazer cessar a boa-fé, mas também opera o mesmo efeito qualquer circunstância anterior ao processo que faça presumir a consciência da ilicitude por parte do sujeito, como notificação judicial ou extrajudicial.
Com a citação de uma ação proposta, o possuidor de má-fé responde pela entrega da coisa e pelos frutos em decorrência de princípios processuais e obrigacionais, produzindo a sentença efeitos desde aquele ato de conhecimento (citação).
POSSE “AD INTERDICTA” E POSSE “AD USUCAPIONEM”: Pode se analisar a posse para efeito de interditos ou de usucapião. Toda posse passível de ser defendida pelas ações possessórias é denominada “ad interdicta”, isto é, a que possibilita a utilização dos interditos para repelir ameaça, mantê-la ou recuperá-la, bastando que seja justa. Ainda que a posse contenha vícios, o possuidor está garantido em relação a terceiros que não tenham sido vítimas da violência, da clandestinidade, ou da precariedade. Estes vícios só não o garantem em relação ao proprietário, necessitando que seja justa. Em relação àqueles, qualquer posse dá direito aos interditos.
POSSE “AD USUCAPIONEM” entende-se aquela capaz de dar ao seu titular o usucapião da coisa, se preenchidos os requisitos legais exigidos pelo artigo 1.238 e 1.242, ambos do Código Civil, ou seja, o ânimo de dono, que seja mansa e pacífica (sem oposição), contínua (sem interrupção), que haja decurso do tempo, seja de boa-fé e que haja justo título. Estes dois últimos interessam apenas ao usucapião ordinário. Um dos principais efeitos da posse é a possibilidade de, com ela, alcançar-se a propriedade pelo decurso de certo tempo.
POSSE NOVA E VELHA: Classificação quanto à idade da posse. Posse nova é aquela que não tem ano e dia; velha é a que ultrapassou um ano e dia.
Não se deve confundir posse nova com ação de força nova, nem posse velha com ação de força velha. Destarte, para se saber se a ação é de força nova ou velha, leva-se em conta o tempo decorrido desde a ocorrência da turbação ou do esbulho. Se o turbado ou esbulhado reagiu logo, intentando a ação dentro do prazo de ano e dia, contado da data da turbação ou do esbulho, poderá pleitear a concessão da liminar (CPC, art. 924), por tratar-se de ação de força nova. Passado esse prazo, o procedimento será ordinário, sem direito a liminar, sendo a ação de força velha. É possível que alguém que tenha posse velha ajuizar ação de força nova, ou de força velha, dependendo do tempo que levar para intentá-la, contado o prazo da turbação ou do esbulho, assim como também alguém que tenha posse nova ajuizar ação de força nova ou de força velha.
POSSE NATURAL E POSSE CIVIL OU JURÍDICA: Posse natural é aquela que se constitui pelo exercício de poderes de fato sobre a coisa. Posse jurídica ou civil é a considerada por lei, sem necessidade de atos materiais. A posse civil ou jurídica transmite-se ou adquire-se pelo título. Exemplificando, temos o constituto possessório, em que um sujeito vende um imóvel a outro, mas nele continua como inquilino. O que vendeu passa a ser possuidor direto e o que comprou indireto, mesmo sem jamais tê-lo ocupado fisicamente.
AQUISIÇÃO DA POSSE: A aquisição da posse deve partir de um ato de vontade ou da lei. A posse se inicia com o exercício de poder constitutivo ou inerente ao direito de propriedade, ou seja, começa-se com o fato que põe a coisa sob o senhorio do possuidor.
Quanto ao momento da aquisição, ao contrário da propriedade, para a posse poder-se-ia dizer que se justifica apenas para caracterização de alguns efeitos, como para assinalar o início do prazo da prescrição aquisitiva e do lapso de ano e dia, que distingue a posse nova da velha.
Ressalta-se que, ao contrário do CC de 1916, o novel Código não mais enumera os modos de aquisição da posse, limitando-se a dizer que ela se adquire quando se obtém o poder sobre a coisa, tornando possível seu exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
Dos modos de aquisição: Tendo em vista a sistematização adotada pelo CC, os modos de aquisição podem ser agrupados em 02 espécies: da aquisição da posse em consequência da vontade e em função da sua origem. Para alguns doutrinadores, a divisão se faz somente entre posse originária e derivada, tal como o domínio.
Portanto, pode-se adquirir a posse, em função da vontade, pela:
1) vontade do agente unilateralmente (apreensão), por ato bilateral (convencional – contrato) ; e,
2) pela própria lei.
Ou, valendo-se de outra classificação, agora em função de sua origem:
1) originária; e,
2) derivada
Unilateralmente, adquire-se pela apreensão consciente da coisa. Se a coisa estiver abandonada diz-se “res derelicta”; se não for de ninguém, afirma-se “res nullius”. Aquele que acha coisa perdida, abandonada, deve restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. Não sendo possível, deve entregá-la à autoridade competente, conforme reza o artigo 1.233 do CC. Enquanto não entregue a coisa, quem achou tem sua posse, podendo ser legitimada. Estando de má-fé, a posse do achador ou inventor será considerada injusta e viciada. Além dessas duas hipóteses, a apreensão também se manifesta e enseja aquisição de posse, quando a coisa é retirada de outrem sem a sua permissão, mesmo por meio de violência ou clandestinidade, porque o possuidor primitivo ao se omitir nos meios de defesa, passado ano e dia, contribuiu para que a situação de fato se estabelecesse, cessando o vício, em favor do detentor transformando-se em possuidor.
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Adquire-se a posse também bilateralmente, por convenção (convencional), que se faz pelo contrato, em que será concretizada pela tradição real, ficta ou simbólica. Tradição, vale ressaltar, é a transferência da posse de um possuidor a outros, por ato gratuito ou oneroso; é modo derivado de apossamento da coisa. Tradição real, também chamada de efetiva ou traditio longa manu, é aquela quando materialmente a coisa é deslocada para a posse de outrem. Tradição simbólica é aquela em que a entrega da coisa é traduzida por gestos, conduta indicativa da intenção de transferir a posse, atitudes de transferência, como por exemplo, a entrega das chaves do imóvel. E, por fim, a tradição ficta, no caso de constituto possessório (cláusula “constituti”), quando, por exemplo, o vendedor, transferindo a outrem o domínio da coisa, conserva-a em seu poder, mas agora na qualidade de locatário.
Traz a lei uma forma de aquisição possessória, que advém do princípio da “saisine”, figura do direito francês, onde a posse transmite-se aos herdeiros do autor da herança tão logo ocorra o óbito. Por ser a herança considerada bem imóvel (imóvel por determinação legal), esta transmissão deveria revestir-se de formalidades, mas também por força de lei, não se exige, determinando a sua imediata transferência, independente, inclusive, do conhecimento do herdeiro.
Temos ainda, a aquisição por exercício do direito. Exemplificando: é o que ocorre no caso de servidão. Constituída uma servidão em terreno alheio sem qualquer oposição do proprietário, que não se valeu dos interditos, para aquele será estabelecido em seu favor a posse.
Aquisição em função de sua origem: É originária, quando a aquisição ocorre sem qualquer relação entre o antigo e o novo possuidor. Cuida-se da ocupação da coisa, apropriação de seu uso e gozo. O ato do agente é unilateral. A aquisição unilateral realiza-se pelo exercício de um poder de fato sobre a coisa, no interesse daquele que o exerce. O possuidor, na aquisição originária, não tem qualquer vínculo jurídico com o antecessor e a translatividade ocorre independentemente de sua anuência ou até mesmo com sua resistência, dependendo apenas da vontade do adquirente.
Posse derivada, por sua vez, é aquela que se caracteriza quando há anuência do antigo possuidor, como nos casos de compra e venda, doação etc. O antigo possuidor cede ou transfere sua posse a outrem mediante um negócio jurídico. Há transferência voluntária do vendedor ao comprador. A posse adquirida derivou do vendedor, do cedente ou do doador. Há um ato ou negócio jurídico bilateral. No caso de morte, pelo princípio da “saisine”, a aquisição derivada decorre da lei. Também decorre da lei, a dos frutos que caem em meu terreno provenientes de árvore do vizinho (CC, art. 1.284).
A importância da distinção refere-se à análise dos vícios que porventura existam sobre a posse. Quando a aquisição é originária, não havendo vínculo com o possuidor anterior, a posse apresenta-se sem qualquer vício para o novo possuidor. Se o possuidor a recebeu de outrem, ou seja, sendo derivada, herdará os vícios ou virtudes anteriores, conforme se infere da leitura do artigo 1.203 do Código Civil.
Da transmissão da posse: posse dos herdeiros e legatários do possuidor. Posse na sucessão universal e na singular: A posse se transmite com os mesmos caracteres aos herdeiros e legatários do possuidor, tão logo se verifique a abertura da sucessão. O artigo 1.207 do mesmo diploma trata da conjunção ou união das posses, em que a posse pode ser transmitida a título universal ou a título singular.
Por sucessão universal, entende-se tratar de possuidor que substitui o titular do direito na totalidade de seus bens, ou em uma parte deles, como, por exemplo, o herdeiro (sucessão “mortis causa”). Este é sucessor universal porque sucede em uma universalidade, uma fração não individualizada. O objeto da transferência, repita-se, é uma universalidade (patrimônio).
Por outro, entende-se como sucessor singular aquele que substitui o antecessor em direitos ou coisas determinadas, como, por exemplo, o comprador. Sucede-se um bem certo, determinado ou individualizado.
A lei faculta ao sucessor a título particular anexar à sua posse a de seu antecessor para, por exemplo, obter a usucapião, assumindo, aí sim, os vícios da anterior caso existam. Temos aqui uma faculdade, o que não ocorre se tratar de sucessão a título universal, onde a conjugação da posse é imposição de lei.
EFEITOS DA POSSE: entendem-se as consequências que da posse advêm, como sua aquisição, manutenção e perda. O Código Civil, nos artigos 1.210 a 1.222, trata dos principais efeitos produzidos pela posse.
Dos efeitos produzidos, podemos dizer que o principal é o direito de proteção, ou seja, o direito do possuidor de proteger e conservar sua posse. Além deste, o Código reconhece e indica outros, como o da percepção dos frutos; da responsabilidade pelas deteriorações e perda da coisa possuída; da indenização por benfeitorias e do direito de retenção para garantir seu pagamento; e a usucapião.
Do direito de proteção da posse: da legítima defesa, do desforço imediato e dos interditos: A proteção ao possuidor dá-se de duas formas: pela legítima defesa e pelo desforço imediato, chamadas ações diretas (autodefesa, autotutela ou defesa direta) e pelos interditos¸ que são as ações possessórias, também denominadas de defesas indiretas ou heterotutela.
O desforço imediato ocorre quando o possuidor pode manter-se ou restabelecer-se à situação anterior pelos seus próprios meios e recursos, quando houver esbulho da sua posse. Quando, por sua vez, houver turbação no exercício da posse, o possuidor poderá reagir, exercendo assim, a legítima defesa.
Para que a defesa direta possa ser considerada legítima, o possuidor deve reagir tão logo quanto possível, limitando-se ao indispensável à retomada da posse.
Não querendo ou não podendo lançar mão da legítima defesa da posse, poderá, ainda, o possuidor protegê-la através de medidas judiciais, que são os interditos possessórios. Três são os interditos possessórios: interdito de reintegração de posse; interdito de manutenção de posse e o interdito proibitório.
A proteção possessória tem como fundamento um direito derivado da própria necessidade de se proteger a propriedade. Protegendo a posse, que é a exteriorização da propriedade, esta está sendo protegida.
O nosso direito protege não só a posse correspondente ao direito de propriedade e a outros direitos reais como também a posse como figura autônoma e independente da existência de um título.
Distinção entre juízo possessório e juízo petitório. Exceção de domínio: No juízo possessório não adianta alegar o domínio, porque só se discute posse. No juízo petitório a discussão cinge-se ao domínio (propriedade), sendo secundária a questão da posse. Nos termos do artigo 1.210, § 2º, do CC, não mais se contempla a possibilidade de se arguir a exceptio proprietatis, ou seja, a exceção de domínio. No antigo diploma a questão do domínio podia ser trazida ao juízo possessório.
Dos efeitos da posse em relação aos frutos: Salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal. Entram na classe das coisas acessórias, como suas espécies: os frutos, produtos e rendimentos (CC, art. 95). Estes, como regra, devem pertencer ao proprietário, como acessórios da coisa.
A regra pela qual o proprietário da coisa tem direito aos seus acessórios sofre mitigação, quando tratar-se de possuidor de boa-fé, ou seja, quando estiver convicto de que é seu o bem possuído.
Não é o proprietário, mas sim o possuidor, se estiver de boa-fé, quem terá direito aos frutos percebidos, protegendo a lei, neste caso, aquele que tinha a convicção de que a coisa lhe pertencia e lhe deu destinação econômica.
Para que o possuidor ganhe os frutos necessários a prova de sua boa-fé, que tenha o pensamento de que é proprietário, conforme exige-se o artigo 1.214 do CC.
Da percepção dos frutos pelo possuidor de boa-fé: O possuidor estará de boa-fé se possuir justo título. A existência de um justo título para a aquisição dos frutos se faz necessária, porque deve ter direitos a eles a posse que se assemelha à propriedade, ou tem sua aparência. Neste sentido, possuindo somente a posse sem título que a sustente, o possuidor terá direito aos frutos percebidos, não fazendo jus, contudo, aos pendentes ou aos colhidos antecipadamente, que devem ser restituídos.
Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé, que ocorrerá após a citação judicial para a causa, devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio, bem como os frutos colhidos antecipadamente, também não fará jus. Visa a legislação não proporcionar enriquecimento indevido ao reivindicante, impondo a este o dever de indenizar o valor das despesas da produção e custeio, tais como o plantio, conservação etc. Caso os frutos colhidos com antecipação não encontrar-se estantes (colhidos e acondicionados para a venda), deverá indenizar em importância equivalente.

DA PERCEPÇÃO DOS FRUTOS PELO POSSUIDOR DE MÁ-FÉ: O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé (CC, art. 1.216). O legislador desencoraja a má-fé, mormente quando determina que indenize até mesmo os frutos percipiendos, ou seja, os que poderiam ter sido colhidos e não o foram tendo direito apenas às despesas da produção e custeio, em respeito ao enriquecimento sem causa.

DA RESPONSABILIDADE PELA PERDA OU DETERIORAÇÃO DA COISA: O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, se não for responsável, apenas indenizando se agiu com dolo ou culpa, assim entendido pela expressão “a que não der causa”.
Se for posse de má-fé, responderá até mesmo se acidental, inclusive por caso fortuito ou força maior, estando livre apenas se demonstrar que teria ocorrido a perda ou deterioração da mesma forma se estivesse a coisa nas mãos do reivindicante. Ao possuidor de má-fé compete provar (é seu o ônus da prova) que do mesmo modo se teriam dado as perdas se estivesse a coisa na posse do reivindicante, sendo esta a única excludente de responsabilidade. Não basta a prova da ausência de culpa nem de força maior. A única prova que o exonerará é o da ocorrência do mesmo prejuízo, se não tivesse havido interferência alguma do possuidor. Há, no caso, uma presunção juris tantum de culpa do possuidor de má-fé, invertendo-se o ônus da prova.
Efeitos em relação às benfeitorias e o direito de retenção. Possuidor de boa-fé: o mesmo princípio da vedação ao enriquecimento ilícito, aplicado quanto à responsabilidade dos frutos na posse, aqui também se faz presente. A legislação, em havendo boa-fé, traz ao possuidor o direito à indenização quanto às benfeitorias necessárias e úteis, facultado ao reivindicante não indenizar as voluptuárias eis que aquele tem direito de levantá-la (jus tollendi), desde que não cause danos à coisa e o reivindicante não preferir ficar com elas, indenizando o seu valor.
Necessário esclarecer que a noção de benfeitoria é casuística, vale dizer, que somente diante do caso concreto poder-se-á distingui-la. Construir uma piscina em um clube recreativo, é necessária; em uma casa, é voluptuária; em uma escola, é útil.
Recusando-se o reivindicante a indenizar, o possuidor poderá exercer o "jus retentionis", ou seja, o direito de reter a coisa até que lhe seja pago as indenizações correspondentes às benfeitorias necessárias e úteis por ele realizadas. O ato de retenção consiste em uma modalidade de garantia, um meio de defesa direto do possuidor de boa-fé para compelir o reivindicante ou o evictor a lhe indenizar
INDENIZAÇÃO AO POSSUIDOR DE MÁ-FÉ: Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias (CC, art. 1.220). Também não há que se falar em retenção, pois só lhe é de direito o recebimento das benfeitorias necessárias perdendo as benfeitorias úteis e voluptuárias. Estas importâncias são para compensar o período que permaneceu em coisas alheias, além de ser uma sanção. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem (CC, art. 1.221). O reivindicante obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual (CC, art. 1.222). Além de não ter direito a nenhum fruto, deverá restituir ou indenizar pelos frutos colhidos e percebidos, bem como pelos pendentes que não houver colhido por sua culpa, desde o momento em que se constituiu a má fé. Todavia, tem direito de ser indenizado das despesas de produção e custeio. O possuidor responderá pela perda ou a deterioração ainda que o seja acidental, salvo se provar que uma ou outra ocorreria mesmo que a coisa estivesse em mãos do legítimo possuidor.
DA PERDA DA POSSE: faz-se supérflua a enumeração dos meios pelos quais se adquire ou perde-se a posse. Se esta é a exteriorização do domínio e se é possuidor aquele que se comporta em relação à coisa como dono, desde o momento em que não se comporte mais dessa maneira, ou se veja impedido de exercer os poderes inerentes ao domínio, a posse estará perdida. O Código Civil, pela razão apontada, no artigo 1.223, em consonância com o artigo 1.196, define que se perde a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem.
Didaticamente, mencionam-se as situações que denotam a perda da posse.
Abandono: perde-se a posse pelo abandono (“res derelicta”) ou renúncia, ou seja, quando o possuidor, voluntariamente, manifesta a intenção de largar o que lhe estava sob sua posse. Perder-se-á um imóvel, pelo abandono, quando o possuidor agir negligentemente, ausentando-se por tempo prolongado e demonstrando desinteresse sobre o bem. Esta situação somente não ocorrerá se se tratar de ausência natural, compatível com a natureza do próprio imóvel, como as casas de veraneio e campo.
Tradição: A posse se perde por sua transferência, ou seja, pela tradição, que consiste na entrega da coisa alienada e consequentemente não mais terá a posse da coisa. Só haverá perda, se for transferência definitiva, onde a relação possessória passa para outra pessoa.
Destruição e coisas fora do comércio: como causa da perda da posse temos a destruição da coisa e a sua colocação fora do comércio. A posse é exercida sobre uma coisa corpórea, sobre um “corpus”, a partir do momento que esse “corpus” se perdeu, pereceu a posse e consequentemente seu valor econômico. Dá-se, portanto, a destruição da coisa quando ela deixa de existir.
São postas fora do comércio os bens desapropriados. Por coisas fora do comércio entendem-se aquelas que não são suscetíveis de apropriação e, quando por lei, são inalienáveis. As coisas aqui referidas, não podem, portanto, ser objeto de posse, posto que o possuidor de coisa posta fora do comércio terá perdido a posse sobre ela, porque se tornou inapropriável.
Posse de outrem: pela posse de outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi manutenido ou reintegrado em tempo competente, perder-se-á a posse.
CONSTITUTO POSSESSÓRIO: através do constituto possessório, tanto se adquire quanto se perde a posse. Pela cláusula “constituti”, altera-se a relação possessória: o possuidor que tinha a coisa em nome próprio passa a tê-la em nome alheio. O alienante perde a posse e o adquirente a ganha. O novo Código preferiu não mencioná-lo de forma expressa.
É a cláusula pela qual o alienante de uma coisa continua com a sua posse direta mas transfere, desde já, a posse indireta para o adquirente.
PERDA DA POSSE DE DIREITOS: desde que haja extinção do direito, seu titular terá perdido a posse. Perder-se-á também a posse dos direitos, em se tornando impossível exercê-los, ou não exercendo por tempo que baste para a configuração da prescrição. Caracterizada a prescrição da pretensão que corresponde a um direito, finda-se a posse desse direito. Exemplo: servidões (art. 1.389, CC).
PERDA OU FURTO DA COISA MÓVEL E TÍTULO AO PORTADOR: o furto de título ao portador rege-se, hoje, exclusivamente pelo disposto no artigo 907 do CPC (Aquele que tiver perdido título ao portador ou dele houver sido injustamente desapossado poderá: I - reivindicá-lo da pessoa que o detiver; II - requerer-lhe a anulação e substituição por outro.)
A situação do terceiro que vem a adquirir um objeto que foi extraviado ou roubado é traçada pelo artigo 1.268 do Código Civil, com relação à tradição: feita por quem não seja proprietário, “a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono”, ou se “o alienante adquirir depois a propriedade” (§ 1º). Também não transfere a propriedade, a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo
(§ 2º).
PERDA DA POSSE PARA O AUSENTE (O QUE NÃO SE ACHA PRESENTE): Aquele que não estiver no lugar onde se encontra a coisa de sua propriedade ou posse perderá em favor do ocupante ou do detentor dela se, tendo notícia da ocupação, não procurou retomá-la, ou seja, omitindo-se nas providências visando a retomada. Deixou de tentar recuperá-la por desforço imediato e for repelido pelo ocupante. Não recuperada, portanto, o possuidor perderá a posse. Todavia, se o possuidor, pelo desforço imediato conseguir a recuperação, terá sua posse mantida.


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