T E O R I A G E R A L
D O C R I M E Prof. Esp. Técio Leite
NOÇÕES
INTRODUTÓRIAS. 1. Conceito de Crime. 2. Ilícito Penal e Outros Ilícitos. 3.
Sujeitos do Crime. 4. Objetos do Crime. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES.
NOÇÕES
INTRODUTÓRIAS
1. CONCEITO DE CRIME.
O
conceito de crime é o ponto de partida para a compreensão dos principais
institutos do Direito Penal. Aparentemente simples, sua definição pormenorizada
apresenta questões complexas com várias consequências ao seu estudo. Enfim, a
análise do conceito de crime pode ser feita através de três aspectos:
1.1.
CRITÉRIO MATERIAL (OU SUBSTANCIAL).
De
acordo com esse critério, crime é toda ação ou omissão humana que lesa, ou
expõe a perigo de lesão, bem jurídico penalmente tutelado. Refere-se à
materialização da conduta, ou seja, a prática delituosa deve, ao menos, expor
materialmente a perigo bem protegido.
Essa
fórmula leva em conta a relevância do mal produzido aos interesses e valores
selecionados pelo legislador, servindo como fator de legitimação do Direito
Penal, justificando a sanção, num Estado Democrático de Direito.
1.2.
CRITÉRIO LEGAL.
Nesse
critério, o conceito de crime é fornecido pelo legislador. Ante a inexistência de conceito no
Código Penal, tal tarefa ficou a cargo da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei
nº 3.914/1941), em seu art. 1º.
Art. 1º
Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão
ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a
pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou
cumulativamente.
Cuida-se,
deste modo, da espécie de gênero de infração penal, diferenciando crime e
contravenção quanto à gravidade da sanção, mediante valores escolhidos pelo
legislador.
O
Direito Penal acolheu um sistema dicotômico ao fracionar o gênero infração
penal em duas espécies: crime e contravenção penal, diferenciando-os apenas com relação
à gravidade do mal causado e a proporcional sanção penal imposta pela conduta.
Os
termos crime e delito são equivalentes, ambos
correspondem à espécie de infração penal, cuja violação do bem jurídico é de
maior gravidade.
E ART.
28 DA LEI 11.343/2006 (LEI DE DROGAS)? Diante da definição do crime previsto
no art. 28 da Lei de Drogas, algumas discussões surgiram a respeito, atinente à
natureza jurídica do ato de consumo, pois, não há previsão de pena de reclusão
ou detenção (não seria crime), e nem mesmo de prisão simples (também não seria
contravenção).
A
imposição de advertência sobre os efeitos da droga e
medida educativa cria dúvidas quanto à pena imposta, e a sua classificação no
conceito de infração penal. Há entendimentos no sentido de que, não sendo crime
nem contravenção, seria então uma espécie de infração penal "sui
generis"[1].
Um segundo posicionamento, mais
acertado, sustenta a manutenção do caráter criminoso da
conduta, com a cominação das penas previstas
em lei.[2] Argumenta-se,
nesse pensamento, que a lei, ao tratar do tema, classificou a conduta como
crime; que o processo e o julgamento devem observar o rito do Jecrim (Lei
9.099/95); que a finalidade da LICP era apenas diferenciar crime de
contravenção; e também determinou a aplicação das regras de prescrição do art.
107 reservada às infrações penais; e, por fim, não existiam penas alternativas
quando foi editada a LICP.
O
entendimento da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, com argumentos
semelhantes à última posição, decidiu não ter havido a descriminalização da
conduta, ou seja, existe crime, mas o que ocorreu foi apenas umadespenalização, diante da supressão da pena
privativa de liberdade. Rejeitou-se o entendimento doutrinário de que seria
infração "sui generis", diante dos problemas que poderiam advir desse
conceito, tal como a dificuldade de verificação do regime jurídico da conduta.
Assim,
surge uma nova questão: o art. 28 da Lei de Drogas criou uma nova espécie de
crime? Não! A LICP apenas adotou um
critério genérico de crime, estabelecendo uma diferenciação entre crime e
infração penal. Mas trata-se de lei ordinária, que pode ser alterada por outra
lei, bem como haver o surgimento de novos critérios. O que a Lei 11.343/2006
criou foi apenas um novo
conceito para o crime de posse de drogas para consumo pessoal, estabelecendo uma sanção
diferenciada em razão da violação do bem jurídico penalmente tutelado e sua
relevância social.
1.3.
CRITÉRIO ANALÍTICO.
Também
chamado de critério
formal ou dogmático, funda-se nos elementos que compõe a estrutura do
crime. Sobre
essa estrutura, novas divergências insurgem:
Basileu
Garcia sustentava uma posição quadripartida na estrutura do crime, ou seja,
seria o crime composto por quatro elementos: fato típico, ilicitude, culpabilidade
e punibilidade. Essa posição é claramente
minoritária e deve ser afastada, pois punibilidade trata-se da conseqüência da
prática do ilícito penal. É possível a existência de crime ainda que o agente
não seja punível.
Nelson
Hungria, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Regis
Prado, entre outros, adotam uma posição tripartida, compondo o crime: fato típico, ilicitude e
culpabilidade[3].
Outros, como Damásio de Jesus, Julio
F. Mirabete, entre outros, entendem o crime numa posição
bipartida, composto defato
típico e ilícito. A
culpabilidade, nessa teoria, seria um mero pressuposto para aplicação da pena.
QUAL O CRITÉRIO ADOTADO PELO CÓDIGO
PENAL? Em verdade, não há uma resposta
segura para a questão. A redação original do Código Penal de 1940 acolhia um
conceito tripartido, entendendo o crime como fato típico, ilícito e culpável.
Com a reforma da parte geral do código, com a Lei 7.209/1984, fica a impressão
de ter sido adotado um conceito bipartido,
ligado, obrigatoriamente, à teoria finalista da conduta.
Entende-se
bipartida a estrutura do crime, pois, o título II da parte geral do CP trata: “do crime” e o
título III trata “da imputabilidade penal”.
Assim, a imputabilidade segue o crime, sendo um elemento do fato típico e
ilícito. O crime existe, ainda que não haja culpabilidade. Ao tratar das causas
de exclusão de ilicitude, o Código Penal fala “não há crime”. Ao relacionar-se
às causas de exclusão da culpabilidade, o Código Penal fala “é isento de pena”,
ou seja, há crime, mas não se aplica a pena.
Também o art. 180, §4º do CP
preceitua “a receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o
autor do crime”. Assim, há crime, ainda que não seja o autor culpável, tornando
desnecessária a existência da culpabilidade para a caracterização de crime.
2. ILÍCITO PENAL E OUTROS ILÍCITOS.
Ilicitude é
a relação de contrariedade entre
o fato praticado
por alguém e o ordenamento jurídico. Assim,
há ilícitos penal, administrativo, tributário, civil, ambiental.
O critério para
a distinção do ilícito penal dos demais é meramente político, de
acordo com a gravidade e a relevância da conduta praticada, bem como a
importância do bem jurídico tutelado.
Assim, o Direito Penal deve preocupar-se
apenas com os interesses mais importantes para o desenvolvimento e manutenção
do indivíduo em sociedade, deixando os demais ilícitos sob o crivo dos outros
ramos do Direito (princípio da fragmentariedade).
3. SUJEITOS DO
CRIME.
Sujeitos do crime são as pessoas ou
entes relacionados à prática e aos efeitos da empreitada criminosa. Dividem-se
em sujeito ativo e passivo.
3.1. SUJEITO
ATIVO.
É a pessoa que realiza, direta
ou indiretamente, a
conduta criminosa, seja isoladamente ou em concurso
com outras.
A realização do crime, diretamente, dá-se
através do autor e coautor. De
maneira indireta, temos
o delito praticado peloautor mediato e partícipe.
Inúmeras denominações são dadas, de
acordo como o momento processual e o critério posto em exame: agente (geral),indiciado (no
inquérito policial), acusado (após a denúncia ou
queixa), réu (após o recebimento da inicial acusatória), sentenciado(com
a prolação da sentença), condenado (após o trânsito em julgado
da sentença), reeducando (durante a execução penal),egresso (após
o cumprimento da pena) e criminoso ou delinquente (objeto
de estudo nas ciências penais).
Em regra, somente o ser humano pode
praticar infração penal[4]. Porém,
discute-se sobre a responsabilidade
penal da pessoa jurídica. Para
uma melhor compreensão, necessário de faz a verificação da natureza jurídica
desse ente.
Savigny,
com a teoria
da ficção jurídica,
entende que a pessoa jurídica não possui existência real, não tem vontade
própria, não se podendo imaginar o cometimento de crimes por tais entes
fictícios. Apenas o homem pode ser sujeito de direitos.
De outra
banda, Otto Gierke, com a teoria da realidade, orgânica ou organicista, sustenta a pessoa jurídica ser um
ente autônomo e distinto de seus membros, dotado de vontade própria. É,
portanto, sujeito de direitos e obrigações, tal qual a pessoa física. É a teoria mais aceita no Direito.
Verificando-se
a adoção dessa teoria, e entendendo que a pessoa jurídica trata-se de ente
autônomo, discute-se acerca da possibilidade de a pessoa jurídica tornar-se
sujeito ativo de uma infração penal. Duas correntes se formam:
RESPONSABILIDADE
PENAL DA PESSOA JURÍDICA
|
|
Impossibilidade de a Pessoa Jurídica ser sujeito ativo
|
Possibilidade de a Pessoa Jurídica ser sujeito ativo
|
1. Desde o Direito
Romano já se sustentava o postuladosocietas delinquere non potest.
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1. Constitui ente
autônomo, dotado de consciência e vontade, podendo praticar condutas.
|
2. Não tem vontade
própria, portanto, não pode praticar condutas.
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2. Possui vontade
própria, razão pela qual o Direito Penal reserva tratamento isonômico ao
dispensado à pessoa física.
|
3. Não é dotada de consciência
própria pra compreender o caráter da pena.
|
3. Deve responder
por seus atos, adaptando-se a culpabilidade às suas características.
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4. Não é imputável,
pois somente o ser humano é capaz de entender o caráter ilícito de um fato.
|
4. Constitui ente
autônomo, dotado de consciência e vontade, podendo assimilar a natureza da
pena.
|
5. Seus atos estão
vinculados ao estatuto social, não podendo conter crimes em seu rol.
|
5. Não conter crimes
em seu estatuto social não impede que sejam realizados.
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6. A punição
alcançaria seus integrantes, ofendendo o princípio da personalidade da pena.
|
6. Não há violação
ao princípio da personalidade da pena. Deve-se distinguir a pena dos efeitos
da condenação, que também atingem outras pessoas em penas aplicadas às pessoas
físicas.
|
7. Não se pode
aplicar pena privativa de liberdade à pessoa jurídica.
|
7. O Direito Penal
não se limita à pena de prisão. Ademais, a pena privativa de liberdade deve
ser a ultima ratio, preferindo-se a aplicação de penas
alternativas.
|
Optando
pela segunda corrente, a Constituição Federal, em seu art. 173, §5º e 225,
§3º, admite a
responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica e financeira, contra a economia popular e contra o meio ambiente.
Contudo,
trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, exigindo-se, para a sua
aplicação, a edição de lei regulamentadora. Apenas no que cerne ao meio
ambiente, com a edição da Lei 9.605/1998, em seu art. 3º, parágrafo único, a
responsabilização penal da pessoa jurídica tornou-se aplicável efetivamente. O
entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é
pela possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica, em todos os
crimes ambientais, dolosos ou culposos.
Importante
anotar que alguns interpretam o art. 225, §3º de maneira respectiva, ou seja,
às pessoas físicas, sanções penais, e às pessoas jurídicas, sanções
administrativas. Não é o entendimento predominante.
Por fim,
ao aceitar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, não podemos esquecer
que também há a responsabilidade da pessoa física coautora ou partícipe do
delito. Observado pelo parágrafo único do art. 3º, é o que constitui o sistema paralelo de imputação (teoria
da dupla imputação).
3.2.
SUJEITO PASSIVO.
É
o titular
do bem jurídico protegido pela lei penal, que é violada por meio da conduta criminosa.
Também
denominado de vítima ou ofendido, o sujeito passivo
pode ser: indireto, mediato (formal, geral, genérico ou
constante), no caso do Estado, pois a ele pertence o direito público subjetivo
de exigir o cumprimento da legislação penal e a tutela dos bens jurídicos;
ou direto, imediato (material particular,
acidental ou eventual), que é o titular do bem jurídico especificamente tutelado pela
lei penal violada.
O Estado
é sujeito passivo mediato constante. Pode ser também eventual, em casos de
crimes contra a Administração Pública.
A pessoa
jurídica também pode ser sujeito passivo, sendo vítima de diversos delitos,
desde que compatíveis com a sua natureza.
Pode ocorrer
ainda que o crime seja cometido contra vítima destituída de personalidade
jurídica, como no caso dos crimes vagos. Assim, fala-se em sujeito passivo
indeterminado.
Os
mortos e animais também não podem figurar pólo passivo da conduta criminosa. Já
no caso calúnia contra os mortos, o sujeito passivo recai sobre os familiares
do morto, pois serão os titulares da ação penal. Nos crimes contra a fauna,
sujeito passivo não é o animal que sofre a conduta, mas sim a coletividade, que
detém o interesse de ver preservado todo o patrimônio ambiental.
Importante
lembrar também que, de acordo com o princípio da alteridade, ninguém poderá praticar crime
contra si mesmo, a exemplo do crime de autoacusação falsa; nesse caso, a vítima
é o Estado, que é ludibriado.
Finalmente,
também se deve diferenciar sujeito passivo do sujeito prejudicado com a infração penal. Muitas
vezes recaem essas características sobre a mesma pessoa. Outras vezes, os
malefícios causados pela conduta ilegal atingem terceiros, a exemplo da esposa
de quem foi vítima de homicídio.
4.
OBJETO DO CRIME.
É o bem
ou objeto contra o qual se dirige a conduta criminosa. Pode ser jurídico (interesse protegido pela lei
penal) oumaterial (pessoa ou coisa que suporta a
infração penal).
Há crime sem objeto? Depende! Não existe crime sem objeto
jurídico, mas pode haver crime sem a presença de objeto material, a exemplo do
ato obsceno (CP, art. 233).
CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES Prof.Esp.
Técio Leite
A classificação dos crimes pode
ser legal ou doutrinária. Legal é o nome atribuído ao delito
pela lei. É também chamada de rubrica marginal. Doutrinária é o nome dado pelos estudiosos do
Direito às infrações penais. É o objeto de estudo do presente tópico.
Segundo a doutrina, as classificações podem utilizar alguns critérios:
1. QUANTO À QUALIDADE DO SUJEITO
ATIVO:
a) Crimes comuns ou gerais: são
aqueles que podem ser praticados
por qualquer pessoa, não se
exigindo condição especial[1]. Ex: homicídio.
b) Crimes próprios ou especiais: são
aqueles em que o tipo penal exige uma situação fática ou jurídica diferenciada por parte do sujeito ativo[2]. Admitem coautoria a participação. Ex: peculato,
somente praticado por funcionário público.
Os crimes próprios podem ser
divididos em puros, que são aqueles cuja ausência da
qualidade especial do sujeito ativo leva à atipicidade do fato; e impuros, cuja ausência da elementar
diferenciada desclassifica o delito.
c) Crimes de mão própria, de atuação
pessoal ou de
conduta infungível: são aqueles que somente podem ser praticados
pela pessoa
expressamente indicada no tipo penal. Ex: falso testemunho. Apenas admitem
participação, não aceitando coautoria, pois não de delega a prática da conduta
infracional a terceira pessoa.
2. QUANTO À ESTRUTURA DA CONDUTA
DELINEADA PELO TIPO PENAL:
a) Crime simples: é aquele que se amolda em um único tipo penal. Ex: furto.
b) Crime complexo: resulta da união de dois ou mais tipos penais. Ex: roubo (furto + ameaça; furto +
lesão corporal).
3. QUANTO A RELAÇÃO ENTRE A CONDUTA E
O RESULTADO NATURALÍSTICO:
a) Crimes materiais ou causais: são
aqueles em que o tipo penal aloja em seu interior uma conduta e um resultado necessário, cuja consumação reclama esse
resultado. Ex: homicídio (necessita da morte).
b) Crimes formais, de consumação
antecipada ou de
resultado cortado: o tipo penal contém em seu bojo uma conduta e um resultado
naturalístico, mas
este último é desnecessário para a consumação. Ex: extorsão mediante seqüestro
(não necessita a efetiva vantagem sobre a extorsão), ameaça, extorsão.
STJ. Súmula 96. O Crime de extorsão consuma-se,
independentemente da obtenção da vantagem indevida.
c) Crimes de mera conduta ou de simples
atividade: o tipo penal se limita a descrever uma conduta sem resultado algum. Ex: Ato obsceno.
4. QUANTO AO MOMENTO EM QUE SE
CONSUMA O CRIME:
a) Crime instantâneo ou de estado: a
consumação se verifica em um momento determinado, não se prolonga no tempo. Ex:
furto.
b) Crime permanente: a consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. O
ordenamento jurídico é agredido reiteradamente.
Subdividem-se em: necessariamente permanentes, que exige, para a consumação, a
manutenção da ação contrária ao Direito por tempo relevante, v.g., sequestro;
e eventualmente
permanentes, que são
crimes instantâneos, mas a ofensa ao bem jurídico tutelado se prolonga no
tempo, v.g., furto de energia elétrica.
c) Crime instantâneo de efeitos
permanentes: os efeitos de delito subsistem após a
consumação,
independentemente da vontade do agente. Ex: bigamia, homicídio.
d) Crime a prazo: a consumação exige a fluência de
determinado período. Ex:
seqüestro em que a privação de liberdade dura mais de quinze dias (CP, art.
148, §1º, III).
5. QUANTO AO NÚMERO DE AGENTES
ENVOLVIDOS:
a) Crimes unissubjetivos,
unilaterais, monossubjetivos ou de concurso eventual: são
praticados por um único
agente,admitindo-se concurso. Ex: homicídio.
b) Crimes plurissubjetivos,
plurilaterais ou de
concurso necessário: o tipo penal reclama a pluralidade de agentes, que podem ser coautores ou partícipes.
Esses crimes subdividem-se em:
(1) crimes
bilaterais (ou de encontro), onde o tipo penal reclama dois
agentes cujas condutas tendem a se encontrar, ex: bigamia; (2) crimes coletivos (ou de convergência), onde o tipo penal reclama a
existência de três ou mais agentes, ex: rixa (condutas contrapostas) ou
quadrilha ou bando (condutas paralelas).
Não se deve confundir os crimes
plurissubjetivos com os crimes de participação necessária.
Estes podem ser praticados por uma única pessoa, não obstante o tipo penal
reclame a participação necessária de outra pessoa, que atua como sujeito
passivo e não é punido, ex: rufianismo, CP, art. 230.
c) Crimes eventualmente
coletivos: são
aqueles em que, não obstante o seu caráter unilateral, a diversidade de agentes atua como
causa de majoração da pena. Ex:
furto qualificado.
6. QUANTO AO NÚMERO DE VÍTIMAS:
a) Crime de subjetividade passiva
única: tipo
penal tem uma
única vítima. Ex:
estupro.
b) Crimes de dupla subjetividade
passiva: o tipo
penal prevê a existência
de duas ou mais vítimas. Ex:
violação de correspondência (remetente e destinatário).
7. QUANTO AO GRAU
DE INTENSIDADE DO RESULTADO:
a) Crime de dano ou de lesão: a
consumação somente se efetiva com a lesão do bem jurídico tutelado. Ex: lesões corporais.
b) Crime de perigo: consumam-se com a mera exposição do bem jurídico tutelado a
uma situação de perigo.
Subdividem-se em: crime de perigo abstrato (basta a prática da conduta,
havendo presunção juris et de jure de exposição a perigo de
dano, ex: tráfico de drogas), de perigo concreto (consuma-se com a efetiva
comprovação da exposição a perigo, ex: crime de perido para a vida ou saúde de
outrem, art. 132), de
perigo individual (atinge
uma pessoa ou um determinado número de pessoas, ex: perigo de contágio
venéreo), de
perigo comum ou coletivo (o
perigo já está ocorrendo, ex: abandono de incapaz), de perigo iminente (o perigo está prestes a
ocorrer) e de
perigo futuro ou mediato (o
perigo se projeta para o futuro, ex: porte ilegal de arma).
8. QUANTO AO
NÚMERO DE ATOS EXECUTÓRIOS QUE INTEGRAM A CONDUTA:
a) Crime unissubsistente: a conduta se revela mediante um único ato de execução, capaz, por si só, de produzir a
consumação. Não admite
tentativa. Ex:
crimes contra a honra praticados com o emprego da palavra.
b) Crime plurissubsistente: a conduta se exterioriza por meio
de dois ou
mais atos,
que devem
somar-se para produzir a consumação. Ex: homicídio praticado com golpes de faca.
9. COM RELAÇÃO À
FORMA COMO É PRATICADO O CRIME:
a) Crime comissivo ou de ação: é
praticado mediante conduta
positiva. Ex:
roubo.
b) Crime omissivo ou de omissão: cometido
por meio de uma conduta
negativa, uma inação.
Subdividem-se em:
Ä Crime omissivo próprio ou puro: a omissão está contida no tipo penal, prevendo a conduta negativa como
forma de praticar o delito. Não há dever jurídico de agir, portanto, qualquer pessoa que se
encontre na posição indicada pelo tipo penal responderá apenas pela omissão, e não pelo resultado naturalístico.
Ex: omissão de socorro, art. 135.
Ä Crime omissivo impróprio, espúrio ou
comissivo por omissão: o
tipo penal aloja uma conduta positiva, e o agente, que tem o dever jurídico de evitar o
resultado,
realiza uma conduta negativa, respondendo penalmente pelo resultado naturalístico. Ex: mãe que mata filho por não
amamentá-lo.
Ä Crime omissivo por comissão: nesse caso, há uma ação provocadora da omissão. Grande parte da doutrina não
reconhece essa categoria de delito.
Ä Crime omissivo
"quase-impróprio": essa classificação, ignorada pelo direito penal
pátrio, diz respeito à omissão que não produz lesão ao bem jurídico, mas apenas
um perigo
de lesão, abstrato ou concreto.
c) Crime de conduta mista: o tipo penal é composto de duas fases distintas, uma inicial positiva e outra final,
omissiva. Ex: apropriação de coisa achada e omissão em devolvê-la (CP, art.
169, parágrafo único, inciso II).
10. QUANTO AO MODO DE EXECUÇÃO:
a) Crime de forma livre: admitem qualquer meio de execução. Ex: ameaça, art. 147.
b) Crime de forma vinculada: somente pode ser praticado através
dos meios
indicados pelo tipo penal. Ex:
perigo de contágio venéreo (CP, art. 130).
11. QUANTO AO
NÚMERO DE BENS JURÍDICOS ATINGIDOS:
a) Crimes mono-ofensivos: ofendem a um único bem jurídico. Ex: furto (viola o patrimônio).
b) Crimes pluriofensivos: atingem dois ou mais bens jurídicos. Ex: latrocínio (vida e patrimônio).
12. QUANTO À
EXISTÊNCIA AUTÔNOMA DO CRIME:
a) Crimes principais: aqueles que possuem existência autônoma, independendo da prática de crime
anterior. Ex: estupro.
b) Crimes acessórios, de fusão ou parasitários: dependem da prática de crime anterior para a sua existência. Ex:
receptação (CP, art. 180).
Segundo
o Código Penal, a extinção da punibilidade do crime principal não se estende ao
acessório (CP, art. 108).
13. QUANTO À NECESSIDADE DE EXAME DE
CORPO DE DELITO COMO PROVA:
a) Crime transeunte ou de fato
transitório: são
aqueles que não deixam
vestígios materiais. Ex:
ameaça, calúnia, desacato. Nesse caso, não se realiza perícia.
b) Crime não transeunte ou de fato permanente: deixam vestígios materiais. Ex: homicídio. Nesse caso, a falta
de exame de corpo de delito acarreta a nulidade da ação penal.
14. QUANTO AO LOCAL EM QUE O CRIME É
PRATICADO:
a) Crimes à distância: são aqueles em que conduta e resultado ocorrem em países
diversos. Ante a
adoção da teoria da ubiqüidade quanto ao lugar do crime, a conduta ou o
resultado ocorrendo em território nacional, aplica-se a legislação penal pátria.
b) Crimes plurilocais: a conduta e o resultado se desenvolvem
em comarcas diversas,
sediadas no mesmo país. Nesse caso, opera-se a teoria do resultado adotada pelo
CPP, em seu art. 70, como competência para aplicação da lei penal.
c) Crimes em trânsito: somente uma parte da conduta ocorre
em outro país, sem
lesionar ou expor a perigo bem jurídicos das pessoas que nele vivem. Ex:
Argentino envia carta com ofensa a americano, e a carta passa por território
brasileiro.
15. QUANTO AO VÍNCULO EXISTENTE ENTRE
OS CRIMES:
a) Crimes independentes: não apresentam nenhuma ligação com outros delitos.
b) Crimes conexos: ocorre uma ligação dos delitos entre si. Essa conexão pode ser penal ou processual. A conexão penal, que nos interessa,
divide-se em:
Ä Conexão teleológica ou ideológica: o crime é praticado para assegurar a execução de outro delito.
Ä Conexão consequencial ou causal: o crime é cometido na seqüência
de outro, para
assegurar a impunidade, ocultação ou vantagem de outro delito.
Essas duas espécies possuem previsão
legal, servindo como agravantes do crime (em caso de homicídio, servem como
qualificadoras), CP, art. 61.
Ä Conexão ocasional: o crime é praticado como conseqüência da ocasião, proporcionada pela prática do crime
antecedente. Ex: estupro praticado após o roubo. Trata-se de criação
doutrinária, sem amparo legal.
16. QUANTO À LIBERDADE PARA INICIAR A
AÇÃO PENAL:
a) Crimes condicionados: a inauguração da persecução
penal depende
de uma condição objetiva de procedibilidade. A legislação expressamente indica essa hipótese.
b) Crimes incondicionados: a instauração da persecução penal é
livre,
podendo o Estado iniciá-la sem nenhuma autorização.
No direito penal e processual penal
em nosso ordenamento pátrio é que, quando o tipo penal estabelecer espécie de
crime condicionado, ou seja, que dependerá de condição objetiva de
procedibilidade para a instauração da ação penal, ele mesmo expressamente o
indicará. Não havendo menção expressa a respeito, aplica-se a regra geral de
crime incondicionado, ou seja, a ação penal será pública incondicionada, não
requerendo nenhuma condição para que o Estado inicie a persecução penal.
17. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES:
Ü Crime gratuito: é o crime praticado sem motivo conhecido. Não se confunde com motivo fútil,
pois neste há motivação, porém, desproporcional ao crime praticado.
Ü Crime de ímpeto: é o cometido sem premeditação, como decorrência da reação
emocional repentina.
Ü Crime exaurido: é aquele que o agente, após alcançada
a consumação, insiste em agredir o bem jurídico já ferido. Não constitui novo crime, mas
apenas no desdobramento da conduta perfeita e acabada.
Ü Crime de circulação: é o praticado em veículo automotor, a título de dolo ou culpa.
Ü Crime de atentado ou de
empreendimento: é aquele
que a lei pune
igualmente o delito consumado e sua forma tentada. Ex: CP, art. 352 – “evadir-se, ou
tentar evadir-se...”.
Ü Crime de opinião ou de
palavra: cometido
com excesso
abusivo na manifestação do pensamento, seja pela forma escrita ou verbal.
Ü Crime multitudinário: é aquele praticado pela multidão, em tumulto. A lei não define o que seria
multidão, assim, analisa-se o caso concreto. No direito canônico, exigia-se, no
mínimo, 40 pessoas.
Ü Crime vago: é aquele em que o sujeito passivo é destituído de
personalidade jurídica, como a
família, sociedade, etc.
Ü Crime internacional: aquele que o Brasil, por tratado ou convenção devidamente incorporado ao
ordenamento pátrio, se
comprometeu a punir. Ex:
CP, art. 231 – tráfico de pessoas.
Ü Crime de mera suspeita, sem
ação ou mera posição: o agente
não realiza a conduta, mas é punido pela suspeitadespertada em seu modo de agir[3]. Não encontrou amparo em nossa doutrina. De forma temerária, exemplifica-se
a contravenção penal do art. 25 – posse de instrumento usual na prática de
furto.
Ü Crime inominado: é aquele que ofende regra ética ou cultural consagrada pelo Direito Penal,
embora não
definido como infração penal. Não é aceito por ferir o princípio da reserva
legal[4].
Ü Crime habitual: é o que se consuma com a prática reiterada e uniforme de
vários atos que
revelam um indesejável estilo de vida do agente. Ex: CP, art. 282 – medicina
ilegal.
Ü Crime profissional: é o crime habitual cometido com finalidade
lucrativa. Ex:
CP, art. 230 – rufianismo.
Ü Quase-crime: na verdade, não há crime. É o nome doutrinário do crime impossível e da participação impunível.
Ü Crime subsidiário: é o que somente se verifica se o fato não constituir crime mais
grave. Ex:
CP, art. 163 – crime de dano. Nelson Hungria o chama “soldado de reserva”.
Ü Crime hediondo: é todo delito que se enquadra no art.
1º da Lei
8.072/1990, na
forma consumada ou tentada. Adoção do critério legal.
Ü Crime de expressão: é o que se caracteriza pela
existência de um processo
intelectivo interno do autor. Ex: CP, art. 342 – falso testemunho.
Ü Crime de intenção: é aquele que o agente quer e persegue o resultado que não
precisa ser alcançado para
a sua consumação. Ex: CP, art. 159 – extorsão mediante seqüestro.
Ü Crime de tendência ou de
atitude pessoal: é aquele
que a atitude
pessoal e a tendência interna do agente delimitam a tipicidade ou não da conduta praticada.
Ex: toque do ginecologista.
Ü Crime mutilado de dois atos ou
tipos imperfeitos de dois atos: é aquele que o sujeito pratica o delito com a finalidade para obter um benefício
posterior. Ex:
falsidade para cometer outro crime.
Ü Crime de ação violenta: é o cometido mediante o emprego
de violência
ou grave ameaça. Ex:
roubo.
Ü Crime de ação astuciosa: é o praticado por meio de fraude, engodo. Ex: estelionato.
Ü Crime falho: é a denominação doutrinária da tentativa perfeita ou acabada. O agente esgota os meios
executórios, mas a consumação não se dá por circunstancias alheias à sua
vontade.
Ü Crime putativo, imaginário ou
erroneamente suposto: aquele
onde o agente acredita ter realmente praticado um crime, mas na verdade, houve
um indiferente
penal.
Trata-se de um não-crime por erro de tipo, erro de proibição ou por obra de agente provocador.
Ü Crime remetido: é o que se verifica quando o tipo penal faz referencia a outro
crime, que
passa a integrá-lo. Ex: CP, art. 304 – fazer uso de documento falso.
Ü Crime de
responsabilidade: dividem-se
em próprios (crimes comuns ou especiais)
e impróprios (infrações administrativas),
que redundam em sanções
políticas.
Ü Crime obstáculo: é aquele que retrata atos preparatórios, mas foram tipificados como crimes
autônomos pelo legislador. Ex: CP, art. 288 – quadrilha ou bando.
Ü Crime progressivo: é aquele que enseja sucessivas violações a bens jurídicos, de maneira gradativa, até chegar ao mais grave. Observa-se, nesse caso, o princípio
da consunção, havendo a absorção do menos grave pelo mais grave[5]. ex: lesão corporal e homicídio.
Ü Progressão criminosa: verifica-se com a mutação do dolo do agente, que, inicialmente, desejava o
delito menos grave, mas, após a sua consumação, decide progredir na conduta,
praticando o mais grave. Também aplica-se o princípio da consunção.
Ü Crime de impressão: são aqueles que provocam determinado
estado de ânimo, de impressão
na vítima.
Subdividem-se em crimes
de inteligência (praticados
mediante o engano), crimes
de vontade (recaem
na vontade da vítima quanto à sua autodeterminação) ou crimes de sentimento (incidem nas faculdades
emocionais da vítima).
Ü Crimes militares: são os tipificados pelo Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969).
Subdividem-se em próprios[6](exclusivamente militares, ex: deserção) e impróprios (previstos tanto no CPM quanto
no CP, ex: furto). Há também os crimes militares em tempo de paz (CPM, art. 9º) e os crimes militares em tempo de guerra (CPM, art. 10).
Ü Crimes falimentares: são os tipificados pela Lei de falências (Lei 11.101/2005).
Ü Crimes funcionais ou delicta
in officio: são
aqueles que o tipo penal exige seja o autor funcionário público. Dividem-se empróprios (cuja condição funcional é
indispensável para a tipicidade do ato) e impróprios (se ausente a qualificação funcional,
desclassifica-se para outro delito).
[ (1) Fala-se em crimes bicomuns, que
são aqueles que não exigem qualquer condição especial, tanto para quem os
pratica quanto para quem seja o sujeito passivo.
[ (2) Existem, ainda, os crimes
bipróprios, que exigem condição especial tanto do sujeito ativo quanto do
sujeito passivo, v.g., infanticídio.
[ (3) Esse conceito foi idealizado
por Vicenzo Manzini, na Itália.
[ (4) Idealizado pelo uruguaio
Salvagno Campos.
(5) Nesses casos, os delitos menos
graves, absorvidos pelo delito de maior monta, são chamados de crimes de ação
de passagem.
(6) Há entendimentos na doutrina
afirmando que crime militar próprio seria aquele cuja ação penal somente possa
recair sobre um militar.
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