quinta-feira, 23 de março de 2017

T E O R I A     G E R A L   D O   C R I M E                  Prof. Esp. Técio Leite

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS. 1. Conceito de Crime. 2. Ilícito Penal e Outros Ilícitos. 3. Sujeitos do Crime. 4. Objetos do Crime.  CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES.
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
1. CONCEITO DE CRIME.
O conceito de crime é o ponto de partida para a compreensão dos principais institutos do Direito Penal. Aparentemente simples, sua definição pormenorizada apresenta questões complexas com várias consequências ao seu estudo. Enfim, a análise do conceito de crime pode ser feita através de três aspectos:
1.1. CRITÉRIO MATERIAL (OU SUBSTANCIAL).
De acordo com esse critério, crime é toda ação ou omissão humana que lesa, ou expõe a perigo de lesão, bem jurídico penalmente tutelado. Refere-se à materialização da conduta, ou seja, a prática delituosa deve, ao menos, expor materialmente a perigo bem protegido.
Essa fórmula leva em conta a relevância do mal produzido aos interesses e valores selecionados pelo legislador, servindo como fator de legitimação do Direito Penal, justificando a sanção, num Estado Democrático de Direito.
1.2. CRITÉRIO LEGAL.
Nesse critério, o conceito de crime é fornecido pelo legislador. Ante a inexistência de conceito no Código Penal, tal tarefa ficou a cargo da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei nº 3.914/1941), em seu art. 1º.
Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.
Cuida-se, deste modo, da espécie de gênero de infração penal, diferenciando crime e contravenção quanto à gravidade da sanção, mediante valores escolhidos pelo legislador.
O Direito Penal acolheu um sistema dicotômico ao fracionar o gênero infração penal em duas espécies: crime e contravenção penal, diferenciando-os apenas com relação à gravidade do mal causado e a proporcional sanção penal imposta pela conduta.
Os termos crime e delito são equivalentes, ambos correspondem à espécie de infração penal, cuja violação do bem jurídico é de maior gravidade.

E ART. 28 DA LEI 11.343/2006 (LEI DE DROGAS)? Diante da definição do crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas, algumas discussões surgiram a respeito, atinente à natureza jurídica do ato de consumo, pois, não há previsão de pena de reclusão ou detenção (não seria crime), e nem mesmo de prisão simples (também não seria contravenção).
A imposição de advertência sobre os efeitos da droga e medida educativa cria dúvidas quanto à pena imposta, e a sua classificação no conceito de infração penal. Há entendimentos no sentido de que, não sendo crime nem contravenção, seria então uma espécie de infração penal "sui generis"[1].
Um segundo posicionamento, mais acertado, sustenta a manutenção do caráter criminoso da conduta, com a cominação das penas previstas em lei.[2] Argumenta-se, nesse pensamento, que a lei, ao tratar do tema, classificou a conduta como crime; que o processo e o julgamento devem observar o rito do Jecrim (Lei 9.099/95); que a finalidade da LICP era apenas diferenciar crime de contravenção; e também determinou a aplicação das regras de prescrição do art. 107 reservada às infrações penais; e, por fim, não existiam penas alternativas quando foi editada a LICP.
O entendimento da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, com argumentos semelhantes à última posição, decidiu não ter havido a descriminalização da conduta, ou seja, existe crime, mas o que ocorreu foi apenas umadespenalização, diante da supressão da pena privativa de liberdade. Rejeitou-se o entendimento doutrinário de que seria infração "sui generis", diante dos problemas que poderiam advir desse conceito, tal como a dificuldade de verificação do regime jurídico da conduta.
Assim, surge uma nova questão: o art. 28 da Lei de Drogas criou uma nova espécie de crime? Não! A LICP apenas adotou um critério genérico de crime, estabelecendo uma diferenciação entre crime e infração penal. Mas trata-se de lei ordinária, que pode ser alterada por outra lei, bem como haver o surgimento de novos critérios. O que a Lei 11.343/2006 criou foi apenas um novo conceito para o crime de posse de drogas para consumo pessoal, estabelecendo uma sanção diferenciada em razão da violação do bem jurídico penalmente tutelado e sua relevância social.
1.3. CRITÉRIO ANALÍTICO.
Também chamado de critério formal ou dogmático, funda-se nos elementos que compõe a estrutura do crime. Sobre essa estrutura, novas divergências insurgem:
Basileu Garcia sustentava uma posição quadripartida na estrutura do crime, ou seja, seria o crime composto por quatro elementos: fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Essa posição é claramente minoritária e deve ser afastada, pois punibilidade trata-se da conseqüência da prática do ilícito penal. É possível a existência de crime ainda que o agente não seja punível.

Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Regis Prado, entre outros, adotam uma posição tripartida, compondo o crime: fato típico, ilicitude e culpabilidade[3].
Outros, como Damásio de Jesus, Julio F. Mirabete, entre outros, entendem o crime numa posição bipartida, composto defato típico e ilícitoA culpabilidade, nessa teoria, seria um mero pressuposto para aplicação da pena.
QUAL O CRITÉRIO ADOTADO PELO CÓDIGO PENAL? Em verdade, não há uma resposta segura para a questão. A redação original do Código Penal de 1940 acolhia um conceito tripartido, entendendo o crime como fato típico, ilícito e culpável. Com a reforma da parte geral do código, com a Lei 7.209/1984, fica a impressão de ter sido adotado um conceito bipartido, ligado, obrigatoriamente, à teoria finalista da conduta.
 Entende-se bipartida a estrutura do crime, pois, o título II da parte geral do CP trata: “do crime” e o título III trata “da imputabilidade penal”. Assim, a imputabilidade segue o crime, sendo um elemento do fato típico e ilícito. O crime existe, ainda que não haja culpabilidade. Ao tratar das causas de exclusão de ilicitude, o Código Penal fala “não há crime”. Ao relacionar-se às causas de exclusão da culpabilidade, o Código Penal fala “é isento de pena”, ou seja, há crime, mas não se aplica a pena.
 Também o art. 180, §4º do CP preceitua “a receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime”. Assim, há crime, ainda que não seja o autor culpável, tornando desnecessária a existência da culpabilidade para a caracterização de crime.
2. ILÍCITO PENAL E OUTROS ILÍCITOS.
Ilicitude é a relação de contrariedade entre o fato praticado por alguém e o ordenamento jurídico. Assim, há ilícitos penal, administrativo, tributário, civil, ambiental.
critério para a distinção do ilícito penal dos demais é meramente político, de acordo com a gravidade e a relevância da conduta praticada, bem como a importância do bem jurídico tutelado.
Assim, o Direito Penal deve preocupar-se apenas com os interesses mais importantes para o desenvolvimento e manutenção do indivíduo em sociedade, deixando os demais ilícitos sob o crivo dos outros ramos do Direito (princípio da fragmentariedade).
3. SUJEITOS DO CRIME.
Sujeitos do crime são as pessoas ou entes relacionados à prática e aos efeitos da empreitada criminosa. Dividem-se em sujeito ativo e passivo.
 3.1. SUJEITO ATIVO.
É a pessoa que realizadireta ou indiretamentea conduta criminosa, seja isoladamente ou em concurso com outras.
A realização do crime, diretamente, dá-se através do autor e coautor. De maneira indireta, temos o delito praticado peloautor mediato e partícipe.
Inúmeras denominações são dadas, de acordo como o momento processual e o critério posto em exame: agente (geral),indiciado (no inquérito policial), acusado (após a denúncia ou queixa), réu (após o recebimento da inicial acusatória), sentenciado(com a prolação da sentença), condenado (após o trânsito em julgado da sentença), reeducando (durante a execução penal),egresso (após o cumprimento da pena) e criminoso ou delinquente (objeto de estudo nas ciências penais).
Em regra, somente o ser humano pode praticar infração penal[4]. Porém, discute-se sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Para uma melhor compreensão, necessário de faz a verificação da natureza jurídica desse ente.
Savigny, com a teoria da ficção jurídica, entende que a pessoa jurídica não possui existência real, não tem vontade própria, não se podendo imaginar o cometimento de crimes por tais entes fictícios. Apenas o homem pode ser sujeito de direitos.
De outra banda, Otto Gierke, com a teoria da realidade, orgânica ou organicista, sustenta a pessoa jurídica ser um ente autônomo e distinto de seus membros, dotado de vontade própria. É, portanto, sujeito de direitos e obrigações, tal qual a pessoa física. É a teoria mais aceita no Direito.
Verificando-se a adoção dessa teoria, e entendendo que a pessoa jurídica trata-se de ente autônomo, discute-se acerca da possibilidade de a pessoa jurídica tornar-se sujeito ativo de uma infração penal. Duas correntes se formam:

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
Impossibilidade de a Pessoa Jurídica ser sujeito ativo
Possibilidade de a Pessoa Jurídica ser sujeito ativo
1. Desde o Direito Romano já se sustentava o postuladosocietas delinquere non potest.
1. Constitui ente autônomo, dotado de consciência e vontade, podendo praticar condutas.
2. Não tem vontade própria, portanto, não pode praticar condutas.
2. Possui vontade própria, razão pela qual o Direito Penal reserva tratamento isonômico ao dispensado à pessoa física.
3. Não é dotada de consciência própria pra compreender o caráter da pena.
3. Deve responder por seus atos, adaptando-se a culpabilidade às suas características.
4. Não é imputável, pois somente o ser humano é capaz de entender o caráter ilícito de um fato.
4. Constitui ente autônomo, dotado de consciência e vontade, podendo assimilar a natureza da pena.
5. Seus atos estão vinculados ao estatuto social, não podendo conter crimes em seu rol.
5. Não conter crimes em seu estatuto social não impede que sejam realizados.
6. A punição alcançaria seus integrantes, ofendendo o princípio da personalidade da pena.
6. Não há violação ao princípio da personalidade da pena. Deve-se distinguir a pena dos efeitos da condenação, que também atingem outras pessoas em penas aplicadas às pessoas físicas.
7. Não se pode aplicar pena privativa de liberdade à pessoa jurídica.
7. O Direito Penal não se limita à pena de prisão. Ademais, a pena privativa de liberdade deve ser a ultima ratio, preferindo-se a aplicação de penas alternativas.

Optando pela segunda corrente, a Constituição Federal, em seu art. 173, §5º e 225, §3º, admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica e financeiracontra a economia popular e contra o meio ambiente.
Contudo, trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, exigindo-se, para a sua aplicação, a edição de lei regulamentadora. Apenas no que cerne ao meio ambiente, com a edição da Lei 9.605/1998, em seu art. 3º, parágrafo único, a responsabilização penal da pessoa jurídica tornou-se aplicável efetivamente. O entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é pela possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica, em todos os crimes ambientais, dolosos ou culposos.
Importante anotar que alguns interpretam o art. 225, §3º de maneira respectiva, ou seja, às pessoas físicas, sanções penais, e às pessoas jurídicas, sanções administrativas. Não é o entendimento predominante.
Por fim, ao aceitar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, não podemos esquecer que também há a responsabilidade da pessoa física coautora ou partícipe do delito. Observado pelo parágrafo único do art. 3º, é o que constitui o sistema paralelo de imputação (teoria da dupla imputação).
3.2. SUJEITO PASSIVO.
É o titular do bem jurídico protegido pela lei penal, que é violada por meio da conduta criminosa.
Também denominado de vítima ou ofendido, o sujeito passivo pode ser: indiretomediato (formal, geral, genérico ou constante), no caso do Estado, pois a ele pertence o direito público subjetivo de exigir o cumprimento da legislação penal e a tutela dos bens jurídicos; ou diretoimediato (material particular, acidental ou eventual), que é o titular do bem jurídico especificamente tutelado pela lei penal violada.
O Estado é sujeito passivo mediato constante. Pode ser também eventual, em casos de crimes contra a Administração Pública.
A pessoa jurídica também pode ser sujeito passivo, sendo vítima de diversos delitos, desde que compatíveis com a sua natureza.
Pode ocorrer ainda que o crime seja cometido contra vítima destituída de personalidade jurídica, como no caso dos crimes vagos. Assim, fala-se em sujeito passivo indeterminado.
Os mortos e animais também não podem figurar pólo passivo da conduta criminosa. Já no caso calúnia contra os mortos, o sujeito passivo recai sobre os familiares do morto, pois serão os titulares da ação penal. Nos crimes contra a fauna, sujeito passivo não é o animal que sofre a conduta, mas sim a coletividade, que detém o interesse de ver preservado todo o patrimônio ambiental.
Importante lembrar também que, de acordo com o princípio da alteridade, ninguém poderá praticar crime contra si mesmo, a exemplo do crime de autoacusação falsa; nesse caso, a vítima é o Estado, que é ludibriado.
Finalmente, também se deve diferenciar sujeito passivo do sujeito prejudicado com a infração penal. Muitas vezes recaem essas características sobre a mesma pessoa. Outras vezes, os malefícios causados pela conduta ilegal atingem terceiros, a exemplo da esposa de quem foi vítima de homicídio.
4. OBJETO DO CRIME.
É o bem ou objeto contra o qual se dirige a conduta criminosa. Pode ser jurídico (interesse protegido pela lei penal) oumaterial (pessoa ou coisa que suporta a infração penal).
    Há crime sem objeto? Depende! Não existe crime sem objeto jurídico, mas pode haver crime sem a presença de objeto material, a exemplo do ato obsceno (CP, art. 233).

CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES            Prof.Esp. Técio Leite
A classificação dos crimes pode ser legal ou doutrinária. Legal é o nome atribuído ao delito pela lei. É também chamada de rubrica marginal. Doutrinária é o nome dado pelos estudiosos do Direito às infrações penais. É o objeto de estudo do presente tópico.
Segundo a doutrina, as classificações podem utilizar alguns critérios:
1. QUANTO À QUALIDADE DO SUJEITO ATIVO:
a) Crimes comuns ou gerais: são aqueles que podem ser praticados por qualquer pessoa, não se exigindo condição especial[1]. Ex: homicídio.
b) Crimes próprios ou especiais: são aqueles em que o tipo penal exige uma situação fática ou jurídica diferenciada por parte do sujeito ativo[2]. Admitem coautoria a participação. Ex: peculato, somente praticado por funcionário público.
Os crimes próprios podem ser divididos em puros, que são aqueles cuja ausência da qualidade especial do sujeito ativo leva à atipicidade do fato; e impuros, cuja ausência da elementar diferenciada desclassifica o delito.
c) Crimes de mão própria, de atuação pessoal ou de conduta infungível: são aqueles que somente podem ser praticados pela pessoa expressamente indicada no tipo penal. Ex: falso testemunho. Apenas admitem participação, não aceitando coautoria, pois não de delega a prática da conduta infracional a terceira pessoa.
2. QUANTO À ESTRUTURA DA CONDUTA DELINEADA PELO TIPO PENAL:
a) Crime simples: é aquele que se amolda em um único tipo penal. Ex: furto.
b) Crime complexo: resulta da união de dois ou mais tipos penais. Ex: roubo (furto + ameaça; furto + lesão corporal).
3. QUANTO A RELAÇÃO ENTRE A CONDUTA E O RESULTADO NATURALÍSTICO:
a) Crimes materiais ou causais: são aqueles em que o tipo penal aloja em seu interior uma conduta e um resultado necessário, cuja consumação reclama esse resultado. Ex: homicídio (necessita da morte).
b) Crimes formais, de consumação antecipada ou de resultado cortado: o tipo penal contém em seu bojo uma conduta e um resultado naturalístico, mas este último é desnecessário para a consumação. Ex: extorsão mediante seqüestro (não necessita a efetiva vantagem sobre a extorsão), ameaça, extorsão.
STJ. Súmula 96. O Crime de extorsão consuma-se, independentemente da obtenção da vantagem indevida.
c) Crimes de mera conduta ou de simples atividade: o tipo penal se limita a descrever uma conduta sem resultado algum. Ex: Ato obsceno.
4. QUANTO AO MOMENTO EM QUE SE CONSUMA O CRIME:
a) Crime instantâneo ou de estado: a consumação se verifica em um momento determinado, não se prolonga no tempo. Ex: furto.
b) Crime permanente: consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. O ordenamento jurídico é agredido reiteradamente.
Subdividem-se em: necessariamente permanentes, que exige, para a consumação, a manutenção da ação contrária ao Direito por tempo relevante, v.g., sequestro; e eventualmente permanentes, que são crimes instantâneos, mas a ofensa ao bem jurídico tutelado se prolonga no tempo, v.g., furto de energia elétrica.
c) Crime instantâneo de efeitos permanentes: os efeitos de delito subsistem após a consumação, independentemente da vontade do agente. Ex: bigamia, homicídio.
d) Crime a prazo: consumação exige a fluência de determinado período. Ex: seqüestro em que a privação de liberdade dura mais de quinze dias (CP, art. 148, §1º, III).
5. QUANTO AO NÚMERO DE AGENTES ENVOLVIDOS:
a) Crimes unissubjetivos, unilaterais, monossubjetivos ou de concurso eventual: são praticados por um único agente,admitindo-se concurso. Ex: homicídio.
b) Crimes plurissubjetivos, plurilaterais ou de concurso necessário: tipo penal reclama a pluralidade de agentes, que podem ser coautores ou partícipes.
Esses crimes subdividem-se em: (1) crimes bilaterais (ou de encontro), onde o tipo penal reclama dois agentes cujas condutas tendem a se encontrar, ex: bigamia; (2) crimes coletivos (ou de convergência), onde o tipo penal reclama a existência de três ou mais agentes, ex: rixa (condutas contrapostas) ou quadrilha ou bando (condutas paralelas).
Não se deve confundir os crimes plurissubjetivos com os crimes de participação necessária. Estes podem ser praticados por uma única pessoa, não obstante o tipo penal reclame a participação necessária de outra pessoa, que atua como sujeito passivo e não é punido, ex: rufianismo, CP, art. 230.
c) Crimes eventualmente coletivos: são aqueles em que, não obstante o seu caráter unilateral, a diversidade de agentes atua como causa de majoração da pena. Ex: furto qualificado.
6. QUANTO AO NÚMERO DE VÍTIMAS:
a) Crime de subjetividade passiva única: tipo penal tem uma única vítima. Ex: estupro.
b) Crimes de dupla subjetividade passiva: o tipo penal prevê a existência de duas ou mais vítimas. Ex: violação de correspondência (remetente e destinatário).
7. QUANTO AO GRAU DE INTENSIDADE DO RESULTADO:
a) Crime de dano ou de lesão: a consumação somente se efetiva com a lesão do bem jurídico tutelado. Ex: lesões corporais.
b) Crime de perigo: consumam-se com a mera exposição do bem jurídico tutelado a uma situação de perigo.
Subdividem-se em: crime de perigo abstrato (basta a prática da conduta, havendo presunção juris et de jure de exposição a perigo de dano, ex: tráfico de drogas), de perigo concreto (consuma-se com a efetiva comprovação da exposição a perigo, ex: crime de perido para a vida ou saúde de outrem, art. 132), de perigo individual (atinge uma pessoa ou um determinado número de pessoas, ex: perigo de contágio venéreo), de perigo comum ou coletivo (o perigo já está ocorrendo, ex: abandono de incapaz), de perigo iminente (o perigo está prestes a ocorrer) e de perigo futuro ou mediato (o perigo se projeta para o futuro, ex: porte ilegal de arma).
8. QUANTO AO NÚMERO DE ATOS EXECUTÓRIOS QUE INTEGRAM A CONDUTA:
a) Crime unissubsistente: a conduta se revela mediante um único ato de execução, capaz, por si só, de produzir a consumação. Não admite tentativa. Ex: crimes contra a honra praticados com o emprego da palavra.
b) Crime plurissubsistente: a conduta se exterioriza por meio de dois ou mais atos, que devem somar-se para produzir a consumação. Ex: homicídio praticado com golpes de faca.
9. COM RELAÇÃO À FORMA COMO É PRATICADO O CRIME:
a) Crime comissivo ou de ação: é praticado mediante conduta positiva. Ex: roubo.
b) Crime omissivo ou de omissão: cometido por meio de uma conduta negativa, uma inação. Subdividem-se em:
Ä  Crime omissivo próprio ou puro: a omissão está contida no tipo penal, prevendo a conduta negativa como forma de praticar o delito. Não há dever jurídico de agir, portanto, qualquer pessoa que se encontre na posição indicada pelo tipo penal responderá apenas pela omissão, e não pelo resultado naturalístico. Ex: omissão de socorro, art. 135.
Ä  Crime omissivo impróprio, espúrio ou comissivo por omissão: o tipo penal aloja uma conduta positiva, e o agente, que tem o dever jurídico de evitar o resultado, realiza uma conduta negativa, respondendo penalmente pelo resultado naturalístico. Ex: mãe que mata filho por não amamentá-lo.
Ä  Crime omissivo por comissão: nesse caso, há uma ação provocadora da omissão. Grande parte da doutrina não reconhece essa categoria de delito.
Ä  Crime omissivo "quase-impróprio": essa classificação, ignorada pelo direito penal pátrio, diz respeito à omissão que não produz lesão ao bem jurídico, mas apenas um perigo de lesão, abstrato ou concreto.
c) Crime de conduta mista: o tipo penal é composto de duas fases distintas, uma inicial positiva e outra final, omissiva. Ex: apropriação de coisa achada e omissão em devolvê-la (CP, art. 169, parágrafo único, inciso II).
10. QUANTO AO MODO DE EXECUÇÃO:
a) Crime de forma livre: admitem qualquer meio de execução. Ex: ameaça, art. 147.
b) Crime de forma vinculada: somente pode ser praticado através dos meios indicados pelo tipo penal. Ex: perigo de contágio venéreo (CP, art. 130).
11. QUANTO AO NÚMERO DE BENS JURÍDICOS ATINGIDOS:
a) Crimes mono-ofensivos: ofendem a um único bem jurídico. Ex: furto (viola o patrimônio).
b) Crimes pluriofensivos: atingem dois ou mais bens jurídicos. Ex: latrocínio (vida e patrimônio).
12. QUANTO À EXISTÊNCIA AUTÔNOMA DO CRIME:
a) Crimes principais: aqueles que possuem existência autônoma, independendo da prática de crime anterior. Ex: estupro.
b) Crimes acessórios, de fusão ou parasitários: dependem da prática de crime anterior para a sua existência. Ex: receptação (CP, art. 180).
Segundo o Código Penal, a extinção da punibilidade do crime principal não se estende ao acessório (CP, art. 108).
13. QUANTO À NECESSIDADE DE EXAME DE CORPO DE DELITO COMO PROVA:
a) Crime transeunte ou de fato transitório: são aqueles que não deixam vestígios materiais. Ex: ameaça, calúnia, desacato. Nesse caso, não se realiza perícia.
b) Crime não transeunte ou de fato permanente: deixam vestígios materiais. Ex: homicídio. Nesse caso, a falta de exame de corpo de delito acarreta a nulidade da ação penal.
14. QUANTO AO LOCAL EM QUE O CRIME É PRATICADO:
a) Crimes à distância: são aqueles em que conduta e resultado ocorrem em países diversos. Ante a adoção da teoria da ubiqüidade quanto ao lugar do crime, a conduta ou o resultado ocorrendo em território nacional, aplica-se a legislação penal pátria.
b) Crimes plurilocais: conduta e o resultado se desenvolvem em comarcas diversas, sediadas no mesmo país. Nesse caso, opera-se a teoria do resultado adotada pelo CPP, em seu art. 70, como competência para aplicação da lei penal.
c) Crimes em trânsito: somente uma parte da conduta ocorre em outro país, sem lesionar ou expor a perigo bem jurídicos das pessoas que nele vivem. Ex: Argentino envia carta com ofensa a americano, e a carta passa por território brasileiro.
15. QUANTO AO VÍNCULO EXISTENTE ENTRE OS CRIMES:
a) Crimes independentes: não apresentam nenhuma ligação com outros delitos.
b) Crimes conexos: ocorre uma ligação dos delitos entre si. Essa conexão pode ser penal ou processual. A conexão penal, que nos interessa, divide-se em:
Ä  Conexão teleológica ou ideológica: o crime é praticado para assegurar a execução de outro delito.
Ä  Conexão consequencial ou causal: o crime é cometido na seqüência de outro, para assegurar a impunidade, ocultação ou vantagem de outro delito.
Essas duas espécies possuem previsão legal, servindo como agravantes do crime (em caso de homicídio, servem como qualificadoras), CP, art. 61.
Ä  Conexão ocasional: o crime é praticado como conseqüência da ocasião, proporcionada pela prática do crime antecedente. Ex: estupro praticado após o roubo. Trata-se de criação doutrinária, sem amparo legal.
16. QUANTO À LIBERDADE PARA INICIAR A AÇÃO PENAL:
a) Crimes condicionados: a inauguração da persecução penal depende de uma condição objetiva de procedibilidade. A legislação expressamente indica essa hipótese.
b) Crimes incondicionados: instauração da persecução penal é livre, podendo o Estado iniciá-la sem nenhuma autorização.
No direito penal e processual penal em nosso ordenamento pátrio é que, quando o tipo penal estabelecer espécie de crime condicionado, ou seja, que dependerá de condição objetiva de procedibilidade para a instauração da ação penal, ele mesmo expressamente o indicará. Não havendo menção expressa a respeito, aplica-se a regra geral de crime incondicionado, ou seja, a ação penal será pública incondicionada, não requerendo nenhuma condição para que o Estado inicie a persecução penal.
17. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES:
Ü Crime gratuito: é o crime praticado sem motivo conhecido. Não se confunde com motivo fútil, pois neste há motivação, porém, desproporcional ao crime praticado.
Ü Crime de ímpeto: é o cometido sem premeditação, como decorrência da reação emocional repentina.
Ü Crime exaurido: é aquele que o agente, após alcançada a consumação, insiste em agredir o bem jurídico já ferido. Não constitui novo crime, mas apenas no desdobramento da conduta perfeita e acabada.
Ü Crime de circulação: é o praticado em veículo automotor, a título de dolo ou culpa.
Ü Crime de atentado ou de empreendimento: é aquele que a lei pune igualmente o delito consumado e sua forma tentada. Ex: CP, art. 352 – “evadir-se, ou tentar evadir-se...”.
Ü Crime de opinião ou de palavra: cometido com excesso abusivo na manifestação do pensamento, seja pela forma escrita ou verbal.
Ü Crime multitudinário: é aquele praticado pela multidão, em tumulto. A lei não define o que seria multidão, assim, analisa-se o caso concreto. No direito canônico, exigia-se, no mínimo, 40 pessoas.
Ü Crime vago: é aquele em que o sujeito passivo é destituído de personalidade jurídica, como a família, sociedade, etc.
Ü Crime internacional: aquele que o Brasil, por tratado ou convenção devidamente incorporado ao ordenamento pátrio, se comprometeu a punir. Ex: CP, art. 231 – tráfico de pessoas.
Ü Crime de mera suspeita, sem ação ou mera posição: o agente não realiza a conduta, mas é punido pela suspeitadespertada em seu modo de agir[3]Não encontrou amparo em nossa doutrina. De forma temerária, exemplifica-se a contravenção penal do art. 25 – posse de instrumento usual na prática de furto.
Ü Crime inominado: é aquele que ofende regra ética ou cultural consagrada pelo Direito Penal, embora não definido como infração penal. Não é aceito por ferir o princípio da reserva legal[4].
Ü Crime habitual: é o que se consuma com a prática reiterada e uniforme de vários atos que revelam um indesejável estilo de vida do agente. Ex: CP, art. 282 – medicina ilegal.
Ü Crime profissional: é o crime habitual cometido com finalidade lucrativa. Ex: CP, art. 230 – rufianismo.
Ü Quase-crime: na verdade, não há crime. É o nome doutrinário do crime impossível e da participação impunível.
Ü Crime subsidiário: é o que somente se verifica se o fato não constituir crime mais grave. Ex: CP, art. 163 – crime de dano. Nelson Hungria o chama “soldado de reserva”.
Ü Crime hediondo: é todo delito que se enquadra no art. 1º da Lei 8.072/1990, na forma consumada ou tentada. Adoção do critério legal.
Ü Crime de expressão: é o que se caracteriza pela existência de um processo intelectivo interno do autor. Ex: CP, art. 342 – falso testemunho.
Ü Crime de intenção: é aquele que o agente quer e persegue o resultado que não precisa ser alcançado para a sua consumação. Ex: CP, art. 159 – extorsão mediante seqüestro.
Ü Crime de tendência ou de atitude pessoal: é aquele que a atitude pessoal e a tendência interna do agente delimitam a tipicidade ou não da conduta praticada. Ex: toque do ginecologista.
Ü Crime mutilado de dois atos ou tipos imperfeitos de dois atos: é aquele que o sujeito pratica o delito com a finalidade para obter um benefício posterior. Ex: falsidade para cometer outro crime.
Ü Crime de ação violenta: é o cometido mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Ex: roubo.
Ü Crime de ação astuciosa: é o praticado por meio de fraude, engodo. Ex: estelionato.
Ü Crime falho: é a denominação doutrinária da tentativa perfeita ou acabada. O agente esgota os meios executórios, mas a consumação não se dá por circunstancias alheias à sua vontade.
Ü Crime putativo, imaginário ou erroneamente suposto: aquele onde o agente acredita ter realmente praticado um crime, mas na verdade, houve um indiferente penal. Trata-se de um não-crime por erro de tipoerro de proibição ou por obra de agente provocador.
Ü Crime remetido: é o que se verifica quando o tipo penal faz referencia a outro crime, que passa a integrá-lo. Ex: CP, art. 304 – fazer uso de documento falso.
Ü Crime de responsabilidade: dividem-se em próprios (crimes comuns ou especiais) e impróprios (infrações administrativas), que redundam em sanções políticas.
Ü Crime obstáculo: é aquele que retrata atos preparatórios, mas foram tipificados como crimes autônomos pelo legislador. Ex: CP, art. 288 – quadrilha ou bando.
Ü Crime progressivo: é aquele que enseja sucessivas violações a bens jurídicos, de maneira gradativa, até chegar ao mais grave. Observa-se, nesse caso, o princípio da consunção, havendo a absorção do menos grave pelo mais grave[5]. ex: lesão corporal e homicídio.
Ü Progressão criminosa: verifica-se com a mutação do dolo do agente, que, inicialmente, desejava o delito menos grave, mas, após a sua consumação, decide progredir na conduta, praticando o mais grave. Também aplica-se o princípio da consunção.
Ü Crime de impressão: são aqueles que provocam determinado estado de ânimo, de impressão na vítima. Subdividem-se em crimes de inteligência (praticados mediante o engano), crimes de vontade (recaem na vontade da vítima quanto à sua autodeterminação) ou crimes de sentimento (incidem nas faculdades emocionais da vítima).
Ü Crimes militares: são os tipificados pelo Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969). Subdividem-se em próprios[6](exclusivamente militares, ex: deserção) e impróprios (previstos tanto no CPM quanto no CP, ex: furto). Há também os crimes militares em tempo de paz (CPM, art. 9º) e os crimes militares em tempo de guerra (CPM, art. 10).
Ü Crimes falimentares: são os tipificados pela Lei de falências (Lei 11.101/2005).
Ü Crimes funcionais ou delicta in officiosão aqueles que o tipo penal exige seja o autor funcionário público. Dividem-se empróprios (cuja condição funcional é indispensável para a tipicidade do ato) e impróprios (se ausente a qualificação funcional, desclassifica-se para outro delito).
[  (1) Fala-se em crimes bicomuns, que são aqueles que não exigem qualquer condição especial, tanto para quem os pratica quanto para quem seja o sujeito passivo.
[   (2) Existem, ainda, os crimes bipróprios, que exigem condição especial tanto do sujeito ativo quanto do sujeito passivo, v.g., infanticídio.
[   (3) Esse conceito foi idealizado por Vicenzo Manzini, na Itália.
[   (4) Idealizado pelo uruguaio Salvagno Campos.
  (5) Nesses casos, os delitos menos graves, absorvidos pelo delito de maior monta, são chamados de crimes de ação de passagem.
   (6) Há entendimentos na doutrina afirmando que crime militar próprio seria aquele cuja ação penal somente possa recair sobre um militar.






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