quinta-feira, 23 de março de 2017

DIREITO PENAL: SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DA LEI PENAL

DIREITO PENAL - EVOLUÇÃO  HISTÓRICA                     Prof.Esp. Alcenisio Técio Leite de Sá

1. O DIREITO PENAL NOS POVOS PRIMITIVOS.
Pode-se afirmar que a história do Direito Penal se confunde com a história da humanidade. Em todos os tempos, vislumbra-se a ingerência da pena na esfera do poder e da vontade do indivíduo que ofendeu a esfera de poder e vontade de outrem.
A pena é um fato histórico e primitivo, bem como a vingança penal não se trata de uma progressão sistemática, mas algo natural que foi se desenvolvendo par atender as necessidades de cada época. Assim, divide-se a história em três períodos, representados pelas fases da vingança divina, vingança privada e vingança pública.
1.1. Vingança Divina.
O homem primitivo regulava suas condutas no temor religioso ou mágico, com culto aos antepassados, cumpridores das normas. Essa visão era nutrida por totens tabus[1], que marcavam presença nas modalidades da pena, com nítido caráter expiatório.
Como a lei tinha origem divina, as penas serviam exclusivamente como forma de desagravar a divindade, punindo-se o infrator para purgar as impurezas do delito trazido ao seu grupo.
Às vezes, expulsavam o infrator do grupo a que pertencia (perda da paz), perdendo a proteção e lançado à própria sorte. Em outras, o castigo consistia no sacrifício da própria vida, cuja violência com que era realizado deveria estar em consonância com a grandeza do deus ofendido.
1.2. Vingança Privada.
Posteriormente, em decorrência do crescimento dos povos e da complexidade social, surge a vingança privada. Era umavingança entre grupos, eis que encaravam a infração como uma ofensa ao grupo a que pertenciam.
O homem primitivo tinha forte laço com a comunidade e, fora dela, sentia-se desprotegido. Destarte, imperava a lei do mais forte, a vingança de sangue, em que o grupo do ofendido fazia justiça com as próprias mãos contra o grupo do ofensor, ocasionando, na maioria das vezes, excessos e crueldades desproporcionais, disseminando o ódio e a guerra interminável entre os grupos, culminando, muitas vezes, na extinção completa das tribos.
Para se evitar a dizimação dos grupos, surge a Lei de Talião, como primeira manifestação do princípio da proporcionalidade e tentativa de humanização da sanção penal.
Êxodo, 21, 23-25. 23 Mas se houver morte, então darás vida por vida, 24 Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, 25Queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.
Foi acolhida pela Lei das XII Tábuas (romanos), pelo Êxodo (hebreus) e pelo Código de Hamurabi (Babilônia).
Com o passar do tempo, diante do elevado número de infratores, as populações começaram a ficar deformadas, motivo pelo qual se evoluiu para o sistema da composição, que se tratava de uma forma de conciliação entre ofensor e ofendido, pela prestação pecuniária como meio de reparação do dano.
1.3. Vingança Pública.
Com a evolução política da sociedade e melhor organização comunitária, o Estado avocou o poder-dever de manter a ordem e a segurança social, conferindo a seus agentes a autoridade de punir em nome de seus súditos. A pena assume um caráter público.
A pena, ainda dominada pela crueldade e desumanidade, garantia a força do soberano que decidia, impessoalmente, sobre as infrações. Destacavam-se o esquartejamento, a decapitação, a forca, castigos corporais, amputações, entre outras penas.
2. IDADE ANTIGA
2.1. Direito Penal Grego.
Na Grécia Antiga, em seus primórdios, o crime e a pena se inspiravam no sentimento religioso. Governava-se em nome de Zeus.
A civilização grega produziu filósofos, historiadores, escritores e grandes pensadores. Com a ciência política, iniciaram-se grandes discussões sobre política, ética, liberdade e justiça, bem como o direito de punir e a finalidade da pena.
Toda a questão da vida girava em torno da sociedade. O homem não era considerado como indivíduo, mas como parte do meio social em que estava. A própria democracia estava ligada à integração do homem com o Estado.

Em Atenas, as penas passaram a ser dotadas de certas doses de humanidade. Começou-se a pensar no desenvolvimento da sociedade, e não propriamente no acusado.
2.2. Direito Penal Romano.
A história do direito romano percorreu 22 séculos (de 753 a.C. a 1453 d.C.), passando por grandes transformações.
Em matéria penal, o poder dos magistrados era intitulado coercitio, totalmente discricionário, limitado apenas pela apelação popular, direito do cidadão romano. Face essa possibilidade, as decisões passaram a ser fundamentadas, proporcionando maior segurança jurídica aos cidadãos.
Com a Lei das XII Tábuas, o direito romano passou por um período de laicização, deixando a lei de ser mensagem dos deuses, prevalecendo o sufrágio popular.
Com o Cristianismo, houve maior percepção da importância pelo respeito aos direitos fundamentais do homem, que passou a ser visto como imagem e semelhança de Deus.
Em Roma, surgiu a primeira distinção entre crimes públicos (envolviam a traição e conspiração política contra o Estado e o assassinato) e crimes privados (todos os demais crimes – critério residual).
Ao final da república, foram publicadas as leges coneliae e juliae, catalogando os comportamentos criminosos, sendo uma primeira manifestação do princípio da reserva legal.
3. IDADE MÉDIA
3.1. Direito Penal Germânico.
Caracterizava-se como direito consuetudinário, não possuindo leis escritas. Era uma ordem de paz. Se a transgressão possuísse caráter público, impunha-se a perda da paz (ausência de proteção jurídica, podendo ser morto por qualquer pessoa); se possuísse caráter privado, o infrator era entregue à vitima ou seus familiares para o direito de vingança.
Mais tarde, influenciado pelo direito romano e pelo Cristianismo, o direito germânico adotou a Lei de Talião e a composição, criando-se, posteriormente, o sistema da composição pecuniária.
Foi marcado também pelas ordálias ou juízos de deus, como meios de prova, caracterizados por superstições e atos cruéis.
3.2. Direito Penal Canônico.
É o ordenamento da Igreja Católica Apostólica Romana. A primeira consolidação de suas normas e regras se deu em 1140, por decreto de Graciano.
Tinha, inicialmente, caráter meramente disciplinar para com seus membros. Com o crescimento da Igreja e enfraquecimento do Estado, estendeu-se a religiosos e leigos, desde que os fatos tivessem conotação religiosa. Serviu-se do procedimento de inquisição.
A pena, não obstante o caráter retributivo que predominava à época, tinha a finalidade de recuperação do criminoso, objetivando o seu arrependimento perante a divindade.
Contribui com a história do direito penal no surgimento da prisão moderna, no tocante à reforma do criminoso. Do vocábulo “penitência” deriva o termo penitenciária. O cárcere era uma forma de, pelo sofrimento e solidão, expurgar a alma do criminoso diante de Deus.
4. IDADE MODERNA
4.1. Período Humanitário.
Sob o influxo do iluminismo no século XVIII, a sociedade se voltava contra as barbáries do absolutismo (poder absoluto do Estado), que impunha atos de punição crudelíssimos e arbitrários. Os espíritos dos indivíduos preparam-se para a eclosão da Revolução Francesa.
Em 1764, Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, publica a famosa obra Dei delitti e delle pene, que abre caminho ao movimento da Escola Clássica.
Baseia o seu pensamento no contrato social de Rousseau, onde o infrator é um violador do pacto social, sendo considerado adversário da sociedade. A pena perdia o seu caráter religioso.
Surge a questão do livre-arbítrio, pois o homem pratica o delito consciente da violação e da reprovação social sobre seus atos. Destarte, a pena passa a ser analisada sobre a necessidade de seu prévio estabelecimento, para que todos possam escolher o caminho a trilhar, devendo ainda, além de anterior, guardar proporcionalidade com o ato violador.
Conclui a ideia de que a pena deveria ser essencialmente pública, rápida, necessária, mínima, proporcional aos delitos e ditadas pelas leis.

1.     L  E  I     P  E  N  A  L
INTRODUÇÃO. 1. Classificação. 2. Características da Lei Penal. 3. Lei Penal em Branco. 4. Interpretação da Lei Penal. 5. Analogia. LEI PENAL NO TEMPO. 1. Conflito de Leis Penais no Tempo. 2. Lei Penal Temporária e Lei Penal Especial. 3. Leis Penais em Branco e o Conflito de Leis no Tempo. CONFLITO APARENTE DE LEIS PENAIS. 1. Princípios para a solução dos Conflitos. 2. Ausência de previsão legal. TEMPO DO CRIME. LEI PENAL NO ESPAÇO. 1. Princípio da Territorialidade. 2. Princípio da Extraterritorialidade. LUGAR DO CRIME. EXTRATERRITORIALIDADE. LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS. 1. Imunidades Diplomáticas. 2. Imunidades Parlamentares. DISPOSIÇÕES FINAIS. 1. Eficácia da Sentença Estrangeira. 2. Contagem de Prazo. 3. Frações não computáveis na pena. 4. Legislação Especial.
INTRODUÇÃO
Lei penal é a fonte formal imediata do direito penal, uma vez que tem reservado para si, por expressa previsão constitucional, o papel de criar infrações penais e cominar-lhes penas.
Sua estrutura apresenta dois preceitos, um primário (conduta descrita) e um secundário (pena a ser aplicada). A nossa lei penal é descritiva, ou seja, descreve a conduta, impondo a pena caso a conduta seja praticada (proibição indireta).
Essa técnica legislativa foi desenvolvida por Karl Binding, chamada de teoria das normas, que diferencia norma e lei. O ilícito viola a norma penal, que é o fundamento implícito da obrigatoriedade de não agir, mas não viola a lei, pois age conforme ela descreve.
1. CLASSIFICAÇÃO.
As leis penais apresentam diversas classificações:
a) leis penais incriminadorascriam crimes e cominam penas. É a parte especial do Código Penal, bem como a legislação penal especial.
b) leis penais não-incriminadoras não criam crimes nem cominam penas. Subdividem-se em:
Ä  Permissivas: são as causas de exclusão da ilicitude. Autorizam, permitem a prática das condutas típicas (ex: CP, art. 23);
Ä  Exculpantes: estabelecem a não-culpabilidade ou impunidade de algumas condutas (ex: CP, art. 132, §3º, 1ª parte).
Ä  Interpretativas: esclarecem o conteúdo e o significado de outras leis (ex: CP, art. 327).
Ä  De aplicaçãofinais ou complementares: delimitam o campo de validade das leis incriminadoras (CP, art. 2º).
Ä  Diretivas: estabelecem as diretrizes, os princípios aplicáveis a determinada matéria (ex: CP, art. 1º).
Ä  Integrativas ou de extensão: complementam a tipicidade no tocante ao nexo causal nos crimes omissivos impróprios, tentativa e participação (ex: CP, art. 13, §2º).
c) leis penais completas ou perfeitasapresentam todos os elementos da conduta criminosa (ex: CP, art. 157).
d) leis penais incompletas ou imperfeitasreservam a complementação da definição da conduta criminosa a outra lei, a um ato da Administração Pública (lei penal em branco) ou a um julgador (tipo penal aberto).
2. CARACTERÍSTICAS DA LEI PENAL.
As principais particularidades de uma lei penal correspondem à exclusividade (só a lei pode criar delitos), imperatividade (o seu descumprimento acarreta sanção), generalidade (imposta a todos, inclusive aos inimputáveis), impessoalidade (projeta seus efeitos a fatos futuros, para qualquer pessoa) e anterioridade (só podem ser aplicadas se em vigor na data do fato).
3. LEI PENAL EM BRANCO.
Para Franz Von Liszt, leis penais em branco são “corpos errantes em busca da alma”. Existem no mundo jurídico, mas não podem ser aplicadas em face de sua incompletude.
Também chamada de lei cega ou aberta, reclama complementação em seu preceito primário, por lei ou ato da Administração. Subdivide-se em:
a) lei penal em branco em sentido amplo (lato sensu) ou homogênea: o complemento tem a mesma natureza jurídica e provém do mesmo órgão que elaborou a lei penal (ex: CP, art. 169, parágrafo único, I e CC, art. 1264).
b) lei penal em branco em sentido estrito (strictu sensu) ou heterogênea: o complemento tem natureza jurídica diversa e emana de órgão distinto (Lei 11.343/06 e Portaria SVS/MS 344/1998).
c) lei penal em branco inversa ou ao avesso: neste caso, o preceito primário é completo, reclamando complementação o preceito secundário da norma. Nesse caso, a complementação necessariamente deve vir de lei, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal (ex; Lei 2.889/56, art. 1º - Lei de Genocídio).
4. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL.
É a tarefa mental que procura estabelecer a vontade da lei, ou seja, o seu conteúdo e significado. A ciência que disciplina esse estudo é a hermenêutica jurídica, através da prática de interpretação da lei chamada de exegese. Alguns critérios são adotados para que se possa realizar a interpretação da lei:
4.1. Quanto ao sujeito que a realiza: autênticajudicial ou doutrinária.
Cuida-se do responsável pela interpretação legal, classificando-a em:
a) autêntica: também chamada de legislativa, é aquela que se incumbe o próprio legislador, quando edita uma lei com o propósito de esclarecer o alcance e significado de outra. Pode ser contextual ou posterior. Tem eficácia retroativa, ainda que mais gravosa ao réu. Ex: conceito de funcionário público (CP, art. 327).
b) doutrinária: também chamada de científica, é exercida pelos doutos, escritores, doutrinadores do texto legal. Não tem força obrigatória ou vinculante, pois não faz parte da estrutura legal (ex: Exposição de motivos do CP).
c) judicial: ou jurisprudencial, é executada pelos membros do Poder Judiciário, aplicadores do direito, na decisão dos litígios que lhe são submetidos. Sua reiteração constitui a jurisprudência. Em regra, não tem força cogente, salvo no próprio caso concreto, onde faz coisa julgada, e em caso de súmula vinculante (CF, art. 103-A).
4.2. Quanto aos meios ou métodos: gramatical ou lógica.
Cuida-se dos meios de que se serve o intérprete para descobrir o significado da lei penal. Pode ser:
a) gramatical: também denominada literal ou sintática, é a que faz a acepção literal das palavras contidas no texto normativo. Despreza quaisquer elementos não visíveis na singela leitura do texto legal.
b) lógica: ou teleológica: é realizada com a finalidade de desvendar a genuína vontade manifestada na lei. O intérprete serve-se de todos os elementos à sua disposição, para encontrar o objetivo original da norma penal, quais sejam, histórico (evolução histórica da lei e do tema), sistemático (análise do sistema em que se insere), direito comparado (tratamento do assunto em outros países) e elementos extrajurídicos (significados fora do contexto do direito[1]).
4.3. Quanto ao resultado: declaratóriaextensiva ou restritiva.
O resultado refere-se à conclusão extraída pelo intérprete.
a) declaratória: ou declarativa, ou, ainda, estritaé aquela que resulta da perfeita sintonia entre o texto da lei e sua vontade.
b) extensiva: é a que se destina a corrigir uma fórmula legal excessivamente estreita. Estende-se, amplia-se o texto da lei para amoldá-lo à sua efetiva vontade.
Divergência doutrinária. Importante verificar que há divergência quanto à utilização da interpretação extensiva em normas penais. A posição doutrinária consagrada entende que, por se tratar de mera atividade interpretativa, é possível a sua utilização até mesmo em relação às normas incriminadoras (ex: CP, art. 159 – extorsão mediante seqüestro - que abrange, em interpretação extensiva, o cárcere privado). Em concursos com tendência liberal, razoável empregar posição favorável ao réu, não admitindo a interpretação extensiva ou analógica em normas penais, inclusive, com decisão do STF a respeito (RHC 85.217/SP).
c) restritiva: é a que consiste na diminuição do alcance da lei, concluindo que a sua vontade ultrapassou a finalidade precípua normativa, não necessitando de aplicação integral.
4.4. Interpretação Progressiva.
Também chamada de adaptativa ou evolutiva, é a que busca amoldar a lei à realidade atual. Evita constantes reformas legislativas, acompanhando as mudanças sociais.
4.5. Interpretação Analógica.
Ou intra legem, é a que se verifica quando a lei contém em seu bojo uma fórmula casuística, seguida de uma fórmula genérica. É necessária para possibilitar a aplicação da lei aos inúmeros e imprevisíveis casos que as situações práticas podem apresentar.
5. ANALOGIA.
A analogia não se trata de interpretação da lei penal. É, na verdade, um meio de colmatação ou integração normativa do ordenamento jurídico.
Também conhecida como integração analógica ou suplemento analógico, é a aplicação, ao caso não previsto em lei, de lei reguladora de caso semelhante, sob o fundamento do axioma ubi eadem ratio ibi eadem iuris dispositio (onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito). Somente podem ser utilizadas em normas penais não-incriminadoras, em razão do princípio da reserva legal. Pode ser:
a) analogia in malam partem: é aquela pela qual aplica-se ao caso omisso uma lei maléfica ao réu, disciplinadora de caso semelhante. Não é admitida em nosso ordenamento[2].
b) analogia in bonam partem: é aquela pela qual se aplica ao casso omissivo uma lei semelhante, favorável ao réu. É aplicável no ordenamento pátrio, salvo em casos de leis excepcionais, que não admitem analogia pelo seu caráter extraordinário, de especialidade.
c) analogia legal ou legisé aquela que se aplica ao caso omisso uma lei que trata de caso semelhante.
d) analogia jurídica ou jurisé aquela em que se aplica ao caso omisso um princípio geral do direito.
[   (1) Exemplificamos com o conceito de veneno, que não deve ser buscado no direito, mas no âmbito da química.
[  (2) É o entendimento do STF e STJ. A título de curiosidade, o STF julgou atípica a conduta que praticava, em concurso, a cola eletrônica, face a falta de previsão legal e a impossibilidade de analogia in malan partem.





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