“FORÇARAM A BARRA NA DECISÃO DE MANTER OS DIREITOS POLÍTICOS DE DILMA". ADVOGADO CONSTITUCIONALISTA | EDUARDO
MENDONÇA
Advogado afirma que, no mínimo, Senado deveria ter
analisado primeiro se aceitava fatiar ou não a pena.
Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro e autor do livro A Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil, Eduardo Bastos Furtado de Mendonça caracterizou a decisão do Senado de manter os direitos da presidenta deposta Dilma Rousseff (PT) como “esquisita”. De acordo com ele, se
o Supremo Tribunal Federal não modificar o posicionamento dos senadores, a
petista poderá concorrer a qualquer cargo eletivo em 2018, menos à presidência.
Se quiser voltar a essa função, terá de esperar o pleito de 2022.
Professor na UNICEUB, em Brasília, e ex-assessor do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, Mendonça diz ainda que o
deputado federal Eduardo Cunha (PMDB), ou qualquer outro parlamentar que venha
a ser cassado, não será beneficiado pelo fatiamento do impeachment de Rousseff,
à diferença de outros analistas, para quem a estratégia de apresentar destaques
anima os apoiadores de Cunha a propor uma pena alternativa na sessão que votará
a cassação. Eis os principais trechos da entrevista:
Pergunta. Qual a sua avaliação da decisão do Senado de manter os direitos
políticos de Dilma Rousseff?
Resposta. Foi muito esquisita. Acho que forçaram a
barra. Fez-se o impeachment pela alegação do descumprimento da legislação. Mas
na hora de se concluir o impedimento, se dá uma interpretação forçada à
Constituição. A gente tem de escolher se somos um Estado de Direito que cumpre
a lei ou se somos uma nação de camaradas.
P. Juridicamente
há algum problema na não inabilitação da ex-presidenta?
R. Vejo dois problemas. Acho que o artigo 52 da Constituição não é compatível com essa cisão. Ele diz que,
uma vez julgada procedente a acusação, se dá o afastamento do cargo com a
inabilitação. E é o que faz todo sentido. A inabilitação é uma consequência,
uma forma de proteção constitucional. O argumento de que o STF teria visto este
espaço em 1992 não me convence. Naquele caso, o presidente Fernando Collor
renunciou. O segundo problema é: assumindo que essa posição seja possível à luz
do texto, o mais adequado seria que o Senado tivesse se manifestado previamente
sobre seu próprio entendimento constitucional na matéria. Não se colocou no
Senado se os senadores poderiam fazer essa avaliação.
P. O que
está dizendo é que o ideal era que o presidente do STF,
Ricardo Lewandowski, tivesse
consultado os senadores antes de dividir a votação. O que acha?
R. Sim. O presidente da sessão decidiu sozinho.
Se o Senado tivesse de decidir a priori, em tese, se tinha ou não competência
para dividir essa questão, a maioria aplicada seria a simples. [O julgamento do
quesito direitos políticos terminou com a votação de 42 a 36]. Pelo resultado
da votação é possível que houvesse uma maioria a favor do entendimento que que
o fatiamento nem sequer seria possível.
P. Quer dizer que, se o plenário fosse
consultado, o fatiamento seria impedido. É isso?
R. É possível. É uma questão substancial, se o
Senado tem ou não de aplicar essa pena. Parte dos senadores entenderam que o
Senado não podia fatiar, inclusive aqueles que encaminharam a votação. A
maioria que se formou talvez nem considere que o Senado tenha esse poder.
Significaria uma certa autocontenção do Supremo. Não é que o STF não poderia rever,
mas ele tenderia a ser mais contido. Nem isso eu sei se aconteceu.
P. Acredita
na revisão dessa decisão pelo STF?
R. É possível porque você tem uma quantidade
relevante de atores que podem levar a situação ao Supremo, com interesse
diferente e visão estratégica diferente. Nada impede que alguém leve a questão
ao STF.
P. Nenhum
dos 24 recursos apresentados ao STF até o momento vingou. Qual a chance de um
pedido como esse prosperar?
R. Este caso dos direitos políticos não trata do
mérito do impeachment. O que se discutiria aqui seria uma questão
institucional, se o Senado tem ou não esse poder de definir a pena, a partir da
interpretação da Constituição. É uma questão tipicamente constitucional.
Acredito que não está em discussão a revisão do mérito, que ele não pode fazer.
Isso, sim, seria uma guinada na jurisprudência consolidada do tribunal.
P. Então, se o Supremo entender que a decisão do
Senado de manter os direitos políticos de Rousseff foi inconstitucional, ela
automaticamente perderia esses direitos?
R. Se não podia fatiar, só tem duas soluções:
automaticamente perde os direitos políticos ou a defesa de Dilma pediria a
anulação de toda a votação final. Se o STF se dispuser a rever a questão dos
direitos políticos, imagino que seria para entender que a inabilitação da
presidente é automática. O STF é um tribunal cuidadoso em um julgamento de
carga política como essa. É possível que o STF não se interfira em nada, mas se
resolver mexer nisso, não é mexer no mérito do impeachment. Se modificar o
mérito, o Supremo estará atravessando a rua. A competência neste caso é do
Senado.
R. O sistema ficou capenga, mas é preciso
lembrar que a Lei da Ficha limpa não alcança o presidente. Quando ela foi
criada imaginou-se que a Constituição já deixava bem clara a punição ao
presidente, que era a inabilitação, mas isso se modificou no Senado. Por isso,
em 2018, ela pode concorrer a qualquer cargo, menos à presidência. Para
presidente, só poderia, em 2022, porque já foi eleita para dois mandatos
consecutivos. Isso está previsto no parágrafo quinto do artigo 14 da
Constituição.
P. Na sua
opinião, por que a proposta de manter os direitos políticos da ex-presidenta
foi apresentada?
R. Ouvi tantas teses: de auto salvação, de troca
de favor. Cada um pode ter tido uma motivação diferente. Alguns tinham um
desconforto por ter um respeito pessoal pela presidente, que achavam que ela
seria honesta a despeito das práticas fiscais irregulares. Não acho que tenha
tido uma concertação.
R. Não vejo como ele se beneficiar. A sanção
imposta para um presidente está prevista no artigo 52 da Constituição Federal.
E ela só trata do presidente, não pode ser estendida a outros políticos. Os
demais caem automaticamente na Lei da Ficha Limpa. Em caso de condenação, ficam
inelegíveis. E veja, a inelegibilidade é menos do que a inabilitação política
para o exercício da função pública.
P. Isso
significa que Cunha ou outro cassado poderia se tornar secretário de Estado,
por exemplo?
R. Sim. Se ele não tiver outra condenação que o
impeça, sim. O que ficou muito estranho é que, com essa decisão, um deputado cassado
não pode concorrer a eleição, mas um presidente cassado, pode.
P. Conversei
com algumas pessoas que eram pró e contra o impeachment. Todas estavam em um
clima de ressaca nesta quinta-feira. A sensação que fica, por enquanto, é essa?
R. Sim, hoje já houve uma impugnação da decisão
de ontem. Há uma sensação de exaustão generalizada. Até por isso, ninguém
cogita a sério que isso pode ser revertido com esse mandado de segurança
[apresentado pelos defensores de Rousseff]. As pessoas querem virar essa página
da história, e me parece que a só a ex-presidente insiste, um pouco sozinha, de
não deixar essa página ser virada.
FONTE:EL PAIS
FONTE:EL PAIS
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