LESÕES CORPORAIS
Art. 129. Ofender a integridade
corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Lesão
corporal de natureza grave
Pena -
reclusão, de um a cinco anos.
V -
aborto:
Pena -
reclusão, de dois a oito anos.
Lesão
corporal seguida de morte
§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias
evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena -
reclusão, de quatro a doze anos.
Diminuição
de pena
§ 4° Se o
agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou
sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da
vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição
da pena
§ 5° O
juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela
de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:
I - se
ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se
as lesões são recíprocas.
Lesão
corporal culposa
Pena -
detenção, de dois meses a um ano.
Aumento
de pena
§ 7o Aumenta-se
a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e
6o do art. 121 deste Código.
§ 8º -
Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.
§ 9o Se a
lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se
o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10. Nos
casos previstos nos §§ 1o a 3o deste
artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste
artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
§
11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será
aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de
deficiência.
1. Objeto material – O tipo do artigo 129 do Código
Penal acaba por tutelar a integralidade corporal da pessoa, responsabilizando
aquele que, por sua conduta, causa dano às funções biológicas, anatômicas,
fisiológicas ou psíquicas de terceiro (da vítima).
Novamente o legislador deixa de
estabelecer uma conduta determinada para que o crime se configure, bastando um
nexo causal entre uma ação do autor (que não está predefinida pela lei) e a
efetiva ofensa à integridade corporal da vítima.
Embora o verbo nuclear do tipo
exija uma conduta positiva, uma ofensa à integridade corporal de outrem,
compreende-se que o autor também pode responder quando deixa de fazer, quando
se omite, nas hipóteses em que a lei lhe impõe o dever jurídico de garantir a
integridade física da vítima, situação em que restará caracterizado o crime
comissivo por omissão (omissivo-impróprio), na forma do artigo 12, § 2.º, do
Código Penal.
Quando a conduta do autor se
limitar apenas a causar dor na vítima, sem que disso resulte ofensa à
integridade física dela, prevalece o entendimento jurisprudencial e doutrinário
de que isso não configurará o crime de lesão corporal, por se considerar que a
dor é apenas um fenômeno de índole subjetiva.
As intervenções cirúrgicas, mesmo
que resultem em ofensa à integridade corporal do paciente, encontram respaldo
no exercício regular de um direito, enquanto tratamentos curativos voltados à
melhora das suas condições físicas. Portanto, considera-se excluída a ilicitude
de tais atuações médicas.
Dentro do delito de lesão
corporal, o enquadramento da conduta do autor deve ocorrer em razão da
gravidade do resultado sobre a vítima.
É possível dizer, assim, que
quando não demonstrada qualquer consequência, dentre aquelas previstas nos
parágrafos 1.º a 3.º e 9.º do artigo 129, restará caracterizado o delito em sua
forma simples, prevista no caput do dispositivo, o que se
apura através de um raciocínio lógico de exclusão.
Assim, exemplificadamente, quando
a lesão corporal resultar morte, incidirá a hipótese do § 3.º; quando resultar
incapacidade permanente da vítima para o trabalho, enquadrar-se-á na prevista
no § 2.º (inciso I); quando resultar em incapacidade para as ocupações
habituais, por mais de 30 dias, capitula-se a conduta tão somente pelo previsto
no § 1.º (inciso I); e se nenhuma das hipóteses anteriores for a incidente no
caso, restará caracterizada apenas a lesão corporal leve, contida no caput do
artigo 129 do Código Penal.
Obs¹: O reconhecimento da
insignificância da conduta, quanto à lesão muito branda, recebe resistência da
jurisprudência, pois se compreende que a integridade física é bem jurídico
superior que não comporta relativizações.
2. – Sujeito ativo – O sujeito ativo do delito
pode ser qualquer pessoa, já que a lei não exige alguma condição especial
daquele que ofende a integridade corporal de outrem.
Considerando-se criminosa apenas
a ofensa física provocada em outrem, conclui-se que a autolesão não é crime.
Assim, a pessoa que ataca seu próprio corpo não responde pelo crime de lesão
corporal.
No entanto, se a autolesão tiver
o intuito de permitir o recebimento de indenização ou valor de seguro, a
conduta será criminosa, enquadrando-se, então, como estelionato, previsto no
artigo 171, § 2.º, inciso V, do Código Penal.
Aquele que causa lesão em pessoa
morta (em cadáver) não responde pelo crime do artigo 129 do Código Penal, mas
sua conduta pode se enquadrar nos artigos 211 ou 212 da precitada lei, pela
violação do respeito aos mortos.
3. – Sujeito passivo - Qualquer pessoa física pode
ser sujeito passivo do crime, excluindo-se, pelas razões já citadas, o autor
que provoca lesões em si mesmo.
O cadáver também não pode ser
considerado vítima do crime de lesões corporais, por já não ser sujeito de
direito.
4. – Elemento subjetivo – Constitui-se no animus
nocendi, na vontade agredir fisicamente, que resta demonstrada quando o
autor do fato pratica conduta que resultará na ofensa à integridade corporal de
terceiro, atuando conscientemente nesse sentido.
Há espaço para o dolo eventual e
a conduta culposa também é admitida, estando prevista no § 6.º do artigo 129 do
Código Penal.
Obs¹: As lesões corporais graves,
gravíssimas e as que resultam morte (§§1.º a 3.º do artigo 129 do Código Penal)
podem ser consideradas preterdolosas ou preterintencionais. Elas exigem,
portanto, que o resultado mais grave (a lesão corporal grave, gravíssima ou a
morte da vítima) seja ao menos previsível ou evitável pelo autor do fato, ainda
que não pretendido.
Caso o autor sequer consiga
prever o resultado de sua conduta, não se poderá responsabilizá-lo pelo ato. Do
contrário, estaríamos admitindo autêntica responsabilidade objetiva na hipótese
de lesão corporal, o que colide com a disciplina do artigo 19 do Código Penal.
5. – Consumação:
O delito se consuma quando a
agressão do autor resulta na efetiva ofensa à integridade física ou à saúde da
vítima, comprovando-se a lesão pelo auto de exame de lesões corporais.
Cogita-se possível a tentativa
quando, apesar de não alcançado o resultado lesivo, o efetivo dano corporal,
prevalecer na conduta do autor o elemento subjetivo de ofender a integridade
corporal ou a saúde de outrem.
Se a vítima não restar ofendida
em sua integridade física ou em sua saúde, e também faltar elementos para
demonstrar o intuito do autor nesse sentido, o seu dolo, a conduta pode
caracterizar residualmente vias de fato, prevista no artigo 21 da Lei das
Contravenções Penais.
6. – Lesões corporais graves
(§1.º): São as
consideradas em razão do resultado da ação do agressor, repreendidas com mais
rigor que as lesões leves quando a vítima restar lesionada na forma dos incisos
do § 1.º do artigo 129 do Código Penal:
Inciso I – A incapacidade para as
ocupações habituais, por mais de trinta dias, não alcança apenas as atividades profissionais
da vítima, mas também outras tarefas e rotinas de seu cotidiano, como o lazer,
as ocupações domésticas etc.
Se a incapacidade para as
ocupações habituais se der por período inferior a trinta dias, então a lesão
corporal será leve, na forma do caput, do artigo aqui analisado.
Apesar de se exigir o
prolongamento dos efeitos lesão por período superior a trinta dias, ela ainda
deve ser temporária. Se for perene (permanente), pode ser enquadrada na
hipótese do inciso III, por debilidade permanente de membro, sentido ou função,
ou até mesmo como gravíssima, por possível incapacidade permanente para o
trabalho, perda ou inutilização de membro, sentido ou função e/ou deformidade
permanente (incisos I, III, ou IV do § 2.º do artigo 129 do Código Penal).
Inciso II – O perigo de vida previsto
no inciso II deve ser concreto, demonstrável mediante realização de prova
técnica na situação de fato (o auto de exame de lesões corporais), que seja
conclusivo pela efetiva exposição da vida da vítima a perigo.
Inciso III – A debilidade contida no inciso
III está relacionada à redução de uma capacidade atribuída aos membros,
sentidos ou função da vítima, sendo que a permanência da debilidade, sua
continuidade, estabelece-se em oposição às lesões curáveis.
Membros são os apêndices do
corpo, dividem-se em membros superiores e inferiores.
Os sentidos são atributos,
atividades desempenhadas pelo organismo em sua correlação com o meio ambiente,
como são a audição, a visão, o tato, o paladar e o olfato.
As funções são as atividades
fisiológicas desenvolvidas pelo organismo, como são as funções respiratória,
circulatória, renal, neurológica, digestiva, cardíaca etc.
A redução de tais atributos
fisiológicos, em razão da conduta do autor, caracteriza a lesão corporal grave.
A perda deles, de outro lado, destaca a lesão corporal gravíssima.
Obs.: Nas hipóteses envolvendo
perda de um dos órgãos duplos (rins, pulmões etc.) admite-se que a lesão
provocou a redução das funções do organismo, não se cogitando perda delas, já
que a função desempenhada por eles (renal, respiratória etc.) ainda se manterá.
Nesses casos, então, a lesão não chega a ser gravíssima.
Inciso IV – A lesão corporal que
resulta em aceleração de parto impõe o nascimento do feto com vida. Se por
conta da lesão resultar natimorto, então a hipótese será de aborto,
configurando-se lesão corporal gravíssima, na forma do inciso V do § 2.º deste
artigo.
7. – Lesão corporal gravíssima
(§2.º): As
consequências arroladas aqui afetam mais severamente a vítima, pelo que
entendeu o legislador em cominar penas mais graves nestas hipóteses.
Inciso I – Trata da lesão corporal
que resulta em incapacidade permanente para o trabalho, em que se considera a
capaz de impedir o exercício de qualquer atividade profissional remunerada, não
se limitando apenas àquela habitualmente exercida pela vítima.
Inciso II – A enfermidade incurável se
caracteriza justamente pela inexistência de terapia consagrada pela medicina,
apta a reestabelecer a saúde da vítima.
A existência de terapias
experimentais não descaracteriza a hipótese do inciso II, já que a vítima não
pode ser obrigada a se aventurar em tratamentos inconclusivos quanto aos riscos
e eficácia.
Obs¹: A transmissão de doenças
venéreas, por ato sexual, não caracteriza a hipótese do inciso II do artigo
129, ainda que alguma seja cediçamente incurável. No caso, a situação violará a
norma do artigo 130 do Código Penal, já que neste a conduta do autor encontrará
todos os elementos de sua definição legal.
Obs²: A transmissão pura e
simples de doenças incuráveis, que não se enquadrar nas hipóteses dos artigos
130 e 131 do Código Penal, pode caracterizar lesão corporal gravíssima.
Inciso III – A hipótese deste inciso
difere da prevista no inciso III do § 1.º por se tratar, aqui, da efetiva perda
ou inutilização do membro, sentido ou função, aplicando-se, assim, sanções mais
severas que as previstas para os casos de redução funcional da vítima.
Inciso IV – A deformidade permanente é a que
causa alteração no aspecto físico da vítima, que pode lhe resultar em vexame ou
desagrado. Sua constatação se dá por meio de exame pericial, seguido de
confrontação entre imagens anteriores e posteriores à lesão.
Inciso V – A lesão corporal que
resulta em aborto impõe que o autor do fato tenha conhecimento do estado de
gravidez da vítima. Por se tratar de conduta preterintencional, em tendo
consciência da gravidez da vítima, pode se considerar que assumiu risco de
causar a morte do feto, mesmo que não tenha pretendido isso diretamente.
No entanto, se também houve dolo
na provocação do aborto, deve se cogitar a incidência dos artigos 125 a 127 do
Código Penal.
Obs¹: Para a caracterização do
crime, impõe-se a prova do nexo causal entre a agressão e o aborto, mediante
laudo pericial.
§ 3.º - Lesão corporal seguida de
morte – A
doutrina destaca que o § 3.º do artigo 129 do Código Penal contém uma hipótese
de homicídio preterintencional (preterdoloso), em que a lesão corporal causada
pelo autor resulta na morte da vítima.
Neste caso, embora a morte não
tenha sido pretendida (não se conclua pela existência de dolo na morte da
vítima), a responsabilidade por ela é imputada ao autor na forma deste
parágrafo, desde que previsível em face das circunstâncias.
Em todos os casos, o nexo causal
entre a conduta do autor e a morte da vítima deve sempre estar presente.
§ 4.º - Lesão Corporal
privilegiada - O § 4.º do artigo 129 repete, em seus fundamentos e no
método de redução, as privilegiadoras contidas no § 1.º do artigo 121, ambos do
Código Penal. As duas situações consideram que o crime motivado por relevante
valor social ou moral, assim como aquele em que o agente atua mediante violenta
emoção, quando seguida de injusta provocação da vítima, acomodam redução da
pena, de um sexto (1/6) a um terço (1/3)
O relevante valor social é aquele
que aproveita a coletividade.
O relevante valor moral é o que
vem em defesa da conduta ética, em acordo com os costumes aceitos na
comunidade.
A violenta emoção é o estado
emotivo que domina o autor ao ponto de reduzir o juízo crítico de sua conduta,
que se justifica na hipótese quando seguido de uma provocação injusta da
vítima.
Recomenda-se uma leitura dos
apontamentos a respeito do artigo 121, § 1.º, em que a matéria foi apreciada.
Substituição da pena - § 5.º - Há no
delito de lesões corporais leves (no qual as lesões não são graves) uma
hipótese especial de substituição da pena privativa de liberdade por pena de
multa, ela incide quando a lesão corporal for privilegiada (§ 4.º do artigo 129
do Código Penal) e também quando as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa - § 6.º - Ocorre quando da imprudência, da
negligência ou da imperícia do autor advém apenas ofensa à integridade corporal
corporal da vítima. Independentemente da gravidade das lesões, por não terem
sido pretendidas pelo autor do fato (já que ausente o dolo), a pena aplicável é
apenas a privativa de liberdade de dois meses a dois anos.
Lesão corporal culposa
qualificada ou decorrente da atuação de milícia de segurança ou grupo de
extermínio - § 7.º - O parágrafo em questão amplia a incidência da lesão corporal às
hipóteses previstas em dois dispositivos que sofreram significativas alterações
recentes, os §§ 4.º e 6.º do artigo 121 do Código Penal, que já foram estudadas
no artigo 121 do Código Penal.
Então, há previsão legal à lesão
corporal culposa qualificada, assim como previsto ao delito de homicídio
culposo qualificado, quando ela decorre de inobservância de norma técnica de
profissão, arte ou ofício, se omite socorro à vítima ou foge para evitar a
prisão em flagrante, em situações equivalentes às previstas no § 4.º do artigo
121 do Código Penal.
Além disso, a lesão corporal
decorrente da atuação de milícia que presta serviço de segurança e a oriunda a
atuação de grupo de extermínio também se tornaram qualificadas (§6.º do artigo
121 do Código Penal).
Perdão judicial na lesão corporal
culposa - § 8.º - Previu
aqui o legislador a hipótese de perdão judicial na lesão corporal culposa
quando a ação culposa do autor resultar em tal sofrimento pessoal seu que, por
si só, já implica em punição pela lesão causada a terceiro, em situações
equivalentes àquelas previstas no § 5.º do artigo 121 do Código Penal.
Lesão corporal qualificada contra
ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem convivia ou
tenha convivido, ou, ainda, na prevalência das relações domésticas, de
habitação ou de hospitalidade - § 9.º - A hipótese de lesão corporal aqui qualificada
foi incorporada ao diploma penal por força da Lei n.º 11.340/06, destacando-se
das lesões corporais leves do caput porque considera as
condições pessoais da vítima, notadamente a proximidade do vínculo familiar
entre ela e o autor do fato (qualquer parente dele em linha reta – ascendentes
ou descendentes, colaterais até o segundo grau – irmãos e cônjuge ou
companheiro), bem como nos casos em que se prevalece o delinquente das relações
domésticas, de habitação ou de hospitalidade mantidas com a vítima.
Causa de aumento de pena prevista
no § 10 – Caso
as lesões sejam qualificadas pelas hipóteses dos §§ 1.º a 3.º e as
circunstâncias do § 9.º coexistirem no caso concreto, estas já não incidirão
como qualificadoras, mas como causas de aumento, em 1/3 (um terço), na
dosimetria da pena.
Causa de aumento de pena na lesão
corporal qualificada do § 9.º - § 11 -O § 11 do artigo 129 do Código Penal reservou uma
última causa de aumento da pena na hipótese de lesão corporal qualificada do §
9.º, quando a vítima for portadora de deficiência.
A reserva
legal da lei impõe que a deficiência da vítima só incida como causa de aumento
nas situações previstas no § 9.º do artigo 129 do Código Penal, excluindo-a em
face das demais. Contudo, nada obsta, em outros casos, seja considerada no
agravamento da pena, conforme artigo 61, alínea h, do Código Penal, quando
reconhecida a deficiência como enfermidade.
Autora:Lenoar
B. Medeiros
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